Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
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| Nº Convencional: | JTRP00030223 | ||
| Relator: | LEONEL SERÔDIO | ||
| Descritores: | EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA CADUCIDADE LEGITIMIDADE LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ PESSOA COLECTIVA | ||
| Nº do Documento: | RP200107120130992 | ||
| Data do Acordão: | 07/12/2001 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Tribunal Recorrido: | T J LAMEGO 2J | ||
| Processo no Tribunal Recorrido: | 361/99 | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | AGRAVO. | ||
| Decisão: | PROVIDO PARCIALMENTE. | ||
| Área Temática: | DIR EXPROP. | ||
| Legislação Nacional: | CEXP91 ART10 N3. CEXP99 ART13 N4. CPC95 ART458. | ||
| Jurisprudência Nacional: | AC RC DE 1994/09/20 IN BMJ N439 PAG661. AC RC DE 1996/06/12 IN CJ T3 ANOXXI PAG112. | ||
| Sumário: | I - A caducidade da declaração de utilidade pública deve ser declarada pelos tribunais comuns competentes para o processo expropriativo. II - Uma Junta de Freguesia que administra um baldio tem legitimidade para intentar acções necessárias à defesa dos direitos dos compartes, nomeadamente requerer a caducidade da declaração de utilidade pública. III - Uma pessoa colectiva não pode ser condenada como litigante de má-fé. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação do Porto Nesta expropriação em que é expropriante a Associação de Municípios do ..... e figura como expropriado a Paróquia de ..... vem interposto recurso da decisão proferida a fls. 111 a 118, em que o Sr. Juiz deu sem efeito todo o processo expropriativo por caducidade da declaração de utilidade pública relativa à parcela dos autos e condenou a expropriante, como litigante de má fé, na multa de 4 Ucs e na indemnização de 100 000$00 (cem mil escudos) a favor da Junta de Freguesia de ..... A expropriante agravou, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que se transcrevem: “1ª - Constituindo a parcela expropriada parte integrante de um baldio a legitimidade para requerer a declaração judicial de caducidade cabe apenas ao denominado conselho directivo com posterior ratificação da assembleia de compartes. 2ª - Não tem assim a recorrida Junta de Freguesia de ..... legitimidade para requerer o que requereu. 3ª - Ao declarar a caducidade pedida pela Junta de Freguesia conheceu o Sr. Juiz de questão que não podia conhecer por ilegitimidade de quem a colocava sendo certo que a legitimidade é de conhecimento oficioso. 4ª - Violados foram por isso os artigos 21º h), 15º n.º1 e 22º da Lei dos Baldios (Lei n.º 68/93 de 4/9) e 494º e 495º do C.P.C. 5ª - Além de que o Tribunal Comum é incompetente, em razão da matéria, para apreciar a caducidade da declaração de utilidade pública, uma vez que tal competência está atribuída ao Tribunal Administrativo, nos termos do artigo 3º do ETAF e artigo 66º do C.P.C. que assim foram violados. 6ª - Tendo sido declarada de novo a utilidade pública, com carácter urgente, da expropriação da parcela perde todo o interesse a declaração judicial de caducidade da anterior DUP e permite que a expropriante esteja na posse administrativa da parcela. 7ª - A actuação do recorrente limitou-se a decidir uma reclamação que lhe estava dirigida, mas cuja decisão em bom rigor competia ao Tribunal. 8ª - A recorrente enviou todo o processo expropriativo ao Tribunal competente, no prazo legal e com a reclamação que lhe foi apresentada, bem como a decisão que sobre a mesma proferiu. 9ª - Não ocultou ao Tribunal quaisquer factos ou documentos que fossem fundamentais para a decisão da causa. 10ª - Do ter decidido uma reclamação cuja decisão lhe não cabia, não podia partir-se para a afirmação de se ter agido com negligência grave. 11ª - Uma qualquer parte para ser condenada como litigante de má fé, tem que ter a sua conduta enquadrada numa das 4 alíneas do n.º 2 do artigo 456º do C.P.C., o que no caso concreto não se verifica, nem da decisão resulta. 