Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0520792
Nº Convencional: JTRP00038112
Relator: ALZIRO CARDOSO
Descritores: COMODATO
CONTRATO
Nº do Documento: RP200505240520792
Data do Acordão: 05/24/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE.
Área Temática: .
Sumário: I - Enquanto o comodato é um contrato de eficácia puramente obrigacional, caracterizado pela gratuitidade, o direito de uso e habitação é um direito real de gozo de uma coisa, na medida das necessidades do titular e da sua família.
II - O contrato de comodato celebrado por toda a vida do comodatário é válido porque o seu termo, embora incerto, é determinável.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

I – Relatório
B....., instaurou acção com processo comum, sob a forma ordinária, contra C..... e mulher D....., pedindo a condenação dos réus:
a) A reconhecerem que o contrato de comodato ou empréstimo celebrado com o autor se mantém válido e em vigor;
b) E que a desocupação da divisão e anexo que o autor ocupava nos termos daquele contrato de comodato ou empréstimo, foi feita provisoriamente e para efeitos de execução da obras a levar a cabo no respectivo prédio;
c) E ainda que ao autor assiste o direito de reocupar aquela mesma área após as obras, como comodatário;
d) Condenando-se os réus a pôr à disposição, em substituição da divisão e anexo do antigo prédio, a área sensivelmente igual resultante das obras levadas a cabo nesse mesmo prédio, abstendo-se, por qualquer modo de perturbarem a posse do autor sobre a referida área, como comodatário;
e) Ou, em alternativa, a porem à disposição do autor uma outra fracção com área, situação e características iguais, no mesmo bloco ou edifício e de acordo com as mesmas cláusulas e condições;
f) E, em qualquer dos casos, que os réus sejam condenados a pagar ao autor a quantia diária de 2000$00, até à entrega da fracção contratual ou de outra de iguais características.
g) E uma indemnização a titulo de danos patrimoniais e não patrimoniais no montante de 8.000.000$00.
Citados, os réus contestaram, defendendo-se por impugnação, e deduziram reconvenção, pedindo a condenação do autor: a ver declarada a nulidade da convenção do contrato de comodato que estabelece a duração do mesmo como vitalícia; a restituir aos réus, livre de pessoas e bens, a fracção do prédio destes que o autor actualmente ocupa; e a pagar aos réus a quantia mensal de 100.00$00, pela não restituição da dita fracção e até efectiva entrega da mesma; e ainda a pagar aos réus a quantia de 940.000$00 como indemnização convencional pela mora em que caiu quanto à desocupação da divisão e do anexo, bem como a quantia de 1.600.000$00, acrescida de juros de mora legais a partir da notificação do pedido reconvencional, referente aos danos patrimoniais causados pelo uso indevido da parte fronteira à porta de entrada da fracção que ocupa, e consequente impossibilidade prática de darem de arrendamento as duas fracções contíguas; condenando-se ainda o autor a desocupar o referido patamar e a deixá-lo livre de coisas e do cão que ali tem preso.

O Autor replicou, pugnando pela improcedência da reconvenção e, alegando que faltaram conscientemente à verdade e deduziram por via reconvencional pretensões a que sabem não ter direito apenas com o propósito de protelar o normal andamento do processo, pediu a condenação dos réus como litigantes de má fé em multa e indemnização de montante não inferior a 500.000$00.

Dispensada a realização de audiência preliminar, foi proferido despacho saneador, seleccionaram-se os factos assentes e organizou-se a base instrutória, não tendo havido reclamações.

Na audiência de julgamento os réus requereram a ampliação do pedido reconvencional conforme consta da acta de fls. 116, não tendo a mesma sido admitida.

A folhas 212, o autor desistiu do pedido acima indicado sob a alínea g), tendo a desistência sido homologada por decisão proferida a folhas 212.
Instruída a causa, procedeu-se a julgamento constando de folhas 203 a 208 as respostas à matéria da base instrutória que não foram objecto de qualquer reparo.
Finalmente foi proferida sentença que julgou a reconvenção totalmente improcedente e a acção parcialmente procedente, condenando os Réus: a reconhecerem que o contrato de comodato celebrado com o autor se mantém válido e em vigor; a reconhecerem que a desocupação efectuada pelo autor do anexo do prédio urbano sito no Lugar....., da freguesia de....., inscrito na matriz sob o artigo 73, que o autor ocupava anteriormente ao contrato de comodato, foi provisória e para efeitos de execução das obras; que assistia e assiste ao autor o direito a reocupar aquela mesma área; e em virtude da impossibilidade de tal acontecer, condenou os réus a colocarem à disposição uma fracção com a situação e características idênticas no mesmo bloco ou edifício; bem como a pagar ao autor nos termos da cláusula penal a quantia diária de dois mil escudos (2.000$00), correspondente a dez euros, desde Abril de 1999 até à entrega da fracção equivalente da que tinha sido contratada.
Condenou ainda os Réus, como litigantes de má fé, na multa de 12 UC e em igual indemnização ao autor.

