Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1306/11.9TBVRL-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MÁRIO FERNANDES
Descritores: EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE
EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA
Nº do Documento: RP201203281306/11.9TBVRL-A.P1
Data do Acordão: 03/28/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: O encerramento do processo de insolvência por insuficiência de bens não acarreta a extinção da instância, por inutilidade ou impossibilidade, do incidente de exoneração do passivo restante.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 1306/11-12 3.ª RP
Relator: Mário Fernandes (1232)
Adjuntos: Leonel Serôdio
José Ferraz.

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I. RELATÓRIO.

B…, residente na Rua …, …, ..º Esq., …, Vila Real,

apresentou-se em juízo, requerendo fosse declarada a sua insolvência, mais pedindo em simultâneo a exoneração do passivo restante, ao abrigo do disposto no art. 235 do CIRE.

Veio a ser proferida sentença a declarar a situação de insolvência da identificada Requerente, sendo que, relativamente ao pedido de exoneração do passivo restante, entendeu-se não ser o mesmo de rejeitar de imediato, posto tal pretensão haver sido deduzida em tempo, protelando-se despacho liminar para momento posterior à audição da Sr.ª Administradora, bem assim dos credores da insolvente.

A Sr.ª Administradora apresentou relatório para os termos do art. 155 do CIRE, emitindo parecer no sentido de ser determinado o encerramento do processo, por inexistirem quaisquer bens para serem apreendidos para a massa insolvente, bem como se pronunciou pelo deferimento de pedido de exoneração do passivo restante.

Aquando da realização da Assembleia de Credores, os presentes a essa diligência deram anuência ao encerramento do processo por insuficiência de bens da massa insolvente, tendo-se ainda manifestado pelo deferimento do pedido de exoneração do passivo restante.

Subsequentemente, foi proferida decisão a determinar o encerramento do processo por insuficiência de bens, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 230, n.º 1, al. d/ e 232, n.º 2, ambos do CIRE.

Já no que tocava ao pedido de exoneração do passivo restante foi decidido o seguinte:

“…considerando que só após a assembleia de credores importa proferir despacho liminar a que alude o art. 238, n.º 2 e 239, seria agora altura própria para a sua prolação.
Todavia, face ao enceramento do processo, deliberado unanimemente em assembleia de credores e decidido supra, fica prejudicada a prolação de tal despacho …”.

Inconformada com o assim decidido, interpôs a Requerente/insolvente recurso de apelação, rematando as suas alegações nos termos seguintes:

- O encerramento do processo de insolvência não exclui a admissão do incidente de exoneração do passivo restante e, por isso, não implica a inutilidade/impossibilidade do prosseguimento do incidente;

- Preenchido o período da cessão, se o Juiz proferir despacho de exoneração do passivo restante, o devedor alcança a extinção dos créditos sobre a insolvência, ainda que nela não tenham sido reclamados;

- Assim, também não obsta ao prosseguimento do incidente de exoneração do passivo restante a ausência de reclamação de créditos na insolvência;

- Decidindo como decidiu, o Meritíssimo Juiz a quo não se pronunciou quando podia e devia tê-lo feito, eivando a sentença de nulidade, que se invoca;

- Nestes termos e sempre nos melhores de direito, deve, salvo melhor entendimento, que sempre se respeitará, considerar-se o presente recurso como justo e válido, anulando-se a sentença da primeira instância e ordenando-se ao Tribunal que se pronuncie no sentido de à recorrente ser atribuído o direito à exoneração do passivo restante, fazendo-se assim e sempre sã Justiça.

Inexiste resposta a tais alegações.

Corridos os vistos legais, cumpre tomar conhecimento do mérito do recurso, sendo que a instância se mantém válida.

II. FUNDAMENTAÇÃO.

O quadro circunstancial com interesse para a apreciação da presente apelação vem enunciado no relatório supra, pelo que nos dispensamos aqui de o repetir.

O objecto do recurso cinge-se à questão essencial de saber se, tomada a decisão de encerramento do processo de insolvência por insuficiência da massa insolvente, fica prejudicado, por impossibilidade, o conhecimento do pedido de exoneração do passivo restante que tenha sido formulado.

O tribunal “a quo”, ainda que sem aprofundar a respectiva motivação, concluiu por uma resposta positiva a tal problemática, dessa forma não dando seguimento ao mencionado incidente.

