Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0642044
Nº Convencional: JTRP00039724
Relator: PINTO MONTEIRO
Descritores: PRAZO DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO
MATÉRIA DE FACTO
Nº do Documento: RP200611150642044
Data do Acordão: 11/15/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: PROVIDO.
Indicações Eventuais: LIVRO 233 - FLS 257.
Área Temática: .
Sumário: O prazo para a interposição de recurso em que se impugna a decisão proferida sobre matéria de facto conta-se a partir da disponibilização das cassetes áudio, desde que tempestivamente requeridas.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto:

Inconformada com o despacho da senhora juíza do Tribunal Judicial de Vila Real que decidiu não se verificar um alegado justo impedimento para a interposição de um recurso de uma sentença dentro do prazo normal e, em consequência, não ter admitido o recurso, por extemporâneo, dele recorreu a arguida B………., tendo concluído a motivação nos termos seguintes:
1 – Vem o presente recurso interposto do despacho que julgou o recurso apresentado pela Arguida como extemporâneo e improcedente o invocado justo impedimento, decisão esta com a qual não se concorda.
2 – A Arguida foi condenada por sentença depositada na secretaria no dia 28.06.2005.
3 – No dia 04.07.2005 a Arguida, declarando que pretendia recorrer da aludida sentença, requereu aos autos a confiança do suporte áudio (cassetes) onde estavam contidos todos os depoimentos prestados em audiência.
4 – Não se verificando qualquer causa estranha ao decurso do prazo de recurso, o mesmo terminaria no dia 13.07.2005.
5 – A 28.09.2005 foi o patrono da Arguida notificado do deferimento da pretendida confiança das cassetes, tendo-as levantado na secretaria seis dias depois, isto é, a 04.10.2005.
6 – Sendo que, em dois desses dias não foi possível fazê-lo devido a uma greve dos oficiais de justiça e em outros dois por ser fim-de-semana.
7 – No dia 06.10.2005 a Arguida interpôs recurso da sentença, impugnando a matéria de facto dada como provada mas antes invocando justo impedimento pelo facto de em tempo útil não lhe terem sido facultadas as requeridas cassetes.
8 – As cassetes são indispensáveis não só para se tomar uma decisão sobre se se interpõe ou não recurso, mas também para o motivar.
9 – O Tribunal a quo julgou improcedente o justo impedimento e extemporâneo o recurso, não o admitindo, alegando por um lado que deveria a Arguida ter-se feito deslocar ao tribunal antes do término do prazo para levantar as cassetes, e por outro lado que as mesmas não servem aos advogados mas apenas aos magistrados dos tribunais superiores, em sede de reapreciação da matéria de facto.
10 – Nenhum dos fundamentos se mostra afinal válido.
11 – Por um lado porque a (imprescindível) confiança das cassetes depende de prévio despacho judicial, tal como previsto no n.º3 do artigo 89.º do C.P.P., e tendo a confiança sido notificada à Arguida só muito tempo depois do decurso do prazo, de nada lhe serviria tentar obter as cassetes em momento anterior, tanto mais que os oficiais de justiça são conhecedores e cumpridores da lei.
12 – Por outro lado, atenta a letra da lei (vide artigo 7º nº2 do D.L 39/95 de 15.02 e artigo 412º n.º4 do C. P. P.) e o que vem sendo pacificamente admitido pela jurisprudência, conclui-se que a gravação da prova assume particular relevância em sede de impugnação da matéria de facto, para preparação da defesa.
13 – Falecem, assim, em absoluto, os motivos apresentados pelo Tribunal a quo para fundamentar o despacho em crise.
14 – Mas porque cumpre à arguida não só demonstrar que não assistia razão ao Tribunal a quo como ainda que lhe assiste a si razão, interessa apreciar as soluções que os Tribunais superiores vêm ditando para estes casos: por um lado, há acórdãos onde se entende que após requerimento para confiança das cassetes, o prazo de recurso reinicia-se a partir do dia em que as mesmas são facultadas à parte que as requereu (Ac. Relação de Guimarães, de 10.07.2002 e o Ac. Relação do Porto de 23.02.2005).
15 – De outra forma, noutros acórdãos se prescreve que o recurso pode ser interposto para além do seu prazo legal, desde que cumprindo-se os requisitos do justo impedimento, se demonstre que o atraso se deveu à falta das cassetes áudio cuja consulta tenha sido essencial para motivar o recurso que impugne a matéria de facto (Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto, datados de 20.02.2002 e 10.05.04).
16 – Por último, há ainda quem entenda que o requerimento da confiança das cassetes suspende o prazo de recurso até ao momento em que as mesmas são facultadas.
