Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0612241
Nº Convencional: JTRP00040024
Relator: GUERRA BANHA
Descritores: PRINCÍPIO DA ADESÃO
RESPONSABILIDADE OBJECTIVA
Nº do Documento: RP200702070612241
Data do Acordão: 02/07/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE.
Indicações Eventuais: LIVRO 474 - FLS 90.
Área Temática: .
Sumário: Em processo penal não há lugar a condenação em indemnizações com base em responsabilidade pelo risco.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam, em audiência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto.
I

1. Nos presentes autos de processo comum singular nº …/02.2TAAMT, que correm termos no .º Juízo do Tribunal Judicial da comarca da Amarante, foi julgado o arguido B………. sob a acusação de ter praticado, em autoria material, factos integradores do crime de homicídio por negligência, da previsão do art. 137º, nºs 1 e 2, do Código Penal.
Por sentença de 24-10-2005, a fls. 522-539, foram julgados totalmente improcedentes a acusação e os pedidos civis deduzidos contra o arguido e a seguradora COMPANHIA DE SEGUROS X………., S.A., pelos demandantes C……… − esta também intervindo como assistente − D………., E………. e F………., pelo INSTITUTO DE SOLIDARIEDADE E SEGURANÇA SOCIAL e pelo HOSPITAL Y………., e, em consequência, foi o arguido absolvido do crime de que estava acusado e os demandados absolvidos de todos os pedidos civis deduzidos nos autos.
Preliminarmente, foi decidido pela ilegitimidade “ad causam” do arguido e do FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL quanto aos pedidos civis contra eles deduzidos.

2. Inconformada com aquela decisão, a assistente C………. recorreu para esta Relação, formulando as seguintes conclusões:
a. A assistente recorre também da matéria de facto, pretendendo a reapreciação da prova, uma vez que considera ter havido erro notório na sua apreciação − arts. 410º, nº 2, al. c), e 412º, nº 3, ambos do CPP.
b. Com base nessa reapreciação, tendo em conta os depoimentos (transcritos no texto da alegação) do arguido B………. (cassete nº 1, lado A, de 252 a 1693) e da única testemunha presencial G………. (cassete nº 2, lado A, de 000 a 1829), devem aditar-se aos factos dados como provados mais os seguintes:
- o arguido, de modo repentino, guinou o volante do seu veículo automóvel para a esquerda, para ultrapassar o veículo que seguia à sua frente, invadindo a faixa de rodagem contrária;
- por via dessa inesperada manobra embateu no motociclo de matrícula ..-..- BT;
- o arguido iniciou a referida manobra sem se certificar que a faixa de rodagem estava livre e que não punha em risco a segurança de outros.
c. Na verdade, a dita testemunha, presencial do acidente ocorrido, é pessoa da “terra” e vizinho do arguido, que conhecia há muito, mas não conhecia a infeliz vítima nem seus familiares, tendo prestado um depoimento que em nada pode ser infirmado quanto à razão de ciência ou de credibilidade do depoente, sendo certo que nada se lhe apontou que pudesse fazer perigar a dita razão de ciência e de credibilidade,
d. Testemunha que desde sempre peremptoriamente afirmou que se apercebeu, pelo barulho do trabalhar, que para trás de si na fila de trânsito em que seguiam circulava uma moto, e que o arguido a dada altura iniciou uma ultrapassagem ao veículo conduzido pela testemunha e que praticamente nesse momento ouviu um estrondo constatando que a infeliz vítima embatera num poste do lado esquerdo da via, estrondo que ocorre já com a dita ultrapassagem concluída.
e. Por seu turno, o arguido, que no dizer da própria douta sentença recorrida, revelou alguma insegurança na exposição que fez ao tribunal sobre a dinâmica do acidente e que aparentava grande nervosismo, nega a ultrapassagem, o que faz, contudo, sem revelar um depoimento claro e seguro nas suas afirmações.
f. Sendo de salientar que enquanto a testemunha revela um manifesto desinteresse no litígio, o arguido é, objectiva e subjectivamente, pessoa/parte altamente interessado num certo desfecho do mesmo.
g. A douta sentença recorrida fez errada interpretação e aplicação do princípio in dubio pro reo, pois para tal se baseou necessariamente nessas duas versões aparentemente contraditórias, sendo que pelo que fica referido não pode acolher-se a negativa do arguido, já que se não lhe pode atribuir o mesmo peso e valor que à versão da dita testemunha.
h. A versão de uma só testemunha, se credível e aceitável, exposta por quem revela isenção e desinteresse, como é o caso, pode e deve mesmo ser considerada mais que suficiente, já que não é à quantidade mas sim à qualidade dos depoimentos que há que atender-se.
i. Por isso, impõe-se, uma vez reapreciada a prova, dar como provados os factos referidos na conclusão b. supra, uma vez que a douta sentença recorrida faz errada apreciação da prova produzida, e, em consequência, deve julgar-se procedente a acusação e o arguido condenado na pena que se julgue mais adequada.
