Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP00041166 | ||
| Relator: | FERNANDA SOARES | ||
| Descritores: | RESCISÃO DE CONTRATO MOBILIDADE INDEMNIZAÇÃO | ||
| Nº do Documento: | RP200803100716265 | ||
| Data do Acordão: | 03/10/2008 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
| Decisão: | PROVIDO. | ||
| Indicações Eventuais: | LIVRO 100 - FLS 32. | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - Nos termos do art. 315º, n.º 1 do CT, o empregador pode, quando o interesse da empresa o exija, transferir o trabalhador para outro local de trabalho, se essa transferência não implicar prejuízo sério para o trabalhador. O n.º 3 do mesmo preceito permite que “por estipulação contratual as partes podem alagar ou restringir a faculdade conferida no números anteriores”. II - Tendo em conta o referido preceito legal, é nula, nos termos dos artigos 280º,1 e 400º do Cód. Civil, a cláusula ínsita num contrato de trabalho, segundo a qual o trabalhador “aceita que possa ser deslocado, dentro do território do Continente, para qualquer dos estabelecimentos da entidade patronal”, pois é de conteúdo indeterminado e possibilitaria uma mobilidade sem limites, conducente ao tratamento do trabalhador como uma “mercadoria”. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação do Porto I B………. instaurou no Tribunal do Trabalho do Porto acção emergente de contrato de trabalho contra C………., S.A., pedindo a condenação da Ré a) a reconhecer a legitimidade da rescisão do contrato de trabalho operada pela Autora em 23.11.2005; b) a pagar-lhe a quantia de € 19.727,04 a título de indemnização por antiguidade e proporcionais de férias, subsídios de férias e natal e juros de mora, à taxa legal, a contar de 23.11.2005.Alega a Autora que em 30.3.89 foi admitida ao serviço da Ré para exercer as funções de “caixeira encarregada”, no estabelecimento que a Ré possui na ………., no Porto. Por carta datada de 13.10.2005 a Ré comunicou à Autora que o seu local de trabalho passaria a ser na loja da Covilhã a partir de 17.11.2005. A Autora informou a Ré dos graves prejuízos de ordem pessoal e familiar que tal transferência lhe causava, tendo esta reafirmado a ordem de transferência por cartas datadas de 21.10.2005 e 16.11.2005. Face ao referido, a Autora em 23.11.2005 resolveu o contrato de trabalho invocando prejuízo sério. A Ré contestou alegando que só em 1.7.91 a Autora passou a trabalhar para ela tendo celebrado um contrato de trabalho onde consta na sua clª.6ª que ela, Autora, aceitava ser deslocada para qualquer dos estabelecimentos da Ré sitos no território do Continente. Por isso, e sendo a ordem de transferência legal a mesma não constitui fundamento para a rescisão do contrato de trabalho por parte da Autora, concluindo pela improcedência da acção. Em audiência de julgamento as partes acordaram na matéria de facto que consideram assente tendo prescindido, Autora e Ré, da audição das testemunhas. Seguidamente foi consignada a matéria dada como provada e não provada, e proferida sentença a julgar a acção improcedente e a absolver a Ré dos pedidos. A Autora veio recorrer pedindo a revogação da sentença e a sua substituição por acórdão que julgue a acção procedente, concluindo nos seguintes termos: 1. O local de trabalho, ou seja, o local onde o trabalhador deve cumprir o contrato, prestando a sua actividade, é um elemento de grande relevância, tanto para o empregador como para o trabalhador. 2. Em função deste especial relevo, o nosso sistema jurídico garantiu ao trabalhador a sua inamovibilidade. 3. Numa leitura apressada das clªs. 4ª e 6ª do contrato celebrado com a Ré, poderia pensar-se que as partes mais não fizeram do que convencionar que a entidade empregadora ficava livre na fixação do local de trabalho, sendo-lhe legítimo, a todo o tempo, transferir o trabalhador, uma vez que tal estipulação era permitida no art.24ºda LCT.. 4. Porém, as referidas cláusulas não são compatíveis com a actividade exercida pela Autora, na medida em que esta está dependente de um estabelecimento fixo ou concreto. 