Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP00041088 | ||
| Relator: | CARLOS MOREIRA | ||
| Descritores: | ACIDENTE DE VIAÇÃO FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL PRESCRIÇÃO | ||
| Nº do Documento: | RP200802120726212 | ||
| Data do Acordão: | 02/12/2008 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
| Decisão: | REVOGADA. | ||
| Indicações Eventuais: | LIVRO 264 - FLS. 166. | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | 1. O FGA é apenas garante da obrigação do responsável, estando a sua obrigação de indemnizar condicionada pela existência, verificação e quantificação da obrigação desse responsável. 2. Extinta por prescrição a obrigação de indemnização a cargo do responsável civil, fica extinta a correspondente obrigação de garantia do FGA. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO 1. B…………………. instaurou acção declarativa, de condenação, com processo ordinário, emergente de acidente de viação, contra C………………; D……………. e esposa E……………….; F……………….; G………………. e o Fundo de Garantia Automóvel. Pediu que os réus sejam solidariamente condenados: A pagarem-lhe uma indemnização correspondente a todos os danos patrimoniais e não patrimoniais pelo mesmo sofridos, em virtude de acidente de viação, de montante nunca inferior a de 103.593,75€ (Cento e três Mil quinhentos e noventa e três Euros e Setenta e cinco Cêntimos); A pagarem-lhe uma indemnização a acrescer à primeira supra referida e cuja total e integral quantificação relegou para posterior liquidação em sede de execução de sentença, a titulo de indemnização pelos danos, patrimoniais e não patrimoniais, futuros, decorrentes das intervenções cirúrgicas, intervenções plásticas, internamentos, medicamentos, despesas hospitalares, tratamentos, exames, consultas e deslocações que futuramente tenha que efectuar em consequência das lesões causadas pelo acidente, designadamente com futuras operações às duas articulações temporomandibulares. Tudo acrescido de juros vincendos à taxa legal, a contar da data da citação e até efectivo e integral pagamento; Para tanto, e em síntese, alegou que no dia 11 de Janeiro de 1996, cerca das 21 horas e 45 minutos, na Estrada Municipal nº 563, lugar de ……….., ocorreu um acidente de viação no qual intervieram dois ciclomotores, um conduzido pelo réu, à data menor, C……………., que não tinha seguro obrigatório, e um outro conduzido e propriedade do aqui autor. Que tal acidente foi causado por culpa única e exclusiva do réu C……………, tendo o autor sofridos inúmeros danos com o dito sinistro. Assim, responsável pelo pagamento dos mesmos, serão, em primeira linha, o réu C………….. e seus pais. Isto porque os pais do réu C………………, também aqui réus, D…………… e E…………….., tinham perfeito conhecimento e sabiam que o seu filho era menor à data do embate dos autos, não estava habilitado a conduzir qualquer veículo, pois que o mesmo não possuía carta de condução, nem podia atenta a sua menoridade, bem sabendo que o mesmo circulava constantemente com o veículo dos autos, o qual não tinha seguro. Por outro lado, e como o dito ciclomotor não beneficiava de seguro válido e eficaz, será também responsável o FGA e bem assim o proprietário do dito veículo, existindo dúvidas quem seria o mesmo, se o réu F……………, que figurava, à data do embate, como sendo proprietário, ou ao irmão do réu C………….., G………….., aqui também réu, tal como ficou demonstrado na sentença proferida em 13 de Março de 2003, no âmbito da acção de processo sumaríssimo, que com o processo nº ……./2001, correu termos pelo …º Juízo Cível deste mesmo Tribunal Judicial. 2. Citados regularmente, contestaram os réus, tendo os quatro primeiros desde logo invocado a excepção peremptória da prescrição do direito do autor à indemnização por terem já decorrido os respectivos prazos de três ou de cinco anos. Em sede de despacho saneador, foi proferida decisão que julgou procedente tal excepção e absolveu tais réus do pedido, continuando a acção apenas contra o Fundo de Garantia. 3. Inconformado, o Fundo recorreu de tal decisão. 3.1. Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões: 1ª O acórdão é nulo, nos termos do artº 668º nº1 al.d) do CPC porque, tendo absolvido os demais réus do pedido, deveria ter-se pronunciado sobre a sua absolvição da instância, por ilegitimidade, por preterição de litisconsórcio necessário passivo, nos termos do artº 29º do DL 522/85 de 31.12, não podendo o Fundo ser demandado e condenado sozinho. 