Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0345296
Nº Convencional: JTRP00035930
Relator: FERREIRA DA COSTA
Descritores: DURAÇÃO DO TRABALHO
TEMPO DE TRABALHO
INTERRUPÇÃO
REDUÇÃO
Nº do Documento: RP200405030345296
Data do Acordão: 05/03/2004
Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO.
Área Temática: .
Sumário: I – A redução do período normal de trabalho para 40 horas semanais visou que nenhum trabalhador prestasse mais do que aquele número de horas de trabalho efectivo.
II – Não é trabalho efectivo, não integrando, por isso, o período normal de trabalho, o tempo das pausas de 10 minutos em que há paragem do posto de trabalho ou substituição do trabalhador que, assim, readquire a sua auto-disponibilidade.
III – Mantendo-se os trabalhadores na empresa 41h40m por semana, mas prestando trabalho efectivo apenas durante 40h00, não se verifica a prestação de trabalho suplementar.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

A.................. e B................ instauraram acção emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum, contra C.................... de Portugal, CEA, Ld.ª, tendo formulado os seguintes pedidos:
a) Condenação da R. a reconhecer as pausas de 10 minutos nos períodos da manhã e da tarde como parte integrante do período de trabalho efectivo, não podendo o respectivo tempo ser deduzido ao período normal de trabalho e
b) Condenação da R. a pagar aos AA. as horas de trabalho suplementar vencidas e vincendas, ascendendo aquelas a quantia de € 2.239,03 para o A. A.............. e a quantia de € 1.544,22 para a A. B.............., acrescidas de juros de mora, à taxa de 7% ao ano, desde a citação até integral pagamento.
Alegam que praticando um horário semanal de 41h40m, nele incluídas duas pausas diárias de 10 minutos cada uma, em 1996-12-01 a R. continuou a exigir o cumprimento de tal horário com fundamento em que as pausas não integram o período normal de trabalho; porém, não havendo paragem do posto de trabalho, tais pausas integram tal período, pelo que estão a realizar 1h40m de trabalho suplementar em cada semana, cujo valor vêm reclamar.
Contestou a R., alegando que os AA. recuperam a sua autodisponibilidade durante as pausas de 10 minutos, pelo que elas não integram o período normal de trabalho medido em termos de trabalho efectivo, inexistindo trabalho suplementar, muito menos ordenado pelo empregador.
Os AA. responderam, por impugnação.
Realizado o julgamento e proferida sentença, foi a acção julgada improcedente e a R. absolvida dos pedidos formulados pelos AA.

Inconformados com o assim decidido, vieram os AA. interpôr recurso de apelação, pedindo que se revogue a sentença, tendo formulado a final as seguintes conclusões:
1. A redução do período normal de trabalho para as quarenta horas semanais imposta pela Lei n.º 21/96, de 23-07, opera no tempo de trabalho, isto é, no tempo de permanência na empresa, sem prejuízo das interrupções/pausas já anteriormente conquistadas.
2. A Lei n.º 73/98 consagra o princípio de que o conceito legal de tempo de trabalho não compreende apenas o trabalho efectivamente prestado, mas também certos períodos de descanso, sendo indiferente à nova qualificação legal o facto de, durante as interrupções consideradas, o trabalhador permanecer ou não no seu local habitual de trabalho ou próximo dele, ou de continuar ou não à disposição da entidade empregadora.
3. Período normal de trabalho dos apelantes era e continuou a ser, antes e já sob o império das Leis n.ºs 21/96 e 73/98, de 41 horas e vinte minutos semanais, excedendo, assim, em 20 minutos, diários, o permitido por aquela legislação.
4. Este excesso equivale à prestação de correspondente trabalho suplementar que, como tal, deve ser remunerado.
5. A douta decisão recorrida viola o disposto nos Art.ºs 1.°, n.°s 1 e 3, da Lei n.º 21/96, de 23-07, bem como o Art.º 2.°, n.° 2, a), da Lei n.º 73/98, de 10-11 e os Art.ºs 2.°, n.° 1 e 7.°, ambos do Decreto-Lei n.º 421/83, de 2-12 e as cláusulas 26.ª, n.° 5 , 27.ª, n.° 1 e 38.ª do CCTV para o sector dos fabricantes de Material Eléctrico e Electrónico, publicado no B.T.E., 1.a série, n.° 26, de 15-07-77.
