Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
436/12.4TBPFR-F.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANABELA LUNA DE CARVALHO
Descritores: INSOLVÊNCIA
QUANTIAS DEPOSITADAS EM PROCESSO DE EXECUÇÃO PENDENTE
PENHORA DE VENCIMENTO
TRANSFERÊNCIA DOS MONTANTES PARA O PROCESSO DE INSOLVÊNCIA
Nº do Documento: RP20130506436/12.4TBPFR-F.P1
Data do Acordão: 05/06/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA.
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO.
Área Temática: .
Legislação Nacional: ARTº 88º E 149º DO CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS
ARTº 860º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário: I- Proferida decisão a declarar a insolvência de um devedor, contra o qual fora previamente instaurada ação executiva e penhoradas quantias sobre o seu vencimento, que foram depositadas à ordem desses autos de execução, independentemente de ter havido ou não oposição à penhora, pode e deve, no processo de insolvência, ser ordenada a transferência do produto do depósito para a massa insolvente.
II- Tal quantia em dinheiro nunca radicou na esfera jurídica do exequente.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:
APELAÇÃO Nº 436/12.4 TBPFR-F.P1
5ª SECÇÃO
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I
B....., S.A., instaurou no Tribunal Judicial de Paços de Ferreira ação executiva, para pagamento de quantia certa, com forma de processo comum ( proc. nº 1646/08.4) contra C......
Nesses autos foi ordenada a penhora salarial e o executado foi citado para se opor à penhora o que não fez.
Nos presentes autos de insolvência em que são devedores declarados insolventes C..... e D....., a administradora da insolvência fez um requerimento a solicitar a apreensão a favor da massa insolvente da totalidade dos valores depositados no processo executivo.
O credor/reclamante ora apelante requereu em resposta que tal apreensão apenas poderia vir a recair sobre os valores penhorados (depositados) após a declaração de insolvência, defendendo que, não tendo o executado deduzido oposição à penhora, a partir desse momento, as quantias mensalmente retidas saíram definitivamente da esfera jurídica do executado, ficando automaticamente transferida para o exequente /ora credor reclamante, nos termos do art. 861º nº 3 do CPC.
Ouvida de novo a administradora veio esta pronunciar-se no sentido de tal requerimento não ser atendido.
Foi então proferida decisão de indeferimento do requerido pelo credor/reclamante, com fundamento, entre o mais, em que, os bens em causa haviam sido apenas penhorados e retirados da disponibilidade fática dos executados (ora insolventes), «mas tal não significa que se possa ficcionar que já não fossem “bens pertença dos executados/insolventes”».

Inconformado com tal decisão veio o credor/reclamante - B..... - recorrer concluindo do seguinte modo as suas alegações de recurso:
1. O aqui recorrente é uma sociedade comercial que tem por objeto a celebração de contratos de crédito, financiamento e afins sendo que no exercício da sua atividade havia celebrado com os ora insolventes em 10.01.2007 um contrato de mútuo com vista à aquisição por parte dos mesmos de uma viatura automóvel, ao qual foi atribuído o número 665291, sendo que esta operação havia sido avalizada com preenchimento de uma livrança.
2. Por força do reiterado incumprimento do aludido contrato, viu-se forçado o recorrente a resolver o contrato e a apresentar a livrança subscrita a pagamento que não foi honrada nem na data do seu vencimento nem em momento posterior, tendo em consequência sido apresentado requerimento executivo para pagamento de quantia certa com base nesse mesmo título – livrança.
3. Tal processo judicial iniciou-se em 27.10.2008 no 1º Juízo do Tribunal Judicial de Paços de Ferreira com o número 1646/08.4TBPFR.
4. No âmbito da referida ação executiva, foi penhorado o vencimento do executado agora insolvente, não tendo o mesmo contestado tal penhora.
5 . Em 06.03.2009 foi proferido despacho judicial com referência 2332348 onde é referido não ter existido oposição à execução, dando certeza e garantia jurídica a tal retenção e, consequentemente, autorização para que a mesma seja entregue ao exequente, aqui recorrente.
6 . Por força da legalidade da penhora efetuada, com respeito ao artigo 861º do Código de Processo Civil, foram as quantias retidas entregues ao exequente e aqui recorrente, antes de ser decretada a insolvência dos então executados.