2ª É que o FGA é um mero garante da obrigação de indemnizar, sendo que é o responsável civil sempre o primeiro responsável pelo pagamento dos danos que o seu veículo causou na estrada; ora considerando o tribunal prescrito o direito do autor sobre o responsável civil, não se vê como se pode condenar o “garante” a garantir uma obrigação que já não existe. 3ª Como decorre do artº 21º do DL 522/85, que impõe que o FGA garanta as indemnizações aos lesados e tal como na fiança - artº 651º do CC – também a obrigação do FGA termina quando se extingue a obrigação principal, por prescrição, não sendo necessário que esta seja por ele invocada. 3.2. Contra-alegou o autor pugnando pela manutenção do decidido, porque: 1ª O recorrente apenas impugnou, pela via da apelação, a decisão de mérito atinente à prescrição e não agravou do despacho saneador “formal” que ordenou o prosseguimento da acção contra o FGA; 2ª In casu se aplica o regime dos artº 303º e 521º do CC que estipula que no regime da solidariedade passiva, o regime da prescrição corre autonomamente para cada um dos condevedores, pelo que só aproveita a quem a invoca. 4. Prosseguiram os autos os seus termos, tendo, a final, sido proferida sentença que, imputando a responsabilidade do acidente na proporção de metade para cada um dos dois intervenientes: Julgou parcialmente procedente, por provada, a acção, e, consequentemente, condenou o Fundo de Garantia Automóvel: A-) A pagar ao autor a quantia de 45.937,86 euros, acrescida de juros, à taxa legal, contados desde a data da citação até efectivo e integral pagamento. B-) A pagar ao autor 50% de uma indemnização, cuja total e integral quantificação se relega para posterior liquidação em sede de execução de sentença, a título de indemnização pelos danos, patrimoniais e não patrimoniais futuros, decorrentes das intervenções cirúrgicas e plásticas (futuras operações às duas articulações temporomandibulares, sendo provável que à esquerda haja necessidade de colocação de enxerto ósseo), com respectivos internamentos, medicamentos, despesas hospitalares, tratamentos, exames, consultas e deslocações. 5. Inconformadas apelaram ambas as partes. 5.1. O autor concluiu pelo modo seguinte: 1. O condutor do motociclo 2-VNF-..-.., deve ser considerado como único e exclusivo culpado no acidente dos presentes autos (culpa efectiva – responsabilidade pelos factos ilícitos responsabilidade subjectiva – artigo 483 e seguintes do C.Civil). 2. 3. A Douta Sentença recorrida padece de erro notório na apreciação e valoração da prova dos autos ao não dar como provado o facto constante dos item n.ºs 8) da Douta da B.I.. 4. Da prova produzida em sede de Audiência de Discussão e Julgamento, deveria o item n.º 8) da Douta da B.I., ter uma resposta positiva e dessa forma devia-se dar-se como provada toda a matéria de facto alegada e constante do mesmo item. 5. “O ciclomotor 2-VNF-..-.., circulava a velocidade superior a 60/70 km/h”. 6. O Mº Juiz de Direito “a quo” deveria fundamentar a sua convicção quanto à dinâmica do acidente e resposta positiva ao item n.º 8 da Douta B.I., no depoimento da testemunha presencial do acidente: H………………….. 7. O condutor do motociclo 2-VNF-..-.., deve também ser considerado como único e exclusivo culpado no acidente dos presentes autos, com base na culpa presumida - CULPA IN VIGILANDO: 8. Da conjugação dos artigos 122.º, 123.º 491.º, 1878.º, n. 1, 1881.º, n. 1 e 1885.º, n.º 1 todos do Código Civil resulta que os pais, na medida em que lhes compete velar pela segurança e dirigir a segurança dos filhos menores, têm um dever legal de vigilância sobre estes. 9. Enquanto dure a menoridade compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança, educação (física, intelectual e moral – que abrange o poder de correcção) e saúde destes, e representá-los. 10. A responsabilidade que recai sobre os pais e encarregados de vigilância dos menores funda-se na culpa resultante de, nessa vigilância, terem descurado os deveres próprios do exercício de tal função de vigilância (artigos 487 n. 2 e 491 do Código Civil). 11. O 1.º Réu C……………. condutor do motociclo 2-VNF-..-.., à data do embate dos autos, tinha 15 anos de idade e não possuía carta de condução. 12. Alías nem tinha idade para ter carta de condução de ciclomotores. 13. No caso de colisão entre dois veículos, sem que se tenha apurado a culpa de qualquer dos condutores e sendo um destes menor, é aplicavél a norma do artigo 491º e não a norma do artigo 506º, ambos do Código Civil. 