5. A Autora foi contratada para exercer as funções de caixeiro, mostrando os autos que desde o início do contrato sempre exerceu tais funções no mesmo estabelecimento, sito no Porto. 6. E de nada adiantava proibir os despedimentos sem justa causa se, em simultâneo, se permitisse a definição do local de trabalho de forma tão lata que o trabalhador fosse colocado, a todo o momento, em qualquer lado. 7. Do princípio da segurança no emprego decorre que o local de trabalho tem de estar determinado ou ser determinável, correspondendo, em qualquer caso, à efectiva execução contratual e não a hipotéticas necessidades empresariais futuras. 8. Assim, no contrato dos autos, não ficou determinado o local de trabalho da Autora, atentas as funções que a esta foram incumbidas pela Ré, só compatíveis com um estabelecimento concreto da empresa, e não com um conceito indeterminado, como “todo o território do Continente”. 9. Inexistindo, no caso, uma determinação expressa do local de trabalho, este deve definir-se tendo em conta a execução da prestação laboral. 10. Ora, a Ré ao admitir a Autora, por contrato por tempo indeterminado, sabendo que esta residia no Porto e ia desempenhar as funções de caixeiro, tinha obrigação de a informar sobre o estabelecimento/área geográfica concreta em que poderia vir a ser exigida a sua prestação. 11. Não o tendo feito tem de sujeitar-se a ver interpretado o contrato, quanto a essa questão, em conformidade com a respectiva execução, e assim sendo, a considerar-se tacitamente limitado o local de trabalho da Autora à área do Porto, onde se insere o estabelecimento onde a Autora durante 16 anos prestou serviço para a Ré. 12. Estando em causa uma relação laboral em que o trabalhador foi contratado para exercer as funções de caixeiro, e sempre as executou no mesmo local, a “elasticidade” do conceito de local de trabalho não pode ser a mesma que a de um motorista ou de caixeiro viajante, que, pela própria natureza da actividade, pressupõe um alargamento do âmbito geográfico. 13. E nem se diga, como faz a sentença recorrida que “a autora aceitou que podia ser deslocada dentro do território do continente para qualquer dos estabelecimentos que pertençam à sua entidade empregadora”, ou “tendo a autora aceite a transferência do local de trabalho nos termos constantes daquele contrato de trabalho carece de fundamento a sua invocação de prejuízo sério”. 14. E isto porque, para além da necessidade da contemporaneidade entre o acordo e a transferência, sob risco de, não observado tal requisito, se abrir a porta a todos os desmandos do empregador, que mais não fazem que elevar exponencialmente a desigualdade material dos contraentes. 15. Há que ter em conta o estatuído no art.96º do C.T., e concluir que as cláusulas 4ª e 6ª do contrato de trabalho são manifestamente contrárias à boa fé e fixam locais de prestação de serviço de cumprimento absolutamente despropositados e socialmente inconvenientes. 16. Por tal razão tais cláusulas enfermam do vício da nulidade nos termos gerais de direito. 17. Assim sendo, a ordem de transferência comunicada pela apelada à apelante corresponde ao conteúdo jurídico de transferência do local de trabalho, prevista no art.21º nº1 al.e) da LCT e nos arts.122º nº1 al.f) e 315º nº1 do C.T.. 18. E face à matéria provada a transferência da Autora para a Covilhã, a mais de 300Km do Porto, provocar-lhe-ia os mais sérios prejuízos. 19. Daí a licitude da resolução do contrato de trabalho por iniciativa da ora apelante. 20. Ademais, a apelada tinha, e tem, muitos outros estabelecimentos comerciais na área de residência da Autora – área metropolitana do Porto – para onde ela poderia eventualmente ser transferida, sem que os prejuízos daí decorrentes fossem tão gravosos. 