A R. apresentou a sua alegação, concluindo pela improcedência do recurso e consequente confirmação do julgado.
O Exmº. Procurador-Geral Adjunto emitiu avisado parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.
Nenhuma das partes se posicionou quanto ao teor de tal parecer.
Recebido o recurso, foram colhidos os vistos legais.

Cumpre decidir.
São os seguintes os factos dados como provados pelo Tribunal a quo:

a) A ré dedica-se ao fabrico de material eléctrico e electrónico explorando, por sua conta e risco, um estabelecimento industrial sito à Estrada da Rainha, Serzedo, Vila Nova de Gaia.
b) A ré é filiada na Associação Nacional dos Industriais de Material Eléctrico e Electrónico (ANIMEE) e os AA. são filiados no Sindicato dos Trabalhadores das Industrias Eléctricas do Norte (STIEN) o qual, por sua vez, integra a Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores das Industrias Eléctricas de Portugal (FSTIEP).
c) Os AA. foram admitidos ao serviço da R. (o primeiro em 15/11/87 e a segunda em 18/01/93) para, contra remuneração, trabalharem sob as ordens, direcção e fiscalização desta.
d) Os AA., sem qualquer solução de continuidade, têm vindo a exercer as funções próprias das respectivas profissões, respectivamente, "Electromecânico" o 1° e "Operadora Especializada de 2.ª” a 2ª.
e) Categorias profissionais estas que lhes são reconhecidas pela R.
f) Por determinação da R. ambos os AA. cumpriram o seguinte horário de trabalho: de 2.ª a 6.ª feira - das 8 horas às 17horas, com intervalo para almoço entre as 13horas e as 13h:40m.
g) Com duas pausas intermédias para descanso das 10h:20m às 10h:30m e das 15h:20m às 15h:30m.
h) Para o início e fim das sobreditas pausas existem sinais sonoros.
i) Por vezes, quando o trabalho o exige, a pausa tanto é feita mais cedo como mais tarde em relação aos momentos supra referidos.
j) O universo dos trabalhadores da R. não usufrui das pausas simultaneamente (no caso dos AA., pausam ao mesmo tempo os da linha respectiva da produção - que são cerca de 30 - e no seu conjunto pausam cerca de 500 trabalhadores de cada vez).
k) As máquinas com que os AA. trabalham param aquando das pausas em questão.
l) Nas pausas a R. mantém a portaria aberta.
m) Nesses lapsos de tempo (10 minutos de manhã e 10 minutos de tarde) os trabalhadores (entre os quais os AA.) podem ingerir alimentos e bebidas, deslocar-se à Cafetaria sita nas instalações da ré, dirigir-se ao Multibanco existente nas instalações fabris, aos espaços reservados para fumadores, às suas viaturas automóveis estacionadas no parque de estacionamento, aos espaços próximos dos locais de trabalho onde a R. colocou mesas e cadeiras onde podem, designadamente, descansar.
n) No contexto acima descrito, cada trabalhador opta pelo que achar mais consentâneo com o momento e dispersa-se (sozinho ou acompanhado) em consonância com os seus propósitos (vai fumar, vai tomar um café, vai ao carro, conversa.
o) Durante as pausas em causa a linha de produção onde trabalham os AA. pára.
p) A R. elaborou mapas de horário de trabalho, pagou a retribuição aos AA. e elaborou o balanço social conforme consta nos docs. que juntou nesta audiência.