14. Em caso de acidente de viação causado por menor, a lei presume a responsabilidade dos pais pelos actos ilícitos cometidos por aquele. 15. Esta presunção legal, júris tantum, implica a inversão do ónus da prova, deixando de ser exigível ao Autor a prova dos respectivos factos. 16. ACORDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DATADO DE 25/11/92: “O acto de o menor de 16 anos ter pegado no velocipede, que não era dele, e ir com ele sem luz e de noite, para a via publica, caía no campo onde o dever de vigilância dos pais se impõe”. 17. E, no caso, tal dever, se cumprido a preceito, deveria ter impedido a utilização do velocípede.” 18. Existindo tal dever, cabia aos pais (aqui 2.ºs Réus), nos termos do artigo 491.º do C.Civil, provar que o cumpriram. 19. O que não conseguiram. 20. Não era ao Autor que cabia provar a omissão ou incumprimento de tal dever. 21. Era sim aos 2.ºs Réus, pais do menor e 1.º Réu, que se impunha provar o cumprimento de tal dever. 22. Por isso subsiste a responsabilidade dos 2.º Réus pelos danos causados pelo seu filho menor 1.º Réu. 23. Nos termos dos artigos 122º, 1877º e 1878º, todos do C. Civil, o menor 1.º Réu, ainda estava sujeito ao poder paternal competindo aos pais (2.ºs Réus) velar pela sua segurança e, além do mais, dirigir a sua educação, em suma vigiá-lo e educá-lo. 24. O que lhes pode acarretar responsabilidade civil pelas danos que o menor possa causar, e no caso causou, a terceiros. 25. Rege para este efeito o disposto no artigo 491.º do C. Civil, segundo o qual até responderão sempre por tais danos a não ser que provem terem cumprido o dever de vigilância ou que os danos sempre se dariam mesmo que o tivessem cumprido. 26. Isto é, entre o lesado pelo menor, sendo a este imputavél o dano, e os pais deste, a lei opta por onerar estes em beneficio do lesado suportando eles o valor do dano, excepto se eles provarem que foram, no caso, prudente e cuidadosamente vigilantes ou que os danos sempre ocorreriam mesmo que o fossem; naturalmente pela ideia de que será mais justo que suportem os prejuízos provocados pelos actos dos incapazes os encarregados de sua vigilância, aliviando as vitimas. 27. A responsabilidade dos pais (de pessoas obrigadas à vigilância) não é objectiva nem por facto de outrém, mas por facto próprio: - é, tem que ser, culposa e por omissão ou incumprimento daquele dever. 28. O cumprimento genérico de dever de educação e vigilância dos pais só está em crise aqui relativamente a este acontecimento concreto. 29. Está provado que o 1.º Réu menor, não possuía carta de condução à data do acidente dos autos, e 30. Nem tinha idade para a ter. 31. O 1.º Réu C………… menor, ainda não prestara qualquer prova prática de condução, nem provara ter alguma noção, pelo menos, das regras essenciais do Código da Estrada. 32. O que os pais (2.ºs Réus) não podiam, ou pelo menos, não deviam ignorar. 33. E nisto cabe também a noção de que sair para a via pública tripulando um ciclomotor sem aquela licença integra um acto ilícito, contravencional. 34. Circular na via publica tripulando um ciclomotor, é já por si um acto que envolve sérios riscos, como faze-lo com qualquer outro veículo, salvas as devidas proporções. 35. Mas ser isso feito por um jovem imaturo, sem ter prestado provas de conhecimento das regras de trânsito aplicáveis, mais riscos envolverá. 36. E isto é suficiente, só por si, para significar que os pais (2.ºs Réus), seja em que circunstâncias for, não podem alhear-se, nesta matéria, ao dever de vigilância. 37. A gravidade do acto de transitar com um ciclomotor, tanto para o menor, como para terceiros, não dispensa a responsabilização dos pais se o consentirem sem a prudência e as cautelas necessárias. 38. Perante acto tão irresponsável e de tão graves resultados, praticado por um jovem de 15 anos, é forçoso concluir que os pais não conseguiram educar o filho como deviam e lhes impunha a lei, não elidindo a presunção de culpa que sobre ele lançou o art. 491º do CC, pelo que são responsáveis pelos danos causados ao Autor. 39. Atendendo aos factos dados como provados na Douta Sentença e com interesse para a determinação do montante indemnizatório atribuído ao Autor a titulo de danos patrimoniais, mais concretamente a titulo de perda de capacidade de “ganhos”, deverá o mesmo ser fixado equitativamente em quantia nunca inferior a 78.000,00€(Setenta e Oito Mil Euros). 