21. A apelada quis colocar a Autora e muitos outros trabalhadores numa situação absolutamente insustentável, que os levasse a ficar como única alternativa a resolução do contrato. 22. Este comportamento da Ré, que excede manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes, e pelo fim social e económico do seu pretenso direito, constitui abuso de direito. 23. Ao decidir como decidiu o Tribunal a quo violou o disposto na al.f) do nº1 do art.122º, nº1 do art.315º e 96º, todos do C. do Trabalho, os arts.15º e 22º nº1 al.n) do DL 446/85 de 25.10 e posteriores alterações e o art.53º da C.R. Portuguesa. A Exma. Procuradora Geral Adjunta junto desta Relação emitiu parecer no sentido de o recurso merecer provimento. Admitido o recurso e corridos os vistos cumpre decidir. * * * Matéria dada como provada e a ter em conta na decisão do presente recurso.II 1. A Ré é uma sociedade comercial que se dedica à comercialização de electrodomésticos. 2. A Autora foi admitida ao serviço da “D………., Lda”, por força de um contrato celebrado em 30.3.1989, conforme documento de fls.119 e 124. 3. Em 1.7.1991, após o período inicial a termo, a Autora celebrou o denominado “contrato de trabalho” junto a fls. 51 a 52. 4. Desse contrato consta na sua cláusula sexta: “Tendo em conta o âmbito do território de actuação definida nas cláusulas 1ª e 2ª do presente contrato, o 2ºoutorgante aceita que possa ser deslocado, dentro do território do Continente, para qualquer dos estabelecimentos que pertençam ao 1ºoutorgante”. 5. Foi também estipulado, na cláusula 7ª desse contrato que, para os efeitos da referida mudança de local de trabalho, a C………., S.A. deverá notificar o trabalhador “por carta registada, com 30 dias de antecedência, do novo local para onde aquele deverá ir exercer as suas funções, e da respectiva data de início”. 6. Foi ainda estipulado, na cláusula 8ª do contrato, que em caso de mudança a C………., S.A. se obriga a “custear as despesas resultantes do transporte da família e mobiliário do 2ºoutorgante”. 7. A partir daquela data de 30.3.1989 a Autora passou a exercer a sua actividade profissional remunerada, por conta e sob a direcção e fiscalização da empregadora no estabelecimento sito na ………., Porto. 8. A Autora estava classificada profissionalmente como “caixeira encarregada”, e auferia a remuneração mensal de € 748,20. 9. Com data de 13.10.2005 a Ré comunicou à Autora que a partir de 17.11.2005 o seu local de trabalho passaria a ser na loja da Covilhã, conforme documento de fls.17. 10. Em 18.10.2005 a Autora informou a Ré dos prejuízos, a nível pessoal e familiar que essa transferência lhe acarretaria, conforme documento de fls.18 a 19. 11. Por carta de 21.10.2005 a Ré reafirmou a ordem de transferência do local de trabalho da Autora, invocando para o efeito a “lógica de gestão empresarial da C………., S.A.”, conforme documento de fls.20 a 21. 12. Em 15.11.2005 a Autora enviou uma carta à Ré, reafirmando as extremas dificuldades que resultariam da sua transferência para a Covilhã, conforme fls.22 a 23. 13. Não obstante, a Ré, em 16.11.2005 reafirmou a ordem de transferência, conforme documento de fls.24. 14. A Autora, em 23.11.2005, declarou resolver o contrato que havia celebrado com a Ré, conforme documento de fls.25, recebido por esta em 24.11.2005. 15. A Autora é casada, residindo no Porto. 16. O seu marido desempenha funções na ..ª Esquadra da PSP, à Rua ………./………., Porto, e os seus filhos gémeos de 24 anos, encontram-se a estudar em estabelecimento de ensino do Porto. 17. A Ré C………., S.A. diligenciou pela obtenção de um apartamento condigno na Covilhã para os trabalhadores transferidos, outorgando em 29.11.2005 um documento intitulado “arrendamento”, conforme cópia junta a fls.53 a 55. 18. À data da cessação do contrato da Autora, a Ré detinha quinze estabelecimentos na zona metropolitana do Porto, sendo sete integrados em Centros Comerciais. 