Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP00039739 | ||
Relator: | PINTO DE ALMEIDA | ||
Descritores: | REGISTO CANCELAMENTO DE INSCRIÇÃO CONTESTAÇÃO | ||
Nº do Documento: | RP200611160634494 | ||
Data do Acordão: | 11/16/2006 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
Decisão: | CONFIRMADA A SENTENÇA. | ||
Indicações Eventuais: | LIVRO 692 - FLS. 62. | ||
Área Temática: | . | ||
Sumário: | I- O pedido de cancelamento apenas é exigível a quem intente uma acção ou deduza reconvenção e não necessariamente ao réu que se limita a contestar a pretensão do autor. II- Ao dizer-se que o citado preceito se aplica à parte que desencadeia processualmente uma acção ou uma reconvenção, mas não necessariamente ao réu que se limita a contestar a pretensão do autor, não se exclui que ao réu, nesta situação, esteja vedada a possibilidade de requerer o cancelamento do registo. | ||
Reclamações: | |||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I. B………….., por si e em representação da Herança ilíquida e indivisa por óbito de C…………, intentou esta acção com processo sumário contra D………… e mulher E………… . * Pediu que: - se declare que a Autora é dona e legítima possuidora de um prédio rústico identificado no art.2.º da p.i; - se condenem os Réus a executarem as obras necessárias à construção de um parapeito, com pelo menos 1,5 m de altura, na varanda a que se alude no art. 6.º da p.i, assim como a taparem a porta e as janelas identificadas em 10 e 11 do mesmo articulado. Os Réus contestaram impugnando a factualidade aduzida pela Autora, designadamente o direito de propriedade alegado pela Autora, concluindo pela improcedência da acção. Em reconvenção: - pediram que a Autora seja condenada a reconhecer que as obras dos reconvintes na moradia referida no art.42.º da contestação não ofendem quaisquer direitos da reconvinda porquanto não deitam directamente para coisa que pertença à Autora; - requereram que seja ordenado o cancelamento da inscrição G-1, a favor da Autora, a que se reporta a apresentação 20/220299, respeitante ao prédio rústico, registado na Conservatória do Registo Predial de Chaves sob o n.º00198/220299, da freguesia de ……… Na sequência de acórdão proferido nesta Relação, foi admitida a intervenção principal dos restantes herdeiros para, conjuntamente com a autora B………., fazerem valer os direitos da herança. Foram assim chamados F………., G………., H………. e I…………. . Percorrida a tramitação normal, veio a ser proferida sentença em que se decidiu: - Julgar improcedente a acção, consequentemente, absolvem-se os Réus dos pedidos contra eles formulados pela Autora - Julgar procedente a reconvenção e, em consequência, condena-se a Autora/reconvinda a reconhecer que as obras dos Réus/reconvintes na moradia referida no art.42.º da contestação não ofendem quaisquer direitos da reconvinda porquanto não deitam directamente para coisa que pertença à Autora. - Mandar cancelar quaisquer registos ou inscrições que estejam em oposição com a declaração do direito aqui decidida, designadamente determina-se o cancelamento da inscrição G-1, a favor da Autora, a que se reporta a apresentação 20/220299, respeitante ao prédio rústico, registado na Conservatória do Registo Predial de Chaves sob o n.º00198/220299, da freguesia de ……… . Discordando desta decisão, dela interpôs recurso a autora B……….., de apelação, tendo apresentado as seguintes Conclusões: 1. Não tendo os réus pedido o reconhecimento do direito de propriedade a seu favor do prédio rústico para onde abriram uma porta e duas janelas a distância inferior a 1,5 metros, actuando como se de verdadeiros proprietários do dito prédio fossem, não poderão obter, como obtiveram, procedência do pedido de cancelamento do registo efectuado a favor da autora e intervenientes. 2. O pedido de cancelamento do registo previsto no artigo 8° do Código de Registo Predial só tem razão de ser quando, neste caso através da reconvenção, se formule um pedido que, pela positiva, ponha em causa o facto registado. 