40. Tal montante indemnizatório, deverá ter em linha de conta, entre outros, os seguintes aspectos: - À idade do Autor à data do acidente dos autos, mais concretamente 22 anos. - A expectativa média de vida do Autor de 48 anos. - O salário mensal ilíquido auferido pelo Autor à data do acidente dos autos no montante de 407,37€, 14 vezes por ano, e 41. Ao grau de incapacidade permanente geral de 35% de que ficou a padecer. 42. Atendendo aos factos dados como provados na Douta Sentença ora recorrida e com interesse para a determinação do montante indemnizatório atribuído ao Autor a titulo de danos não patrimoniais, deverá o mesmo ser fixado equitativamente em quantia nunca inferior a 25.000,00€(Vinte e Cinco Mil Euros). 43. Assim no caso em apreço, tal montante indemnizatório a titulo de danos não patrimoniais, deverá ter em linha de conta, entre outros, os factos dados como provados pela Douta Sentença nos seus items n.ºs 23º, 24º, 25º, 26º, 27º, 28º, 29º, 30º, 31º, 32º, 33º, 34º, 35º, 36º, 37º, 38º, 39º, 40º, 42º, 43º, 45º, 46º, 47º e 48º. 44. Foram violados os artigos: - 122.º, 123.º, 349.º 487, n.º 2, 491.º, 496.º, n.ºs 1 e 3, 562º, 564º, nº1, 566.º, n.ºs1, 2 e 3, 1878.º, n. 1, 1881.º, n. 1 e 1885.º, n.º 1 todos do Código Civil; - 24º, n.º1, 25º, n.º n.ºs alinea f) e 27º, n.º1 todos do Código da Estrada. termos em que: - deve ser alterada a resposta dada ao item n.º 8) da douta b.i. devendo o mesmo ser dado como provado; - deverá o presente recurso ser julgado totalmente procedente por provado devendo ser a douta sentença recorrida revogada e substituída por douto acordão que declare como único e exclusivo culpado no acidente dos presentes autos o condutor do ciclomotor de matricula 2-vnf-..-..; - condenando-se o réu fundo de garantia automovel nos pedidos formulados na medida do acima assinalado, com as demais consequências legais. 5.2. Por seu turno o réu FGA rematou a suas alegações com as seguintes conclusões: 1º- … 2º- Inconformado com a sentença proferida, para além da questão já suscitada no recurso de agravo anteriormente interposto, entende o aqui Apelante que a sentença em crise é, no geral justa, não obstante existem algumas questões que não pode deixar de suscitar. 3º- O Tribunal a quo considerou justa e adequada uma indemnização a favor do Autor no valor de €72.000,00 pela I.P.G. de que o mesmo ficou a padecer em consequência do acidente, o que implicará que o Autor, não tendo ficado impedido de exercer a sua profissão terá de dispender um esforço maior na sua execução. 4º- O Apelante entende que a indemnização é devida mas não no montante fixado pelo Tribunal a quo, pois entende-se, com todo o respeito pela opinião contrária, que aquele montante se mostra excessivo, pelos motivos que se passam a expor. 5º- Não sendo nunca possível averiguar o valor exacto dos danos, a jurisprudência recorre normalmente às “tabelas financeiras” referidas na sentença. 6º- Sendo certo que essas tabelas devem ser encaradas como um mero instrumento de trabalho, o seu resultado não pode também ser ignorado. 7º- Lançando assim mão da fórmula aritmética referida, considerando que o Autor à data do acidente tinha a idade de 18 anos e ficou a padecer de uma I.P.G. de 35%, que podia trabalhar até aos 65 anos, que auferia €358,89 por mês e uma taxa de juro de 6% e de crescimento de 2%, o valor daí resultante era de €36.274,88. 8º- Tendo em conta aquele valor, e ainda as considerações que constam da sentença em crise, quanto à necessidade da equidade para “temperar” aquele valor, afigura-se justa e adequada uma indemnização que não deverá ser superior a €37.500,00, e que reduzida a 50% resulta no valor final de €18.750,00. 9º- Mostra-se assim violado o vertido nos artigos 562º e 566º do Código Civil. 10º- Por outro lado, ao montante da indemnização fixada pelo Tribunal a quo acrescem os juros computados a partir da data da citação até efectivo e integral pagamento. 11º- Apesar de os juros serem devidos, entende no entanto o Apelante que os juros sobre os danos não-patrimoniais apenas devem começar a ser computados desde a data da prolação da sentença e não desde a data da citação. 12- No que respeita a esta matéria veio já o Supremo Tribunal de Justiça tomar posição com o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 04/2002 (publicado no D.R., Iª Série – A, de 27 de Junho de 2002). 