Inconformados os Réus interpuseram o presente recurso de apelação, tendo na sua alegação formulado conclusões que, no essencial, se podem resumir nos termos seguintes:
1- Devem ser alteradas as respostas dadas aos quesitos 4º, 14º, 15º, 16º, 19º, 20º, 35º, 36º, 37º, 38º, 41º, 42º, 43º e 46º;
2- O contrato constante de folhas 13 e 14 não reveste carácter gratuito, pelo que não está submetido à disciplina das normas dos artigos 1129º e segs. do Código Civil;
3- Mas ainda que assim se não entenda os elementos constantes dos autos não permitem concluir se a palavra “vitalício” inserta no referido contrato se reporta à vida dos comodantes, ou à vida do comodatário, o que torna o prazo manifestamente indeterminado;
4- Entendendo-se que o contrato é vitalício e pela vida do comodatário, verifica-se que as partes, a final, não celebraram contrato de comodato, mas sim um contrato de uso e habitação regulado pelos artigos 1484º do Cód. Civil, nulo por inobservância da forma legal – escritura pública – exigida pelo artigo 1485º do mesmo código;
5- Assim, o pedido de reconhecimento de que o contrato de comodato ou empréstimo celebrado com o autor se mantém válido e em vigor, deveria improceder, procedendo os pedidos formulados pelos apelantes na sua reconvenção, declarando-se a invocada nulidade e ordenando-se a restituição aos apelantes, do imóvel que o autor ocupa e a pagar a pedida quantia mensal de 100.000$00 até efectiva entrega da fracção;
6- O único critério que as partes usaram para a determinação do espaço futuro a ocupar foi unicamente “….uma área sensivelmente igual …”;
7- Ao pretender ocupar uma área no mesmo local físico (terreno) onde estavam implantados a divisão e o anexo anteriores e demolidos, o apelado deveria provar que a fracção do novo prédio que aí foi implantada, de acordo com o projecto, tinha uma área sensivelmente igual àquela que tinham a divisão e o anexo, por se tratar de facto constitutivo do seu direito, face à cláusula 6ª do contrato, mas não alegou nem provou tal facto, pelo que não poderá lograr a procedência do pedido que formulou sob as alíneas C), D) e E);
8- Os apelantes colocaram à disposição do apelado, que dela usa, goza e frui desde data anterior a Abril de 1999, uma outra fracção dos apelantes, com uma área superior à da divisão e anexo que ocupava antes de serem demolidos, pelo que deve concluir-se que os apelantes cumpriram a sua obrigação, reclamada sob a alínea G);
9- Assim, o pedido formulado pelo apelado sob a alínea H) não pode proceder e está ferido de abuso de direito, pois que pretende ressarcir, pela cláusula penal convencional, um dano que efectivamente não sofreu, pois que manteve e mantém o uso, gozo e fruição de um espaço superior àquele que usava, gozava e fruía e não teve qualquer perda de clientela ou outro prejuízo;
10- Os pedidos das alíneas D) e E) da reconvenção, por via da reapreciação da matéria de facto impugnada, e em face da alteração das respostas impugnadas, devem proceder, pois que estão presentes os requisitos de facto e de direito que integram os direitos reclamados pelos apelantes; todavia na hipótese de proceder o pedido de nulidade do contrato constante de folhas 13 e 14 dos autos, o pedido da alínea D) da reconvenção fica prejudicado;
11- A sentença recorrida não conheceu do pedido formulado na reconvenção sob a alínea F), havendo, nessa parte, omissão de pronúncia, com a consequente nulidade; não obstante, o certo é que está provado que a ocupação pelo apelado do referido patamar é feita contra a vontade dos apelantes e que o apelado não dispõe de título que legitime a ocupação, pelo que o pedido deve proceder;
12- Como denota a condenação dos apelantes como litigantes de má fé, estes limitaram-se a exercer o seu direito à invocação da nulidade contratual, bem como a alegar a sua interpretação do contrato de fls. 13 e 14 dos autos que, esta sim, se revela dentro da letra e do espírito dessa convenção, pelo que inexistem fundamentos para a referida condenação, que deve ser revogada.
Termos em que deve ser dado provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida.

O Autor contra-alegou defendendo a improcedência do recurso.

Corridos os vistos cumpre decidir.

II – Fundamentos
1. De facto
1. Apreciação da impugnação da matéria de facto
Os apelantes impugnam as respostas dadas aos quesitos 4º, 14º, 15º, 16º, 35º, 36º, 37º, 38º, 41º, 42º e 43º da base instrutória, defendendo que os quesito 4º e 46º devem ser considerados não provados e os restantes julgados provados.
Dado que houve agravação da prova estamos perante uma situações das em que o Tribunal da Relação pode alterar as respostas dadas à matéria de facto (artigo 712º n.º 1, alínea a), do CPC).
Cumpre, pois, antes de mais apreciar a deduzida impugnação.
Vejamos:
Perguntava-se no referido quesito 4º: “A área destinada a ser ocupada pelo Autor nos termos acordados em A) e referida em 1º encontra-se a ser ocupada por uma instituição bancária?”
