Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP00037508 | ||
| Relator: | MARQUES PEREIRA | ||
| Descritores: | EXECUÇÃO ARRENDAMENTO REGISTO DA HIPOTECA VENDA JUDICIAL CADUCIDADE | ||
| Nº do Documento: | RP200412200356828 | ||
| Data do Acordão: | 12/20/2004 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | AGRAVO. | ||
| Decisão: | PROVIDO. | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - Se o arrendatário habitacional de um fracção autónoma celebra o contrato após o registo da hipoteca de tal fracção - que veio a ser penhorada - no caso de venda judicial do imóvel, o cancelamento dos registos que a oneram, implica a caducidade do contrato de arrendamento. II - Assim, em caso de recusa de entrega da fracção ao adquirente, por parte do arrendatário, a execução pode, agora, prosseguir quanto a ele. III - Caducado o arrendamento é descabido falar em direito de preferência do arrendatário. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação do Porto. No Tribunal Cível da Comarca do .........., o Banco X.........., S A instaurou, em 4 de Dezembro de 1997, acção executiva, com processo ordinário, contra B.........., para pagamento da quantia de 26.800.987$00, acrescida de juros vincendos até integral pagamento. Alegou que para garantia do crédito exequendo, por escritura de 18 de Setembro de 1995, lavrada no .. Cartório Notarial do .........., a executada constituiu a favor da exequente hipoteca sobre a fracção autónoma designada pela letra B, correspondente a uma habitação no 1.º andar direito com entrada pelo n.º ..., do prédio sito na Rua .........., ..., ... e ..., da freguesia de .........., .........., tendo sido feito o registo provisório dessa hipoteca pela inscrição n.º 41.223 do Livro C-75 (conforme fotocópia autenticada que juntou como doc. n.º 1). Citada, a executada não deduziu oposição. Foi lavrado, em 14 de Abril de 1998, termo de penhora do bem sobre que incidia a referida garantia. Como depositário, nomeou-se o Sr. C.........., louvado judicial, residente na R. .........., n.º .., .......... . A exequente requereu o cumprimento do art. 864 do CPC, tendo junto certidão da .. Conservatória do Registo Predial do .........., da qual, resulta o registo, por averbamento, da conversão em definitiva da aludida hipoteca (Ap.10/...... _ Av. 1 _ Definitiva). Em 15 de Dezembro de 1998, D.......... veio aos autos informar, para os devidos efeitos, que desde 1 de Outubro de 1996, é arrendatário da fracção em causa, conforme “contrato de arrendamento para habitação em período limitado (dez anos)” de que juntou cópia. No lugar da exequente, passou a figurar o Banco Y.........., S.A. (sucessora a título universal, por fusão, nos direitos e obrigações do Banco X.........., S.A.). Procedeu-se, entretanto, á venda por negociação particular da fracção penhorada, que foi adjudicada à exequente, por despacho de 15 de Maio de 2002, tendo sido posteriormente passado título de transmissão á adquirente. Em 1 de Setembro de 2003, a exequente veio, ao abrigo do disposto no art. 901 do CPC, requerer o prosseguimento da execução, nos termos prescritos para a execução para entrega de coisa certa, contra D.........., alegando que este, invocando a sua qualidade de arrendatário, se recusava a entregar o imóvel. Sobre este requerimento, recaiu o despacho que se transcreve: “Indefere-se o requerimento de fls. 201, porquanto o contrato de arrendamento é um direito obrigacional e não real e por isso não caduca, nos termos do art. 824, n.º 2 do CC. Acresce que o arrendatário pode exercer o direito de preferência nos termos gerais, de acordo com o disposto no art. 892, n.º 4 do CPC. Assim, só mediante a acção de despejo (ou reivindicação) poderá o exequente ver-lhe restituído o imóvel vendido. O requerimento de fls. 201 não constitui o meio próprio de obter tal desiderato”. A exequente agravou, porém, deste despacho, finalizando a sua alegação com as seguintes conclusões: 1.A expressão “direitos reais” constante do n.