13- Atento o aí vertido começa-se por observar que, salvo qualquer lapso, na sentença em crise não há qualquer referência expressa sobre se o valor fixado era ou não actualizado à data da sentença mas a resposta afirmativa é a que se afigura mais lógica. 14- Na P.I. motriz destes autos, o Autor pedia a título de danos não-patrimoniais, que lhe fosse paga a quantia de €25.000,00 e o Tribunal a quo entendeu que esse mesmo dano era valorável em €20.000,00. 15- Se tivermos em conta que, prescrutada a jurisprudência mais recente, este valor pode ser até considerado elevado para ressarcir o dano do Autor, conclui-se então que em 2003 ano em que deu entrada a acção, tal valor seria forçosamente desajustado. 16- Não se pode deixar por isso, atento o montante fixado, de considerar que o valor fixado pelo Tribunal se encontra actualizado. 17- E como tal, concluindo-se que a sentença proferida em 1ª instância se encontra já actualizada nos termos do disposto no nº2 do artigo 566º do Código Civil, ao condenar o Apelante no pagamento dos juros desde a data da citação levará a valorar duplamente os mesmos danos, consequência contra a qual se insurgiu o sobredito Acórdão Uniformizador. 18- Devendo antes ser condenado o Apelante no pagamento dos juros sobre os danos não-patrimoniais e desde a data da sentença. 19- Violou por isso a sentença recorrida o disposto no nº3 do artigo 805º do Código Civil bem como o já referido Acórdão Uniformizador nº4/2002. (publicado no D.R., Iª Série – A, de 27 de Junho de 2002). 20º- Deverá por isso ser o presente recurso ser julgado totalmente procedente, só assim se fazendo a almejada justiça. 6. Sendo que, por via de regra: artºs 684º e 690º do CPC - de que o presente caso não constitui excepção - o teor das conclusões define o objecto do recurso, as questões essenciais decidendas são as seguintes: 6.1. Da primeira apelação. 1ª Nulidade da decisão por omissão de pronúncia. 2ª Implica ou não, a absolvição dos demandados civis, por verificação, relativamente a eles, da prescrição do direito do autor, a desresponsabilização do Fundo de Garantia Automóvel? 6.2. Da segunda apelação. 6.2.1. Do recurso do autor. 3ª Modificação da resposta dada ao artº 8º da BI, por erro na apreciação da prova. 2ª Aplicação, no caso de colisão entre dois veículos em que um dos condutores é menor, da norma do artigo 491º e não a norma do artigo 506º, ambos do Código Civil, com a consequente imputação de toda a responsabilidade aos pais do menor. 4ª Fixação equitativa da indemnização, face aos factos provados, a titulo de danos patrimoniais, rectius a título de perda de capacidade de “ganhos”, em quantia nunca inferior a 78.000,00€ e a título de não patrimoniais, deverá o mesmo ser fixado equitativamente em quantia nunca inferior a 25.000,00 euros. 6.2.2. Do recurso do réu. 5ª Indemnização pelos danos patrimoniais futuros - redução da capacidade de ganho - não superior a €37.500,00, e que reduzida a 50% resulta no valor final de €18.750,00. 6ª Condenação do réu no pagamento dos juros sobre os danos não-patrimoniais não desde a data da citação, mas desde a data da sentença, uma vez que o valor fixado foi actualizado com referência a esta data. 7. Apreciando. 7.1. Primeira questão. Nos termos do artigo 668º, nº1 al.d) do CPC: é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. Este segmento normativo conexiona-se com o estatuído nos arts. 156º e 660º do CPC, ou seja, com o dever do juiz administrar a justiça proferindo despachos ou sentenças sobre as matérias pendentes – artº 156º - e com a necessidade de o juiz dever conhecer das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância, segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica e de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras –artº660º. Por outro lado e como é consabido e constituem doutrina e jurisprudência pacíficas, não se devem confundir «questões» a decidir, com considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes. A estes não tem o tribunal que dar resposta especificada ou individualizada, mas apenas às pretensões formuladas e aos elementos inerentes ao pedido e à causa de pedir –cfr. Rodrigues Bastos, in Notas ao CPC, 2005, p.228; Antunes Varela in RLJ, 122º,112 e, entre outros, Acs. do STJ de 24.02.99, BMJ, 484º,371 e de 19.02.04, dgsi.pt. No caso dos autos e como se alcança a fls.215 e segs., o sr. Juiz a quo, aberta a audiência preliminar, desde logo se pronunciou tabelarmente quanto á competência do tribunal, quanto ás