q) Os AA. auferiam, as seguintes quantias:
Primeiro Autor
Retribuição Mensal
Salário Hora
De 01.12.96 a 31.03.97
108.130$00
623$80
De 01.04.97 a 31.03.98
111.667$00
644$20
De 01.04.98 a 31.03.99
115.390$00
665$70
De 01.04.99 a 31.03.00
123.044$00
709$80
De 01.04.00 a 31.03.01
126.605$00
730$40
De 01.04.01 a 31.03.02
131.371$00(655,28€)
757$90(3,78€)
A partir de Abril/2002
699,77€
4,04€
Segundo Autor
Retribuição Mensal
Salário Hora
De 01.12.96 a 31.03.97
81.750$00
495$40
De 01.04.97 a 31.03.98
83.500$00
506$30
De 01.04.98 a 31.03.99
86.005$00
521$50
De 01.04.99 a 31.03.00
97.644$00
563$30
De 01.04.00 a 09.10.00
102.570$00
591$70
De 01.10.01 a 31.03.02
104.401$00
602$30
A partir de Abril/2002
536,37€
3,09€
O Direito.
São as seguintes as questões a decidir:
1.ª - Saber se a R. pratica um período normal de trabalho de 40 horas semanais.
2.ª - Saber se os AA., permanecendo na R. 41h40m por semana, efectuam trabalho suplementar e, na hipótese afirmativa, com direito à correspondente retribuição.
Vejamos a 1.ª questão.
Consiste ela em saber se a R. pratica um período normal de trabalho de 40 horas semanais.
Dispõe o n.º 1 do Art.º 45.º do regime jurídico do contrato individual de trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49408, de 1969-11-24, conhecido por Lei do Contrato de Trabalho (LCT):
O número de horas de trabalho que o trabalhador se obrigou a prestar denomina-se «período normal de trabalho».
Por seu turno, estabelece o Art.º 11.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 409/71, de 27 de Setembro, conhecido por Lei da Duração do Trabalho (LDT):
Entende-se por «horário de trabalho» a determinação das horas do início e do termo do período normal de trabalho diário, bem assim como dos intervalos de descanso.
Ora, face a estas definições legais, a questão consiste em saber se as pausas de 10 minutos integram, ou não, o período normal de trabalho e não o horário de trabalho, como às vezes se diz na linguagem corrente, mas de forma incorrecta.
Por outro lado, na execução do contrato de trabalho, a obrigação do trabalhador de prestar a sua actividade e/ou de se colocar na disponibilidade do empregador, conhece hiatos. Trata-se de intervalos que se verificam, ou podem verificar-se, dentro do período de trabalho, entre dois períodos de trabalho, entre duas jornadas de trabalho, entre duas semanas e em cada ano (as férias, v.g.).
Todos estes intervalos têm de comum o facto de serem “tempos de não-labor entre dois períodos consecutivos de trabalho” e filiam-se, embora em grau não igual para cada caso, em razões de ordem sanitária, biológica, social, económica e profissional”[Cfr. Feliciano Tomás de Resende, in As prestações das partes, Revista de Estudos Sociais e Corporativos, n.º 32, págs. 18 e Jorge Leite, in Descanso semanal em regime de turnos rotativos, Revista de Direito e Economia, 1984/1985, págs. 87 e segs.].
Com excepção do primeiro, todos os referidos intervalos decorrem por regra fora do local de trabalho e em períodos temporais em que não há subordinação jurídica. Na verdade, durante as férias, descanso semanal e intervalo para o almoço, o trabalhador não está sob as ordens, direcção e fiscalização da entidade empregadora, readquirindo a auto-disponibilidade para os fins referidos de saúde, integração familiar e social, segurança, etc.
Ao contrário, os pequenos intervalos - como são as pausas de 10 minutos dos autos - que ocorrem durante os períodos de trabalho, têm como pressuposto que o trabalhador normalmente não se pode ausentar do local de trabalho, até pela exiguidade temporal do intervalo, mantendo-se sob as ordens, direcção e fiscalização do dador de trabalho. Trata-se de tempo em que, embora não haja prestação efectiva de serviço, o trabalhador não readquire a sua auto-disponibilidade - ou a que reaquirisse, pela sua exiguidade, seria irrelevante, ou quase.
Daqui decorre que estes intervalos não são dedutíveis no período normal de trabalho, não por serem tempo de serviço efectivo, mas porque o trabalhador se mantém sob as ordens, direcção e fiscalização do seu empregador.