O referido quesito foi considerado provado.
Resposta que os apelantes impugnam alegando que nenhuma das testemunhas ouvidas teve intervenção directa ou indirecta no acordo a que se refere a alínea A) dos factos assentes, pelo que a resposta ao referido quesito deveria ser a de “Não provado”.
Mas sem razão.
Está provado através do acordo celebrado entre as partes, a que se refere a alínea A) dos factos assentes que findas as obras o Réu teria direito “a ocupar a título de comodato a área sensivelmente igual, mas de acordo com o projecto de obra” à que ocupava antes das obras. Não foi apenas prometida ao Réu a ocupação de um novo espaço com uma área idêntica à que ocupava, mas sim à área sensivelmente igual à que ocupava, ou seja, o mesmo local, sem prejuízo de alterações decorrentes do projecto da obra. Mas se dúvidas houvesse, embora as testemunhas não tenham de facto presenciado a celebração do referido acordo, foram unânimes, no sentido de que o réu ocupava o local onde hoje está instalada uma instituição bancária, sendo que o Réu sempre disse ás testemunhas ouvidas à matéria do referido quesito que tinha sido acordado que após as obras voltaria para o local onde estava antes, confirmando o sentido que um intérprete normal retira do clausulado no referido acordo, ou seja, que após a realização das obras o réu voltaria a ocupar o mesmo local.
Defendem também os apelantes que aos quesitos 14º, 15º, 16º devem ser considerados provados e o quesito 46º não provado com base nos depoimentos das testemunhas E..... e F..... que, por terem sido o empreiteiro e trabalhador na obra, confirmaram que as obras foram concluídas em Setembro de 1996 e que o apelado só entregou aos apelantes a divisão e anexos que ocupava antes das obras, em Dezembro de 1997. Referem ainda que o tribunal ignorou a carta de fls. 43, dirigida pelos apelantes ao apelado para desocupação da divisão e anexo.
O tribunal a quo fundamentou as respostas aos indicados quesitos nos termos seguintes:
“As testemunhas no geral referiram que o autor teria mudado pela Páscoa de 1997, assim como a testemunha dos réus E..... disse que as obras (1ª fase) estavam prontas em Abril de 1997, mas não se pode concluir com certeza em que datas elas foram exactamente concluídas (…). O que se tem como seguro é que pelo menos por altura da Páscoa de 1997, o autor foi para a fracção onde está actualmente”.
Ouvida a gravação integral dos depoimentos prestados na audiência de julgamento, não chegamos a entendimento diverso do tido pela 1ª instância. A apreciação global dos depoimentos permite apenas concluir que as obras foram feitas por duas fases, tendo o réu mudado para a fracção que actualmente ocupa quando esta ainda não estava completamente pronta, coincidindo os depoimentos no sentido de que pelo menos na Páscoa de 1997 o réu foi para a referida fracção. O documento junto a folhas 43 – cópia de uma carta datada de 29-03-97 dirigida ao autor – não prova a matéria alegada no quesito 16º, dado que não resulta demonstrado que a referida carta tenha sido enviada ao autor.
E ao contrário do que referem os apelantes, não prova, antes contraria o alegado no quesito 46º, matéria que não resulta provada, dada a divergência de depoimentos e imprecisões e/ou falta de conhecimento revelada pelas testemunhas ouvidas sobre esse ponto da base instrutória, referente à data da conclusão das obras do espaço a ocupar provisoriamente pelo autor.
Em relação aos quesitos 19º e 20º, os apelantes alegam que o tribunal ignorou os depoimentos de E..... que mediu a área anteriormente ocupada pelo apelado, que era de 85 m2 e construiu a área actualmente ocupada que é de 95 m2 como, aliás, resulta também do documento junto a folhas 143, não impugnado pelo apelado.
Perguntava-se nos referidos quesitos:
Quesito 19º “A área da divisão e anexo que o Autor ocupava antes das obras era de 85 m2?”
Quesito 20º “ E a actualmente ocupada tem 95 m2?”.
Os referidos quesitos obtiveram a seguinte resposta:
Quesitos 19º e 20º – “Provado apenas que a área ocupada actualmente pelo autor é maior que a área ocupada anteriormente”.
A resposta aos referidos quesitos foi fundamentada nos termos seguintes: “Quanto à medida das fracções não constam as suas medições nos autos, constando apenas a planta de fls. 124, ignorando o tribunal se as medidas que aí constam correspondem às das fracções, embora as testemunhas tenham referido que a actual fracção é um pouco maior que a anterior e maior que a fracção onde está instalada a Caixa.....”.
Não oferece dúvidas que a fracção actualmente ocupada pelo autor tem uma área ligeiramente superior à divisão e anexo que ocupava antes das obras. A questão que se coloca é a de saber se foi feita prova da medida exacta da actual fracção e da anterior divisão e anexo.