nulidades principais e quanto à legitimidade ad causam das partes, respondendo afirmativamente em todos estes aspectos. E, concreta, discriminada e fundamentadamente – na consideração dos factos pertinentes - apreciou a questão da prescrição que expressamente tinha sido suscitada pelos quatro primeiros réus. Não pode, assim, considerar-se que houve omissão de pronúncia quanto à (i)legitimidade do FGA. Tal pronúncia existiu, como se viu, previamente á decisão sobre a prescrição e, se dúvidas houvessem, resulta, ainda que implicitamente, da continuação da diligência, com fixação imediata e em acto contínuo, da factualidade tida como assente e da selecção dos factos constitutivos da base instrutória. Ora tal, meridianamente, só tinha razão de ser se se considerasse que em causa continuava um réu ou demandado, o que, por exclusão de partes e dada a absolvição do pedido dos restantes, apenas poderia ser o Fundo de Garantia. Problemática diferente e que se prende com a questão a ser dilucidada subsequentemente, é saber qual a consequência para a responsabilidade do Fundo, derivada da decisão já transitada em julgado, que absolveu os responsáveis civis, por ter declarado verificado o decurso do prazo prescricional que ao autor foi conferido para a propositura da acção tendente ao exercício do seu direito e à indemnização dos prejuízos que alegou ter sofrido por virtude do acidente de viação invocado. 7.2. Segunda questão. 7.2.1. Estatui o artigo 21º nº1 do DL 522/85, de 31 de Dezembro: «Compete ao Fundo de Garantia Automóvel satisfazer, nos termos do presente capítulo, as indemnizações decorrentes de acidentes causados por veículos sujeitos ao seguro obrigatório e que sejam matriculados em Portugal… E, nos termos do n.º 2 als. a) e b) do mesmo artigo: O Fundo… garante, em caso de acidente originado pelos veículos referidos no número anterior, a satisfação das indemnizações por: Morte ou lesões corporais, quando o responsável seja desconhecido ou não beneficie de seguro válido ou eficaz… Lesões materiais, quando o responsável, sendo conhecido, mas não beneficiando de seguro válido e eficaz, revele manifesta insuficiência de meios para solver as suas obrigações. Daqui resulta que o Fundo de Garantia Automóvel é apenas um garante da obrigação do responsável, verificados os pressupostos legais mencionados nos referidos segmentos normativos que o obrigam à garantia. O Fundo ocupa, por força da lei, a posição das seguradoras que seriam accionadas se os obrigados a outorgar no contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel tivessem cumprido a sua obrigação de segurar. Efectivamente o direito à indemnização invocado pelo lesado quando demanda o Fundo é alicerçado na mesma causa de pedir complexa integrante da dinâmica do evento e dos estragos ou lesões dele decorrentes e nas normas jurídicas que ele invocaria no confronto com a seguradora se contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel houvesse. Preenchendo a mesma função social que justifica a necessidade da obrigatoriedade do seguro do risco da circulação automóvel a cargo daquelas. Nesta conformidade e tal como acontece com as seguradoras, a obrigação de indemnizar o Fundo, como garante, está condicionada pela existência, verificação e quantificação da obrigação do responsável civil. Ele só e apenas responde se e na medida em que este seja responsável, ou seja é um mero responsável subsidiário, pois que o principal responsável é sempre o responsável civil. O que, para além do mais, decorre da economia literal e sistemática do DL 522/85, designadamente do seu artº 24º, o qual estende ao Fundo as exclusões previstas para as seguradoras -cfr. Acs. do STJ de 19.05.2005, p.05B1627 e de 27.05.2004, p.04B1328. 7.2.2. Por outro lado, preceitua o artigo 29º nº6 do mesmo diploma: As acções destinadas à efectivação da responsabilidade civil, quando o responsável seja conhecido e não beneficie de seguro válido e eficaz, devem ser obrigatoriamente postas contra o Fundo de Garantia… e o responsável civil, sob pena de ilegitimidade. Há, assim, nesta hipótese, litisconsórcio necessário passivo legal – cfr. artº 28º nº1 do CPC - entre o responsável civil e o Fundo. O que equivale a dizer - nos termos expressos do artigo 29º do C. P. C. - que nos encontramos perante uma única acção com pluralidade de sujeitos. Em contraponto com o litisconsórcio meramente voluntário em que apenas: «há uma simples acumulação de