12ª - Sem conceder, cumprirá também dizer que inexistem factos que suportem a indemnização fixada, sendo certo que entre a litigância de má fé e a indemnização tem de haver nexo causal. 13ª - A decisão viola, assim, os artigos 456º e 457º, ambos do C.P.C.”. A Agravada contra-alegou, pugnando pela confirmação da decisão recorrida, sustentando ainda que a Agravante, ao interpor o presente recurso, está a litigar de má fé. A Agravante respondeu, sustentando que não está a litigar de má fé. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. Com interesse para a decisão, estão assentes os seguintes factos: 1 – Por despacho de 23.10.97, publicado no Diário da República, II série, de 14.11.97, a Sr.ª Ministra do Ambiente declarou a utilidade pública, com carácter de urgência, da expropriação a favor da Associação de Municípios do ....., de várias parcelas de terreno, sitas nas freguesias de ..... e ....., destinadas à construção do centro de tratamento com o aterro sanitário e o centro de triagem. 2 – Entre essas parcelas consta a identificada sob o n.º..., “sita na freguesia de ....., concelho de ....., com a área de 20 000 m 2, a desanexar do prédio rústico com a área total de 75 000 m2, inscrita na matriz cadastral sob o artigo ..., secção ..., propriedade da paróquia de .....”. 3 – Em 8–19-99, a Expropriante solicitou ao Ex.mo Presidente do Tribunal da Relação do ..... a designação dos árbitros a que alude o artigo 43º do Código das Expropriações. 4 – A Junta de Freguesia de ....., em 28.10.99, apresentou na Associação de Municípios do ....., nos termos do artigo 52º do Código das Expropriações, aprovado pelo DL 438/91, de 9/11, a reclamação cuja cópia consta de fls. 59 e 61, onde invocando que, por deliberação da assembleia de compartes de 18.7.87, cuja cópia junta a fls. de 62 a 65, lhe foi entregue a administração do baldio, de que faz parte a parcela expropriada, veio arguir a caducidade da declaração de utilidade pública. 5 – Em 12.11.99, a Associação de Municípios do ..... apresentou no Tribunal Judicial da Comarca de ..... o requerimento de fls. 2. dos autos, no qual consta : “vem nos termos do disposto no artigo 50º n.º1 do Código das Expropriações e com vista à adjudicação no prazo de 2 dias da propriedade do terreno em causa, adjudicação essa de que trata o n.º 4 do artigo 50º, supracitado juntar: O processo de expropriação com o n.º..... e em que é expropriada a Paróquia de ......”. 6 – Com esse requerimento juntou, entre outros, os seguintes documentos : - a fls. 3, guia de depósito da quantia de 5 400 000$00, à ordem do Juiz do T.J. da comarca de .....; - a fls. 4 e 5, decisão da reclamação proferida pelo Presidente da Associação com fundamento em abuso de direito e serem os Tribunais Administrativos os competentes para declarar a caducidade da declaração de utilidade pública. - a fls. 6 e 7, cópia da reclamação apresentada pela Junta de Freguesia de ....., sem qualquer referência à data de entrada. - a fls. 8 a 10, cópia do relatório da arbitragem; - a fls. 11 e 12 , cópia do auto de vistoria ad perpetuam rei memoriam; - a fls. 13, cópia da carta, datada de 20.10.99, enviada à Paróquia de ....., a comunicar-lhe que o Senhor Presidente do Tribunal da Relação tinha nomeado os árbitros e para, querendo, no prazo de 14 dias apresentar quesitos. 7 – Por despacho de fls. 25 foi ordenada à Expropriante que apresentasse os originais dos documentos que instruíram o processo de expropriação. 8 – A expropriante respondeu a fls. 29 afirmando que não lhe era possível juntar os originais do auto de posse administrativa e da vistoria por terem sido enviadas por carta registada à expropriada. 