j. O arguido B………. foi julgado parte ilegítima, mas tal decisão faz errada aplicação do art. 29º, nº 1, al. a), do Dec.-Lei nº 522/85, e, por isso, deve ser revogada, uma vez que o pedido de indemnização formulado pelos recorrentes ultrapassa em € 35.960,25 o montante do seguro obrigatório, pelo que por tal excesso é responsável o arguido, nos termos da citada disposição legal.
k. Uma vez julgada procedente a acusação, conforme Conclusão G supra, e face à respectiva matéria fáctica constante da douta sentença recorrida, deve igualmente o pedido de indemnização civil ser julgado procedente, nos termos em que está deduzido, e a respectiva seguradora condenada até ao limite do seguro e o arguido no montante que exceder este.
l. Se, porém, assim não suceder, deve o pedido de indemnização civil ser julgado procedente nos termos do art. 503º, nº 1, 599º, 483º e 496º todos do CC, ser apreciada e decidida a responsabilidade civil à luz da responsabilidade objectiva ou pelo risco, já que mesmo em processo penal tal decisão está sujeita às regras da lei civil.
m. E, por isso, dado que o arguido tinha a direcção efectiva do veículo ligeiro de passageiros AX-..-.., que conduzia no seu interesse, é responsável pelos riscos ou danos resultantes do acidente, a morte da infeliz vítima.
n. Pelo que, tendo em conta o já referido na conclusão I supra, deve, por isso, o pedido de indemnização civil ser julgado procedente e os requeridos Companhia de Seguros X………., S.A., e B………. ser condenados no pagamento da indemnização respectiva em conformidade com o pedido e o mais referido em tal dita conclusão.

3. Responderam à motivação do recurso o arguido e a demandada seguradora, pronunciando-se ambos no sentido de que deve ser negado provimento ao recurso.
O arguido concluiu que a sentença recorrida não enferma do vício de erro na apreciação da prova; que o depoimento da testemunha G………. deixou muitas e fundadas dúvidas, para além de ter declarado que não viu nenhum embate entre o motociclo e qualquer veículo automóvel; que o arguido seguia numa fila lenta e sem fluidez, em “pára-arranca”, que não lhe permitia fazer a propalada manobra de ultrapassagem; que a absolvição do arguido é justa e deve ser mantida.
A demandada seguradora concluiu que foi correctamente avaliada a prova produzida e é correcta a decisão da matéria de facto; que a única testemunha que depôs sobre o acidente reafirmou sempre não saber se o arguido tinha intervindo no acidente; que nenhuma outra testemunha afirmou ter visto o motociclo da vítima a embater no veículo conduzido pelo arguido; que a sentença recorrida não violou qualquer disposição legal; e face à prova produzida e à matéria de facto provada, tanto a acusação como os pedidos civis tinham de improceder.

4. O Ex.mo Procurador-Geral Adjunto nesta Relação emitiu o desenvolvido e bem fundamentado parecer que consta a fls. 663-668, em que, depois de examinar os depoimentos prestados pelo arguido e pela testemunha G………., concluiu que, perante o non liquet que decorre desses depoimentos, não restava outra alternativa ao tribunal que não fosse resolver essa dúvida em favor do arguido, segundo o princípio in dubio pro reo, como foi resolvido na sentença recorrida. Pronunciando-se pelo não provimento do recurso.
Este parecer foi notificado aos demais sujeitos processuais, nos termos e para os fins do disposto no nº 2 do art. 417º do Código de Processo Penal. Nenhum deles respondeu.
Os autos foram a visto dos Ex.mos Juízes adjuntos e realizou-se a audiência de julgamento.
II

5. Na sentença recorrida foram considerados provados os factos seguintes:
1) No dia 4 de Agosto de 2002, pelas 19 horas e 35m, na Estrada nacional nº .., em ……….., nesta comarca, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros de matrícula AX-..-.., marca Renault, seguindo numa fila de trânsito na faixa de rodagem da direita, atento o sentido Amarante-………. .
2) No mesmo sentido e em direcção ao ………., circulava o motociclo de matrícula ..-..-BT conduzido pela vítima H………. que tentou ultrapassar o veículo do arguido.
3) A dada altura, o motociclo entrou em despiste e o corpo do seu condutor, a vitima H………., foi chocar contra um poste de iluminação pública que ladeia a estrada.
4) Por causa do acidente resultaram para a vítima H……… as lesões descritas e examinadas no auto do relatório de autópsia médico-legal, junto a fls. 28 a 33 dos autos, que lhe determinaram, como consequência directa e necessária, a morte.
5) O falecido H………. era casado com C………. e pai de D………., E………. e F………. .
6) O H………., à data do embate, era sócio-gerente da I………., Lda, tendo nesta sociedade uma quota de 12,75% do capital social.
7) O falecido H………. auferia um salário mensal de € 997,60.