acções, conservando cada litigante uma posição de independência em relação aos seus compartes». Assim, o litisconsórcio necessário, acarreta – versus no que sucede no meramente voluntário - desde logo em termos processuais, certos efeitos que demonstram a ligação intrínseca dos sujeitos no que diz respeito á tramitação e á sorte da acção – cfr. vg. artºs 197º , 274º nº5, 683º nº1 e 684º nº2 do CPC. Como ensina o Mestre Alberto dos Reis, CPC Anotado, 3ª ed. p.103: «…no litisconsórcio voluntário os litisconsorte gozam de liberdade de movimentos: cada um deles pode praticar os actos que entender e assumir as atitudes que lhe aprouver, mas os seus actos e atitudes não exercem, em princípio, influência favorável nem desfavorável em relação aos outros; no litisconsórcio necessário os liticonsortes estão presos e vinculados uns aos outros; não podem exercer actividade livre e independente, pois que, sendo a acção uma só, o que um deles praticar, ou não tem valor, ou produz efeito quanto a todos. A regra no liitisconsórcio necessário é esta: o acto favorável dum aproveita aos outros, o acto prejudicial dum não compromete os outros e portanto considera-se sem valor.» (realce e sublinhado nossos) 7.2.3. Daqui resulta que nos casos de responsabilidade civil por acidente de viação em que sejam demandados os lesantes e o Fundo de Garantia, qualquer dos réus pode, por si próprio e independentemente da posição que os outros assumirem, deduzir os meios de defesa que bem lhe aprouver. Sendo que o efeito útil para a defesa da respectiva posição que de tal actuação e meio advier, se aplica e beneficia não apenas ao/o invocante mas também aos seus compartes. É o caso da prescrição. O que, outrossim, dimana do disposto no artº 301º do CC que prescreve que: «A prescrição aproveita a todos os que dela possam tirar benefício, sem excepção dos incapazes». Na verdade o instituto da prescrição pressupõe que a parte deva exercer o direito invocado durante um lapso de tempo fixado na lei. Por um lado com ele pretende-se tutelar os valores da certeza e da segurança das relações jurídicas pela respectiva consolidação operada em prazos razoáveis. Ora como constituem doutrina e jurisprudência pacíficas, estes valores que a ordem jurídica prossegue, assumem uma relevância e magnitude, senão superior, pelo menos igual ao outro fito pretendido, qual seja a realização da justiça material que cada caso concreto reclama. E ainda que a justiça represente um valor de hierarquia superior, ele apresenta-se, muitas vezes e acima de tudo, como um valor ideal a atingir, pelo que casos há em que, por motivos atinentes à estabilidade das relações entre os membros da comunidade e a razões de garantia e de confiança, necessárias ao desenvolvimento e progresso económico-social, se impõe a prevalência da segurança. Sendo certo que se por um lado a prevalência tendencialmente absoluta da segurança sobre a pretensão de se atingir o resultado justo, acarreta uma ordem que pode abrir caminho a formas de opressão ou repressão, por outro o fito da obtenção da justiça - numa conceptualização puramente ideal deste valor -, pode acarretar uma ordem jurídica instável e ineficaz e que anularia as vantagens aqui teoricamente obtidas. Havendo, assim, por vezes, e em caso de conflito entre tais valores, que sacrificar a justiça perante a segurança, excepto nos casos em que a injustiça do direito positivo atinja um tão alto grau que a segurança deixe de representar algo de positivo em confronto com esse grau de violação da justiça – cfr. Batista Machado in Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 1983, p.55 e sgs. (neste último trecho citando Radbruch) e Oliveira Ascensão, in O Direito, ed, Gulbenkian, 2ª ed., p.165 e sgs. Por outro lado visa-se punir a inércia do titular do direito, que não quis ou não soube exercê-lo e fazê-lo valer em tempo útil e no prazo pré-determinado pela lei – cfr. Ac. do STJ de 22.01.2004, dgsi.pt,p.03B4084. 