Outra é a tese da recorrente, ao defender solução oposta, pugnando pelo prosseguimento dos termos do aludido incidente.

Antes de tomarmos posição sobre a matéria em referência, importa referir que, apesar do valor que vem atribuído à acção e, na ausência de outra indicação, também ao mencionado incidente – de 1 euro – toma-se conhecimento do recurso, posto a decisão impugnada equivaler, a nosso ver, a uma rejeição liminar (parcial de uma das pretensões deduzidas inicialmente), a que poderá aplicar-se por analogia o prescrito no n.º 2 do art. 234-A do CPC.

Dada esta justificação, passemos a analisar a problemática atrás enunciada, à qual, sem delongas, concederemos solução oposta à considerada na decisão recorrida.
Adiantemos breve reflexão.

Como vem sendo entendido pela doutrina, o instituto da “exoneração do passivo restante” representa a consagração no nosso ordenamento jurídico do princípio do “fresh start”, por via do qual o devedor, dentro de determinados pressupostos, tem a possibilidade de se libertar do passivo por si contraído e dar início a uma nova vida económica, apesar de ter sido declarado em estado de insolvência.

Trata-se duma recuperação social e económica das pessoas singulares, concretizando-se através da possibilidade de extinção das dívidas que não forem liquidadas no prazo de cinco anos (v. art. 235 do CIRE), assim representando um perdão parcial ou total dessas dívidas, sejam elas de diminuto ou elevado montante, com equivalente perda para os credores – assim, Luís M. Martins, in “Recuperação de Pessoas Singulares”, págs. 16 a 19 e Assunção Cristas, in “Themis”, ed. esp., 2005, pág. 167.

Tendo presente essa finalidade prevista pelo legislador através do incidente de que vimos tratando, pergunta-se qual a repercussão que tem sobre tal incidente, oportunamente deduzido, a decisão de encerramento do processo de insolvência por insuficiência da massa insolvente (arts. 230, n.º 1, al. d/ e 232, n.º 2 do CIRE), como no caso sucedeu.

O encerramento do processo de insolvência faz cessar todos os efeitos que resultam da declaração de insolvência, facultando ao devedor o direito de disposição dos seus bens, bem assim a livre gestão dos seus negócios, podendo os credores exercer os seus direitos contra o devedor, apenas com as limitações que decorrem de eventual plano se insolvência, plano de pagamentos e do estabelecido no n.º 1 do art. 242 do CIRE – v. art. 233, n.º 1 do mesmo código.

Ora, daquele último normativo (242, n.º 1) decorre desde logo que, no âmbito do instituto de exoneração do passivo restante, não são permitidas execuções sobre os bens do devedor destinados à satisfação dos créditos sobre a insolvência, isto durante o período de cessão.

Por outro lado, em função do prescrito nos arts. 237 e 238 do CIRE, as situações de indeferimento liminar do pedido em causa vêm naqueles taxativamente enunciadas, não constando entre elas a de encerramento do processo por insuficiência da massa insolvente.

Acresce anotar que do citado art. 233 não resulta um reflexo directo no desenvolvimento normal do aludido incidente, antes apontando para o seu prosseguimento, conforme se depreende da al. c/ do seu n.º 1.

Por força desta argumentação, em que se insere a interpretação a conceder ao conjunto dos apontados normativos, bem assim a ponderação da finalidade reservada ao mencionado instituto – de onde se destaca a concessão ao insolvente duma oportunidade para se libertar do passivo da insolvência que não tenha sido pago no processo – extrai-se a ilação de que inexiste limitação ao exercício do direito de exoneração do passivo restante em função do encerramento do processo.

Não sobram, pois, motivos para considerar que o encerramento do processo de insolvência acarreta, por inutilidade ou impossibilidade, o prosseguimento do incidente de exoneração do passivo restante.

III. CONCLUSÃO.

Pelo exposto, decide-se julgar procedente a apelação e, nessa medida, revogando-se o despacho impugnado, determina-se o prosseguimento do aludido incidente para a apreciação do seu mérito.

Custas pela massa.

Porto, 28 de Março de 2012
Mário Manuel Baptista Fernandes
Leonel Gentil Marado Serôdio
José Manuel Carvalho Ferraz