º 2 do art. 824 do Cód. Civil abrange não só o arrendamento sujeito a registo, mas também o arrendamento não sujeito a registo, na medida em que não há qualquer razão válida para que se lhe aplique regime diverso. 2.O arrendamento constitui um verdadeiro ónus já que o bem arrendado fica fora da disponibilidade do proprietário com a consequente degradação do seu valor, com reflexos no completo ressarcimento do credor hipotecário. 3.A não inclusão de tal ónus no referido preceito legal vai contra a razão de ser da lei que teve em vista evitar a depreciação do valor dos bens na venda judicial. 4.O arrendamento de bem hipotecado, constituído depois do registo da garantia, como no caso dos autos, caducou nos termos do n.º 2 do art. 824 do CC. 5.O despacho recorrido violou o disposto no art. 824, n.º 2 do CC e no art. 901 do CPC. Não houve contra-alegações. Colhidos os vistos, cumpre decidir. Foram relatados os factos relevantes. Passemos ao direito aplicável. A questão que se põe é a de saber se o direito do arrendatário (não está em causa, no recurso, a existência do arrendamento não registado, que se invoca) de imóvel hipotecado que foi constituído depois da hipoteca haver sido registada (a favor do exequente), embora anteriormente à penhora do mesmo bem, caduca com a venda judicial, nos termos do art. 824, n.º 2 do Cód. Civil. É questão difícil e controvertida. Por nós, inclinamo-nos para a solução que responde afirmativamente a tal questão. Permitimo-nos citar, aqui, extracto das considerações expendidas, sobre a matéria, por José Alberto Vieira, no seu estudo “Arrendamento de Imóvel Dado em Garantia” [Estudos em Homenagem do Professor Doutor Inocêncio Galvão Teles, volume IV, Novos Estudos de Direito Privado, p.448], com as quais concordamos: “Não tendo natureza real, o direito do arrendatário não é abrangido pelo teor literal do art. 824, n.º 2 do Código Civil. Tal não significa, porém, que o preceito não seja ainda aplicável, já não por via directa, mas por analogia. A finalidade do art. 824, n.º 2 é a de fazer extinguir todos os direitos que possam importar um gravame no aproveitamento da coisa e cuja constituição haja ocorrido em momento anterior àquele em que o bem em causa fica afecto a uma garantia registada, seja um direito real de garantia propriamente dito, seja uma penhora ou um arresto. Com isso, a lei assegura um maior valor potencial à coisa vendida e previne o prejuízo do credor, que de outro modo ficaria exposto a actos fraudulentos praticados pelo devedor com terceiro. Ora, a não extinção do arrendamento constituído após a hipoteca com a venda judicial representa um peso tão grande na afectação do direito do adquirente como aquela que resulta da oneração por um direito real. É difícil, assim, recusar que a materialidade da situação resultante de arrendamento de bem dado em garantia é em larga parte idêntica á dos direitos reais. Por outro lado, e como demonstrou Oliveira Ascensão (26) contrapartida do direito reconhecido ao proprietário de imóvel hipotecado de poder constituir ónus é a extinção destes na venda judicial. De outro modo, a lei estaria a permitir que a garantia dada ao credor viesse a ser praticamente esvaziada de valor se o proprietário da coisa dada em garantia pudesse constituir posteriormente todos os direitos, reais ou não, que importem uma actuação sobre ela, apesar de esses direitos haverem sido constituídos depois do registo da hipoteca. O proprietário do bem dado em hipoteca pode constituir ónus ou outros direitos após o registo da hipoteca porque estes se extinguem com a venda judicial. (…). O confronto entre o art. 695 e o art. 824, n.º 2, por um lado, e a ponderação da teleologia inerente a este último preceito, por outro, evidenciam que o alcance do art. 824, n.