7. Visto que a última entrega ao recorrente, enquanto exequente, ocorreu em 19.01.2012 e que a sentença que decretou a insolvência de C..... e D….. foi publicada em Diário da República em 10.04.2012, conclui-se que apenas os valores retidos após 10.04.2012 serão devidos à massa insolvente.
8. Todas as restantes quantias, porque entregues anteriormente a 10.04.2012, por força do artigo 861º nº 1 e 2 do Cód. Proc. Civil que refere que quando a penhora incida sobre vencimentos, as quantias retidas ficam à ordem do agente de execução, mantendo-se indisponíveis até ao termo do prazo para a oposição do executado, e por força ainda do artigo 861º nº 3 que diz que findo o prazo de oposição, se esta não tiver sido deduzida o agente de execução entrega ao exequente as quantias depositadas, conclui-se pois que se encontra materializada a saída definitiva da esfera jurídica dos agora insolventes de tais valores.
9. Os valores retidos anteriormente a 10.04.2012 não integram o conceito de massa insolvente visto que a tal data, as quantias que haviam sido penhoradas e já entregues ao aqui recorrente, já não pertenciam à esfera jurídica dos agora insolventes.
10. A entrega dos valores penhorados efetuada ao abrigo do artigo 861º implica que ocorra, forçosamente, saída definitiva de tal bem da esfera jurídica do devedor.
11. A validade do alegado pelo recorrente foi já decidido ( e bem) pela Relação do Porto no âmbito do recurso apresentado no processo 5202/08.9 TBVNG-E.P1 onde é relator o Dr. António Manuel Mendes Coelho e cuja decisão diz que a quantia em dinheiro cobrada e entregue à exequente em sede de ação executiva é pertença desta última.
12. E pelo brilhantismos da argumentaria deduzida, cita-se, «a quantia em dinheiro acima referenciada, cobrada no âmbito de execução movida contra a entretanto declarada insolvente, foi entregue à exequente dentro do normal prosseguimento de tal execução; como tal, não estava ainda sujeita a ser apreendida para a massa insolvente e face àquela entrega, já se tinha radicado na esfera jurídica da exequente».
13. Apenas esta pode ser a tese defendida. Defender tese contrária põe em causa todo o espírito da Lei bem como a segurança jurídica vigente.
14. Apenas os valores penhorados após a declaração de insolvência terão que ser restituídos à massa insolvente. Mas apenas estes.
A final requer seja julgado procedente o recurso e alterada a decisão recorrida.

Não foram apresentadas contra-alegações.
III
Na consideração de que o objeto do recurso se delimita pelas conclusões das alegações (artigo 684º nº 3 do CPC), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (artigo 660º nº2 in fine), é a seguinte a questão a decidir:
- Se, proferida decisão a declarar a insolvência de um devedor, contra o qual fora previamente instaurada ação executiva e penhoradas quantias sobre o seu vencimento, que foram depositadas à ordem desses autos de execução, sem ter havido oposição à penhora, pode no processo de insolvência ser ordenada a transferência do produto do depósito para a massa insolvente.
Pretende o apelante que os valores penhorados antes da declaração de insolvência, sem que tenha sido deduzida oposição à penhora, não integram tal conceito de “bens a apreender”.
Escuda-se para o efeito na norma do art. 861 nº 3 do CPC segundo a qual: «Findo o prazo de oposição, se esta não tiver sido deduzida, ou julgada a oposição improcedente, o agente de execução entrega ao exequente as quantias depositadas que não garantam o crédito reclamado, até ao valor da quantia exequenda, depois de descontado o montante relativo a despesas de execução referido no nº 3 do art. 821».
E assim, diz, tendo-se precludido o prazo de oposição, tais quantias deixariam de pertencer à esfera jurídica do executado, não estando abrangido pelo conceito de massa insolvente previsto no art. 46º do CIRE, pelo que, desse modo, não pode a administradora da insolvência ver apreendidas as quantias penhoradas antes da declaração de insolvência.
Mas sem razão, como se extrai quer da letra quer do espírito da lei da insolvência.
Refere o preâmbulo do Decreto – Lei nº 53/2004, de 18 de Março, que aprova o Código de Insolvência e de Recuperação de Empresa (CIRE): “O objetivo precípuo de qualquer processo de insolvência é a satisfação, pela forma mais eficiente possível, dos direitos dos credores”.