19. Presentemente detém seis lojas de Rua na mesma zona. 20. Em 16.12.2005 a Ré pagou à Autora a quantia ilíquida de € 2.111,62, como acerto final das suas contas laborais, conforme recibo de fls.66. 21. A Ré incorporou a sociedade D………., Lda. em 2002. * * * Questão a apreciar.III O local de trabalho da Autora e a ordem de transferência dada pela Ré. Na sentença recorrida concluiu-se que a autora aceitou que poderia ser deslocada “dentro do território do Continente, para qualquer dos estabelecimentos que pertençam à sua entidade empregadora”, pelo que “tendo a autora aceite a transferência do local de trabalho nos termos constantes daquele contrato, carece de fundamento a sua invocação de prejuízo sério”. A Autora discorda da conclusão a que chegou o Tribunal a quo apoiando-se no acórdão desta Relação proferido no processo 4790/06, datado de 4.12.2006, e que apreciou situação idêntica quanto a um trabalhador da aqui apelada. Refere ainda a Autora que estando provado que a Ré entidade patronal ordenou a transferência da recorrente do seu local de trabalho para outro local, e tendo ela a sua vida centrada no Porto, a transferência para a Covilhã provoca-lhe sérios prejuízos, e daí a licitude da resolução do contrato de trabalho. Vejamos então. Antes de tudo cumpre referir que a ordem de transferência ocorreu já na vigência do Código do Trabalho, pelo que é à luz deste diploma que iremos analisar a questão em apreço (art.8º nº1 da Lei Preambular ao Código do Trabalho). A. O local de trabalho da Autora. Nos termos do disposto no art.154º nº1 do Código do Trabalho “o trabalhador deve, em princípio, realizar a sua prestação no local de trabalho contratualmente definido, sem prejuízo do disposto no art. 315º a 317º”. No caso de não haver estipulação expressa do local de trabalho no contrato de trabalho a sua determinação resulta “implicitamente dos termos em que o contrato foi celebrado ou das circunstâncias que rodearam a sua celebração” – Bernardo Lobo Xavier com a colaboração de P.Furtado Martins e A. Nunes de Carvalho, “Iniciação ao Direito de Trabalho”, pg.295. Acresce que o local de trabalho, ou melhor dizendo, a fixação do local de trabalho é da máxima importância para o trabalhador na medida em que, por regra, ele planifica toda a sua vida – familiar e social – no local ou na zona em que trabalha. Posto isto, cumpre responder à seguinte questão: qual o local de trabalho da Autora? Decorre da matéria de facto dada como provada – nº7 – que o local de trabalho, aceite tacitamente por ambas as partes, aquando da celebração do contrato de trabalho foi o estabelecimento da Ré sito na ………., no Porto, local onde a Autora exerceu funções durante cerca de 16 anos e meio. B. Da mudança do local de trabalho. Assente que o local de trabalho da Autora era, e foi, durante 16 anos e meio, no estabelecimento da Ré sito na ………., no Porto, podemos concluir, sem margem para dúvidas, que a ordem dada pela Ré à Autora em Outubro de 2005 corresponde a uma mudança do local de trabalho. E será tal ordem legítima? C. A ordem de transferência do local de trabalho. Na sentença recorrida concluiu-se que a Autora não podia invocar o prejuízo sério na medida em que aceitou tal transferência conforme consta da clª.6ª do contrato que assinou. Que dizer? A clª.6ª do contrato de trabalho celebrado em 1.7.1991 entre Autora e Ré tem a seguinte redacção: “Tendo em conta o âmbito do território de actuação definida nas clªs.1ª e 2ª do presente contrato, o 2º outorgante aceita que possa ser deslocado, dentro do território do Continente, para qualquer dos estabelecimentos que pertençam ao 1ºoutorgante”. Tal cláusula deve ser analisada em conjugação com o disposto no art.315º do C. do Trabalho, o qual, sob a epígrafe “a mobilidade geográfica” determina o seguinte: “1 o empregador pode, quando o interesse da empresa o exija, transferir o trabalhador para outro local de trabalho, se essa transferência não implicar prejuízo sério para o trabalhador”. “3 por estipulação contratual as