Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0546541
Nº Convencional: JTRP00039122
Relator: ALICE SANTOS
Descritores: EXAMES
PROVAS
Nº do Documento: RP200605030546541
Data do Acordão: 05/03/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC. PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: LIVRO 223 - FLS. 79.
Área Temática: .
Sumário: É válida a prova obtida no inquérito através de exame à saliva do arguido, colhida contra a vontade deste, por determinação do Ministério Público.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso nº 6541/05-4
Proc. Nº 3401/00.0JAPRT-A do Tribunal de Instrução Criminal do Porto.
Acordam no Tribunal da Relação do Porto

O arguido, B….., não se conformando com o despacho de fls 1067 a 1078, que julgou “improcedente a invocada nulidade e consequente proibição de valoração como prova, do resultado da análise da saliva colhida através de zaragatoa bucal efectuada ao arguido B….. e ainda a efectuar aos restantes arguidos, e por conseguinte, ser legal o despacho proferido pelo Exmo Magistrado do Mº Pº titular do inquérito, que ordenou a realização dos preditos exames à saliva dos arguidos a colher através de zaragatoa bucal” vem dele interpor recurso para este tribunal, sendo que na respectiva motivação formulou as seguintes conclusões:
I. No direito português vigente só o consentimento livre e esclarecido do arguido pode legitimar a sua submissão a uma colheita de vestígios biológicos para análise de ADN;
II. Uma vez que o arguido e ora recorrente manifestou a sua expressa recusa em colaborar ou permitir tal colheita, foi manifestamente ilegal e até criminalmente ilícita a sua realização coactiva, por manifesta falta do indispensável suporte legal - lacuna essa que o intérprete e aplicador da lei não estão, por si, legitimados a colmatar;
III. Mercê disso, dever-se-ia ter reconhecido e declarado a ilegalidade da sobredita colheita, nos termos em que a mesma teve lugar, com todas as legais consequências, a começar pela proibição absoluta de valoração da(s) prova(s) assim obtida(s) e sem esquecer a devida instauração do adequado procedimento criminal contra todos quantos determinaram, efectuaram, colaboraram ou por qualquer forma participaram na dita colheita ilegal, assim incorrendo na prática de um crime contra a integridade pessoal do ora recorrente, em manifesta violação do disposto, entre outros, no art. 25.°, nº 1, da CRP, e no art. 143.°, nº1, do CPen.;
IV. Decidindo de forma diversa, a Mm.a Juíza a quo violou, entre outras, as normas contidas nos arts. 25.°, 26.°, nº 1, e 32.°. n8 8, todos da CRP, o art. 8º da CEDH, o art 12 da DUDH, o art 17º do PIDCP e os arts 126, nº 1, 2 – als a) e c) e 3, bem como o art 172, nº 1, ambos do CPPen;
V. De resto, sempre estaria ferida de inconstitucionalidade a norma do art. 172.°, nº 1, do CPPen., interpretada no sentido de possibilitar ao Mº Pº ordenar a colheita coactiva de vestígios biológicos de um arguido para determinação do seu perfil genético, quando este último tenha manifestado a sua expressa recusa em colaborar ou permitir tal colheita;
VI. Da mesma forma que seria igualmente inconstitucional a norma do art. 126.°, nºs 1, 2 - als. a) e c), e 3, do CPPen., quando interpretada no sentido de considerar válida e, consequentemente, susceptível de ulterior utilização e valoração, a prova obtida através da colheita efectuada nos moldes descritos na conclusão anterior.
Termos em que, e nos melhores de Direito, deve dar-se provimento ao presente recurso, em conformidade com as conclusões acabadas de alinhar, assim se fazendo JUSTICA!
O recurso foi admitido para subir imediatamente, em separado, com efeito não suspensivo.