8) O H………., à data do acidente, tinha cinquenta anos de idade e era saudável.
9) A morte do H………. causou sofrimento à sua mulher e filhos.
10) O capacete, o blusão e as calças que o H………. usava, aquando do acidente dos autos, ficaram danificados.
11) A reparação do veículo de matrícula ..-..-BT, foi orçada em cerca de € 10.179,05.
12) A C………. exerce a actividade de enfermeira no Hospital W………., em Fafe.
13) A responsabilidade por danos causados com a circulação estradal do veículo do arguido, de matrícula AX-..-.., à data do embate, encontrava-se transferida para a Companhia de Seguros X………., S.A, através de contrato de seguro titulado pela apólice n.º ……. .
14) O Instituto de Solidariedade e Segurança Social pagou, a título de subsídio por morte, a quantia de € 5.673,84 e € 3.723,17, a título de pensões de sobrevivência.
15) O Hospital Y………. despendeu a quantia de € 32,90, relativos a cuidados de saúde prestados à vítima H………. .
16) O arguido é tractorista, aufere cerca de € 300,00 mensais; é casado, vive com a mulher que é doméstica, e três filhos, sendo um menor de 5, e 18 anos.
17) O arguido é bem conceituado no meio onde vive.
18) Não são conhecidos antecedentes criminais ao arguido.

6. E foram considerados não provados os factos seguintes:
- que ao quilómetro 52,650 da estrada nacional nº .., em ………., Amarante, o arguido agindo de modo repentino, guinou o volante do seu veículo automóvel para a esquerda, para ultrapassar o veículo que seguia à sua frente, invadindo a faixa de rodagem contrária, indo embater no motociclo de matrícula ..-..-BT.
- que o arguido iniciou a manobra de ultrapassagem com manifesta falta de atenção quanto ao restante trânsito e sem se certificar que a faixa de rodagem estava livre.
- que os estragos relativos ao capacete, blusão e calças foram de € 1.050,00.

7. O Sr. Juiz fundamentou a sua decisão sobre a matéria de facto provada e não provada nos seguintes termos:
«Na decisão relativamente aos fundamentos de facto foi relevante o depoimento do arguido que confessou parcialmente ou alegou em sua defesa os factos que são dados como provados. Referiu que seguia na referida estrada inserido numa fila de trânsito, quando se apercebeu do barulho de um motociclo, tendo-o visto, através do espelho retrovisor, na faixa contrária, atento o sentido que levava, em ultrapassagem aos veículos que se encontravam na fila de trânsito atrás do seu veículo. Voltou a olhar, por uma segunda vez, e já se apercebeu do motociclo em derrapagem pela referida via.
Afirma ter visto, na altura, um veículo, de cor vermelha, a circular em sentido contrário ao que seguia, não tendo chegado a cruzar-se com o seu.
Foi peremptório em afirmar que em momento algum tocou no veículo da vítima.
Depôs de modo coerente, na parte em que confirmou os factos que se dão por provados. Revelou, contudo, alguma insegurança na exposição que fez ao tribunal sobre a dinâmica do acidente. Aparentava grande nervosismo.
A assistente C………. afirmou que a vitima era pessoa experiente na condução de veículos de duas rodas, tendo sido campeã nacional dessa modalidade. Deu conta ao tribunal que tal veículo foi encontrado, após o embate, com a segunda velocidade engatada, querendo ilustrar, e chamar à atenção do tribunal, que atentas as circunstâncias não podia circular animado de grande velocidade, demonstrando, contudo, desconhecer as capacidades do motociclo sinistrado em termos de cilindrada.
O seu depoimento foi importante quanto ao conhecimento directo que demonstrou possuir sobre a forma como foi contactada a testemunha G………., afirmando, desta forma, a sua idoneidade quanto à presença desta no local do acidente, aquando do embate aqui em discussão.
Foi ainda relevante, quanto à situação pessoal e profissional da vítima, assim como quanto ao seu e ao sofrimento dos seus filhos em consequência da morte daquela.
O Agente da GNR, J………., declarou ao tribunal que chegou ao local do acidente, cerca de 15m após a sua ocorrência, tendo apenas verificado que o veiculo motorizado se encontrava caído numas silvas, junto à berma que ladeia a estrada, no sentido ………./Amarante. Confirmou integralmente o teor do auto de ocorrência.
O depoimento da testemunha G………. revelou-se útil. Salientou que circulava, a cerca de 50 km/hora, no sentido Amarante/………. e encabeçava a fila de trânsito que por ali circulava. Nessa altura, apercebeu-se do barulho de um motociclo, que vinha da sua retaguarda, ao mesmo tempo que começou a ser ultrapassado por um veículo, que agora sabe ser do arguido, que circulava imediatamente atrás de si. Quando o arguido passava a par do seu veículo, sobre a frente esquerda, para concluir a manobra de ultrapassagem, deixou de ouvir, repentinamente, o barulho do motor do motociclo, que vinha da sua traseira, e ouviu um outro barulho que identifica como sendo de um impacto. De seguida olhou pelo espelho retrovisor e viu a vítima caída no chão.