3. Se eventualmente os réus consideram que o prédio rústico em causa pertence a alguém que não é parte na acção e que, eventualmente, os tivesse autorizado a abrir as ditas janelas e porta, deveriam tê-lo alegado e provado e não o tendo feito como o não fizeram, os pedidos por si efectuados são insuficientes para destruir o valor que o registo predial concede aos factos neles inscritos. 4. O pedido de cancelamento da inscrição G-l, registado provisoriamente e deixado caducar pelos réus, tal como vem formulado, respeita somente à inscrição efectuada a favor da autora e recorrente B………, não tendo sido atingida por tal pedido a inscrição efectuada a favor dos restantes titulares F…………, G………., H………. e I………... Ora, 5. Encontrando-se o registo efectuado em comum e sem determinação de parte ou direito, verifica-se uma verdadeira contitularidade de direitos da previsão do artigo 37° do Código de Registo Predial, não sendo possível destruir uma parte do registo de aquisição e manter a outra, salvo se, neste caso, se viesse a demonstrar que, afinal, a B……….. não estava casada com o autor da sucessão hereditária, C…………., questão que nunca foi colocada sequer e que é descabida. 6. Não se verifica, portanto, razão para proceder ao cancelamento da inscrição G 1, efectuada a favor de B………, F………., G………, H………. e I…….., do prédio rústico inscrito na matriz predial da freguesia de ……., no concelho de Chaves, sob o artigo 3.054° e descrito na Conservatória do Registo Predial de Chaves sob o n.o 00198/220299, pelo que razão não há para que, devendo continuar em vigor tal registo, se não considere procedente o pedido de reconhecimento do direito de propriedade efectuado pela autora na alínea a). 7. Os demais pedidos deste derivam directamente, encontrando-se demonstrados, designadamente nas alíneas H) e I) dos factos provados vertidos na douta sentença recorrida, todos os requisitos exigidos, designadamente no que refere às dimensões e distâncias ao prédio rústico propriedade da herança. 8. A sentença recorrida violou, entre outros, os artigos 7°, 8° e 37° do Código de Registo Predial e o artigo 350° do Código Civil. Termos em que, deve revogar-se a sentença recorrida, substituindo-se por outra que condene os réus nos pedidos formulados e se absolva a autora do pedido reconvencional que contra si foi dirigido. Os RR. contra-alegaram, concluindo pela improcedência da apelação. Após os vistos legais, cumpre decidir. II. Questões a resolver: Defende a Recorrente que: - O pedido de cancelamento do registo estava dependente da formulação do pedido de reconhecimento do direito de propriedade a favor dos RR.; - Não é possível destruir uma parte do registo (a favor da A. B………..) e manter o registo na parte restante; - Devendo o registo manter-se em vigor, não existe razão para não se considerar procedente o pedido de reconhecimento do direito de propriedade formulado pela A.. III. Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos: 1) Em 21 de Janeiro de 1998, faleceu C…………, no estado de casado com B………….., em primeiras núpcias de ambos e no regime da comunhão geral de bens. 2) Inscrita na matriz rústica da freguesia de Sanfins sob o artigo 3.054, encontra-se uma eira, no lugar da Cerca, com a área de 500 metros quadrados, a qual confronta do norte e poente com caminho, do nascente com J……….. (e também com os réus) e do sul com L……... 3) Tal prédio encontra-se inscrito na Conservatória do Registo Predial de Chaves, em comum e sem determinação de parte ou direito, a favor da autora e dos intervenientes, mediante a inscrição 00198/220299, por dissolução por morte da comunhão conjugal e sucessão hereditária de C……….. . 4) Os Réus, em finais de 1998, procederam à reconstrução de uma moradia que confronta, do seu lado nascente, com a referida eira. 5) No âmbito da reconstrução citada em 4), os réus substituíram a parede em pedra correspondente ao alçado voltado para a eira por outra edificada em tijolo, não tendo, tal como se verificava anteriormente, aberto quaisquer portas, janelas, varandas ou terraços voltados para o prédio da autora. 