17 – Sem tomar posição quanto a nenhuma das soluções indicadas, conclui a Arguida que à luz de qualquer uma delas o recurso que interpôs era sempre tempestivo.
18 – Para além disso, e no caso de se entender, como entende a Arguida, que se trata de um caso de justo impedimento, sempre cumpre notar ainda que em nada contribuiu para o evento obstaculizador da prática atempada do acto, antes actuando de forma célere e diligente.
19 – Mostram-se assim violados o artigo 7º, nº2 do D.L. 39/95 de 15.02, conjugado com os nºs 3 e 4 do artigo 412º do CPP ou (no caso de justo impedimento) os artigos 107º nº2 do CPP, 146º n.º1 do CPC, 411º n.º1 do CPP e ainda o artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.
20 – Atento o exposto e todos os elementos constantes dos autos forçosamente tem de se concluir que o recurso da sentença apresentado pela Arguida é tempestivo, pelo que se requer a VasExas que se dignem revogar o despacho recorrido e, em consequência, se dignem a proferir um outro em que, a final, se admita o recurso, só dessa forma se fazendo a almejada Justiça
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Na 1.ª instância respondeu o M.º P.º pronunciando-se no sentido de que, embora se deva considerar que a não entrega das cassetes no prazo de 8 dias a contar do requerimento para esse efeito constitui justo impedimento, mesmo assim o recurso interposto pela arguida é extemporâneo.
Neste tribunal, o Ex.mº Procurador Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que o recurso não é admissível, devendo por isso ser rejeitado, por, nos termos do art. 405.º do C. P. Penal, a reclamação ser a forma estabelecida de impugnação de uma decisão que não admita um recurso.
Cumprido o disposto no n.º2 do art. 417.º do C. P. Penal, não houve resposta.
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre decidir.
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Dos autos, com interesse para a decisão, constam os seguintes elementos:
A recorrente B………. é arguida num processo que corre seus termos no Tribunal Judicial de Vila Real e cuja sentença foi depositada na secretaria no dia 28/06/05.
No dia 04/07/2005, alegando que pretendia recorrer da sentença, requereu, ao abrigo do disposto no n.º3 do art. 89.º do C. P. Penal, a confiança das cassetes áudio para serem consultadas fora do tribunal.
Tal requerimento foi deferido por despacho de 08/07/05, notificado ao defensor da arguida por postal registado enviado no dia 26/09/05, constando das conclusões da motivação a informação de que foi recebido por aquele no dia 28 do mesmo mês e ano.
Nos dias 29 e 30 de Setembro (quinta e sexta-feira) houve uma greve dos oficiais de justiça.
Os dias 1 e 2 de Outubro caíram a um sábado e um domingo.
O defensor da arguida procedeu ao levantamento das cassetes no dia 04/10/05 (terça-feira).
O requerimento de interposição do recurso deu entrada no tribunal no dia 06/10/05, tendo a arguida invocado erro de julgamento da matéria de facto.
Na mesma data da interposição do recurso, invocou a arguida, em requerimento autónomo, justo impedimento para o facto de o recurso não ter entrado dentro do prazo a que alude o n.º1 do art. 411.º do C. P. Penal e bem assim a admissão do recurso.
Foi tal requerimento indeferido com o fundamento de que a situação nele descrita não configura justo impedimento e, em consequência, o recurso não foi admitido por extemporâneo.
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Tendo em conta o teor da resposta do Ex.mº Procurador Geral Adjunto neste tribunal, impõe-se dizer que o que está em causa nestes autos não é propriamente a decisão de não admissão do recurso, caso em que o meio próprio para reagir contra a mesma é a reclamação, mas o despacho que considerou não haver justo impedimento, despacho este de que é admissível recurso. Só depois de decidida a questão do justo impedimento é que se pode decidir se o recurso foi ou não interposto em tempo. Significa isto que, embora no mesmo despacho se tenha indeferido o alegado justo impedimento e a interposição do recurso, o despacho quanto a este é consequência do indeferimento daquele. Razão pela qual vamos conhecer do recurso.