9 – Em 17.12.99, a Junta de Freguesia de ..... apresentou o requerimento de fls. 55 a 58, onde requer: a) se declare nula ou inexistente a decisão do Ex.mo Presidente do Conselho de Administração da Associação de Municípios do ....., que conheceu a reclamação por ela apresentada em 18.10.99. b) se declare a caducidade da declaração da utilidade pública da expropriação e, em consequência, sem efeito a decisão dos árbitros e o despacho de adjudicação do prédio à expropriante. c) se notifique a expropriante para juntar aos autos o original da reclamação apresentada pelo expropriado, com o requerimento que a acompanhou e a procuração passada pelos mandatários que o patrocinaram. d) a condenação da expropriante como litigante de má fé, em multa e no pagamento ao expropriado de uma indemnização de montante não inferior a 100 000$00. 10 – A expropriante responde a fls. 107 a 109, onde sustenta que o tribunal comum não é competente para decidir a questão da caducidade da declaração de utilidade pública e não ter a Junta de Freguesia legitimidade para o requer. Conclui pedindo o indeferimento do requerimento da Junta e que se lavre despacho a adjudicar-lhe a propriedade da parcela em causa. 11- Foi então, em 13.7.2000, proferido o despacho recorrido que deu sem efeito todo o processo expropriativo por caducidade da declaração de utilidade pública relativa à parcela dos autos e condenou a Expropriante, como litigante de má fé, na multa de 4 Ucs e na indemnização de 100 000$00 (cem mil escudos) a favor da Junta de Freguesia de ...... 12- A Expropriante interpôs recurso, em 18.7.2000 e, em 28.8.2000, apresentou a sua alegação. 13 - Por despacho de 25.07. 2000, publicado no Diário da República, II série, de 7.08.2000, do Sr. Secretário de Estado do Ordenamento do Território e da Conservação da Natureza, ao abrigo do disposto nos artigos 1º, 3º, 14º e 15º do Cód. das Expropriações, foi declarada a utilidade pública, com carácter de urgência, da expropriação a favor da Associação de Municípios do ....., de várias parcelas de terreno, constando entre elas a parcela em causa, identificada sob o n.º.... 14 - Nesse despacho foi ainda declarada a caducidade da declaração de utilidade pública constante do despacho n.º 11 133/97, da Ministra do Ambiente, publicado no D.R. 2ª série, de 14.11.97, relativamente às parcelas identificadas no despacho de 25.07.2000. FUNDAMENTAÇÃO: As questões a decidir, atentas as conclusões apresentadas pela Agravante, as quais delimitam o objecto do recurso e a ordem processual pelas quais têm de se apreciadas, são as seguintes: 1 – O Tribunal comum é ou não incompetente em razão da matéria para declarar a caducidade de uma declaração de utilidade pública. 2 – A Junta de Freguesia de ..... tem ou não legitimidade para defender os interesses dos compartes dos baldios de ...... 3 – A Expropriante pode ou não ser condenada como litigante de má fé, em multa e em indemnização a favor da parte contrária. Como questão prévia, importa referir que a Agravante, apesar de no seu requerimento de fls. 161 defender que, atento o despacho do Sr. Secretario de Estado do Ordenamento do Território, de 25.7.2000, referido em 13) e 14), só há interesse em decidir a questão da sua condenação como litigante de má fé, não desiste do recurso do despacho na parte em que o Tribunal recorrido declarou a caducidade da declaração de utilidade púbica, constante do despacho publicado no DR. (II série) de 14/11/97 . Assim e porque não é indiferente para o expropriado o momento em que foi declarada a caducidade, designadamente, para efeito de eventual indemnização, que este, no seu requerimento de fls. 164 e 165, afirma pretender exercer, não há fundamento para julgar parcialmente extinta a instância no que concerne à referida questão da caducidade. 1ª Questão: competência do Tribunal comum para apreciar a caducidade da declaração de utilidade pública. A posição que defendemos no domínio do Código das Expropriações de 1991, que é o aplicável, é a de que a caducidade da declaração de utilidade pública deve ser declarada pelos tribunais comuns competentes para o processo expropriativo. A declaração de utilidade pública tem natureza de acto administrativo mas a declaração de caducidade dessa declaração não implica a averiguação da legalidade ou conteúdo desse acto. Como escreve Osvaldo Gomes [Expropriações por Utilidade Pública, pág. 355] “ao conhecer da caducidade do acto declarativo o tribunal comum não está a apreciar a validade intrínseca ou a eficácia inicial ou deferida de um acto administrativo, mas a declarar as consequências da verificação de um factor externo e posterior – o decurso do prazo previsto no artigo 10º n.