Entendemos que nesta parte assiste razão aos apelantes. As áreas em causa foram confirmadas pela testemunha E....., empreiteiro que executou as obras, sendo que o depoimento da referida testemunha não foi, nessa parte, contrariado por qualquer elemento de prova, antes resulta confirmado quanto à área da actual fracção ocupada pelo réu pela planta junta a folhas 124, bem como pela escritura de constituição de propriedade horizontal (fls.149 a154) e pela descrição no registo das (139 a 147).
Tendo em conta os depoimentos unânimes no sentido da resposta dada ao referido quesito e tendo em conta que a testemunha E....., confirmou as áreas exactas indicadas nos referidos quesitos, revelando ter conhecimento daquelas áreas por ter medido a anterior divisão e anexo e ter construído a actual, sendo que quanto a esta a área indicada é a que consta da escritura de constituição da propriedade horizontal, entendemos justificar-se a resposta positiva a ambos os quesitos.
Defendem ainda os apelantes que em face dos depoimentos das testemunhas G....., H..... e I..... e por se tratar de factos apurados na inspecção judicial, devem ser julgados provados os quesitos 35º, 36º, 37º e 38º.
Não dispõe este Tribunal da Relação de todos os elementos ponderados pelo tribunal de 1ª instância quanto ás respostas dadas aos referidos quesitos, dado que nada foi consignado quanto aos factos observados aquando da realizada inspecção judicial. O que só, por si, impede, nessa parte, a reapreciação da prova. Acresce que ouvida a gravação, ao contrário do que sustentam os apelantes, os depoimentos das indicadas testemunhas não são coincidentes.
Por último, pretendem os apelantes que sejam alteradas as respostas dadas aos quesitos 41º, 42º e 43º, alegando que o tribunal ignorou o depoimento da testemunha I..... que confirmou o interesse dela e do filho em tomar de arrendamento dois espaços comerciais no prédio dos apelantes.
Entendemos que também nesta parte não há fundamento para a pretendida alteração.
Antes de mais o tribunal não ignorou o depoimento da referida I....., antes procedeu à análise critica do respectivo depoimento e considerou aquele depoimento em conjunto com os demais elementos de prova.
Com efeito, as respostas aos indicados quesitos foram fundamentadas nos termos seguintes:
“A testemunha I..... referiu que queria arrendar a loja ao lado da do autor e que o seu filho também, sendo que o réu lhe pediu 100 mil escudos mensais.
Quanto aos objectos que estavam à frente da loja do autor, apenas sabe o que o réu disse (que o autor não os retirava, não tendo nunca falado com o autor.
Referiu que não o arrendou porque com as coisas que o autor tinha não passava uma pipa de vinho.
Quanto ao motivo que a testemunha invoca para não ter arrendado a loja não deixa de ser estranho (quando a pipa de vinho tivesse que passar, o autor arredava qualquer objecto), para além de que a testemunha se tivesse efectivamente interesse em montar um estabelecimento comercial, tinha-o certamente feito noutro local, o que não fez, pelo que se estranha que a mesma alguma vez tivesse tido interesse em montar um estabelecimento comercial, embora o seu filho o pudesse ter pretendido fazer (não deixa de ser também estranho que o filho, ao ser ouvido não soubesse para que é que a mãe queria arrendar a loja; esta testemunha só sabia que o réu disse que o autor certamente não tiraria os objectos que estavam cá fora).”
Ouvida a gravação, não há motivo para nos afastarmos do entendimento tido pela 1ª instância, não se mostrando ter havido erro que justifique a pretendida alteração das respostas dadas aos referidos quesitos.
Assim, a deduzida impugnação procede apenas quanto às respostas dadas aos quesitos 18º e 19º, cujas respostas se alteram nos termos seguintes:
Quesito 19º – Provado que a área da divisão e anexo que o Autor ocupava antes das obras era de 85 m2.
Quesito 20º – Provado que a actualmente ocupada tem 95 m2.

Na restante parte mantêm-se as respostas dadas à matéria da base instrutória.

2. Factos assentes
Assim, têm-se como assentes os seguintes factos:
1. Por acordo datado de 4 de Março de 1992, celebrado entre o autor e os réus e autenticado pelo notário por termo de autenticação, foi clausulado, além do mais, que “o autor dá como findos e resolvidos os contratos de arrendamento referentes a uma divisão e anexo do prédio sito no lugar de....., inscrito na matriz sob o artigo 73º urbano pertencente aos ora réus, cuja renda é de 1.000$00 mensais mediante pagamento de uma indemnização de 750.000$00 que já recebeu e de que dá quitação; o autor renuncia ao direito de preferência que eventualmente lhe assiste quanto à compra do referido prédio pelos réus; como contrapartida os réus dão de comodato ao autor a referida divisão e anexo para o exercício das actividades que nele são exercidas, ou seja comércio de mercearia e miudezas, escritório de desenho e habitação; tal comodato tem início no dia de assinatura do acordo sendo vitalício independentemente da alienação do prédio e o comodatário não pode em circunstância alguma proporcionar a terceiro o uso ou fruição da área em causa e dada de comodato; no caso de obras no prédio que impliquem ou exijam a cessação das actividades acima referidas os réus obrigam-se a obter no prédio uma área voltada para a estrada nacional, sensivelmente igual para o seu exercício e enquanto as obras durarem, mas pelo prazo máximo de dois anos; findas as obras o autor tem direito a ocupar a título de comodato a área sensivelmente igual mas de acordo com o projecto de obra, para os mesmos fins; no caso de não cumprimento dos prazos é estipulada uma cláusula de dois mil escudos por dia que exceda o referido prazo de dois anos e também por cada dia que exceda o referido prazo de dois anos e também por cada dia que o autor se atrase na desocupação das actuais instalações e depois na ocupação das instalações novas em consequência da obra efectuada (cf. doc. 13) – alínea a) dos factos assentes.