Dispõe o n.º1 do art. 411.º do C. P. Penal que o prazo para a interposição do recurso é de 15 dias, contando-se a partir da notificação da decisão ou, tratando-se de sentença, do respectivo depósito na secretaria. Tendo a sentença sido depositada na secretaria no dia 28/06/05, o termo normal do prazo para a interposição do recurso ocorria no dia 13/07/2005, podendo a arguida beneficiar ainda dos três primeiros dias a contar do termo daquele prazo, nos termos do art. 145.º do C. P. Civil, por força do disposto no n.º5 do art. 107.º do C. P. Penal, desde que paga a multa correspondente. Deste modo, tendo-se iniciado naquele ano as férias judiciais no dia 16 de Julho, o último dia do prazo com pagamento de multa ocorria no primeiro dia útil após férias, ou seja, 15 de Setembro. O recurso deu entrada no tribunal no dia 06/10/05, fora, portanto, do prazo normal acrescido dos 3 dias. Assim sendo, só com o deferimento do invocado justo impedimento é que se poderá eventualmente considerar que o recurso foi interposto em tempo.
Tendo o STJ, no acórdão de fixação de jurisprudência de 11 de Outubro de 2005, [(na sequência, aliás, de um acórdão relatado pelo ora relator no processo n.º3165/04, da 4.ª secção (2.ª secção criminal) deste tribunal, no qual foi decidido que o n.º6 do art. 698.º do C. P. Civil não é aplicável aos recursos em processo penal)], fixado jurisprudência no sentido de que “Quando o recorrente impugne a decisão em matéria de facto e as provas tenham sido gravadas, o recurso deve ser interposto no prazo de 15 dias, fixado no artigo 411.º, n.º1 do Código de Processo Penal, não sendo subsidiariamente aplicável em processo penal o disposto no artigo 686.º, nº6 do Código de Processo Civil”, afastada está a aplicação daquela disposição legal aos recursos em processo penal. Importa, pois, decidir se estamos perante um caso de justo impedimento e, em caso afirmativo, se o recurso foi ou não interposto dentro do prazo.
Nos termos do n.º3 do art. 412.º do C. P. Penal, quando impugnar a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar: a) os pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) as provas que impõem decisão diversa da recorrida; e c) as provas que devem ser renovadas. Por sua vez o n.º4 do mesmo artigo estabelece que, quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência aos suportes técnicos, havendo lugar a transcrição.
Tendo a arguida impugnado a matéria de facto, tinha de dar cumprimento ao preceituado no n.º4 do art. 412.º do C. P. Penal. Assim, se é verdade que, como se escreveu no despacho recorrido, a gravação da prova tem como finalidade primeira possibilitar ao tribunal superior a apreciação da matéria de facto em sede de recurso, também é verdade que se quiser impugnar a matéria de facto o recorrente necessita de ter acesso às cassetes áudio a fim de, pelo menos, poder fazer referência aos respectivos suportes técnicos para, desta forma, dar cumprimento ao disposto naquele número 4.
Estabelece o n.º2 do art. 107.º do C. P. Penal que os actos processuais só podem ser praticados fora dos prazos estabelecidos na lei (…) desde que se prove justo impedimento.
Nos termos do n.º1 do art. 146.º do C. P. Civil, aplicável ao processo penal ex vi art. 4.º do C. P. Penal, considera-se justo impedimento o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários, que obste à prática atempada do acto.
Estabelece o n.º2 do art. 7.º do D/L n.º 39/95, de 15/02, que “Incumbe ao tribunal que efectuou o registo facultar, no prazo máximo de 8 dias após a realização da respectiva diligência cópia a cada um dos mandatários ou partes que a requeiram.”
Significa isto que o tribunal deve ter à disposição dos mandatários ou das partes, a partir do 9.º dia a contar da realização da diligência, cópias das gravações, não nos parecendo, ao contrário do que já temos visto defender, que o tribunal tem o prazo de 8 dias para facultar as cassetes a partir da data em que são requeridas, independentemente da data em que o sejam, por a letra do n.º2 do art. 7.º do D/L n.º39/95 não consentir tal interpretação. O tribunal tem o prazo de 8 dias a contar da realização da diligência, se, por exemplo, forem requeridas antes desse prazo. Já para o caso de as cópias das gravações serem, por exemplo, requeridas no 10.º dia a contar da realização da diligência, o prazo para o tribunal as facultar ao requerente é o da prolação do despacho por parte do senhor juiz do processo, acrescido do prazo para o senhor funcionário encarregado do processo o cumprir.
No caso, tratando-se de um julgamento, o tribunal recorrido tinha de ter à disposição dos arguidos ou dos seus mandatários, a partir do nono dia a contar da última sessão da audiência de julgamento, cópias das gravações para a eventualidade de os mesmos as requererem.
