Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0634625
Nº Convencional: JTRP00039861
Relator: DEOLINDA VARÃO
Descritores: ARRESTO
CADUCIDADE
Nº do Documento: RP200612070634625
Data do Acordão: 12/07/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Indicações Eventuais: LIVRO 697 - FLS 76.
Área Temática: .
Sumário: I - O arresto tem de persistir enquanto não for substituído por um acto que, de forma definitiva, conserve aquela garantia patrimonial.
II - A sentença condenatória reconhece definitivamente o crédito, tornando-o certo em vez de simplesmente “provável”, mas não preserva a garantia patrimonial.
III - O acto que substitui o arresto, transformando a garantia patrimonial provisória numa garantia patrimonial definitiva, é a penhora, cujos efeitos o arresto visou antecipar.
IV - A transacção efectuada nos autos de arresto, englobando o objecto da acção principal, pelo que, após ter sido homologada por sentença transitada em julgado, tudo se passa como se tivesse havido uma procedência parcial da acção principal, ficando os requeridos obrigados a pagar aos requerentes parte da quantia peticionada, em prestações.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I.
Por apenso aos autos de acção com forma de processo comum que movem contra B………. e mulher C………., vieram D………. e mulher E………. instaurar contra eles procedimento cautelar de arresto
Pediram que fosse decretado o arresto dos bens identificados no requerimento inicial.
Como fundamento, alegaram factos tendentes a demonstrar o incumprimento definitivo, por parte dos requeridos, de um contrato promessa de compra e venda celebrado com os requerentes, e o seu consequente direito à restituição do sinal em dobro, no montante de € 102.873,62, bem como factos tendentes a demonstrar o justo receio de perda da garantia patrimonial daquele seu crédito.
Percorrida a tramitação normal, foi proferida decisão a 22.08.05, decretando o arresto dos bens indicados pelos requerentes.
Em 23.11.05, no início de audiência de julgamento designada nos autos de arresto, as partes disseram “…ter chegado a acordo definitivo quanto aos termos do litígio, incluindo a acção apensa, nos seguintes termos:
“1º - As partes distratam o contrato de promessa de compra e venda de fls. 8 a 10, junto aos autos;
2º – Os Requeridos comprometem-se em entregar aos Requerentes a quantia de € 51.436,81 (cinquenta e um mil, quatrocentos e trinta e seis euros e trinta e um cêntimos), a qual será paga em 10 (dez) prestações mensais de € 5.143,68 (cinco mil, cento e quarenta e três euros e sessenta e oito cêntimos) cada, vencendo-se a primeira no dia 01 de Fevereiro de 2006 e as restantes no primeiro dia dos meses subsequentes.
3º - Tal pagamento será efectuado no escritório da ilustre mandatária dos Requerentes, contra recibo, após boa cobrança, caso se trate de cheque.
4º - A falta de pagamento de uma das prestações implica o imediato vencimento das restantes”.
A transacção foi homologada por sentença proferida na mesma data, transitada em julgado.
Após ter sido homologada a transacção, os requeridos pediram o levantamento do arresto.
Sobre tal requerimento, recaiu o seguinte despacho de 09.03.06:
“Não tendo existido, na transacção, acordo ou convenção em contrário, o arresto mantém-se para garantia do crédito que, eventualmente, resulte da sentença homologatória (artº 410º do CPC).
Pelo exposto, indefere-se o requerido levantamento do arresto”.

Inconformados, os requeridos recorreram, formulando as seguintes

Conclusões
1ª – O tribunal a quo olvidou a intenção manifesta das partes de efectuar uma transacção no procedimento cautelar e errou ao abster-se de sancionar a extinção da respectiva instância com o consequente levantamento automático do arresto para posterior cancelamento ao nível do registo predial, violando a al. d) do artº 287º do CPC.
2ª – Por outro lado, tendo sido paralelamente distratato o contrato-promessa de compra e venda que vinculava as partes, os direitos e obrigações que haviam fundamentado o decretamento da providência cautelar encontram-se extintos, apenas prevalecendo um direito de crédito correspondente ao valor acordado no plano de prestações definido, pelo que a o tribunal a quo não podia ignorar que o arresto já está extinto por caducidade, por efeito da al. e) do nº 1 do artº 389º do CPC.
3ª – Na verdade, este novo direito de crédito bem distinto dos direitos derivados do contrato promessa não carece da manutenção do arresto como garantia suplementar para subsistir, pois o teor executivo da sentença homologatória da transacção permite a cobrança coerciva de forma autónoma de uma obrigação de conteúdo bem diverso (o valor acordado na transacção é muito inferior ao montante visado pelo pedido inicial dos agravados que se procurou acautelar com o arresto).
4ª – Por último, o despacho agravado contraria totalmente o espírito do consenso das partes que visou permitir aos agravantes a celebração de negócios com os prédios arrestados e a entrega das prestações acordadas na transacção com o respectivo retorno financeiro, o que, além de criar uma série de situações de incumprimento com outros promitentes compradores, impede, na prática, o próprio cumprimento do plano de prestações acordado na transacção.
5ª – O douto despacho agravado deve ser reparado, através da substituição pelo necessário despacho de levantamento do arresto, pois, de outro modo, mantém-se uma decisão judicial que violou as disposições da al. d) do artº 287º e da al. e) do nº 1 do artº 389º do CPC.