6) No pretérito dia 17 de Junho de 1999, os réus procederam à demolição da identificada parede, deixando a descoberto e voltada para a eira supra referida uma varanda com 8,23 metros de comprimentos e 1,43 metros de largura, para onde deitam duas janelas e uma porta. 7) A eira, em causa, conhecida pela M…………., à data do óbito dos Autores da herança, estava omissa na Conservatória. 8) A eira supra aludida pertenceu, em tempos idos, a N………., bisavó Paterna do réu marido 9) Nesse local, N……… procedia à malha do cereal, destino económico mais consentâneo com as características físicas desse bem, tendo em conta a actividade agrícola da sua dona. 10) Após a morte da N………, seus filhos, entre os quais o avô do réu marido, prosseguiram a posse da eira que utilizavam também, para os referidos fins da faina da malha do cereal. 11) Nunca os pais da Autora B………, nem o falecido marido desta, nem ela própria, nem qualquer dos interessados na herança autora, nem qualquer dos seus antecessores imediatos, foi visto ou achado a utilizá-la por qualquer forma. 12) Os pais do Réu marido a este doaram a única casa, que é contígua à eira. 13) Nesta casa, hoje reconstruída pelos réus, viveu o avô paterno do Réu marido O………., durante mais de trinta e quarenta anos, até ao seu decesso, ocorrido há cerca de 12 anos. 14) Durante o tempo em que viveu na dita casa, o O……… ocupava a contígua eira, objecto deste litígio, com lenhas e palheiros de palha, fazendo-o, sistemática, ostensiva e ininterruptamente, com a convicção de que a mesma lhe pertencia, em propriedade, à vista de todas as pessoas da povoação de ……….., que, a tal posse, nunca se opuseram, antes, a respeitavam. 15) Foi essa a casa que os réus reconstruíram. IV. A começar, devemos referir que o próprio teor das alegações e conclusões do recurso constitui boa razão para concluir pela justeza da sua improcedência. Na verdade, decorre manifestamente da factualidade acima indicada (cfr. factos nºs 7 a 15) que os Réus lograram provar que os Autores não são titulares do direito de propriedade sobre o prédio discutido na acção (identificado supra no nº 2 dos factos provados), assim elidindo a presunção derivada do registo (art. 7º do CRP). Apesar disso, abstraindo-se da realidade e contra a verdade substancial desses factos, a Recorrente pretende que, com base na subsistência do registo (por sinal obtido nos termos do art. 49º do CRP, a partir de simples habilitação notarial e declaração complementar (1), se julgue procedente o pedido de reconhecimento do seu alegado direito de propriedade! Mas vejamos cada uma das questões acima enunciadas. 1. Se o pedido de cancelamento estava dependente do pedido de reconhecimento do direito de propriedade pelos Réus Dispõe o art. 8º nº 1 do CRP: Os factos comprovados pelo registo não podem ser impugnados em juízo sem que simultaneamente seja pedido o cancelamento do registo. Este preceito tem realmente sido interpretado no sentido de que o pedido de cancelamento apenas é exigível a quem intente uma acção ou deduza reconvenção e não necessariamente ao réu que se limita a contestar a pretensão do autor (2). Portanto, os Réus, que não formularam pedido de reconhecimento do direito de propriedade em seu favor, não estavam obrigados a pedir o cancelamento do registo do direito a favor dos Autores. Mas poderiam fazê-lo? Crê-se que sim. Ao dizer-se que o citado preceito se aplica à parte que desencadeia processualmente uma acção ou uma reconvenção, mas não necessariamente ao réu que se limita a contestar a pretensão do autor, não se exclui que ao réu, nesta situação, esteja vedada a possibilidade de requerer o cancelamento do registo. Aliás, embora não se advogue uma tal tese, já foi defendida solução contrária à dos citados Acórdãos, afirmando-se que o reconhecimento da impugnação, feita em juízo, dos factos comprovados pelo registo, é condicionada pela formulação de pedido de cancelamento de registo, para o que deverão os interessados nessa impugnação colocar-se em posição processual que lhes permita pedir tal cancelamento, formulando