2. Com data de 11 de Julho de 1996 foi lavrada certidão de notificação pessoal do ora autor no sentido de até ao dia 30 de Setembro de 1996 efectuar a mudança referida no requerimento anexo que lhe foi entregue, de onde consta que o réu está a ultimar as instalações para possibilitar a mudança referida no requerimento anexo que lhe foi entregue, a mudança provisória do estabelecimento do autor, que o autor mostrou discordar das obras licenciadas, que o empreiteiro terá prontas em 30 de Setembro de 1996 as obras necessárias à mudança provisória do autor e que caso o autor não faça a mudança provisória acordada até ao indicado dia 30 de Setembro será responsabilizado pelos prejuízos daí emergentes – alínea b) dos factos assentes.
3. Em meados de 1995, os réus remodelaram a parte do prédio destinada à instalação provisória do autor nos termos referidos em a), a perdurar enquanto se mantivessem as obras a efectuar no prédio onde se encontravam localizadas a divisão e anexo originalmente arrendadas ao autor, que consistiam na destruição total do prédio e construção de um prédio novo, com cave, rés-do-chão e 1º andar – alínea c) dos factos assentes.
4. Na sequência do acordado em a) o autor desocupou a divisão e anexo que inicialmente ocupava instalando-se na área disponibilizada pelos réus onde se tem mantido a viver e a exercer as suas actividades comerciais – alínea d) dos factos assentes.
5. O projecto previa que a parte referida em a) fosse destinada ao comércio – resposta ao artigo 1º.
6. A área destinada a ser reocupada pelo autor nos termos acordados em a) e referida em 1, encontra-se a ser ocupada por uma instituição bancária – resposta ao artigo 4º.
7. O local actualmente ocupado pelo autor possui pior localização por não se situar junto à estrada – resposta ao artigo 6º.
8. O autor sentiu-se desgostoso com a mudança de instalações – resposta aos artigos 8º e 9º.
9. O espaço que o autor actualmente ocupa é voltado para a estrada nacional – resposta ao artigo 17º.
10. E é servido lateralmente por uma estrada municipal – resposta ao artigo 18º.
11. A área da divisão e anexo que o Autor ocupava antes das obras era de 85 m2 – resp. ques. 19º
12. E a actualmente ocupada tem 95 m2 – resp. ques. 20º.
13. E possui instalações sanitárias inacabadas – resposta ao artigo 21º.
14. Na nova edificação erguida após demolição do prédio onde anteriormente se localizava o arrendado do autor, existe agora uma fracção ocupada pela instituição bancária – resposta ao artigo 22º.
15. O espaço ocupado pelo autor tem um valor de 100.000$00 mensais no mercado de arrendamento, tendo esse valor em conta que a fracção esteja acabada – resposta ao artigo 24º.
16. Para além do espaço de divisão e WC actualmente ocupados pelo autor este ocupa uma área exterior fronteira à porta da entrada do mesmo – resposta ao artigo 25º.
17. O que faz contra a vontade dos réus – resposta ao artigo 27º.
18. Na parte fronteira ao espaço ocupado o autor coloca garrafas velhas e novas de gás butano – resposta ao artigo 28º.
19. E pendura jornais nas portadas das janelas – resposta ao artigo 29º.
20. Na parte fronteira ao espaço ocupado o autor expõe como suporte caixas velhas de plástico – resposta ao artigo 30º.
21. E colocou um frigorífico velho junto da janela da fracção contígua – resposta ao artigo 31º.
22. E uma velha armação de madeira – resposta ao artigo 32º.
23. Em certas ocasiões, o cão pertencente ao autor estava em frente à fracção – resposta aos artigos 33º e 34º.
24. As duas fracções contíguas à ocupada pelo autor destinam-se ao comércio – resposta ao artigo 44º.
25. E possuem um valor locativo de 100.000$00, mensal cada – resposta ao artigo 45º.
26. A conclusão do espaço para onde o autor se mudou ocorreu em Abril de 1997 – resposta ao artigo 46º.
27. Pelo motivo referido no artigo anterior, o autor mudou-se na data aí referida – resposta ao artigo 47º

3. De direito
Defendem os réus que o contrato celebrado com o autor não pode ser considerado um contrato de comodato por faltar o requisito da gratuitidade.
Mas, nessa parte, manifestamente sem razão.
