Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
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| Nº Convencional: | JTRP00036194 | ||
| Relator: | FERNANDA SOARES | ||
| Descritores: | TRIBUNAL ARBITRAL FUTEBOLISTA PROFISSIONAL CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA IMPUGNAÇÃO DO DESPEDIMENTO | ||
| Nº do Documento: | RP200402090344354 | ||
| Data do Acordão: | 02/09/2004 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Tribunal Recorrido: | T TRAB V REAL | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | AGRAVO. | ||
| Decisão: | REVOGADA A DECISÃO. | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - A ilicitude do despedimento só pode ser declarada pelo tribunal judicial em acção intentada pelo trabalhador. II - Por isso, não é válida, nessa parte, a cláusula compromissória inserida no contrato individual de trabalho celebrado entre um jogador profissional de futebol e um clube de futebol. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação do Porto I Rui... intentou no Tribunal de Trabalho de Vila Real contra Sport C... acção emergente de contrato de trabalho pedindo seja declarado que o Réu procedeu ao seu despedimento ilícito, e em consequência condenado o mesmo a pagar-lhe a) a quantia de 9.800.000$00 a título de créditos laborais vencidos; b) a quantia de 11.200.000$00 a título de indemnização; c) os juros de mora sobre as quantias referidas a contar da data da cessação do contrato de trabalho e até integral pagamento. Fundamenta o Autor os seus pedidos no facto de em 1.3.98 ter celebrado com o Réu contrato de trabalho desportivo, com início em 1.7.01 e termo em 31.7.02, para exercer, ao serviço do mesmo, a actividade de futebolista e mediante remuneração. Acontece que com data de 10.7.01 o Réu enviou ao Autor carta a comunicar-lhe a rescisão do contrato de trabalho por abandono do Autor. Contudo, o conteúdo dessa carta não corresponde à realidade, configurando, a mesma, um despedimento ilícito, conforme factualidade que descreve na petição. O Réu veio contestar arguindo a incompetência absoluta do Tribunal e impugnando a demais matéria articulada pelo Autor. O Autor veio responder pugnando pela competência do Tribunal de Trabalho. Foi proferido despacho saneador a julgar o Tribunal de Trabalho competente. Consignou-se os factos dados por assentes e elaborou-se a base instrutória. O Réu, inconformado com o despacho saneador, na parte em que julgou o Tribunal de Trabalho competente, veio recorrer pedindo a sua revogação, devendo considerar-se procedente a invocada excepção dilatória de preterição do Tribunal arbitral, e para tal formula as seguintes conclusões: 1. A agravante invocou a excepção dilatória de preterição do Tribunal arbitral nos termos do art.494 al,j) e 111 nº3 do C.P.C. 2. O despacho recorrido considerou que não se verificava a procedência desta excepção com fundamento nos arts.12 nº2 da L.C.C.T. e 13 nº1 da L.C.T., as quais não afastam a exclusividade do referido Tribunal arbitral, pelo que fez errada interpretação de tais normativos. 3. Além disso, o despacho saneador violou o disposto nos arts.54 e 55 al.a) do C.C.T. que prevê o recurso das partes á Comissão Arbitral Paritária para dirimir qualquer conflito de natureza laboral existente entre elas. 4. E violou o art.30 da Lei 28/98 de 26.6 o qual estatui de igual modo o recurso à convenção de arbitragem na resolução desses conflitos, fixando competência exclusiva ás comissões arbitrais paritárias. 5. Ao considerar competente o Tribunal de Trabalho de Vila Real para dirimir esta questão laboral, tal decisão violou as mencionadas normas adjectivas. O Autor contra alegou pugnando pela manutenção do despacho recorrido. O Exmo. Procurador da República junto desta Relação emitiu parecer no sentido de o agravo merecer provimento. Admitidos os recursos e corridos os vistos cumpre decidir. * * * Para além do referido no parágrafo primeiro cumpre referir a seguinte factualidade, a qual importa á decisão do presente recurso. II Do contrato de trabalho celebrado em 1.3.98 entre Autor e Réu, junto aos autos, consta a seguinte cláusula:«11ª - Para dirimir os conflitos entre si emergentes, as partes acordam em submeter a respectiva solução á comissão arbitral constituída nos termos do art.48 do C.T.T. para os profissionais de Futebol». * * * Questão a apreciar.III Se o Tribunal de Trabalho é competente para conhecer da presente acção. * * * Da competência do Tribunal de Trabalho tendo em conta a cláusula 11ª do contrato. IV O Mmo. Juiz a quo considerou que só o Tribunal de Trabalho tem competência para conhecer da presente acção, onde se discute se o Réu despediu ilicitamente o Autor, com base no art.12 nº2 da L.C.C.T.. Por sua vez, o Réu defende que o citado artigo não exclui o recurso ao Tribunal arbitral e tal é permitido pela Lei 28/98 de 26.6 (art.30 nº1). Analisemos então. A cláusula 11ª do contrato de trabalho celebrado entre Autor e Réu constitui, sem dúvida, uma cláusula compromissória tal qual vem definida no art.1 nº2 última parte da Lei 31/86 de 29.8, o qual preceitua, na parte que aqui interessa, o seguinte:«A convenção de arbitragem pode ter