Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0727268
Nº Convencional: JTRP00041134
Relator: GUERRA BANHA
Descritores: RESPONSABILIDADE DO ADVOGADO
Nº do Documento: RP200802260727268
Data do Acordão: 02/26/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO.
Indicações Eventuais: LIVRO 265 - FLS 235.
Área Temática: .
Sumário: I - A actividade desenvolvida pelo advogado configura uma obrigação de meios e não de resultado; ele não garante um resultado favorável, comprometendo-se apenas a desempenhar o mandato com zelo e aptidão profissional.
II - A obrigação de indemnizar o cliente só surge se a actuação do advogado for ilícita (violação de deveres deontológicos), culposa (merecedora de censura deontológica) e causadora de danos.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 7268/07-2
1.ª Secção Cível
NUIP …/05.5TBVNG
*

Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I

1. Nos presentes autos de acção declarativa de condenação com processo comum ordinário que corre termos na ..ª Vara de Competência Mista de Vila Nova de Gaia com o n.º …/05.5TBVNG, B………. e mulher C………., residentes em ………., comarca de Vila Nova de Gaia, demandaram a Sra. Dra. D………., advogada com domicílio profissional na ………., na cidade do Porto, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhes a quantia global de 22.793,19€, sendo 12.049,50€ à Autora e 10.689,69€ ao Autor, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a data da citação da Ré até efectivo e integral pagamento.
Fundamentaram esta sua pretensão alegando, em síntese, que, mandataram a Ré, com procuração forense, para os representar e reclamar os seus créditos no processo de falência da “E………., S.A.”, que correu termos no ..º Juízo Cível de Vila Nova de Gaia sob o n.º …., e a Ré limitou-se a reclamar os créditos dos Autores relativos a salários em atraso, mas não reclamou os créditos por indemnização a que tinham direito pela cessação dos seus contratos de trabalho, cujos montantes ascendiam a 12.049,50€ para a Autora e 10.689,69€ para o Autor, sendo que a massa da falida era suficiente para pagar esses créditos, como foram efectivamente reconhecidos e pagos aos seus colegas que os reclamaram. Atribuem, assim, o não recebimento desses créditos a “cumprimento defeituoso do mandato” conferido à Ré, por “omissão do diligente cuidado exigível”, que se presume culposo, e que, por isso, constituiu-se a Ré na obrigação de indemnizar os Autores pelos danos sofridos.
A Ré contestou a acção nos seguintes termos, em síntese: confirmou a existência dos mandatos conferidos pelos Autores, para os representar no dito processo de falência, e que não reclamou para os Autores qualquer importância a título de indemnização pela cessação dos contratos de trabalho, mas justificou que não o fez por entender que os Autores não tinham direito a essa indemnização por dois motivos: porque os seus contratos de trabalho com a falida tinham-se extinguido em data anterior à declaração de falência e porque os Autores nunca formalizaram o termo da suspensão dos seus contratos de trabalho, para a qual nunca foi a Ré consultada, e também nenhum documento lhe entregaram que pudesse justificar a rescisão dos contratos de trabalho com justa causa. Concluindo que não omitiu, na execução do mandato, qualquer acto que devesse praticar nem causou aos Autores qualquer dano.
Requereu, em todo o caso, a intervenção principal, como sua associada, da COMPANHIA DE SEGUROS F………., S.A., com o fundamento de que tinha celebrado, com esta seguradora, um contrato de seguro de responsabilidade civil relativo aos danos decorrentes do exercício da sua actividade profissional, por montante que excede o valor do pedido.
Por despacho proferido a fls. 90, foi admitida a intervenção acessória da chamada, a qual, após ser citada, contestou nos termos que consta a fls. 96, confirmando a existência do contrato de seguro celebrado com a Ré, pelo capital de 24.939,89€, e remetendo para os temos da contestação da Ré no tocante à impugnação da matéria de facto alegada pelos Autores.
Realizada a audiência de julgamento, foi decidida foi proferida sentença, a fls. 190-197, que julgou a acção totalmente improcedente e absolveu a Ré do pedido.