Os requerentes não contra-alegaram.
O Mº Juiz sustentou a sua decisão.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II.
Os factos com interesse para a decisão do recurso são os que constam do ponto anterior e ainda o seguinte:
Os requerentes instauraram execução contra os requeridos em 30.03.06 com fundamento na transacção efectuada nos autos principais.
*
III.
O recurso é balizado pelas conclusões das alegações, estando vedado ao tribunal apreciar e conhecer de matérias que naquelas não se encontrem incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso (artºs 684º, nº 3 e 690º, nºs 1 e 3 do CPC), acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido.
Delimitada pela alegação dos agravantes, a questão a decidir consiste em saber se o procedimento cautelar de arresto caducou face à transacção efectuada por requerentes e requeridos.
Verifica-se, no entanto, pelos elementos constantes dos autos, que a execução da sentença proferida na acção principal foi instaurada quando já havia decorrido o prazo de dois meses previsto no artº 410º, nº 1 do CPC.
Suscita-se assim a questão da verificação, no caso, de uma nova causa de extinção do arresto, que entendemos ser de conhecimento oficioso.
Foram ouvidas as partes, que nada disseram.

O arresto extingue-se quando ocorrem as condições de caducidade previstas no artº 389º, nº 1 do CPC – Diploma a que pertencem todas as normas adiante citadas sem menção de origem – para o procedimento cautelar comum:
a) Se o requerente não propuser a acção da qual a providência depende dentro de 30 dias, contados da ata em que lhe tiver sido notificada a decisão que a ordenou;
b) Se, proposta a acção, o processo estiver parado mais de 30 dias, por negligência do requerente;
c) Se a acção vier a ser julgada improcedente, por decisão transitada em julgado;
d) Se o réu for absolvido da instância e o requerente não propuser nova acção em tempo de aproveitar os efeitos da proposição da anterior;
e) Se o direito que o requerente pretende acautelar se tiver extinguido.
Para além daqueles casos, o arresto beneficia ainda da condição especial de caducidade prevista no artº 410º: fica sem efeito se, obtida na acção de cumprimento sentença com trânsito em julgado, o credor insatisfeito não promover execução dentro dos dois meses subsequentes, ou se, promovida a execução, o processo ficar sem andamento durante mais de 30 dias, por negligência do exequente.
Como se vê, a procedência da acção de que a providência depende não consta do elenco de casos de extinção por caducidade previstos no citado artº 389º, nº 1.
Tem-se entendido, no entanto, que a enumeração constante daquele normativo não é taxativa, podendo haver outros casos de extinção das providências para além dos ali previstos[1].
Importa então averiguar qual é o efeito da procedência da causa principal sobre a providência cautelar.
Como refere Alberto dos Reis[2], a providência cautelar surge como antecipação e preparação de uma providência ulterior e final. É um fim e não um meio, uma vez que não se propõe dar realização directa e imediata ao direito substancial, mas apenas tomar medidas que assegurem a eficácia de uma providência subsequente, esta sim destinada à actuação do direito material.
Por isso, a providência cautelar tem carácter provisório e é sempre dependente de uma causa (preliminar ou incidentalmente) – artº 383º, nº 1.
A emissão de uma providência provisória, destinada a antecipar a providência definitiva, justifica-se pelo chamado periculum in mora.
Há casos em que a formação lenta e demorada da decisão definitiva expõe o presumido titular do direito a riscos sérios de dano jurídico; para afastar esses riscos, para eliminar o dano, é que se admite a emanação de uma providência provisória ou interina, destinada a durar somente enquanto não se elabora e profere o julgamento definitivo.