Respondeu o Digno Procurador Adjunto, manifestando-se pela improcedência do recurso.
São do seguinte teor as suas conclusões:
1. Os exames representam providências cautelares para que se fixe em auto os vestígios e os indícios ou se permita ao tribunal a observação directa dos factos que relevem em matéria de prova, podendo ter como objecto pessoas, coisas ou locais
2. Constituindo os exames, meio de obtenção de prova, o arguido, mesmo sendo sujeito processual, dotado de direitos e deveres, é, também, objecto de investigação, pelo que é obrigado a eles sujeitar-se, sem necessidade da sua concordância prévia.
3. A recolha de saliva através de zaragatoa bucal não implica qualquer ofensa à integridade física do agente (arguido), visto que não acarreta qualquer prejuízo significativo no seu bem - estar físico, nem põe em causa o normal funcionamento das suas funções corporais.
4. De qualquer forma, ainda que se perfectibilizasse ofensa à integridade física do sujeito submetido a tal exame, a restrição da protecção de tal direito estaria justificada pela necessidade de concretização do jus puniendi do Estado.
5. O art. 263º nº 1 do CPP, que atribui competência ao Ministério Público para a direcção do inquérito, não está ferido de inconstitucionalidade.
6. No âmbito do inquérito, na prossecução do interesse público da segurança e investigação criminal eficaz o MP procede, dentro do quadro da legalidade e objectividade, ás diligências adequadas à decisão sobre o exercício da acção penal e soluções alternativas.
7. A determinação, na fase de inquérito, de realização de recolha de amostras biológicas - zaragatoa bucal - aos arguidos, para comparação com outros vestígios biológicos, é da competência do MP e constitui, simultaneamente, diligencia fundamental e imprescindível para a descoberta do (s) agente (s) do dos crimes em investigação - duplo homicídio doloso - pelo que não se revela desajustada e desproporcionada com a finalidade da investigação.
8. Em consequência, o exame em questão é meio legal de prova e pode ser valorado como tal.
9. O despacho judicial que julgou simultaneamente julgou inverificada a alegada nulidade do despacho do MP e a consequente não proibição de valoração como prova, do predito exame e seu resultado, não vulnerou o disposto nos art. 25º, 26º n. 1 e 32º nº 8, da CRP; as normas dos art. 126º nº 1 e 2, als. a) a c) e nº 3 e 172º nº 1, estes do CPP.
10. Na conformidade, pede-se a confirmação do despacho recorrido e a consequente improcedência do recurso.
Vossas Excelências, Senhores Desembargadores, melhor suprindo e apreciando, farão Justiça.

Nesta instância o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual se manifesta no sentido da não admissão do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Questões a decidir:
- Os arts 172 nº 1 e 126 nº 1, 2 e 3, do CPP, são inconstitucionais, no segmento em que permitem ao Mº Pº ordenar a realização de colheita de vestígios biológicos ao arguido sem o consentimento deste e quando considerarem válida e valorável a prova obtida em tais circunstâncias, respectivamente;
- Se o Mmo JIC tem competência para apreciar da legalidade ou ilegalidade dos actos da competência do MºPº e para avaliar da proibição ou não de valoração de provas;
- A colheita de vestígios biológicos ao arguido depende de prévia autorização deste;
- Tal acto processual, realizado fora do supra citado circunstancialismo, é nulo e acarreta a proibição de valoração como prova;