Apesar desta testemunha não ter aparentado muita segurança no seu depoimento, quanto à sequência dos acontecimentos, nomeadamente quando começou a ouvir o barulho do motor do motociclo, quando se apercebeu que estava a ser ultrapassado e quando se iniciou o segundo barulho, que lhe pareceu de um impacto, não teve, aparentemente, dúvidas em afirmar que em momento nenhum percepcionou a trajectória do motociclo.
T………. não presenciou os factos.
O depoimento das testemunhas L………., M………., N………. e O………., mostrou-se relevante quanto à prova do valor da reparação do veículo sinistrado no acidente, a situação pessoal e profissional da vitima e o desgosto sentido pela sua mulher e filhos em consequência do seu decesso.
As testemunhas P………., Q………. e S………., confirmaram a situação pessoal e profissional do arguido, que demonstraram conhecer e ter acompanhado o seu percurso de vida, em conjugação com o teor das certidões de fls. 167 a 173 e 397, os quais não foram postos em causa, e restantes documentos.
Os seus depoimentos apresentaram-se credíveis e convincentes.
Quanto aos montantes despendidos pelo ISSS e pelo Hospital Y………., Amarante, têm apoio no suporte documental de fls. 179 a 182 e 228 a 230, cujos teores não foram colocados em causa pela restante prova produzida em audiência de julgamento.
Foram igualmente relevantes os documentos juntos aos autos.
Concluindo, e atentos os depoimentos da testemunha G………. e do arguido, entende-se que:
O depoimento da testemunha G……….a, no que tange ao facto de afirmar ter sido ultrapassado, está em manifesta contradição com o referido pelo arguido, que declarou não ter realizado qualquer manobra de ultrapassagem. Visto que estas duas versões são diametralmente opostas e não tendo sido produzida qualquer outra prova sobre esta facticidade, deu-se como não provados os factos sob os números 19 e 20.
Levando, ainda, em linha de conta os danos do motociclo, os quais são visíveis nas fotos constantes de fls. 69 a 72, e considerando os do veículo do arguido, como se vê de fls. 95 dos autos, não é possível concluir, com um grau de certeza razoável, levando em linha de conta as regras da experiência comum, que os mesmos tenham sido provocados pelo embate com o veículo conduzido pelo arguido, tendo em atenção a localização dos danos no motociclo, que se situam num patamar superior à altura da frente do veículo do arguido, um Renault .. .
O relatório constante de fls. 127 a 133, também não sustenta qualquer outra versão, plausível, na qual se vislumbre a dinâmica deste acidente, limitando-se a referir, com interesse, que o corpo da vitima terá embatido em algo, que não foi possível apurar e que foi arrastado da esquerda para a direita. Não temos, assim, prova suficiente capaz de afirmar, sem dúvidas, qual terá sido a dinâmica do embate aqui em análise.
Conforme se concluiu, para além do arguido, nenhuma das testemunhas assistiu claramente ao embate ou pôde trazer para o processo elementos que pudessem, inequivocamente, sustentar os factos vertidos na acusação.
Relativamente aos factos integrantes do tipo legal em causa, persistiu uma dúvida razoável quanto à sua ocorrência. A resolução desta dúvida foi decidida em sentido favorável ao arguido.
Esta solução é imposta pelo princípio in dubio pro reo, uma vez que o mesmo tem de aplicar-se, sem qualquer limitação, a qualquer facto sujeito a julgamento; “e, portanto, não apenas aos elementos fundamentadores e agravantes da pena, mas também às causas de exclusão da ilicitude (...), de exclusão da culpa (...) ou de exclusão da pena (...), bem como às circunstâncias atenuantes, sejam elas «modificativas» ou simplesmente «gerais». Em todos estes casos a persistência de dúvida razoável após a prova tem de actuar em sentido favorável ao arguido e, por conseguinte, conduzir à consequência imposta no caso de se ter logrado a prova completa da circunstância favorável ao arguido” Figueiredo Dias, «Ónus de alegar e de provar em Processo Penal?», in RLJ, Ano 105, p. 141.
Os complementos e esclarecimentos de facto dados por provados e não constantes da acusação foram alegados pelo arguido em sua defesa.»
III

8. Nos termos das disposições conjugadas dos arts. 412º, nº 1, do Código de Processo Penal, 684º, nº 3, e 690º, nº 1, do Código de Processo Civil, são as conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação que delimitam o objecto do recurso e os poderes de cognição do tribunal, sem prejuízo das questões de que, por lei, o tribunal pode conhecer oficiosamente.