2. Os Autores apelaram dessa sentença, extraindo das suas alegações as conclusões seguintes:
a) Deve ser alterada a matéria de facto, aditando-se à matéria assente o ponto 17 onde conste o teor integral da certidão de fls. 119.
b) Com a declaração de falência da E………., S.A., cessaram por caducidade os contratos de trabalho dos recorrentes.
c) Passando estes a ter direito a uma compensação correspondente a um mês de remuneração de base por cada ano ou fracção de antiguidade ao serviço da falida.
d) Os recorrentes mandataram a recorrida, Dra D………., com procurações forenses para reclamar os seus créditos no processo de falência referido em A.
e) Os créditos reclamados pela recorrida na qualidade de mandatária dos recorrentes foram reconhecidos e pagos.
f) Porém, a recorrida não reclamou, como podia e devia ter feito, a compensação a que os recorrentes tinham direito e referida em c) supra.
g) Com esta violação do contrato de mandato, a recorrida constituiu-se na obrigação de indemnizar os recorrentes pelos montantes a que tinham direito e que não peticionou.
h) Os recorrentes não puderam fazer prova da suficiência da massa falida pois o processo falimentar não estava ainda findo em Março de 2006, quando tal prova lhes foi requerida.
i) Perante o pedido dos ora recorrentes, a recorrida não fez prova de que o património da falida não era suficiente para satisfazer as pretendidas compensações.
j) O efectivo dano ou prejuízo dos recorrentes consubstanciou-se no não recebimento da compensação total de €22.739,19, sendo de €12.049,5O para a recorrente mulher e de €10.689,69 para o recorrente marido.
k) Montantes que reclamam das recorridas e que estas lhes devem satisfazer, nos termos dos arts. 798.º e 799.º do Código Civil.

2.1. A Ré contra-alegou, concluindo:
1) A suspensão dos contratos de trabalho dos recorrentes cessou em 10 de Abril e 8 de Julho de 1994, data em que os mesmos se apresentaram a trabalhar.
2) Em consequência da cessação da suspensão os recorrentes tornaram-se credores da falida dos salários vencidos e não pagos, desde as supra mencionadas datas até às datas em que estes foram trabalhar para outra empresa.
3) Em consequência da cessação da suspensão e, por via dela, os créditos provenientes alegados em 2) foram reclamados e reconhecidos.
4) Em 1 de Março de 1995, o Recorrente marido fez extinguir o seu vínculo laboral, ainda que tacitamente, pela rescisão unilateral, tendo em 1 de Julho de 1995 a Recorrente mulher procedido de igual forma.
5) Na verdade, desde as supra aludidas datas que os Recorrentes se colocaram em situação de impossibilidade objectiva de continuar a trabalhar para a empresa que posteriormente veio a ser declarada falida.
6) Assim, o M.mo Juiz "a quo" ao invés de se ter pronunciado pela caducidade dos contratos em consequência da declaração de falência, deveria, outrossim, ter decidido pela rescisão unilateral dos contratos por parte dos Recorrentes.
7) Se assim tivesse decidido, o M.mo Juiz “a quo” jamais poderia ter imputado à Recorrida o dever de ter reclamado as quantias relativas à indemnização pela antiguidade.
Termina no sentido de que deve ser negado provimento ao recurso e, de qualquer modo, que deverá ser alterada a sentença recorrida, na parte em que conhece da caducidade dos contratos de trabalho, decidindo-se que estes contratos cessaram por rescisão unilateral dos ora apelantes.

3. De harmonia com as disposições contidas nos arts 684.º, n.ºs 2 e 3, e 690.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, são as conclusões que o recorrente extrai da sua alegação que delimitam o objecto do recurso.
Tendo em conta o teor das conclusões formuladas, os apelantes suscitam as questões seguintes:
1) que seja aditado ao elenco dos factos provados o teor integral da certidão de fls. 119;
2) reconhecendo a sentença recorrida que os apelantes tinham direito à indemnização pela cessação dos seus contratos de trabalho em consequência da declaração de falência e que a Ré não reclamou esses créditos dos apelantes, como lhe era exigível, deverá reconhecer-se que a Ré se constituiu na obrigação de os indemnizar, por cumprimento defeituoso do mandato forense que lhe foi conferido;
3) que era a Ré que tinha o ónus de provar que a massa falida não era suficiente para satisfazer aquelas indemnizações dos apelantes, prova que não fez.
Além destas questões, a Ré pretende que, não obstante a decisão recorrida lhe ter sido favorável, seja reapreciada a questão da cessação dos contratos de trabalho dos ora apelantes com a falida, de modo a ser decidido que tais contratos cessaram por rescisão unilateral dos apelantes ainda antes da declaração de falência, e não por caducidade com a declaração de falência, e que, por isso, os apelantes não tinham direito à pretendida indemnização por antiguidade. O que configura a ampliação do objecto da apelação, nos termos do n.º 1 do art. 684.º-A do Código de Processo Civil.
Por razões de lógica processual (arts. 713.º, n.º 2, e 659.º, n.ºs 2 e 3, do Código de Processo Civil), dada a sua possível influência na decisão de direito, a proceder, a questão relativa à matéria de facto deve ser apreciada em primeiro lugar.
Foram colhidos os vistos legais.
II