De resto, situação idêntica ocorre com o tempo despendido pelo trabalhador, durante o tempo de trabalho, para satisfazer necessidades fisiológicas: também não é dedutível no período normal de trabalho[Cfr. o Parecer n.º 26/X da Câmara Corporativa, in Actas da Câmara Corporativa, n.º 72, de 1971-05-04, onde se refere, nomeadamente, - a págs. 754:“Mantém-se o intervalo [a hora do almoço], reduzido embora, e acrescentam-se-lhe duas ligeiras pausas de dez a quinze minutos, uma de manhã, outra de tarde. Estas duas pausas contam como fazendo parte do tempo de trabalho e em contrapartida é vedado ao trabalho que durante elas se afaste do local de serviço”.
- a págs. 770:
“O intervalo de descanso não conta como tempo de trabalho. O fundamento encontra-o a Convenção n.º 30 no facto de, durante ele, o trabalhador não estar ao dispor da entidade patronal… Mas o que fica dito permanece válido tão-somente quanto ao descanso que inclui tempo para a refeição principal e, de uma forma genérica, quanto ao intervalo que supõe a faculdade de o trabalhador se ausentar do local onde presta serviço.”
Já o mesmo não acontece relativamente ao tempo gasto com a refeição ligeira, que os Franceses chamam casse croûte: não é dedutível no período de duração do trabalho. E algumas legislações contam como trabalho efectivo as horas de repouso e de refeição, desde que o trabalhador não se possa ausentar do local”.].

No entanto, na década de 90, assiste-se por toda a Europa a um movimento no sentido de reduzir drasticamente os períodos normais de trabalho semanais - impropriamente chamados horários semanais de trabalho - para 40 horas ou menos[Cfr. Alain Supiot e outros, in Transformações do Trabalho e futuro do Direito do Trabalho na Europa, Coimbra Editora, 2003, págs. 98 e segs], começando as pausas de 10 ou 15 minutos a deixar de ter tratamento distinto dos outros intervalos, talvez na consideração de que uma pausa pequena, embora, tem também o seu peso na determinação dos custos do trabalho.
Surge, entretanto, a Directiva n.º 93/104/CE, do Conselho, de 1993-11-23[In JO n.º L307, de 1993-12-13, pág. 18], que definindo no seu Art.º 2.º, n.ºs 1 e 2[Que dispõe:Para efeitos do disposto na presente directiva, entende-se por:1-Tempo de trabalho: qualquer período durante o qual o trabalhador está a trabalhar ou se encontra à disposição da entidade patronal e no exercício da sua actividade ou das suas funções… 2 - Período de descanso: qualquer período que não seja tempo de trabalho] o que se deve entender por tempo de trabalho e período de descanso, não faz qualquer distinção no que às pequenas pausas - de 10 minutos, como as dos autos - concerne.
No panorama nacional, assistimos à publicação das Leis n.ºs 2/91, de 17 de Janeiro, 21/96, de 23 de Julho e 73/98, de 10 de Novembro. A primeira opera a redução do período normal de trabalho para um máximo de 44 horas por semana, a segunda estabelece a redução dos períodos normais de trabalho superiores a 40 horas por semana e a terceira, tranpondo para o direito interno a referida Directiva, estabelece prescrições mínimas de segurança e de saúde em matéria de organização do tempo de trabalho.
Ora, a primeira nada refere acerca de pausas; a segunda, editada no domínio da Directiva citada, embora não o refira expressamente, acolhe as disposições comunitárias naquela estabelecida nas matérias que regula e faz referência às pausas – que impliquem a paragem do posto de trabalho ou a susbstituição do trabalhador - chama-lhe interrupções – nos n.ºs 3 e 4 do seu Art.º 1.º; a terceira define nas alíneas a) e b) do n.º 1 do Art.º 2.º o que deve entender-se por «tempo de trabalho» e «período de descanso»[Em termos idênticos ao constante do Art.º 2.º, n.ºs 1 e 2 da Directiva referida e transcritos na nota anterior.] e estabelece na alínea d) do n.º 2 o seguinte:
São considerados tempo de trabalho:

d) os intervalos para refeição em que o trabalhador tenha de permanecer no espaço habitual de trabalho ou próximo dele, à disposição da entidade empregadora, para poder ser chamado a prestar trabalho normal em caso de necessidade.