O Mº Pº representa o Estado, defende os interesses que a lei determinar, participa na execução da política criminal definida pelos órgãos de soberania, exerce a acção penal orientada pelo princípio da legalidade e defende a legalidade democrática, nos termos da Coonstituição, do seu Estatuto e da lei (art 1º do Estatuto do Mº Pº).
O Mº Pº goza de autonomia caracterizando-se esta pela sua vinculação a critérios de legalidade e objectividade e pela exclusiva sujeição dos magistrados do Mº Pº ás directivas, ordens e instruções previstas no Estatuto (art 2º do Estatuto).
Portanto, o Mº Pº actua no processo penal como órgão autónomo de administração de justiça, com a consequência jurídica, entre outras, de adstrição ao dever de objectividade, este decorrente do princípio da autonomia (art 219 da CRP).
Tal como refere a Profª Teresa Beleza in Direito Processual Penal, pg 67, “Uma das soluções adoptadas pelo CPP de 1987 em relação ao sistema até então vigente foi a de procurar centralizar a investigação criminal numa fase própria, especificamente vocacionada para o efeito. A fase de inquérito (art 262º e ss), dirigida pelo Mº Pº (art 263º)”.
Portanto a direcção do inquérito cabe ao Mº Pº, ou seja o Mº Pº tem o poder de orientar as investigação em ordem à futura decisão sobre a possível dedução de acusação e aos órgãos de polícia criminal cabe coadjuvar o Mº Pº, neste trabalho.
No que respeita á direcção do inquérito, o Tribunal Constitucional no ac. de 31-01-1990 (citado pelo Mº Pºna sua motivação) decidiu:
I- Não julgar inconstitucional a norma do art 263, nº 1 do CPP, que atribui ao Mº Pº a direcção do inquérito. IV- Assim, a norma do art 263, nº 1, do CPP, que atribui ao Mº Pº a direcção do inquérito, não colide com o nº 4 do art 32º da Constituição: mantém-se incólume o preceito constitucional e o regime por ele moldado e, do mesmo passo, concilia-se a norma nele contida com outros valores tutelados ao mesmo nível – o direito á segurança (nº 1 do artº 72), envolvendo componentes de segurança jurídica e de certeza quanto ao exercício dos direitos e liberdades dos terceiros expresso na Declaração Universal dos Direitos do Homem; V- O aludido art 263, nº 1 do CPP não viola a estrutura acusatória do processo criminal, consagrado no art 32, nº 5 da Constituição, pois o que esta estrutura exige é a diferenciação entre órgão que investiga e (ou) acusa e o órgão que julga”.
Tal como refere Paulo Sá Mesquita in Direcção do Inquérito Penal e Garantia Judiciária o Mº Pº detém uma competência funcional exclusiva primeira na aquisição da notícia do crime por actividade própria ou enquanto seu destinatário obrigatório, em segundo na realização dos actos de investigação da fase de inquérito, determinando uma sistemática e articulada actividade de recolha dos elementos idóneos para a reconstrução histórica e verificação dos factos da notícia do crime.
No entanto e apesar da competência do Mº Pº para dirigir o inquérito nos termos exposto justifica-se a intervenção do JIC no inquérito “como entidade exclusivamente competente para praticar, ordenar ou autorizar certos actos processuais singulares que na sua pura objectividade externa, se traduzem em ataques a direitos, liberdades e garantias das pessoas constitucionalmente protegidos” (Sobre os sujeitos processuais no novo Código Processo Penal – prof Figueiredo Dias).
É um facto que a intervenção do JIC no inquérito está definida nos arts 268 e 269 do CPP, no entanto a enumeração feita no art 268 e ao contrário do sustentado pelo Mº Pº não é taxativa. Na verdade, outros actos da competência exclusiva do juiz, ainda que realizados durante o inquérito, se encontram dispersos pelo Código, como p. ex. a admissão de assistente (art 68 nº 3), a condenação nos termos do art dos arts 116, nº 2 e 273, nº 3, a recolha de declaração para memória futura, nos termos do art 271 e o arquivamento nos termos do art 280, nº 1.
Tal como refere o Germano Marques da Silva in Curso de Processo Penal, III, pg 80 “Não obstante, os actos de inquérito, em sentido estrito, que a lei reserva à competência do juiz de instrução, não lhe cabe apenas apreciar da admissibilidade desses actos, mas também da sua oportunidade e conveniência. Mesmo na interpretação prevalecente e restritiva do art 32, nº 4 da Constituição é reservada à competência do juiz de instrução a prática dos actos de investigação, ainda que na fase processual do inquérito, que se prendam com os direitos fundamentais”.
Portanto, quando estão em causa direitos fundamentais das pessoas o JIC, mesmo na fase de inquérito tem competência para intervir, nomeadamente, para apreciar da legalidade ou ilegalidade dos actos da competência do Mº Pº que contendam com tais direitos.