Nas conclusões formuladas pela recorrente contêm-se três questões:
- a primeira, relativa à matéria de facto, considera que o depoimento da testemunha G………. permite que sejam aditados ao elenco dos factos já julgados provados os três factos que a recorrente indica na conclusão b, que o tribunal recorrido julgou não provados;
- a segunda refere-se à decisão que julgou a ilegitimidade do arguido para ser demandado pelo pedido civil deduzido pela assistente e demais familiares, defendendo a recorrente que o arguido é parte legítima em face do preceito do art. 29º, nº 1, al. a), do Decreto-Lei nº 522/85, de 31/12, que diz ter sido erradamente interpretado,
- a terceira refere-se ao conhecimento e decisão de pedido civil, seja a título de responsabilidade baseada na culpa, seja a título de responsabilidade pelo risco, e ainda que se venha a concluir pela absolvição criminal do arguido.

9. No que respeita à primeira questão, sobre a matéria de facto, pretende a recorrente que sejam aditados ao elenco dos factos já julgados provados os três factos seguintes, que o tribunal recorrido julgou não provados:
- que o arguido, de modo repentino, guinou o volante do seu veículo automóvel para a esquerda, para ultrapassar o veículo que seguia à sua frente, invadindo a faixa de rodagem contrária;
- que por via dessa inesperada manobra embateu no motociclo de matrícula ..-..- BT;
- que o arguido iniciou a referida manobra sem se certificar que a faixa de rodagem estava livre e que não punha em risco a segurança de outros.
Justifica esta sua pretensão com o depoimento da testemunha G………., o qual, em sua opinião, terá sido incorrectamente apreciado e valorado pelo tribunal recorrido.
Sucede que o depoimento da referida testemunha jamais permite que aqueles factos possam ser considerados como provados: primeiro, porque a testemunha, embora confirme que o veículo conduzido pelo arguido realizou a manobra de ultrapassagem ao veículo que seguia à sua frente, conduzido pela própria testemunha, não esclarece em que circunstâncias essa ultrapassagem foi realizada e, sobretudo, não esclarece se essa eventual manobra de ultrapassagem provocou ou de algum modo contribuiu e deu causa ao acidente sofrido pelo condutor do motociclo com a matrícula ..-..-BT; deixando até perceber que essa ultrapassagem já terá sido realizada depois de ter ocorrido o acidente sofrido pelo motociclo e quando a testemunha, na sequência do estrondo provocado pelo embate do motociclo, encostou e parou o seu veículo à beira da estrada, para ir ver o que tinha acontecido e prestar socorro à vítima, seguido pelo arguido, que teria parado o seu veículo à frente do da testemunha; segundo, porque em momento algum do seu depoimento a dita testemunha afirma ter visto como aconteceu o acidente e, concretamente, que tenha havido algum embate do veículo conduzido pelo arguido no motociclo ou que o despiste deste tenha sido provocado por alguma manobra realizada pelo veículo conduzido pelo arguido.
Assim, questionada sobre estes pontos da matéria de facto, a dita testemunha declarou:
«…vinha numa fila de trânsito … o carro que vinha atrás de mim mete-se … sai de trás de mim, mete-se à faixa para ultrapassar (fls. 59/60). Perguntado se o carro (que vinha atrás) iniciou a ultrapassagem em cima de uma linha contínua ou onde ainda estava linha descontínua, respondeu: «isso agora não posso precisar» (fls. 60); Sobre o acidente da moto: «ocorre que eu ouvi uma mota e depois ouço um barulho» (fls. 60). Perguntado “o senhor quando é que ouve o barulho da mota? Antes de iniciar a ultrapassagem ou no decurso da ultrapassagem?”, respondeu: «No … eu vinha a … eu vinha a rolar … e ouvia a mota … e depois eu dei fé de o carro estar já a ultrapassar-me e deixei de ouvir a mota” (fls. 61) − Resposta típica de fuga à pergunta, cheia de hesitações, de quem não sabe o que responder. Perguntado de novo: “quando o senhor deixou de ouvir a mota … a ultrapassagem estava concluída ou ainda estava a decorrer?”, respondeu: «Ainda estava a decorrer». Novas perguntas: “Estaria mais ou menos, o carro que o ultrapassou, junto do seu, mais à frente um bocadinho, mais atrás, como é que é?”, disse: «Não, ainda não estava … ainda não estava junto do meu .. ainda estava para trás … da coisa. Já estava fora, na faixa, mas ainda não tinha ultrapassado» (fls. 61). “Então, posso dizer que estava no início da ultrapassagem?” − «Sim ... suponho que tenha sido…» (fls. 62). Sobre o acidente: “mas sentiu ou ouviu algum choque, algum embate entre a mota e o tal carro que iniciou a ultrapassagem?”, respondeu: «Ouvi um barulho mas não lhe posso precisar se foi bater no carro, se foi quando a mota bateu no chão, ou que» (fls. 62). “O senhor apercebe-se da mota ir pelo chão?” − «Não, não, não. Não me apercebo» (fls. 63). “O carro que vinha atrás de si era conduzido por esse senhor?” − «Sim, sim, sim». “Porque diz isso?” − «Porque depois eu vi que era ele … Ele estacionou o carro à frente» (fls. 63). “Ele mostrou-se preocupado com a situação?” − «Não, era uma pessoa normal» (fls. 64). Posteriormente, a insistências da Sra. Juíza e do Sr. advogado, sempre respondeu que apenas ouviu o barulho de um impacto, mas não viu como aconteceu, «se foi no chão, se foi num carro, se foi a mota no chão … isso não posso precisar» (fls. 77/78).