Conforme resulta dos autos, os réus pretendiam livre e desocupado o espaço arrendado ao autor, com o objectivo de edificarem um novo prédio. Para poderem concretizar esse objectivo necessitavam não só da desocupação do espaço arrendado ao autor, como também de obter a renúncia deste ao exercício do direito de preferência.
Para compensar a renúncia do autor à preferência e a revogação do contrato de arrendamento, acordaram com este o pagamento de uma quantia em dinheiro e a ceder-lhe gratuitamente o gozo do mesmo espaço.
Foi paga uma contrapartida monetária pela renúncia do direito de preferência e pela revogação do contrato de arrendamento.
Mas concretizada a renuncia e revogado o contrato de arrendamento, a cedência do gozo do local, foi efectuada a título gratuito. Resulta expressamente do acordo celebrado entre as partes que o autor passaria a ocupar o espaço gratuitamente, ou seja, sem ser devida qualquer retribuição como contrapartida da cedência do gozo do referido espaço.
Defendem os apelantes que a entender-se que foi celebrado um comodato vitalício e pela vida do comodatário, verifica-se que afinal as partes não celebraram um contrato de comodato, mas sim um contrato de uso e habitação regulado pelo artigo 1484º do Código Civil, nulo por não ter sido celebrado por escritura pública.
Mas também nessa parte sem razão
Nos termos do art.º 1129º do Cód. Civil, "comodato é o contrato gratuito pelo qual uma das partes entrega à outra certa coisa, móvel ou imóvel, para que se sirva dela, com a obrigação de a restituir".
Segundo dispõe o art.º 1131º do mesmo Código, "se do contrato e respectivas circunstâncias não resultar o fim a que a coisa emprestada se destina, é permitido ao comodatário aplicá-la a quaisquer fins lícitos, dentro da função normal das coisas de igual natureza". Por sua vez o art.º 1137º, n.º 1, ainda do Cód. Civil estabelece que "se os contraentes não convencionaram prazo certo para a restituição da coisa, mas esta foi emprestada para uso determinado, o comodatário deve restituí-la ao comodante logo que o uso finde, independentemente de interpelação"; e acrescenta o n.º 2 que "se não foi convencionado prazo para a restituição nem determinado o uso da coisa, o comodatário é obrigado a restituí-la logo que lhe seja exigida".
O direito de habitação consiste na faculdade de se servir de casa de morada alheia, na medida das necessidades, quer do titular, quer da sua família (artigo 1484º, do Cód. Civil).
Enquanto o comodato é um contrato de eficácia puramente obrigacional, caracterizado pela gratuitidade, o direito de uso e habitação é um direito real de gozo de uma coisa, na medida das necessidades do titular e da sua família (art. 1484º n.º 1).
Ora, no caso dos autos, entendemos resulta do acordo celebrado que não foi constituído a favor do autor um direito de uso e habitação, mas sim um contrato de comodato, de eficácia meramente obrigacional.
Foi cedido ao autor o uso de um espaço não só para o exercício do seu comércio como também para habitação. Só em relação a este último fim poderia configurar-se um direito de uso e habitação. Mas enquanto o uso e habitação se traduz na faculdade do titular se servir da coisa, na medida das suas necessidades, por tempo indeterminado, o comodato é, por natureza, um contrato temporário, mediante o qual se cede uma coisa para ser usada durante um período de tempo que ou é predeterminado ou fica dependente de ulterior interpelação para restituição.
No exercício da liberdade contratual as partes podem convencionar que os efeitos do contrato de comodato só se extinguem na altura da morte do comodatário, o que integra subordinação da produção dos respectivos efeitos jurídicos a um termo resolutivo incerto.
É certo que no contrato de comodato o prazo tem, como elemento definidor da obrigação de restituição, de ser determinável não podendo ser incerto.
Porém, ainda que incerto, o prazo está determinado: o comodato cessa com a morte do comodatário. O termo final do contrato só é incerto quanto ao tempo da sua ocorrência, mas é certo quanto à sua produção; o prazo de duração do contrato seria o do tempo de vida do aqui autor (v. nesse sentido Ac. da Rel. de Lisboa, de 25-05-00, in http//:www.jtrl.dgsi.pt).
Assim, o contrato de comodato celebrado por toda a vida do comodatário é válido porque o seu termo, embora incerto, é determinável (v. Ac. da Rel do Porto, in http//:www.dgsi.jtrp.pt).
Por outro lado, ao contrário do que alegam os apelantes, resulta claro dos termos do contrato que a duração do comodato se refere à morte do comodatário e não dos comodantes.
O autor acordou desvincular-se de um contrato de arrendamento, mas pretendeu assegurar a manutenção do respectivo espaço para exercer a sua actividade e habitar, enquanto fosse vivo.
Para os réus efectuarem as obras, conforme acordado, o autor desocupou a divisão e anexo que ocupava e instalou-se provisoriamente no local que actualmente ainda ocupa.
Foi acordado que findas as obras o autor deveria regressar ao local objecto do contrato.