a respectiva pretensão (3). Na base deste entendimento está a consideração de que não pode reconhecer-se judicialmente contra a verdade dos factos resultantes do registo se este subsistir. Pois bem, pensa-se que não se deve adoptar uma interpretação exclusivamente literal do citado preceito – que levaria até a relacioná-lo apenas com o réu, por a impugnação ser acto próprio deste (art. 490º do CPC) – mas também não deverá ser excluída do âmbito de aplicação da norma situação que é abrangida claramente pela sua letra. Como no caso dos presentes autos, em que os Réus, para além de impugnarem o direito invocado pelos Autores, alegaram e provaram factos absolutamente incompatíveis com esse direito. O direito de propriedade invocado pelos Autores assenta na presunção derivada do registo. Os Réus lograram provar factos susceptíveis de elidir tal presunção. A admitir-se que não pudessem pedir o cancelamente, ocorreria efectiva contradição, como adverte Mouteira Guerreiro(4): teríamos, por um lado, uma sentença a declarar judicialmente irrelevantes ou inverídicos certos factos e, por outro, um registo a fazer presumir erga omnes a veracidade e validade desses mesmos factos. Como sintetiza o mesmo Autor, porque o registo não pode subsistir contra a verdade, é então necessário cancelá-lo. Tal conclusão mais se impõe no caso, uma vez que os Autores assentam o seu direito exclusivamente na referida presunção. Decorre da posição assumida pelos Réus que estes não se arrogam o direito de propriedade sobre o prédio em questão; o que, aliás, se encontra reflectido na factualidade provada, por si alegada. Portanto, não poderiam pedir o reconhecimento de um direito seu (que não têm), nem o direito de outrem (para o qual não teriam legitimidade). Mas isso não os pode inibir de se oporem à pretensão dos Autores e de demonstrarem, provando positivamente, que estes não têm o direito que alegam, por nisso terem manifesto interesse. Como foi, no fundo, reconhecido com a procedência do 1º pedido reconvencional. Essa prova contraria os elementos do registo, possibilitando, por isso, o cancelamento pedido pelos Réus e decretado na sentença. 2. Afirma a Recorrente que não é possível destruir apenas parte do registo (a si referente) e manter-se o registo na parte restante. Não tem razão, como parece evidente. O cancelamento decretado na sentença respeita, obviamente, a toda a inscrição. Está em causa um direito relativo à herança de C………., exercido por todos os herdeiros, aqui Autores – art. 2091º do CC. O caso é, pois, como já foi reconhecido, de litisconsórcio necessário – art. 28º do CPC. Mesmo em relação aos chamados – e foram-no por força dessas disposições legais – o direito destes tinha de ser considerado na sentença, que constitui caso julgado também quanto a eles – art. 328º nº 2 do CPC. Não existe, por isso, razão para distinguir a situação destes autores, uma vez que foi posto em causa um direito que a todos respeita, assim como o registo que o comprovaria. 3. A procedência do pedido, defendida na última questão, pressupunha a manutenção do registo em vigor. Esta situação, como vimos, não se verifica, o que determina a improcedência de tal questão. Improcedem, por conseguinte, as conclusões do recurso. V. Em face do exposto, julga-se a apelação improcedente, confirmando-se a sentença recorrida. Custas pela apelante. Porto, 16 de Novembro de 2006 Fernando Manuel Pinto de Almeida Trajano A. Seabra Teles de Menezes e Melo Mário Manuel Baptista Fernandes _________________________ (1) Cfr. a análise crítica deste regime feita por Isabel Pereira Mendes, em A primeira inscrição no registo predial português, Estudos Sobre o Registo Predial, 110 e 111. (2) Neste sentido, os Acórdãos da Rel. de Évora de 19.5.88, CJ XIII, 3, 285 e da Rel. do Porto de 25.2.88, de 15.7.91 e de 5.12.94, CJ XIII, 1, 216, XVI, 4, 242 e XIX, 5, 222, respectivamente. (3) Neste sentido, os Acórdãos do STJ de 4.7.72, BMJ 219-196 e da Rel. de Coimbra de 23.4.85, CJ X, 2, 62. (4) Noções de Direito Registral, 2ª ed., 72. |