No decurso dos presentes autos o Mº Pº ordenou a realização de exame aos arguidos para colheita de vestígios biológicos, mais concretamente para colheita de saliva através de zaragatoa bucal (fls 69-72 e a fls 75-76).
Efectuada a diligência requereu o arguido B….. ao Mmo JIC que declarasse a ilegalidade da diligência e a consequente proibição absoluta de valoração das provas assim obtidas.
Pelo despacho de fls 119-129 o Mmo JIC julgou “improcedente a invocada nulidade e consequente proibição de valoração como prova, do resultado da análise da saliva colhida através de zaragatoa bucal efectuada ao arguido B….. e ainda a efectuar aos restantes arguidos, e por conseguinte, ser legal o despacho proferido pelo Exmo Magistrado do Mº Pº titular do inquérito, que ordenou a realização dos preditos exames à saliva dos arguidos a colher através de zaragatoa bucal”.
O que aqui está em causa apreciar não é só a legalidade da decisão impugnada enquanto acto ou meio ordenativo de produção de um meio de prova, mas sim, a legalidade da decisão ao determinar a eventual execução forçada do exame, isto é, ao impor coactivamente ao recorrente a sua submissão ao exame.
Tal como vem referido no Recurso nº 3261/01 do Tribunal da Relação de Coimbra relatado pelo Sr Conselheiro Dr Oliveira Mendes e que vamos seguir de perto “certo é que o direito que vimos de analisar - à integridade corporal e à autodeterminação corporal - conquanto a Constituição da República o declare inviolável (art.25º, n.º1), não é absoluto, posto que o art.18º, daquele diploma legal ao estatuir que a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, deve ser interpretado no sentido de que apenas é ilegítima toda a restrição que atinja o conteúdo essencial de cada um dos direitos subjectivos individuais, isto é, que atente contra as exigências (mínimas) de valor que, por serem a projecção da ideia de dignidade humana, constituem o fundamento (a essência) de cada preceito constitucional nesta matéria...”
“Daí que o nosso ordenamento jurídico preveja várias situações em que o direito à integridade corporal e o direito à autodeterminação corporal cedem face a interesses comunitários e sociais preponderantes, quer na área da saúde pública, quer na área da defesa nacional, quer na área da justiça, quer noutras áreas.
Assim sucede quando se impõem certas condutas corporais como a vacinação obrigatória, os radiorrastreios, o tratamento obrigatório de certas doenças contagiosas, a proibição de dopagem dos praticantes desportivos, o serviço militar obrigatório ou a prestação de serviço cívico e a realização de perícia psiquiátrica e de perícia sobre a personalidade”.
Ora, embora entendamos que o exame ordenado nos autos, constitua “meio de prova susceptível de ofender o direito à integridade corporal e o direito à autodeterminação corporal do recorrente, designadamente no caso de este não aderir ao exame, isto é, no caso de recusa, posto que o mesmo se traduz numa intervenção não autorizada no seu corpo, isto é, lesiva da sua integridade corporal e da integridade do seu sistema volitivo, quer por afectar o seu corpo físico quer por afectar a sua capacidade de decidir e de agir, cremos que podem e devem ser concretizados, mesmo que compulsivamente (exame e perícia), muito embora limitados à colheita de cabelos, saliva, urina ou sangue, já que justificados pela necessidade da descoberta da verdade material e não violadores do conteúdo essencial daqueles direitos fundamentais do recorrente”.
Vejamos.
“Como já atrás ficou consignado, apenas é ilegítima a restrição dos direitos, liberdades e garantias constitucionalmente consagrados em caso de conflito com direitos ou valores da mesma matriz, quando a restrição atente contra as exigências (mínimas) de valor que, por serem a projecção da ideia de dignidade humana, constituem o fundamento (a essência) de cada preceito constitucional nesta matéria, sendo certo que mesmo no caso de falta de preceito constitucional que autorize a restrição pela lei pode tal falta ser colmatada pelo recurso à Declaração Universal dos Direitos do Homem, nos termos do n.º 2, do art.16º, da Constituição da República ([Vide Vieira de Andrade, ibidem, 125.]).
A Declaração Universal dos Direitos do Homem, no seu art.29º permite que o legislador estabeleça limites aos direitos fundamentais para assegurar o reconhecimento ou o respeito dos valores enunciados: «direitos e liberdades de outrem», «justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar geral numa sociedade democrática».
No caso vertente o que está em conflito é o direito à integridade corporal e o direito à autodeterminação corporal do recorrente, por um lado, e o interesse comunitário e o do Estado na administração da justiça penal, por outro lado, pelo que nada obsta a que o legislador estabeleça limites àqueles direitos fundamentais do recorrente para assegurar a execução e cumprimento da justiça penal, isto é, para assegurar uma justa exigência da ordem pública e do bem-estar geral, desde que, obviamente, os limites ou restrições não destruam ou afectem o conteúdo essencial daqueles direitos”.
“É certo que Vieira de Andrade ([ibidem, 238.])expressa entendimento segundo o qual há direitos, como o direito à vida, o direito à integridade física ou o direito a não ser condenado senão em virtude de lei anterior, cuja violação, por menor que seja, não é admissível, pois sempre será atingido o conteúdo essencial do preceito constitucional que os consagra ([Em sentido aparentemente coincidente pronunciam-se G. Canotilho/V. Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada (1993), 178.]). No entanto, estamos em crer que relativamente ao direito à integridade pessoal (física e moral) assim não será no caso de lesões insignificantes e reversíveis, designadamente quando em confronto com direitos ou valores preponderantes, como o direito à vida, segurança das pessoas ou a administração da justiça penal.