Porém, como resulta da resposta aos quesitos 4º e 22º da base instrutória, a área que foi objecto do contrato de comodato está a ser ocupada por uma instituição bancária a quem a respectiva fracção foi vendida pelos réus (cf. doc. de fls. 146).
Encontrando-se a dita fracção inscrita na referida Conservatória a favor da Caixa....., desde Janeiro de 1999, e estando ocupada por esta, a quem foi vendida pelos Réus, estes colocaram-se em posição de não poderem cumprir o acordo celebrado com o autor.
Conforme se refere na sentença recorrida, tornou-se impossível por causa imputável aos Réus, a entrega da referida fracção.
Daí que se tenha concluído não poder proceder o pedido formulado sobre a alínea e) da petição inicial, ou seja, o pedido de condenação dos réus a porem à disposição do autor, em substituição da divisão e anexo do antigo prédio urbano, a área sensivelmente igual resultante das obras levadas a cabo nesse mesmo prédio, ou seja, a fracção actualmente pertencente à referida instituição bancária.
Mas não podendo aquele pedido proceder, a sentença recorrida julgou procedente o pedido alternativo, condenando os Réus a colocarem à disposição do autor uma fracção com situação e características idênticas no mesmo bloco ou edifício.
Porém, resulta dos autos que embora não fosse essa a fracção que deveria, findas as obras, ser posta à sua disposição, na impossibilidade, de lhe ser entregue a fracção correspondente ao espaço que ocupava no antigo prédio (vendida a uma instituição bancária), a fracção com situação e características mais aproximadas é a que actualmente ocupa.
Tendo alienado a fracção que corresponde actualmente ao antigo espaço ocupado pelo autor, tal circunstância obsta à procedência do pedido de colocação da referida fracção à disposição do autor. Mas não exonera os Réus da obrigação contraída perante o autor, antes os constitui na obrigação de indemnizar este pelos prejuízos causados e de proporcionarem a este o gozo de uma fracção com características idênticas (artigos 798º, 801º n.º 1 e 802º n.º 1, do Código Civil).
Decorre dos factos assentes que, à excepção da fracção alienada à Caixa....., a única fracção com características idênticas ao antigo espaço que o autor ocupava no antigo prédio é a fracção que já está a ocupar.
Com efeito, como resulta, nomeadamente da escritura de constituição de propriedade horizontal (cf., fls.149 a 154), do novo prédio construído pelos réus fazem parte apenas quatro fracções destinadas a comércio ou serviços: a alienada à Caixa..... (fracção F); a que o autor ocupa (fracção D), com a área de 95 m2; a fracção D com a área de 147 m2; e a fracção E com a área de 60 m2.
A fracção D tem uma área muito superior à do anexo e garagem que o autor ocupava, enquanto a fracção E tem uma área bastante inferior.
A fracção que o autor ocupa, na impossibilidade de lhe ser entregue a que foi vendida à Caixa..... é, pois, a que tem área mais aproximada do anexo e garagem que ocupava antes das obras. É voltada para a Estrada Nacional e servida lateralmente por uma estrada municipal. Não tem a mesma localização, mas não resulta demonstrado que haja outra fracção no mesmo bloco do prédio onde antes das obras se situava o anexo que então ocupava.
Assim, na impossibilidade, por culpa dos réus, de ocupar a fracção correspondente ao mesmo espaço que ocupava antes das obras, não faz sentido condenar os réus a facultarem ao autor fracção diversa da que actualmente ocupa, dado que nenhuma existe, com características mais aproximadas da que ocupava antes das obras.
Resulta dos factos assentes que ainda não foi colocado o pavimento na fracção que actualmente ocupa, acabamento esse que caberá aos réus efectuar. Porém, nada foi pedido quanto à execução das obras em falta, pelo quanto a estas nada há a decidir na presente acção.
Dado que a fracção que lhe foi entregue não corresponde à que os réus estavam obrigados a entregar ao autor, estes constituíram-se na obrigação de indemnizar o autor pelos prejuízos resultantes do incumprimento parcial da sua obrigação.
Porém, trata-se de indemnização diversa da que foi prevista no contrato celebrado entre as partes. A cláusula penal ali fixada contempla apenas o não cumprimento dos prazos ali estabelecidos, ou seja, uma situação de mora. Não prevê o incumprimento definitivo, ainda que parcial, do contrato.
Tendo o autor sofrido prejuízos em resultado da entrega de uma fracção diversa daquela que, em face do acordado lhe devia ter sido entregue, deveriam ter sido alegados e provados. Não o tendo sido, e tendo a cláusula penal sido estabelecida para uma situação diversa, não há fundamento para a fixação de indemnização pelo incumprimento definitivo, ainda que parcial, do contrato.
Dado que não resulta dos factos assentes que não tenham sido cumpridos os prazos estabelecidos no contrato, não há fundamento para a condenação dos réus no pagamento da indemnização estabelecida na invocada cláusula penal, impondo-se também nessa parte a revogação da decisão recorrida.