por objecto....litígios eventuais emergentes de uma determinada relação jurídica contratual ou extracontratual (cláusula compromissória)». E na área do direito laboral é admitido o recurso á arbitragem voluntária. Com efeito, determina o art. 5 al.c) do Regime Jurídico das Relações Colectivas de Trabalho – L.R.C.T. – que as convenções colectivas de trabalho podem regular «os processos de resolução dos litígios emergentes de contratos individuais de trabalho celebrados entre entidades empregadoras e trabalhadores, instituindo mecanismos de conciliação, mediação e arbitragem». E na sequência do estipulado no art.5 al.c) da L.R.C.T. tanto o C.C.T. para os jogadores como o C.C.T. para os treinadores prevêem a constituição de comissões arbitrais, que funcionarão tendo em conta os requisitos previstos na Lei da Arbitragem Voluntária – Lei 31/86 de 29.8. Igualmente a Lei 28/98 de 26.6 – que estabelece o regime jurídico do contrato de trabalho do praticante desportivo e do contrato de formação desportiva – no seu art.30, veio dar corpo ao já permitido pelo art.5 al.c) da L.R.C.T., referindo-se expressamente à convenção de arbitragem, o que não acontecia com o diploma que revogou, o D.L.305/95 de 18.11. E de tudo o que se deixa dito uma conclusão há a retirar: a lei laboral permite o recurso á arbitragem voluntária, sendo que no caso do contrato de trabalho do praticante desportivo, tal recurso, foi consagrado expressamente na Lei 28/98 de 26.6 e nos respectivos C.C.T.. Contudo, importa definir quais os litígios susceptíveis de decisão através de arbitragem voluntária. E quanto a tal questão há que recorrer á Lei 31/86 de 29.8, que no seu art.1 nº1 determina: «Desde que por lei especial não esteja submetido exclusivamente a tribunal judicial ou a arbitragem necessária, qualquer litígio que não respeite a direitos indisponíveis pode ser cometido pelas partes, mediante convenção de arbitragem, á decisão de árbitros». São assim, dois os requisitos estabelecidos no citado artigo: 1. que por lei especial o litígio a dirimir não esteja submetido exclusivamente a tribunal judicial; 2. que o litígio não respeite a direitos indisponíveis. Analisemos então o primeiro dos requisitos. A) Da exclusividade, em termos de competência, estabelecida por lei especial ao Tribunal judicial. Nos termos do art. 85 al.b) da Lei 3/99 de 13.1 cabe aos tribunais de trabalho conhecer das questões emergentes de relações subordinadas de trabalho. Tal Lei constitui lei geral de definição das competências dos Tribunais, pelo que através da mesma não podemos concluir que a competência para conhecer da acção cabe em exclusivo ao Tribunal de Trabalho. Na verdade, a Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais veio tão só definir a competência dos vários Tribunais dentro da Organização Judiciária, e nada mais. Por isso, importa averiguar se existe lei especial a determinar a competência do Tribunal judicial – no caso o Tribunal de Trabalho – para conhecer da presente acção na qual se discute da existência de um despedimento ilícito do Autor. E em matéria de despedimento veio a L.C.C.T. - D.L.64-A/89 de 27.2 - determinar que só os tribunais têm competência exclusiva para controlar a sua legalidade (cfr. arts.12 nº2, 25 nº2 e 32 nº2 da L.C.C.T. e art. 8 nº2 do D.L.400/91 de 16.10). E que tribunais são estes a que se referem os D.L.64-A/89 e 400/91? Naturalmente que são os Tribunais de Trabalho. E se na verdade a Lei 3/99 veio definir a competência dos Tribunais, entre eles a dos Tribunais de Trabalho, não seria necessário que a L.C.C.T. definisse a competência destes últimos em matéria de controlo de despedimento, já que a Lei 3/99, implicitamente, assim o refere. Mas a L.C.C.T. não veio definir, com efeito, a competência do Tribunal em tal matéria mas antes referir que só em Tribunal de Trabalho o trabalhador pode impugnar o despedimento. Isto significa que a L.C.C.T., como lei especial, veio consagrar que o controlo dos despedimentos só no Tribunal de Trabalho pode ter lugar. E atenta a natureza imperativa das normas previstas na L.C.C.T. – art.2 do D.L.64-A/89 – as mesmas não podem ser afastadas ou modificadas quer por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho ou por contrato individual de trabalho. Assim, se conclui, que quando se discute o despedimento de um trabalhador só o Tribunal de Trabalho tem competência para conhecer da licitude ou ilicitude do mesmo, por força dos arts.2 e 12 nº2 do D.L.64-A/89, constituindo tal diploma legal lei especial nos termos do art.1 nº1 da Lei 31/86. E não se verificando, no caso dos autos, o circunstancialismo previsto na 1ª parte do art.1 nº1 da Lei 31/86, prejudicado fica o conhecimento do segundo requisito (que o litígio não respeite a direitos indisponíveis). Face à conclusão a que se chegou é o Tribunal a quo competente para conhecer da presente acção pelo que o despacho recorrido não merece qualquer reparo. * * * Termos em que se nega provimento ao agravo, e se confirma o despacho recorrido. * * * Custas pelo agravante.* * * Porto, 9 de Fevereiro de 2004 Maria Fernanda Pereira Soares Manuel Joaquim Ferreira da Costa Domingos José de Morais |