A função das providências cautelares consiste precisamente em eliminar o periculum in mora, em defender o presumido titular do direito contra os danos e prejuízos que lhe pode causar a demora da decisão definitiva.
Com a procedência da causa principal, a decisão provisória é substituída por uma decisão definitiva, face à qual a providência se mantém ou se transforma.
O efeito da procedência da acção na providência cautelar tem de ser aferido pelo fim da providência, ou seja, há que ver qual é o direito que a providência visa acautelar, para saber se e em que medida a decisão proferida na causa principal o reconheceu definitivamente.
Como exemplo de procedimentos cautelares cujas decisões cessam com a decisão proferida na causa principal podemos apontar: a) os alimentos provisórios que são englobados nos alimentos definitivos; b) a restituição provisória de posse que se transforma em definitiva; c) a suspensão de deliberação social que se converte em anulação[3].
Em todos aqueles casos, a decisão proferida na causa principal reconheceu definitivamente o direito que a providência cautelar tinha acautelado provisoriamente. Por isso, cessam os efeitos da providência, passando a vigorar a decisão definitiva[4].
Há, no entanto, casos em que a procedência da acção não acautela definitivamente o direito que se visou acautelar provisoriamente com a providência. São casos de ultravigência da providência, em que os efeitos desta se mantêm apesar da decisão proferida na causa principal.
Vejamos o caso do procedimento cautelar de arresto:
Nos termos do artº 406º, nº 1 e do artº 619º, nº 1 do CC, são requisitos deste procedimento cautelar: a) a probabilidade de existência de um crédito; b) o justo receio de perda da garantia patrimonial desse crédito.
Resulta daquele normativo que o que se visa com o arresto é evitar a perda da garantia patrimonial do crédito, tornando ineficazes em relação ao credor os actos de disposição dos bens arrestados (artº 622º, nº 1 do CC).
Sendo assim, o arresto tem de persistir enquanto não for substituído por um acto que, de forma definitiva, conserve aquela garantia patrimonial.
E esse acto não é certamente a sentença que na acção principal condene o devedor a pagar o crédito em causa.
A sentença condenatória reconhece definitivamente o crédito, tornando-o certo em vez de simplesmente “provável”, mas não preserva a garantia patrimonial.
Se o arresto for levantado depois de proferida a sentença na acção principal, o devedor passa a dispor livremente dos bens, podendo desencaminhar todos os seus bens penhoráveis e deixar o credor desprovido de garantia.
O acto que substitui o arresto, transformando a garantia patrimonial provisória numa garantia patrimonial definitiva, é a penhora (artº 601º, nº 1), cujos efeitos o arresto visou antecipar.
Como refere Abrantes Geraldes[5], o arresto de bens do devedor constitui a “garantia da garantia patrimonial”, assegurando que os bens apreendidos se irão manter na esfera jurídica do devedor até que no processo executivo seja realizada a penhora, antecedente do pagamento do crédito. O arresto exerce uma função instrumental relativamente ao processo declarativo e depois, ao processo executivo, sendo o mecanismo que assegura a “expropriação forçada” em que se traduz a penhora de bens do devedor.
O arresto tem pois de se manter até ser convertido em penhora no processo executivo[6].
E é precisamente a ultravigência do arresto que justifica o caso especial de caducidade previsto no artº 410º: o arresto fica sem efeito se, obtida na acção de cumprimento sentença com trânsito em julgado, o credor não promover a execução dentro dos dois meses subsequentes, ou se, promovida a execução, o processo ficar sem andamento durante mais de trinta dias, por negligência do exequente.
A finalidade daquela norma é a de evitar que, por inércia do credor em instaurar o processo executivo ou em promover os seus termos, os efeitos do arresto se prolonguem por demasiado tempo, mantendo-se a indisponibilidade dos bens do devedor.