Ora, como se vinha referindo, nenhuma das disposições legais referidas, seja da Directiva, seja do direito interno, estabelece qualquer tratamento especial para as pausas de 10 minutos, tratando-as, por isso, por igual; quer dizer, tenham as pausas a duração de 10, 15 ou 30 minutos, a lei nada distingue. Por outro lado, igual situação ocorre, ao que se sabe, ao nível da doutrina.
Vejamos, agora, mais de perto, a nossa hipótese.
A Lei n.º 21/96, de 23 de Julho, estabelece no seu Art.º 1.º:
1. Os períodos normais de trabalho superiores a quarenta horas por semana são reduzidos nos seguintes termos:
a) Na data da entrada em vigor da presente lei, são reduzidos de duas horas, até ao limite de quarenta horas;
3. As reduções do período normal de trabalho semanal previstas na presente lei ou em convenção colectiva para o mesmo fim definem períodos de trabalho efectivo, com exclusão de todas as interrupções de actividade resultantes de acordos, de normas de instrumentos de regulamentação colectiva ou da lei e que impliquem a paragem do posto de trabalho ou a substituição do trabalhador.
Ora, praticando a R. um horário semanal de 41h20, que manteve desde data anterior à entrada em vigor da lei - 1996-12-01, como refere o seu Art.º 9.º - pretendem os AA. que ele deveria ser reduzido para 40h00 e afirma a R. que ele já se encontrava fixado em 40h00 em tal data, visto na perspectiva de tempo de trabalho efectivo, isto é, deduzido das duas pausas diárias de 10 minutos cada uma: 41h40 - (10m x 2 x 5) = 40h00.
As posições das partes correspondem às duas formas como se tem interpretado a lei. Na verdade, uns entendem que o horário semanal de 40 horas - rectius, período normal de trabalho - corresponde a 40 horas de trabalho efectivo, descontadas deste modo as pausas que implicassem paragem do posto de trabalho, como no caso dos autos; outros, entendem que a redução dos períodos normais de trabalho para 40 horas deve ser efectuada à custa de tempo de trabalho efectivo, mantendo-se as pausas, se as houver.

A querela assumiu tais foros que o Sr. Provedor de Justiça de então se viu na necessidade de recomendar a edição de diploma interpretativo, com vista à superação de tão graves divergências[Recomendação n.º 4/B/97, sobre a interpretação e aplicação da Lei n.º 21/96, onde se faz uma eloquente história acerca da edição da Lei em apreço. Cfr. as diferentes posições sobre o tema em Questões Laborais, 1997, n.º 9-10.].
Certo é, porém, que tal não ocorreu.
Ora, A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada - assim estabelece o Art.º 9.º, n.º 1 do Cód. Civil.
A norma constante da alínea a) do n.º 1 do Art.º 1.º da Lei n.º 21/96, de 23 de Julho, conjugada com a constante do n.º 3, significa que o período normal de trabalho deve ser reduzido de duas horas até ficar em 40 horas semanais de trabalho efectivo, isto é, deduzidas as pausas que impliquem paragem do posto de trabalho ou substituição do trabalhador.
O legislador, com a edição desta Lei, pretendeu que todos os trabalhadores não trabalhassem por semana mais de 40 horas, medidas em termos de trabalho efectivo, independentemente de o seu horário de trabalho contemplar pausas ou não. A única excepção reporta-se apenas às pausas em que não haja paragem do posto de trabalho ou substituição do trabalhador, porque estas interrupções são consideradas tempo de trabalho, como resulta claramente do n.º 1 do Art.º 2.º da Directiva n.º 93/104/CE, do Conselho, transcrito na nota 5 e da alínea d) do n.º 2 do Art.º 2.º da Lei n.º 73/98, de 10 de Novembro, acima transcrito. [Parece, assim, que não será de sufragar o entendimento de que o legislador quis operar a redução dos períodos normais de trabalho à custa de tempo de trabalho efectivo, beneficiando os trabalhadores em que o respectivo horário comporta pausas em que há paragem do posto de trabalho e eles recuperam a sua auto-disponibilidade. Nestes casos, comparados com aqueles em que o horário não comporta pausas ou, comportando-as, não há paragem do posto de trabalho e o trabalhador mantém-se disponível para ocorrer a qualquer necessidade do empregador, haveria um benefício para os trabalhadores, que não parece ter sido querido pelo legislador].