º 2 é maior do que decorre do seu teor literal imediato. Do que se trata é de fazer extinguir todos os direitos constituídos após a constituição de arresto, penhora ou outro direito de garantia que possam importar uma actuação sobre a coisa vendida e representar um gravame para o adquirente da venda judicial. Nesta ordem de ideias, a analogia do art. 824, n.º 2 ao direito do arrendatário justifica-se plenamente (28). O arrendamento extingue-se, por caducidade, com a venda judicial (29). Não obsta a esta conclusão o disposto no art. 1051, n.º 1. Na verdade, este preceito só poderia constituir um obstáculo caso se entendesse que o mesmo consagra uma tipicidade taxativa. Porém, não é isso que sucede (30). O grupo de casos elencados no art. 1051, n.º 1 constitui uma tipicidade exemplificativa, que não impede, por conseguinte, o reconhecimento da caducidade em outros casos diversos “[Nota 26: “Locação de bens dados em garantia”, ROA, Setembro 1985, p. 359 e ss. Nota 28: Em sentido contrário na jurisprudência, vejam-se os Ac. RL de 15.05.1997, CJ 1997, III, pág. 87 e RC de 12 de Janeiro de 1999, Proc. N.º 1623-97. Nota 29: Na doutrina, cf. Oliveira ascensão, “Locação de bens dados em garantia”, cit. P. 345 e ss. Henrique Mesquita, Obrigações Reais e Ónus Reais, p. 140, nota 18, Luís Gonçalves, “Arrendamento de prédio hipotecado”, RDES, Janeiro-Março-1999, p. 100; na jurisprudência, Ac. STJ de 11.04.2000, CJ, Ano VIII, Tomo II, p. 29, STJ de 6.07.2000, CJ, Ano VIII, Tomo II, p. 150, STJ, 3.12.1998, BMJ 482, p. 219] E mais adiante: “Nenhum argumento se opõe a esta solução. Não o art. 1051, como vimos, pois não existe uma tipicidade taxativa de casos de caducidade. E também não decerto a posição do arrendatário. Não se esqueça que o direito deste é constituído após o registo da hipoteca, que é público e pode ser conhecido. O arrendatário de imóvel dado em hipoteca sabe ou pode saber que o direito com base no qual o arrendamento foi celebrado se encontra onerado e que a hipoteca pode vir a ser executada”. [No sentido para que propendemos, decidiu o Ac. do STJ de 6 de Julho de 2000, CJ Acs. STJ, Ano VIII, Tomo II, p. 150 que: “A venda judicial, em processo executivo, de fracção hipotecada faz caducar seu arrendamento, não registado, quando posteriormente celebrado à constituição e registo daquela hipoteca, por na expressão “direitos reais” mencionada no art. 824, n.º 2 do CC, se incluir, por analogia, aquele arrendamento” (Sumário). Nesta Relação, o Ac. de 22/01/2004, sumariado no Boletim de circulação interna n.º 21, p. 8: “Um contrato de arrendamento celebrado por escrito particular, posteriormente a uma hipoteca que incidiu sobre o imóvel e seu registo, caduca com a venda em processo executivo”. Na doutrina, ainda, entre outros, José Lebre de Freitas, A Acção Executiva, 4.ª ed., p. 339; Maria Isabel Helbling Meneres Campos, Da Hipoteca, p. 232 e ss.. Diversamente: Fernando Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, 4.ª ed., p. 317 e ss.; Maria Olinda Garcia, “Arrendamento Urbano e outros temas de Direito e Processo Civil”, p. 48 e ss.] Assim, caducando o arrendamento invocado com a venda judicial, nos termos do art. 824, n.º 2 do Cód. Civil, e alegando a exequente que o detentor da fracção vendida se recusa a entregá-la, devia, segundo julgamos, ter sido ordenado o prosseguimento da execução contra este, como veio requerido, de acordo com o disposto no art. 901 do CPC (na redacção resultante da Reforma de 1995/1996, aplicável ao caso). Caducando o arrendamento, não há, naturalmente, que falar de direito de preferência do arrendatário (art. 892 do CPC). Decisão: Acorda-se em, dando provimento ao agravo, revogar o despacho recorrido que deve ser substituído por outro que, nos termos do preceituado no artigo 901 do Código de Processo Civil, ordene o prosseguimento da execução contra o Requerido D.......... . Custas pelo agravado. Porto, 20 de Dezembro de 2004 Joaquim Matias de Carvalho Marques Pereira Manuel José Caimoto Jácome Carlos Alberto Macedo Domingues |