º3 do C.E. de 91. Deste modo (...) ao fazê-lo não conhecem da validade intrínseca, nem da eficácia inicial ou deferida da declaração de utilidade pública, limitando-se a reconhecer uma causa extintiva dos seus efeitos.” Esta posição tem sido seguida, de modo maioritário, pela nossa jurisprudência [cfr., para além dos acórdãos citados, por Osvaldo Gomes, obra citada, págs. 354 e 355, os da RL de 9.5.91, no BMJ 407, 612, da RC de 20.9.94, no BMJ, 439, 661 e da RL de 12.6.96, CJ, tomo III, 112 e mais recentemente nos acórdãos desta secção proferidos nos agravos n.ºs 803/ 2000, de 8.6. 2000 (relator João Bernardo), n.º 807/2000 de 21.6.2000 (relator João Vaz) n.º 872/2000, de 8.6.2000 (relator Gonçalo Silvano)]. De notar que o actual Código das Expropriações, aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18.9, expressamente dispõe, no seu artigo 13º n.º 4, que “a declaração de caducidade pode ser requerida pelo expropriado ou por qualquer outro interessado no tribunal competente para conhecer do recurso da decisão arbitral (...). Ora, apesar de este diploma não ser, em princípio, aplicável, atenta a data de declaração de utilidade pública, é defensável que estamos perante norma interpretativa e, por isso, sujeita ao regime do artigo 13º n.º1 do Código Civil. É, pois, de concluir que o tribunal comum é competente em razão da matéria para declarar a caducidade de uma declaração de utilidade pública. 2ª Questão: Saber se a Junta de Freguesia de ..... tem ou não legitimidade para requer a caducidade da declaração de utilidade pública. Como está assente, a parcela de terreno em causa faz parte de um baldio. Denominam-se baldios os terrenos não individualmente apropriados de que só podem fazer uso os membros de determinada comunidade (um concelho, uma freguesia, uma povoação) na sua qualidade de cidadãos. A lei n.º 66/93, de 4/9, define-os, no seu artigo 1º n.º1, como os terrenos possuídos e geridos por comunidades locais. O n.º 2 estabelece que, para efeitos da presente lei, comunidade local é o universo de compartes. O n.º3 define compartes como sendo os moradores de uma ou mais freguesias ou parte delas que, segundo os usos e costumes, têm direito ao uso e fruição do baldio. Actualmente, a partir da DL n.º 39/76 , da Constituição da República de 1976 e da vigente Lei n.º 66/93, é entendimento comum que a propriedade dos baldios pertence aos respectivos compartes de cidadãos [cfr. Henrique Mesquita, R.L.J, ano 127º, pág. 342]. Efectivamente, a lei atribui hoje aos compartes não só a posse e fruição dos baldios mas também a respectiva gestão (artigos 1º e 11º e segs. da referida Lei n.º 66/93). De recordar que, na vigência do Código Administrativo de 1940, a competência da administração dos baldios pertencia à Câmara Municipal ou à Junta de Freguesia, consoante se estivesse perante um baldio municipal ou paroquial [Baldio paroquial é aquele que está na posse comum e exclusiva dos moradores de uma freguesia ou parte dela. Em contraposição a estes baldios estão os municipais que estão na posse dos moradores de um concelho ou de uma ou mais freguesias dele – cfr. Henrique Mesquita, R.L.J., ano 127º, pág. 347]. É, pois, indiscutível que actualmente as autarquias não têm competência própria para gerir os baldios. No entanto, o artigo 22º da Lei n.º 68/93 prevê a possibilidade de os poderes de administração dos compartes serem delegados na junta de freguesia em cuja área baldio se localize. Por outro lado, o artigo 36º da mesma lei estipula, no seu n.