Entre os dias 28 de Junho de 2005 e 4 de Julho do mesmo ano não se pode dizer que tenha ocorrido qualquer situação de justo impedimento. Com efeito, até ao dia 4 de Julho a arguida nada requereu, por, conforme decorre do seu requerimento, ter estado a ponderar se devia ou não interpor recurso da sentença. E mesmo que tivesse requerido as cassetes logo no primeiro dia a contar da data do depósito da sentença na secretaria, sempre haveria de ter sido em conta o facto de o tribunal apenas ser obrigado a disponibilizar as cassetes no prazo de 8 dias a contar da realização da diligência que, no caso, era a audiência de julgamento. Por outro lado, importa ter em atenção os prazos para a prolação do despacho por parte da senhora juíza e para o seu cumprimento por parte do senhor funcionário. A obrigação de facultar as cópias no prazo de 8 dias a contar da realização da diligência não significa que tenham de ser facultadas logo no dia em que o requerimento entra no tribunal. Há que contar com os prazos para a prolação do despacho e do seu cumprimento.
Tendo a arguida requerido a confiança das cassetes áudio no dia 4 de Julho de 2005, nos termos do n.º2 do art. 7.º do D/L n.º 39/95, de 15/02, tinha o tribunal recorrido o prazo máximo de 8 dias a partir da realização da última sessão da audiência de julgamento para lhe facultar cópias da gravação da prova
Independentemente da data em que requereu a confiança das cassetes áudio, sempre, segundo parece decorrer daquelas normas, o termo do prazo normal para a interposição do recurso ocorreria no dia 13 de Julho. Ponto é que o tribunal tivesse facultado ao seu defensor as cassetes áudio no prazo de 8 dias a contar da data da última sessão da audiência de julgamento. Ora, embora o despacho a autorizar a confiança das cassetes tenha sido proferido no dia 8 de Julho de 2005, o certo é que o defensor da arguida apenas dele foi notificado no dia 28 de Setembro do mesmo ano. Assim, a contar do nono dia a partir do qual o tribunal devia ter-lhe facultado as cassetes, acrescido dos prazos para o despacho e seu cumprimento, até à data em que teve possibilidades de a elas aceder – 28 de Setembro -, verificar-se-ia justo impedimento.
Acontece que no acórdão n.º545/06, publicado no Diário da República, II série, de 06/11/06, o Tribunal Constitucional decidiu julgar inconstitucional, por violação do art. 32.º,n.º1, da CRP, a norma constante do art. 411.º, n.º1, do C. P. Penal, interpretado no sentido de o prazo para a interposição do recurso em que se impugne a decisão da matéria de facto e as provas produzidas em audiência tenham sido gravadas, se conta sempre a partir da data do depósito da sentença na secretaria e não da disponibilização das cópias dos suportes magnéticos, tempestivamente requeridas pelo arguido recorrente, por as considerar essenciais para o exercício do direito de recurso.
E no acórdão n.º546/06, na mesma data e no mesmo local, decidiu aquele tribunal julgar inconstitucional a mesma norma, também por violação do art. 32.º, n.º1, da CRP, interpretada no sentido de ao prazo de 15 dias referido nesse preceito não acrescer o período de tempo em que o arguido não pôde ter acesso às gravações da audiência, desde que se pretenda impugnar a matéria de facto e desde que o arguido actue com a diligência devida.
Tendo em conta o decidido naqueles acórdãos e, nomeadamente, no citado em primeiro lugar, e que o tribunal tem o prazo de 8 dias a contar da realização da diligência para facultar as cassetes áudio, a conclusão que tem de se tirar dos mesmos é que o prazo de 15 dias para a interposição do recurso se conta a partir da disponibilização das cassetes áudio, desde que tempestivamente requeridas.
As cópias das cassetes áudio, tendo sido requeridas no dia 4 de Julho, foram-no tempestivamente, uma vez que o último dia do prazo normal para a interposição do recurso ocorria no dia 13 de Julho, podendo ainda o acto ser praticado nos três dias úteis seguintes, nos termos do art. 145.º do C. P. Civil. É certo que podiam ter sido requeridas logo no dia 29 de Junho e que o mandatário da arguida pôde ter acesso a elas na data em que foi notificado de que estavam à sua disposição. Mas mesmo considerando estes factos, sempre, na interpretação do n.º1 do art. 411.º do C. P. Penal feita pelo TC nos citados acórdãos, tem de se entender que o recurso foi interposto em tempo.
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Deste modo, concede-se provimento ao recurso e, em consequência, revoga-se o despacho recorrido na parte em que decidiu não ter ocorrido justo impedimento, devendo, na 1.ª instância, tirar-se as legais consequências no despacho a proferir sobre o requerimento de interposição do recurso.
Sem tributação.
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Porto, 15 de Novembro de 2006
David Pinto Monteiro
José João Teixeira Coelho Vieira
António Gama Ferreira Gomes