Assim o entendeu, aliás, o Tribunal Constitucional no acórdão n.º 156/88 (DR, II, de 17 de Setembro de 1988), em que apesar de se não ter tomado conhecimento do recurso, num caso de recusa de efectuação de um teste de alcoolemia previsto em regulamento dos Caminhos de Ferro Portugueses, em que se pretendia a declaração de inconstitucionalidade das respectivas normas, argumentando tratar-se de normas provenientes da autonomia privada, na respectiva fundamentação consignou-se que o direito à integridade pessoal deveria ceder, no caso, perante o direito à vida e à segurança das pessoas transportadas ([Em sentido coincidente pronunciou-se a Comissão Europeia dos Direitos do Homem - decisão de 4 de Dezembro de 1978, em Décision e Rapports, 16, decembre 1979, págs. 184 e sgs. - ao considerar legal e justificada a sujeição a «exame de sangue», por parte de condutor suspeito de conduzir embriagado, como medida necessária à protecção dos direitos e liberdades de terceiros, não havendo, nessa medida, ofensa da norma do art.8º, da Convenção Universal dos Direitos do Homem.]).
Tal como assim o entendeu o legislador ordinário ao estabelecer, como já consignado ficou, restrições ao direito à integridade corporal e à integridade de autodeterminação corporal, mediante a imposição de certas condutas e comportamentos, tendo em vista a salvaguarda de direitos, valores e interesses preponderantes, designadamente nas áreas da saúde pública, da defesa nacional e da justiça”.
“E do mesmo modo o entende Figueiredo Dias ([Vide ibidem, 437 e sgs]), o qual refere que o arguido pode constituir meio de prova, em sentido material, através das declarações prestadas sobre os factos, e em sentido formal, na medida em que o seu corpo e o seu estado corporal podem ser objecto de exames (arts.175º e 178º do Código de Processo Penal), afirmando de seguida:
- (...) Na medida, porém, em que o objecto do exame seja uma pessoa, que assim se vê constrangida a sofrer ou suportar uma actividade de investigação sobre si mesma, o exame constitui um verdadeiro meio de coacção processual - como claramente o inculca, de resto, a 2ª parte do corpo do art.178º do CPP, ao estatuir que, para realização de um exame, pode «o juiz (hoje o MP) tornar efectivas as suas ordens, até com o auxílio da força...» -, tendo por isso de submeter-se aos princípios (já acima referidos) que estritamente demarcam a admissibilidade de tais meios de coacção.
Sendo os exames, na parte referida, um meio de coacção processual, as normas que os permitem não poderão deixar de ser entendidas e aplicadas nos termos mais estritos, tal como sucede com os restantes meios de coacção, máxime com a prisão preventiva; em um como em outro caso a liberdade é a regra e a restrição daquela a excepção. Excepção que, aliás, não deixa de ser constitucionalmente imposta: assegurando o art.8º, n.º1, da Constituição Política a todos os cidadãos o direito à integridade pessoal, quaisquer limitações que a tal direito sejam feitas pela lei ordinária relativa a exames em processo penal terão de obedecer à máxima strictissime sunt interpretanda ([Os preceitos legais mencionados no texto transcrito referem-se, obviamente, ao Código de Processo Penal de 1929 e à Constituição de 1933.])”.
Ora, a colheita de cabelos ou sangue, caso não consentidas, consubstanciam intervenções no corpo que, realizadas por perito médico “com rigorosa observância das regras das leges artis, se podem e devem graduar como ofensas insignificantes (mínimas) do direito à integridade corporal e do direito à autodeterminação corporal, posto que afectam, transitória e momentaneamente, de forma muito reduzida, o corpo físico e o sistema volitivo” do interveniente.
“Quanto à recolha de saliva ou de urina afigura-se-nos que nem sequer se pode considerar susceptível de ofensa o direito à integridade corporal do recorrente, mas tão só o direito à autodeterminação corporal, e em grau ou medida desprezível, isto é, irrelevante”.
Deste modo e tendo presente que o exame ordenado tem em vista a procura da verdade material para administração da justiça penal, o que constitui uma exigência da ordem pública e do bem-estar geral, bem como um dos pilares do Estado de direito, há que concluir que a realização compulsiva daqueles se mostra justificada e legitimada a significar que a decisão impugnada, proferida ao abrigo da norma do art.172º, n.º1, do Código de Processo Penal, que atribui à autoridade judiciária o poder de compelir as pessoas à submissão de exame devido ou a facultar coisa que deva ser examinada, não viola os arts.25º, n.º1 e 32º, n.º 8, da Constituição da República, na parte em que ordena o exame e perícia mediante extracção de saliva por via de zaragatoa bucal, dado que a mesma apenas é susceptível de ofender o direito à autodeterminação corporal do recorrente em medida irrelevante.
***

Assim, não nos merece, pois, qualquer censura o despacho recorrido.

Termos em que se nega provimento ao recurso.

Custas a cargo do recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 9 ucs.

Porto, 03 de Maio de 2006
Alice Fernanda nascimento dos Santos
Luís Eduardo Branco de Almeida Gominho
Jacinto Remígio Meca