Em face do que se deixa exposto fica prejudicada a questão do invocado abuso de direito: em relação à fracção que foi vendida à Caixa....., o que se verifica é uma situação de impossibilidade, por culpa imputável aos réus, de entregarem a dita fracção ao autor; e quanto à fracção com características idênticas que actualmente ocupa, a manutenção do gozo da dita fracção em nada configura, uma situação de abuso de direito, a que se refere o artigo 334º do Código Civil.
Defendem ainda os Réus que a sentença recorrida não conheceu do pedido formulado na reconvenção sob a alínea F), sendo nessa parte nula.
De facto a sentença recorrida não contem quanto ao referido pedido qualquer fundamentação, o que acarreta, nessa parte, a invocada nulidade (artigo 668º n.º 1, alínea d), do CPC).
Mas dado que os autos reúnem os elementos necessários, tal nulidade apenas determina que esta Relação conheça do referido pedido (artigo 715º do CPC).
E desde já se adianta que, embora não fundamentada, não vemos razão para alterar a decisão recorrida na parte em que julgou a reconvenção totalmente improcedente, incluindo o referido pedido.
Desde logo, em face das respostas negativas dadas aos quesitos 26º, 35º a 40º e das respostas restritivas aos quesitos 33º e 34º da base instrutória, a ocupação do referido patamar não ocorre nos termos alegados pelos réus. Por outro lado, quando celebraram o contrato com o réu sabiam qual o tipo de comércio que exercia e que habitualmente colocava à frente do estabelecimento alguns objectos do seu comércio em exposição. Acordaram ceder-lhe a nova fracção para o exercício do mesmo ramo de comércio e nas condições que vinha exercendo no espaço que tinha arrendado no antigo prédio. Virem agora pretender impedir a referida exposição de objectos à porta do estabelecimento, como era habitual fazer no antigo estabelecimento e que, aliás, constitui prática habitual, no tipo de comércio tradicional do autor, ainda que se entenda que o comodato não abrange o referido espaço, constitui uma clara situação de abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium que impede os réus de exigir a desocupação do patamar em frente do estabelecimento do autor.
Por último insurgem-se os apelantes contra a condenação como litigantes de má fé.
E nessa parte, entendemos que lhe assiste razão.
As partes devem agir com boa fé (artigo 266-A do CPC), revelada designadamente pela probidade na alegação dos factos, de forma a não alterarem a verdade destes, sob pena de deduzirem oposição cuja falta de fundamento não deviam ignorar, incorrendo, assim, na previsão sancionatória do artigo 456, n.º 1 e 2, a) e b) do CPC.
No caso dos autos os réus foram condenados como litigantes de má fé por se ter entendido que “alegaram factos que sabiam não ser verdadeiros e distorceram e deturparam outros”. Porém, não são indicados em concreto quais os factos pessoais que os Réus alegaram contra a vontade por si sabida, nem quais os factos que deturparam ou distorceram. Uma coisa é não lograrem provar a sua versão dos factos, outra, bem diferente, terem resultado provados contrários aos factos pessoais alegados pela parte.
Pelo facto de não se ter feito a prova da sua versão, nem por isso se pode concluir pela falsidade ou desconformidade com a verdade da alegação respectiva, de forma a tornar legítima uma pronúncia de litigância de má fé à luz do artigo 456.º, n.º 2, alínea mb), do Código de Processo Civil.
Quem litiga sem direito, mas o faz convicto de que tem razão substancial, ainda que não a tenha, não comete qualquer ilícito, respondendo apenas objectivamente pelas custas (art. 446º do CPC).
Ora, tendo em conta os factos provados e não provados e as posições defendidas pelas partes, entendemos não resultar demonstrado que os réus tenham agido com dolo ou negligência, susceptível de fundamentar a condenação como litigantes de má fé.
Não resulta nomeadamente dos autos que os Réus tenham alegado factos pessoais contrários à verdade por si sabida ou que tenham deduzido oposição cientes da sua falta de razão.
Procedem, pois, parcialmente as conclusões dos apelantes, impondo-se a revogação parcial da decisão recorrida.

III – Decisão
Pelo exposto acordam em julgar a apelação parcialmente procedente e, consequentemente:
a) Revoga-se parcialmente a sentença recorrida e, em sua substituição: condenam-se os Réus a reconhecer que o contrato de comodato celebrado com o autor se mantém válido e em vigor e, na impossibilidade de colocarem à disposição do autor a fracção correspondente ao anexo e garagem que este ocupava antes das obras executadas pelos Réus, condenam-se estes a continuar a proporcionar ao autor, a titulo gratuito e nas demais condições acordadas no contrato constante do escrito junto a folhas 13 e 14, o gozo da fracção que actualmente ocupa, para o exercício do comércio de mercearia e miudezas, escritório de desenho e habitação;
b) Absolvem-se os réus dos demais pedidos formulados pelo autor;
c) Mantém-se a sentença recorrida na parte em que julgou a reconvenção totalmente improcedente.

Custas pelos apelantes e pelo apelado, na proporção de 2/3 para aqueles e 1/3 para este.
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Porto, 24 de Maio de 2005
Alziro Antunes Cardoso
Albino de Lemos Jorge