No caso dos autos, as partes fizeram transacção nos autos de procedimento cautelar de arresto, segundo a qual “distrataram” o contrato promessa que estava em causa na acção principal, ficando os requeridos (promitentes vendedores) obrigados a restituir aos requerentes (promitentes compradores) a quantia que lhes haviam entregue a título de sinal.
Habitualmente, o termo “distrate” é empregue com o sentido de “revogação”[7].
No entanto, o juiz não está vinculado à nomenclatura que as partes utilizam, pelo que cumpre analisar os termos da transacção para se concluir de que forma quiseram as partes extinguir o contrato promessa.
A resolução e a revogação consistem ambas na destruição voluntária da relação contratual pelos próprios autores do contrato, e podem ser bilaterais, por acordo de ambos os contraentes (cfr. artº 406º, nº 1 do CC); mas, enquanto que a resolução tem efeito retroactivo, com excepção dos contratos de execução continuada (artº 434º, nºs 1 e 2), implicando a restituição de tudo o que tiver sido prestado, a revogação projecta-se apenas para o futuro.
Ora, no caso, embora tenham usado o verbo “distratar”, as partes convencionaram a entrega do sinal em singelo, o que significa que atribuíram efeitos retroactivos à destruição contratual que operaram, acordando na restituição do que havia sido prestado.
O que resulta dos termos da transacção é que as partes quiseram resolver o contrato promessa, o que é precisamente uma das consequências do incumprimento contratual definitivo e pressuposto do pagamento da indemnização que, no caso, foi restringida ao sinal em singelo (cfr. artºs 801º, nºs 1 e 2, 432º, nº 1 e 442º, nº 2).
Ao contrário do que os requeridos dizem nas suas conclusões, não resulta dos termos da transacção que as partes quisessem acordar uma novação da obrigação emergente do incumprimento do contrato promessa, nos termos do artº 857º do CC, contraindo os requeridos uma nova obrigação em substituição daquela.
A transacção efectuada nos autos de arresto englobou o objecto da acção principal, pelo que, após ter sido homologada por sentença transitada em julgado, tudo se passa como se tivesse havido uma procedência parcial da acção principal, ficando os requeridos obrigados a pagar aos requerentes parte da quantia peticionada, em prestações.
A transacção não extinguiu pois o direito que os requerentes do arresto pretendiam acautelar, pelo que não se verifica a condição de caducidade prevista no artº 389º, nº 1, al. e).
Também não colhe o argumento explanado nas conclusões dos requeridos de que os requerentes dispõem agora de um título executivo – a sentença homologatória da transacção – porque tal facto apenas possibilita a efectivação do direito, mas não confere garantia patrimonial ao crédito.
Do mesmo modo, a redução do crédito operada na transacção não dispensa a garantia patrimonial do arresto, mas apenas permite a sua redução aos justos limites para a segurança normal do novo montante (artº 408º, nº 2).
Não tendo as partes afastado expressamente a garantia do arresto na transacção que fizeram, os efeitos deste mantêm-se até que seja convertido em penhora na acção executiva, sem prejuízo de se verificar outra causa de caducidade que, no caso, só poderia ser a extinção do direito por qualquer outro motivo, como por exemplo, o pagamento voluntário (artº 389º, nº 1, al. e), a não instauração da execução nos dois meses subsequentes ao trânsito em julgado da sentença condenatória ou a não promoção dos seus termos por mais de 30 dias, por negligência do exequente (artº 410º).