º 1:“A administração de baldios que, no todo ou em parte, tenha sido transferida de facto para qualquer entidade administrativa, nomeadamente para uma ou mais juntas de freguesia, e que nessa situação se mantenha à data da entrada em vigor da presente lei, considera-se delegada nestas entidades com os correspondentes poderes e deveres e com os inerentes direitos, por força da presente lei, e nessa situação se mantém, com as adaptações decorrentes do que nesta lei se dispõe, até que a delegação seja expressamente confirmada ou revogada nos novos moldes agora prescritos”. Ora, no caso presente, a Junta de Freguesia de ..... quando apresentou a reclamação na Associação de Municípios do ..... juntou cópia de uma deliberação da assembleia de compartes, de 18.7.87 que consta de fls. de 62 a 65 dos autos, na qual foi decidido entregar-lhe a administração dos baldios de ...... Assim sendo e em conformidade com os citados artigos 22º e 36º da Lei n.º 68/93, tem de concluir-se que a administração do baldio em causa compete à Junta de Freguesia de ..... De referir que na vigência do DL n.º 39/76 de 19/1 era entendimento pacífico na jurisprudência que na falta da Assembleia de Compartes a quem legalmente competia deliberar sobre a interposição de quaisquer acções para defesa dos baldios era à Junta de Freguesia [Cfr., entre outros, . Ac. da R.C. de 14.5.85, CJ, tomo 3, 75;Ac. da R.C. de 4.3.86, CJ, tomo 2, 47; Ac. da R.C. de 2.12.92, CJ, tomo 5, 67]. No mesmo sentido, já na vigência da actual Lei, o recente acórdão do S.T.J. de 20.6.2000 [CJ (STJ) ano VII, tomo 2, 121] decidiu que “embora o património comunitário seja distinto do património das autarquias e a sua gestão esteja constitucionalmente reservada a essas mesmas comunidades, a verdade é que a sua defesa pode ser assumida por representantes da administração local da área do baldio. (...) As autarquias locais, que constituem entidades jurídicas próprias, prosseguem interesses próprios das comunidades locais, das colectividades de cidadãos que residem na sua área territorial, para a realização de interesses comuns específicos, próprios dessa comunidade e que podem ser distintos dos interesses de outras comunidades e até dos interesses da colectividade nacional no seu todo”. É, pois, de concluir que a Junta de freguesia de ..... tem legitimidade para intentar as acções necessárias à defesa dos direitos dos compartes sobre a parcela expropriada que faz parte de um terreno baldio e, por conseguinte, pode requer a caducidade da declaração da utilidade pública. Importa, por último, decidir a questão da litigância de má fé. A noção de má fé consta do n.º 2 do artigo 456º do C.P.C. que , na versão actual, introduzida pelos Decretos Leis 329-A/95 de 12/12 e 180/96 de 25/9, dispõe: “ 2 - Diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave: a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não podia ignorar; b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.” Na versão anterior à revisão do C.P.C. pelos referidos Decretos Leis 329-A/95 e 180/96, era entendimento uniforme na jurisprudência e doutrina que só uma conduta dolosa daria lugar à condenação por má fé [cfr. Ac. do S.TJ. de 28.10.75, B.M.J. n.º 250, 156 e Ac. do S.T.J. de 8.4.97, CJ (STJ) T.II, pág. 37 e Alberto dos Reis,” C.P.C. Anotado vol. II, pág. 261]. Na actual versão do artigo 456º ficou claro que passaram a ser punidas não só as condutas dolosas mas também as gravemente negligentes. Por outro lado, passaram a ser sancionados comportamentos que o não eram na redacção deste preceito anterior à reforma. Assim, passou a constituir litigância de má fé a omissão grave do dever de cooperação e boa fé - al. b)- e o uso dos meios processuais para protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão - al. d) . O denominado princípio da cooperação vem referido no artigo 266 º n.º1 do C.PC. e consiste no dever imposto a todos os intervenientes no processo de darem a sua cooperação para poder ser obtida, com eficácia e brevidade, a justa composição do litígio. Como refere Miguel Teixeira de Sousa, [cfr. Ac. do S.TJ. de 28.10.75, B.M.J. n.