Como se vê, ainda que se aceite como provado que o arguido iniciou a ultrapassagem do veículo da testemunha ― o que, todavia, é negado pelo arguido, para além de que o depoimento da testemunha é todo ele cheio de hesitações, impreciso, confuso, revelando não ter noção exacta do que afirma ― de modo algum o depoimento da testemunha permitir estabelecer o nexo de causalidade entre essa ultrapassagem e o embate do motociclo. Nem, sequer, soube indicar onde ocorreu o embate. Como não soube indicar se em algum momento o motociclo embateu no veículo do arguido, ou este veículo no motociclo. Embate que é negado pelo arguido, dizendo que o motociclo “só bateu no poste … no meu carro não bateu” (fls. 10 do apenso das transcrições).
Ultrapassagem ia a realizar o motociclo a uma fila de veículos, conforme confirmam o arguido e a testemunha. E essa, sim, é que terá sido causa do acidente sofrido pelo condutor do motociclo.
Nos termos do art. 431º do Código de Processo Penal, a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto só pode ser modificada nos casos aí previstos, um dos quais é quando, havendo documentação da prova, esta tiver sido impugnada nos termos do nº 3 do art. 412º do mesmo código.
Prescreve este preceito legal que, quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar, consoante o caso: a) Os pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) As provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) As provas que devem ser renovadas.
Como se vê, a lei exige que o recorrente especifique, em concreto, ponto por ponto: 1) quais os factos que considera incorrectamente julgados; 2) qual o sentido em que deveriam ter sido correctamente julgados; e 3) quais as provas que impõem essa diferente decisão.
Impor decisão diversa da recorrida não significa admitir uma decisão diversa da recorrida. Tem um alcance muito mais exigente, muito mais impositivo, no sentido de que não basta contrapor à convicção do julgador uma outra convicção diferente, ainda que também possível, para provocar uma modificação na decisão de facto. É necessário que o recorrente desenvolva um quadro argumentativo que demonstre, através da análise das provas por si especificadas, que a convicção formada pelo julgador, relativamente aos pontos de facto impugnados, é impossível ou desprovida de razoabilidade.
É inequivocamente este o sentido da expressão “provas que impõem decisão diversa da recorrida”, constante da al. b) do nº 3 do art. 412º do Código de Processo Penal. Que consubstancia um ónus imposto ao recorrente, no sentido de ter de demonstrar que as provas produzidas impõem uma decisão diferente da que foi proferida. “Impor” decisão diferente não quer dizer “admitir” uma outra decisão diferente. É mais do que isso e quer dizer que a decisão proferida, face às provas, não é possível ou não é plausível.
Como se vê, e como é entendido pela generalidade da doutrina e da jurisprudência, o recurso sobre matéria de facto para o Tribunal da Relação não configura um novo julgamento destinada a reapreciar toda a prova produzida perante a primeira instância e documentada no processo, como se o julgamento ali realizado deixasse de valer; antes se destina a remediar erros de julgamento, que devem ser indicados ponto por ponto e com a menção das provas que demonstram esses erros. É assim que o definem os mais recentes acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 15/12/2005 e 16/06/2005, todos em www.dgsi.pt/jstj.nsf/ sob os nºs 05P2951 e 05P1577, entre outros.
Em conformidade com esta doutrina, importa salientar ainda que, como referem os acórdãos desta Relação de 4/02/2004 e 12/05/2004 (em www.dgsi.pt/jtrp.nsf/ sob os nºs 0315956 e 0410430), o recurso da matéria de facto não se destina a postergar o princípio da livre apreciação da prova, que tem a sua expressão legal no art. 127º do Código de Processo Penal. E, por isso, “a convicção do julgador só pode ser modificada pelo tribunal de recurso quando seja obtida através de provas ilegais ou proibidas, ou contra a força probatória plena de certos meios de prova ou, então, quando afronte, de forma manifesta, as regras da experiência comum. Sempre que aquela convicção seja possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve acolher-se a opção do julgador”.
Também o Prof. FIGUEIREDO DIAS escreve que “a decisão do tribunal há-de ser sempre uma «convicção pessoal» ─ até porque nela desempenham um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais" (em Direito Processual Penal, vol. I, ed. 1974, p. 204).
Isto quer dizer que a recorrente tem o direito de formar a sua própria convicção, diferente da formada pelo tribunal, mas esta sua convicção não pode sobrepor-se nem prevalecer sobre a convicção do juiz que esteja objectivamente motivada nas provas produzidas em audiência e seja racionalmente plausível face a essas provas.