Tal finalidade de permitir o pagamento, na maior medida possível, a todos os credores do insolvente, tem concretização no diploma através da previsão de diversos mecanismos que visam não apenas manter mas igualmente reintegrar bens no património do devedor insolvente, bens que haviam saído da esfera jurídica do insolvente com prejuízo para a massa.
O CIRE prevê mecanismos que visam reunir, por meio da sua apreensão, todos os bens que constituem o património do devedor/insolvente, a fim de proceder à sua liquidação, e, através do produto assim obtido, satisfazer, na medida do possível, os créditos dos credores, em condições de igualdade.
É neste âmbito que se insere a disposição contida no artigo 149º do CIRE, a qual dispõe que:
«1 - Proferida a sentença declaratória da insolvência, procede-se à imediata apreensão dos elementos da contabilidade e de todos os bens integrantes da massa insolvente, ainda que estes tenham sido:
a) Arrestados, penhorados ou por qualquer forma apreendidos ou detidos, seja em que processo for, com ressalva apenas dos que hajam sido apreendidos por virtude de infração, quer de carácter criminal, quer de mera ordenação social;
b) Objeto de cessão aos credores, nos termos dos artigos 831.º e seguintes do Código Civil.
2 - Se os bens já tiverem sido vendidos, a apreensão tem por objeto o produto da venda, caso este ainda não tenha sido pago aos credores ou entre eles repartido»
O nº 2 deste normativo, reforça tal propósito apreensivo ao estabelecer que, se os bens já tiverem sido vendidos, a apreensão tem por objeto o produto da venda, caso este ainda não tenha sido pago aos credores ou entre eles repartido.
Por sua vez o artº 36 alínea g) do mesmo Código dispõe que:
«Na sentença que declarar a insolvência o juiz:
(…) g) Decreta a apreensão, para imediata entrega ao administrador da insolvência, dos elementos da contabilidade do devedor e de todos os seus bens, ainda que arrestados, penhorados ou por qualquer forma apreendidos ou detidos e sem prejuízo do disposto no n.º 1 do artigo 150.º”
Tais preceitos materializam o princípio estabelecido no art. 601º do Código Civil segundo o qual “pelo cumprimento da obrigação respondem todos os bens do devedor suscetíveis de penhora…”, prevendo que “não sendo a obrigação voluntariamente cumprida, tem o credor o direito de exigir judicialmente o seu cumprimento e de executar o património do devedor…”.
No mesmo enquadramento, estabelece o art. 88º, nº1 do CIRE que: “a declaração de insolvência determina a suspensão de quaisquer diligências executivas (…) e obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer ação executiva intentada pelos credores da insolvência”.
Contrariamente ao alegado pelo apelante, não releva, para impedir a apreensão, a circunstância de não ter ocorrido oposição à penhora do salário.
As quantias depositadas nos autos de execução e à ordem destes nunca foram adjudicadas ou entregues à exequente, pelo que, injustificado se mostra pretender aplicar neste caso a jurisprudência citada em alegações, a qual tinha subjacente uma realidade factual diferente, na qual certa quantia em dinheiro havia já sido entregue à exequente, e por isso, tinha já radicado na sua esfera jurídica.
No caso dos autos, penhorado um direito ou valor ao executado/insolvente e tendo sido efetuado o depósito correspondente, nos termos do art. 860 nº 1 do CPC, este depósito não equivale ao pagamento ao exequente, não havendo qualquer transmissão do montante depositado para o património deste, deixando, em face da declaração de insolvência do executado, de se poder efetuar através desse depósito e no âmbito da execução, o pagamento ao exequente – artºs 88 nº 1 e 149º do CIRE.
A decisão recorrida não padece de qualquer erro.
Em suma:
- Proferida decisão a declarar a insolvência de um devedor, contra o qual fora previamente instaurada ação executiva e penhoradas quantias sobre o seu vencimento, que foram depositadas à ordem desses autos de execução, independentemente de ter havido ou não oposição à penhora, pode e deve, no processo de insolvência, ser ordenada a transferência do produto do depósito para a massa insolvente.
- Tal quantia em dinheiro nunca radicou na esfera jurídica do exequente.
IV
Termos em que, acorda-se em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelo apelante.

Porto, 06.05.2013
Anabela Luna de Carvalho
Rui António Correia Moura
José Eusébio de Almeida