partes podem alargar ou restringir a faculdade conferida nos números anteriores”. Ora, tendo em conta o acabado de transcrever e o teor da referida cláusula seríamos levados a concluir pela validade da mesma e, assim, pela legalidade da ordem de transferência. Mas assim não é como vamos explicar de seguida. Com efeito, a cláusula em análise é de conteúdo indeterminado ao falar em “deslocação dentro do território do Continente”, possibilitando, deste modo, uma mobilidade sem limites que conduz ao tratamento do trabalhador como uma “mercadoria” que facilmente a entidade patronal pode deslocar de um lado para o outro. Neste sentido é a posição de João Leal Amado, em Temas Laborais, “Local de trabalho, estabilidade e mobilidade: o paradigma do trabalhador on the road?”, pgs.76 e seguintes. Por isso, defendemos que tal cláusula é nula nos termos do disposto nos arts. 280º nº1 e 400º ambos do Código Civil. E sendo nula, tudo se passa como se a mesma não existisse, devendo analisar-se a situação ao abrigo do disposto no art.315º nº1 do C. do Trabalho (transferência unilateral do trabalhador). Mas mesmo que assim não se entenda a igual conclusão se chega. Senão vejamos. Admitindo a validade da referida cláusula foi com base nela que a Ré invocou a legitimidade da ordem de transferência que deu à Autora. Tal cláusula foi inserida num contrato de trabalho celebrado em Julho de 1991, sendo certo que até Outubro de 2005 nunca a Ré se prevaleceu da mesma para transferir a Autora. Ou seja, durante 16 anos, a Autora prestou o seu trabalho no Porto, sem que a sua entidade patronal accionasse a referida cláusula. Que dizer então do comportamento da Ré que só ao fim de 16 anos se prevaleceu de cláusula a permitir a transferência de trabalhador para qualquer estabelecimento sito no Continente? Para começar temos que concluir – recorrendo às regras da experiência e do senso comum -, que não obstante a existência da referida cláusula, no espírito da Autora, e no de qualquer pessoa colocada no seu lugar, se formou a convicção de que o seu local de trabalho se manteria inalterável, quanto mais não fosse, e na pior das hipóteses, circunscrito à região do Porto (à data da cessação do contrato de trabalho da Autora a Ré detinha na zona metropolitana do Porto 15 estabelecimentos). E tal convicção ainda é mais forte no caso em análise, atendendo às funções que a Autora sempre exerceu – as de caixeira encarregada -, as quais, como sabemos, não têm natureza “ambulatória”. Neste sentido é a posição de Bernardo Lobo Xavier (obra citada, p.302), que aqui se deixa expressa por se acolher inteiramente: “Admitimos que as disposições contratuais que sejam demasiado latas – p.ex., consentindo que o empregador transfira o trabalhador para qualquer um dos seus estabelecimentos no país ou na EU – sejam interpretadas restritivamente, em termos de proteger situações que se consolidem para o trabalhador, pelo facto de durante muitos anos o empregador não se prevalecer das cláusulas contratuais que facilitam a transferência, protegendo-se assim uma justa expectativa de estabilidade”. E tal fundada e justa expectativa por parte da Autora – de que afinal o seu local de trabalho estava confinado à região do Porto -, merece acolhimento e protecção jurídica, devendo a clª.6ª do referido contrato ser interpretada e ter o alcance acabado de referir em homenagem ao princípio da boa fé estabelecido nos arts.762º nº2 do C. Civil e 119º do C. do Trabalho. A assim não se entender, então a clª.6ª – com o alcance defendido pela Ré: faculdade de deslocar o trabalhador sem qualquer limite ou de forma ilimitada -, ofende claramente o direito do trabalhador à conciliação da vida profissional com a vida pessoal e familiar consagrado no art.59º nº1 al.b) da C.R. Portuguesa, e põe igualmente em causa o direito à segurança no emprego consagrado no art.53ºda C.R. Portuguesa (neste sentido José Andrade Mesquita em Direito do