7.2.4. Assim, nos casos subsumíveis no regime do DL 522/85, há que concluir que extinta, por prescrição, a obrigação de indemnização invocada pelo responsável civil, fica extinta a correspondente obrigação de garantia da seguradora ou do Fundo. Porque a obrigação de garantia visa a protecção do lesado - credor da obrigação de indemnização - não seria, razoável, atentos princípios práticos e atinentes ao senso comum e considerando as normas e princípios jurídicos aplicáveis e em parte supra referidas, que, negligenciada, por parte do lesado/credor, e por mais de cinco anos, a acção indemnizatória a que tem direito, ainda assim possa subsistir a obrigação de garantia, pela consideração conceitual de que as duas obrigações são autónomas. Tal consideração, partindo de uma jurisprudência de conceitos, que está essencialmente ultrapassada, e na ausência de preceito legal expresso que acolha a solução da subsistência da obrigação de garantia, levaria à protecção do lesado, em situações em que, ele próprio, quiçá numa postura de pura inacção e desleixo, se havia desinteressado dessa protecção, deixando correr o prazo prescricional, por forma extinguir o seu crédito Certo é que no interesse e para protecção do lesado, a lei confere ao seguro obrigatório/automóvel uma função de alcance social relevante. O que, aliás, se aplica não apenas ao Fundo de Garantia como ao próprio contrato de seguro celebrado pelas empresas seguradoras. Sendo assim, como é, quando o lesado - para protecção do qual a lei se preocupou, impondo ao sujeito responsável a celebração obrigatória de um contrato de seguro - deixa prescrever o seu direito de crédito indemnizatório sobre o responsável, - aqui aquele que devia ter segurado, e não segurou - desinteressando-se dessa protecção, então, não se pode compreender e aceitar, que, ainda assim, esteja de pé a obrigação de o garantir. A exigência legal obrigatória de seguro, traduz, essencialmente, o assegurar da obrigação de indemnizar que impende sobre o responsável civil. Ora, se esta responsabilidade civil se extingue – vg. por prescrição -, é razoável supor que nada resta para garantir, relativamente á obrigação extinta. Por conseguinte, tendo em conta a natureza e a finalidade da garantia, legal e obrigatória, declarada que foi extinta a obrigação do responsável civil, não pode subsistir a obrigação que garantia aquela mesma responsabilidade. A razão social da obrigatoriedade do seguro automóvel não permite exigir do Fundo - ou das Seguradoras - o suporte adicional de tal protecção, esgotada a exigibilidade da obrigação de indemnizar pelo lesado/credor, em benefício do qual, e só para benefício do qual, o seguro foi tornado obrigatório – cfr, para além dos arestos supra citados, ainda os Acs do STJ de 27.05.2004, p.04B1328 e de 06.07.2004, p.04B296 que se debruçou sobre um caso semelhante e que se seguiu de perto. 7.2.5. No caso vertente está decidido na 1ª instância, por sentença transitada em julgado, que o direito do autor prescreveu relativamente a todos os responsáveis civis. Na verdade o acidente ocorreu em 11 de Janeiro de 1996 e a acção apenas foi instaurada em 09 de Outubro de 2003. Pelo que e dando-se como assente em tal decisão a inexistência de facto interruptivo ou suspensivo do prazo prescricional, largamente ultrapassado se encontrava qualquer dos prazos – três ou cinco anos – previstos no artº 498º do CC, pelo que foram os réus civis absolvidos do pedido. O que vale por dizer, atento o supra expendido, que os efeitos de tal absolvição alcançam e beneficiam o Fundo. Na verdade, in casu, e não obstante ser de lamentar que o autor deixe de ser indemnizado por danos que, desde já em 1ª instância lhe foram reconhecidos, não se alcançam razões respeitantes á realização da justiça que possam rotular de inaceitável, porque iníqua, a solução ora preconizada, de sorte a, mesmo contra a melhor interpretação das normas e princípios aplicáveis, se impusesse o sacrifício da segurança à justiça. Afinal o autor, só quase oito anos após o sinistro é que demandou os lesantes e, se bem se alcança, sem que tenha aduzido qualquer justificação para tamanha delonga. Assim sendo sibi imputet, não podendo, como se viu, o Fundo como mero garante e responsável subsidiário, ser responsabilizado por uma obrigação daqueles já prescrita, o que, para além do mais, implicaria o suprimento de uma falha que só a si é imputável. Impondo-sem destarte, a absolvição do pedido do Fundo de Garantia Automóvel. 7.2.6. E assim decidido neste sentido quedam, logicamente, prejudicadas as questões subsequentes. 8. Deliberação. Termos em que se acorda conceder provimento à primeira apelação do réu Fundo de Garantia Automóvel e, consequentemente, absolvê-lo do pedido, com as legais consequências sobre a ulterior tramitação processual. Custas pelo autor. Porto, 2008.02.12 Carlos António Paula Moreira Maria da Graça pereira Marques Mira Leonardo Pereira de Queirós |