Estas normas, integrando o nosso sistema vigente, devem ser interpretadas tendo presente as disposições de todas elas, uma vez que a Lei n.º 21/96, de 23 de Julho, acolhe na sua regulamentação - embora sem o referir expressamente, mas resultando do confronto do estatuído em ambas - as normas constantes da Directiva referida. Por outro lado, a Lei n.º 73/98, de 10 de Novembro, embora faça formalmente a transposição da Directiva [A Directiva, atento o disposto no seu Art.º 18.º, n.º 1, alínea a), deveria ter sido completamente transposta para o direito interno, o mais tardar até 1996-11-23. Certo é, no entanto, que a Lei n.º 21/96, sendo de 23 Julho, entrou em vigor em 1996-12-01 - portanto, 7 dias depois - em cumprimento do estabelecido no seu Art.º 9.º e a Directiva só foi transposta pela Lei n.º 73/98, de 10 de Novembro] para o direito interno, acaba por ser interpretativa daquela Lei n.º 21/96, de 23 de Julho. Na verdade, se esta Lei tomou em conta o regulado na Directiva e se esta mesma Directiva foi transposta por aquela Lei - 73/98, de 10 de Novembro - parece que as regras da Directiva, agora direito interno transposto, não poderão deixar de ser atendidas em sede de interpretação da primeira.
E, não podendo ter tratamento distinto as pequenas pausas - in casu de 10 minutos - porque nada nos conduz actualmente a tal conclusão, seja ao nível da lei, que nenhumas dintingue, seja ao nível da jurisprudência ou da doutrina, todas as interrupções do trabalho estão hoje sujeitas à mesma disciplina: havendo paragem do posto de trabalho ou substituição do trabalhor, as pausas não integram o período normal de trabalho, o trabalho efectivo; mas se o trabalhador se mantiver no local de trabalho, à disposição do empregador para ocorrer a qualquer necessidade, as pausas integram o período normal de trabalho, o tempo de trabalho efectivo.
Assim, in casu, recuperando os trabalhadores durante as pausas a sua auto-disponibilidade com a paragem do posto de trabalho, as interrupções de 10 minutos não integram o período normal de trabalho, não são tempo de trabalho efectivo.
Daí a conclusão de que a R. não tinha de reduzir o período normal de trabalho de 41h40 para 40h00, desde 1996-12-01, inclusivé, uma vez que nessa data ele já era de 40 horas semanais.
A 2.ª questão consiste em saber se os AA., permanecendo nas instalações da R. 41 horas e 40 minutos por semana, efectuam trabalho suplementar, com direito à retribuição correspondente.
Vejamos.

No entendimento acabado de expôr, os AA. não prestam trabalho para além do horário, à razão de 1 hora e 40 minutos por semana, pois o seu período normal de trabalho é de 40 horas semanais.
Daí que aos AA. não possa ser reconhecido que as duas pausas diárias de 10 minutos cada integram o tempo de trabalho efectivo incluído no período normal de trabalho, não havendo trabalho suplementar prestado, nem o direito à retribuição correspondente.
Assim, deverá improceder o recurso e a sentença ser confirmada.
Termos em que, na improcedência da alegação dos recorrentes, se acorda em negar provimento à apelação, confirmando-se a douta sentença recorrida.
Custas pelos AA.

Porto, 2004-05-03
Manuel Joaquim Ferreira da Costa
Maria Fernanda Pereira Soares (vencida quanto aos fundamentos indicados na p.10, 1º §).
Manuel Joaquim Sousa Peixoto (com dispensa de visto).