Na data em que foi proferido o despacho recorrido (09.03.06), nenhuma outra causa de extinção do arresto por caducidade se encontrava demonstrada nos autos.
Posteriormente, em 30.03.06, deu entrada a execução baseada na sentença condenatória.
Verifica-se assim que foi excedido o prazo de dois meses previsto no citado artº 410º, o que, nos termos do mesmo normativo, é condição de caducidade do arresto, como já se repetidamente se disse.
É certo que os requeridos não pediram a extinção do procedimento cautelar com esse fundamento.
Vem-se entendendo, no entanto, que, após a reforma processual operada pelo DL 329-A/95 de 12.12, algumas causas de extinção dos procedimentos cautelares passaram a ser de conhecimento oficioso.
Na versão do CPC anterior a 1995, a extinção dos procedimentos cautelares tinha se ser sempre requerida pela parte interessada. Era o que resultava claramente da redacção do artº 382º, nºs 1 e 2[8].
A reforma de 1995 introduziu o nº 4 do artº 398º com a seguinte redacção: “A extinção do procedimento e o levantamento da providência são determinados pelo juiz, com prévia audiência do requerente, logo que se mostre demonstrada nos autos a ocorrência do facto extintivo”.
A redacção daquele normativo aponta para a desnecessidade de a caducidade ser invocada pelo requerido, podendo ser conhecida oficiosamente pelo tribunal em determinadas circunstâncias.
Segundo Abrantes Geraldes[9], se as circunstâncias de que a lei faz depender os efeitos extintivos resultarem imediata e objectivamente dos autos, sem necessidade de comprovação por elementos externos ou sem necessidade de averiguação de factores de índole subjectiva, deve o juiz decretar oficiosamente os factos extintivos; se dos autos não constarem elementos seguros acerca do facto extintivo ou se, apesar de verificados alguns factos objectivos, se mostrarem insuficientes para qualificar o comportamento do requerente, havendo necessidade de averiguar razões de ordem subjectiva (como a eventual negligência do autor na paralisação da acção), a intervenção do juiz terá de ser solicitada pelo interessado, alegando o factualismo conveniente e, se necessário, fornecendo os meios comprovativos.
É também esta a posição de Lebre de Freitas e Lopes do Rego[10] e a que vem sendo maioritariamente acolhida na jurisprudência[11].
No sentido de que a extinção das providências cautelares não é nunca de conhecimento oficioso decidiu o Ac. da RC de 11.01.00[12], defendendo que se aplica no âmbito dos procedimentos cautelares a regra do artº 333º, nº 2 do CC, segundo a qual a caducidade necessita, para ser eficaz, de invocação por parte daquele a quem aproveita.
Perfilhamos a primeira posição acima expendida, por entendermos que é a que melhor se coaduna com a letra do nº 4 do artº 389º ou que, pelo menos, sem a desrespeitar, melhor corresponde às necessidades do sistema e melhor se adapta à presumível vontade do legislador[13].
No caso particular do arresto, a causa de caducidade prevista na 1ª parte do artº 410º depende somente de um facto objectivo - a não propositura da execução nos dois meses subsequentes ao trânsito em julgado da sentença condenatória – pelo que, demonstrada a existência daquele facto, pode o juiz dela conhecer oficiosamente.
Aquela condição só fica demonstrada nos autos com a entrada da execução (se esta correr por apenso à acção declarativa a que a providência já está apensada) ou com a junção do requerimento inicial da execução (se não correr por apenso).
Até lá, mesmo no primeiro caso, não pode o juiz tê-la por demonstrada simplesmente por já ter decorrido um período superior a dois meses porque a execução pode ter sido erradamente instaurada noutro tribunal que não é o competente. Tal como não lhe compete fazer diligências para averiguar da execução, como sucede com qualquer outra questão de conhecimento oficioso.
Porém, entrada a execução por apenso ou junta aos autos do procedimento cautelar cópia do requerimento inicial, e verificando-se que foram excedidos os dois meses previstos no artº 410º, deve o juiz, ouvido o requerente do arresto nos termos do artº 389º, nº 4, declará-lo sem efeito, face ao disposto no artº 410º.

No caso em apreço, embora o arresto não tenha ficado sem efeito pelos motivos invocados pelos requeridos, veio a ficar sem efeito porque os requerentes demoraram mais de dois meses a instaurar a execução, e esta causa é de conhecimento oficioso. Pode, por isso, ser conhecida em sede de recurso, apesar de ser uma questão nova, depois de ouvida a parte contrária, como foi (cfr. o que acima dissemos a propósito do objecto do recurso).

Há assim que dar provimento ao agravo, embora por razões diferentes das invocadas pelos agravantes, determinando-se o levantamento do arresto ordenado nos autos em 22.08.05.
*
III.
Pelo exposto, acorda-se em conceder provimento ao agravo e, em consequência:
- Ordena-se o levantamento do arresto decretado em 22.08.05.
Custas pelos agravados.
***

Porto, 7 de Dezembro de 2006
Deolinda Maria Fazendas Borges Varão
Manuel Lopes Madeira Pinto
António Domingos Ribeiro Coelho da Rocha

_______________________________
[1] Neste sentido, Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, II, 54 e Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, III, 3ª ed., 303 e 304.
[2] Código de Processo Civil Anotado, I, 3ª ed., 623 e segs.
[3] Ver Alberto dos Reis, obra citada, 639.
[4] Neste sentido, ver o Ac. desta Relação de 17.11.05, www.dgsi.pt, nº conv. 38513.
[5] Obra citada, vol. IV, 2ª ed., pág. 170.
[6] Neste sentido, ver os Acs. desta Relação de 13.01.00 e da RL de 25.11.03, base citada, nº conv. 28007 e proc. 9899/2003-7, respectivamente.
[7] Cfr. Ana Prata, O Contrato-Promessa e o Seu Regime Civil, 734.
[8] Alberto dos Reis, obra citada, 645.
[9] Obra citada, III, 311 e 312.
[10] Obra citada, 56 e Comentários ao Código de Processo Civil, 2ª ed., 359, respectivamente.
[11] Ver os Acs. desta Relação de 09.06.99 e 03.02.00 e da RL de 15.02.01 e 06.12.01, base citada, nºs conv. 26266, 27627, 35063 e 36998, respectivamente.
[12] Base citada, proc. 2674/99.
[13] Abrantes Geraldes, obra citada, III, 316.