Ora, neste caso, como se infere pelos recortes transcritos supra, a prova que a recorrente indicou como susceptível de fundamentar uma decisão diferente da proferida nem de perto nem de longe corrobora o entendimento que pretende impor. Pelo contrário, corrobora e dá total consistência à decisão proferida pelo tribunal recorrido, que retirou dessa prova a única conclusão objectiva que, razoavelmente, é possível retirar: que a testemunha nada revelou saber sobre as circunstâncias em que ocorreu o acidente sofrido pelo condutor do motociclo e que para esse acidente tenha de algum modo contribuído o arguido.
E, consequentemente, não permite que se considerem provados os factos que a recorrente especifica. Os quais se mantêm como não provados.

10. A segunda questão refere-se à decisão que julgou o arguido parte ilegítima relativamente ao pedido civil deduzido pela assistente e demais familiares.
Defende a recorrente que o arguido é parte legítima em face do preceito do art. 29º, nº 1, al. b), do Decreto-Lei nº 522/85, de 31/12, que diz ter sido erradamente interpretado pelo tribunal recorrido.
O tribunal recorrido decidiu que:
«As acções destinadas à efectivação da responsabilidade civil decorrente de acidente de viação, quer sejam exercidas em processo civil quer o sejam em processo penal, e em caso de existência de seguro, devem ser deduzidas obrigatoriamente só contra a seguradora, quando o pedido formulado se contiver dentro dos limites fixados para o seguro obrigatório ― cfr. art. 29º, nº 1, al. a), do Dec.Lei nº 522/85, de 31-12.
O sistema vigente implica, pois, dentro dos capitais garantidos pelo seguro obrigatório, uma verdadeira limitação ao direito de acção judicial do lesado contra o lesante. Este, apesar de ser sujeito passivo do dever de indemnizar, carece de legitimidade passiva para ser inicialmente demandado pelo lesado sempre que a acção, pelo seu montante, se confine nos limites do seguro obrigatório.
Assim sendo, cabe concluir pela ilegitimidade “ad causam” do demandado B………., uma vez que existe contrato de seguro e o pedido formulado se contem dentro nos limites do seguro obrigatório.»
Como se constata, a divergência entre a solução defendida pela recorrente e o que consta da decisão recorrida não reside na interpretação da norma jurídica aplicável. Reside, antes, na interpretação do valor do pedido deduzido em conjunto pela assistente e demais familiares da vítima.
O tribunal recorrido considerou que esse valor se continha “dentro nos limites do seguro obrigatório”. A recorrente sustenta que esse valor “excede os limites do seguro obrigatório”.
Cremos que, mais do que uma divergência, trata-se, antes, de um lapso de atenção quanto ao valor do pedido deduzido pela assistente e demais demandantes coligados. Valor que perfaz o montante de € 635.960,25 (cfr. fls. 157). A que haveria que acrescentar o valor dos demais pedidos formulados no processo pelos também demandantes INSTITUTO DE SOLIDARIEDADE E SEGURANÇA SOCIAL e HOSPITAL Y………., de, respectivamente, 9.397,01 (fls. 178) e 32, 92 (fls. 227). Soma que perfaz o valor global de € 645.390,18.
Sendo de € 600,000,00 o valor do seguro obrigatório estabelecido no nº 1 do art. 6º do Decreto-Lei nº 522/85, de 31-12, segundo a redacção dada pelo Decreto-Lei nº 301/2001 de 23-11, e, portanto, já em vigor na data do acidente ― passou a vigorar desde o dia seguinte ao da publicação deste último decreto-lei, nos termos do seu art. 2º ―, nenhuma dúvida existe de que o valor global dos pedidos civis excede o limite fixado para o seguro obrigatório.
Nestas circunstâncias, a norma aplicar é da al. b) do nº 1 do art. 29º do Decreto-Lei nº 522/85, de 31-12, que prescreve que “nas acções destinadas à efectivação da responsabilidade civil decorrente de acidente de viação, quer sejam exercidas em processo civil quer o sejam em processo penal, e em caso de existência de seguro, devem ser deduzidas obrigatoriamente conta a seguradora e o civilmente responsável, quando o pedido formulado ultrapassar os limites referidos na alínea anterior”, isto é, os limites fixados para o seguro obrigatório.
Neste ponto, assiste, pois, razão à recorrente, havendo que declarar o arguido parte legítima, conjuntamente com a seguradora, relativamente ao pedido civil deduzido pela assistente.

11. Finalmente, pretende a recorrente que se altere a decisão recorrida quanto ao conhecimento do pedido civil por si deduzido, seja a título de responsabilidade baseada na culpa, seja a título de responsabilidade pelo risco, e ainda que se venha a concluir pela absolvição criminal do arguido.
Prescreve o art. 71º do Código de Processo Penal que “o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei”. Consagra-se neste preceito legal o designado “princípio de adesão obrigatória”, segundo o qual terá que ser, obrigatoriamente, deduzido no processo penal o pedido civil fundado na prática do crime.