º 250, 156 e Ac. do S.T.J. de 8.4.97, CJ (STJ) T.II, pág. 37 e Alberto dos Reis,” C.P.C. Anotado vol. II, pág. 261] “este importante princípio destina-se a transformar o processo civil “numa comunidade de trabalho” e a responsabilizar as partes e o tribunal pelos seus resultados”. Por outro lado, o artigo 266º- A do C.P.C., estabelece que as partes devem agir de boa fé e observar os deveres de cooperação resultantes do preceituado no artigo anterior. Temos, assim, que a parte que com grave falte de diligência violar o dever de cooperação litiga de má fé. No caso em apreço, a factualidade descrita no despacho recorrido, na parte em que apreciou a questão da má fé, é passível de integrar a previsão da al. b) n.º 2 do citado artigo 456º. No entanto, o douto despacho recorrido não teve em consideração o artigo 458º do C.P.C., que estipula: “quando a parte for um incapaz, uma pessoa colectiva ou uma sociedade, a responsabilidade das custas, da multa e da indemnização recai sobre o seu representante que esteja de má fé na causa”. Como ensina Alberto dos Reis, [Código de Processo Civil Anotado, vol. II, pág. 271] “quando a parte seja um incapaz ou uma pessoa colectiva, a actividade processual que conta é a do respectivo representante. É este que age, em nome do representado; se no exercício da acção ou da defesa puder descobrir-se dolo substancial ou instrumental, há-de imputar-se ao representante e não ao próprio incapaz ou pessoa colectiva”. Mais adiante acrescenta: “Que o Estado, as câmaras municipais, as juntas de freguesia, as corporações ou associações de interesse público não podem ser condenadas em multa e indemnização, a título de má fé, no litígio, temo-lo, como certo, porque não exercem, por si, actividade processual; quem actua em juízo é o seu representante e este deve actuar honestamente. Se procede de má fé, incorre em responsabilidade pessoal e sofre as sanções previstas no artigo 465º (que corresponde ao actual 456º)”. Esta doutrina continua válida e é indiscutível, atento o teor do citado artigo 458º, cuja redacção apenas com o aditamento das palavras “uma sociedade” é idêntica ao artigo 467º do C.P.C. de 1939. Temos, assim, que sendo a Expropriante uma pessoa colectiva não pode legalmente ser condenada como litigante de má fé, em multa e em indemnização. Dada a impossibilidade legal da Agravante ser condenada como litigante de má fé, terá necessariamente de ser indeferido o requerimento de fls. 154 da Agravada. De qualquer forma, importa referir que não se nos afigura que ao interpor o presente recurso o representante da Agravante esteja a fazer um uso abusivo desse direito com o fim de protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão. De referir que nada impede que a Agravante, por uma questão de celeridade, que em princípio é justificada pelo destino do terreno expropriado – construção de um aterro sanitário -, tenha solicitado nova declaração de utilidade pública da parcela de terreno em causa e, simultaneamente, tenha interposto recurso do despacho que declarou a caducidade da anterior declaração. De resto, como atrás se decidiu, a nova declaração de utilidade pública proferida pelo despacho de 25.7.2000, publicado no D.R., II série, de 7.8. 2000, nem sequer deu causa à inutilidade do recurso na parte relativa à caducidade da declaração de utilidade pública decretada pelo despacho recorrido. Por outro lado, é de referir que não estamos perante recurso manifestamente infundado. DECISÃO Pelo exposto, dá-se parcial provimento ao agravo, revogando-se o despacho na parte em que condena a Agravante em multa e em indemnização a favor da Junta de Freguesia de ..... . No mais confirma-se o despacho recorrido. Indefere-se o requerimento da Agravada de fls.154. Sem custas, por delas estarem isentas Agravante e Agravada. Porto, 12 de Julho de 2001 Leonel Gentil Marado Serôdio Norberto Inácio Brandão Manuel Dias Ramos Pereira Ramalho |