Trabalho, Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, 2003, p.403). Em resumo: quer se defendendo a nulidade da cláusula aposta no contrato de trabalho, quer se defendendo a sua validade, com a interpretação a que se chegou, temos necessariamente de concluir que a ordem dada pela Ré á Autora no sentido de a mesma passar a trabalhar na cidade da Covilhã tem que ser analisada à luz do disposto no art.315º nº1 do C. do Trabalho. D. O prejuízo sério e a rescisão do contrato. Monteiro Fernandes, em comentário ao art.315º nº1 do C. do Trabalho, diz o seguinte: “O prejuízo sério a que a lei se refere é, como evidenciou Bernardo Xavier, uma consequência hipotéctica ou virtual da transferência; quando, no art.315º/1CT, se emprega a expressão “não implicar prejuízo sério para o trabalhador”, está-se a significar que a transferência não deve ser de molde a, face às circunstâncias concretas, provocar tal prejuízo. Trata-se de um juízo antecipado de probabilidade ou de adequação causal, que, no entanto, implica a consideração de elementos de factos actuais – como as condições de habitação do trabalhador, os recursos existentes em matéria de transportes, o número, idade e situação escolar dos filhos, a situação profissional do cônjuge” (…) “Por outro lado, é necessário que o prejuízo expectável seja sério, assuma um peso significativo em face do interesse do trabalhador, e não se possa conduzir à pequena dimensão de um incómodo ou de um transtorno suportáveis (Direito do Trabalho, 13ªedição, p.428/429). Igualmente Motta Veiga (Lições de Direito do Trabalho, 6ªedição, p.313 e ainda na vigência da LCT, a qual neste particular é idêntica ao C. do Trabalho vigente), defende que “prejuízo sério é o que, sendo real e efectivo, influa, de modo decisivo e nocivamente, na vida do trabalhador” (…) “ou o que cause dano relevante que determine alteração substancial do plano de vida do trabalhador”. Face à matéria provada - em especial a indicada sob os nºs.15 e 16 -, a Autora tem a sua vida familiar centrada na cidade do Porto. Entre esta cidade e a cidade da Covilhã a distância é de cerca de 200km, o que à partida exclui a possibilidade da Autora se deslocar diariamente da sua residência para o novo local de trabalho. Aliás, só por tal razão se compreende a preocupação da Ré em obter instalações na Covilhã para os trabalhadores (nº17 da matéria provada). Do acabado de referir resulta que a dita transferência obrigaria a Autora a permanecer na cidade da Covilhã, impedindo-a, deste modo, de conviver e dar assistência diária ao seu agregado familiar, composto por dois filhos e marido. Ou seja, a transferência da Autora colide frontalmente com o direito consagrado no art.59º nº1 al.b) da C.R.P., a significar que tal mudança se traduz num sacrifício incomportável e intolerável que necessariamente acarretaria prejuízos sérios quer na vida pessoal quer na vida profissional da trabalhadora. Por isso, encontra-se provada a existência do alegado prejuízo sério e deste modo tem a Autora direito a receber a indemnização prevista nos nºs.1 e 2 do art.443º do C. do Trabalho, que se fixa em 30 dias de retribuição base por cada ano completo de antiguidade e fracção, no montante de € 12.470,00 (16 anos e 8 meses - € 748,20x16+748,20x8:12). * * * Termos em que se julga a apelação procedente, se revoga a sentença recorrida e se substitui pelo presente acórdão, declarando-se legítima a rescisão do contrato de trabalho operada pela Autora em 23.11.2005, e em consequência se condena a Ré a pagar-lhe a indemnização no montante de € 12.470,00 acrescida dos juros de mora à taxa legal, a contar de 23.11.2005 e até integral pagamento, absolvendo-se a Ré dos demais pedidos formulados na petição.* * * Custas da acção na proporção de 1/3 para a Autora e 2/3 para a Ré.Custas da apelação a cargo da Ré. * * * Porto, 10.03.2008 Maria Fernanda Pereira Soares Manuel Joaquim Ferreira da Costa Domingos José de Morais |