Por sua vez, o art. 377º do mesmo código prescreve, quanto à decisão sobre o pedido de indemnização civil deduzido no processo penal: 1) A sentença, ainda que absolutória, condena o arguido em indemnização civil sempre que o pedido respectivo vier a revelar-se fundado (...). 2) Se o responsável civil tiver intervindo no processo penal, a condenação em indemnização civil é proferida contra ele ou contra ele e o arguido solidariamente, sempre que a sua responsabilidade vier a ser reconhecida.
Flui, da conjugação destes dois preceitos legais, que a sentença penal apenas tem que apreciar e decidir o pedido de indemnização civil baseado em danos provocados pela prática do crime que constitui objecto da acção penal. O que a restringe à responsabilidade civil baseada na culpa, a que alude o art. 483º, nº 1, do Código Civil. No que toca à indemnização por eventuais danos não resultantes ou não conexos com a prática do crime, não cabe ser apreciada e decida no processo penal.
É neste sentido restrito que o Assento do Supremo Tribunal de Justiça nº 7/99 (publicado no Diário da República nº 179, Série I-A, de 3/08/99) interpreta a norma do nº 1 do art. 377º do Código de Processo Penal, concluindo nos seguintes termos:
1º. No nosso direito positivo, a questão da indemnização a fixar pela prática de um crime consiste no sistema da adesão obrigatória da acção civil à acção penal, com algumas excepções expressas na lei (artigos 71º e 72º do Código Penal);
2º. Em face do artigo 377º, nº 1, do Código de Processo Penal, verifica-se a autonomia entre a responsabilidade civil e a responsabilidade criminal, mas isso não impede que, mesmo no caso de absolvição da responsabilidade criminal, o Tribunal conheça da responsabilidade civil, mas que tem necessariamente a mesma causa de pedir, ou seja, os mesmos factos que são também pressuposto da responsabilidade criminal;
3º. Não pode concluir-se do artigo 129º do Código Penal que a reparação civil arbitrada em processo penal é um efeito da condenação, mas sim que este normativo apenas remete para o artigo 483º do Código Civil;
4º. Esta responsabilidade civil, que poderá exclusivamente ser apreciada em processo penal (se o pedido for aí deduzido), refere-se tão-somente àquela que emerge da violação do direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, com dolo ou mera culpa e da qual resultem danos, ficando, portanto, excluída a responsabilidade contratual (artigo 483º do Código Civil).
Fixando, em conformidade com estas conclusões, a seguinte jurisprudência:
«Se em processo penal for deduzido pedido cível, tendo o mesmo por fundamento um facto ilícito criminal, verificando-se o caso previsto no artigo 377º, nº 1, do Código de Processo Penal, ou seja, a absolvição do arguido, este só poderá ser condenado em indemnização civil se o pedido se fundar em responsabilidade extracontratual ou aquiliana, com exclusão da responsabilidade civil contratual».
O que leva a concluir que o processo penal é meio inadequado para conhecer de pedido civil que não tenha por causa de pedir o facto ilícito integrador do crime que é objecto do processo penal. Como acontece quanto à indemnização baseada na responsabilidade objectiva ou pelo risco resultante da utilização de veículos, prevista no art. 503º do Código Civil.
Neste caso, o pedido deduzido pela assistente terá sempre que improceder por não se ter provado a culpa do arguido na produção do acidente que foi causal da morte do familiar da recorrente.
Mas, adianta-se, também teria que improceder com base nos pressupostos da responsabilidade pelo risco, a que alude o nº 1 do art. 503º do Código Civil, porquanto não se provou que o veículo conduzido pelo arguido tivesse embatido no motociclo da vítima ou de algum modo tivesse contribuído para o despiste do motociclo e os consequentes danos daí resultantes.
IV

Por tudo o exposto, concede-se parcial provimento ao recurso, e, em consequência:
1) Revoga-se a sentença recorrida na parte em que declarou a ilegitimidade do arguido relativamente ao pedido civil deduzido pela assistente e declara-se o arguido parte legítima para ser demandado por esse pedido, conjuntamente com a seguradora.
2) Julga-se, porém, totalmente improcedente por não provado o pedido civil deduzido pela assistente contra o arguido e a seguradora COMPANHIA DE SEGUROS X………., S.A., os quais se absolvem desse pedido.
3) Mantém-se em tudo o mais a sentença recorrida, que aqui se confirma.
4) Pelo seu decaimento nos aspectos essenciais do recurso, condena-se a recorrente a pagar 5 UC de taxa de justiça (art. 515º, nº 1, al. b), do Código de Processo Penal e art. 87º, nº 1, al. b), do Código das Custas Judiciais).
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Porto, 07 de Fevereiro de 2007
António Guerra Banha
Jaime Paulo Tavares Valério
Luís Augusto Teixeira
José Manuel Baião Papão (Votei a decisão)