4. Na sentença recorrida foram tomados em conta os seguintes factos julgados provados:
1) A Ré, Dra. D………. foi, no âmbito do exercício da sua actividade profissional de Advogada, mandatada com procurações forenses pelos Autores, para reclamar os seus créditos no processo de falência da «E………., S.A.», que correu os seus termos no .° Juízo Cível, .ª secção do Tribunal de Comarca de Vila Nova de Gaia sob o nº. P…..-A/2003.
2) A Autora foi admitida ao serviço da sociedade falida em Março de 1966, auferindo em 1995, Esc. 83.300$00 de retribuição mensal.
3) O Autor foi admitido ao serviço da sociedade falida em 1966[1], auferindo, em 1995, Esc. 73.900$00 de retribuição mensal.
4) Os Autores suspenderam os contratos de trabalho que os vinculavam à sociedade referida em A), nos termos da Lei 17/86 de 14 de Junho.
5) Em 10 de Abril de 1994 a Autora quis por termo a suspensão do contrato de trabalho apresentando-se na empresa para trabalhar, tendo o Autor feito o mesmo em 8 de Julho.
6) Depararam-se com a empresa totalmente encerrada e sem qualquer tipo de actividade.
7) Até ao dia 1 de Julho de 1995 a Autora e até ao dia 1 de Março do mesmo ano, os Autores, todas as manhãs, se apresentaram nas instalações da empresa, encontrando-a sempre encerrada.
8) Face ao descrito em 5) e 6), ficaram os Autores impedidos de prestar o seu trabalho, colocando-se a empresa em situação de não poder ser notificada pelos Autores do termo da suspensão do seu contrato de trabalho
9) Os Autores não notificaram a Inspecção-Geral do Trabalho que pretendiam por termo à suspensão dos seus contratos de trabalho.
10) Nas reclamações de créditos que efectuou, em 23 de Fevereiro 1996 no que se refere ao Autor e em 25 de Fevereiro de 1996, no que se refere à Autora, no processo de falência identificado em 1º), na qualidade de mandatária dos Autores, a Ré alegou que aqueles não tinham retomado o trabalho por culpa da referida empresa.
11) Os créditos reclamados pela Ré, na qualidade de mandatária dos Autores, foram reconhecidos e pagos.
12) A Ré, não peticionou, à empresa falida qualquer montante referente a indemnizações pela cessação dos contratos de trabalhos dos Autores.
13) Por contrato de Seguro de Responsabilidade Civil, titulado pela apólice ………., com início em 1991, a Ré transferiu para a seguradora «G……….», hoje denominada «Companhia de Seguros F………., S.A.», a responsabilidade pelos danos por si causados no exercício da sua actividade profissional, até ao, limite de 5.000.000$00 (cinco milhões de escudos).
Tal contrato estabelece uma franquia no valor de 25% do quantitativo indemnizatório no mínimo de 50.000$00 (E 249,40).
Tal seguro encontrava-se válido e em vigor à data da dedução da reclamação de créditos.
14) A partir de 1 de Julho de 1995, o Autor e em 1 de Março do mesmo ano a Autora, começaram a trabalhar para outra empresa.
15) Fizeram-no por força do referido supra em 6), 7) e 8).
16) Os Autores nunca procuraram a Ré para se aconselharem acerca do procedimento a adoptar para pôr termo à suspensão dos seus contratos de trabalho.
III

5. Em primeiro lugar, os apelantes pretendem que seja aditado ao elenco dos factos provados o teor integral da certidão de fls. 119.
A apelada opõe-se a esta pretensão dos apelantes com o argumento de que o teor do dito documento não tem correspondência com o facto alegado no art. 22.º da p.i., o qual não foi inserido na base instrutória e de que se destinava a fazer prova, e, em todo o caso, não tem qualquer relevância para a decisão.
Vejamos, então, se o facto ou factos referidos na certidão de fls. 119 devem, ou não, considerar-se provados e, na afirmativa, se têm alguma relevância para a decisão sobre o mérito da causa, designadamente, para efeitos de alteração, a favor dos apelantes, da decisão proferida na primeira instância.
Preliminarmente, importa começar por dizer que não constitui obstáculo ao aditamento de novos factos aos já provados a mera circunstância de não terem sido inseridos na base instrutória, independentemente de ter ou não ter havido reclamação das partes. Como decorre do disposto nos arts. 650.º, n.º 2, al. f), e 264.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, até ao encerramento da discussão da causa, o presidente do tribunal pode aditar factos novos que tenham sido alegados, ou, sendo meramente instrumentais, tenham resultado da discussão em audiência de julgamento, se os considerar com interesse para a decisão da causa, segundo as diversas soluções plausíveis de direito. E o n.º 3 do art. 659.º do mesmo código manda que o juiz tome em consideração, na sentença, além do mais, todos os factos “provados por documentos”, estejam ou não estejam inseridos na selecção dos factos assentes ou na base instrutória, previamente elaborada nos termos previstos nos arts. 508.º-A, n.º 1, al. e), 508.º-B, n.º 2, e 511.º, n.º 1, do Código de Processo Civil. Trata-se, mais do que uma faculdade, de um dever (de cariz vinculativo) para o juiz que preside à audiência, que visa corrigir lapsos ou omissões cometidas naquele anterior despacho, e que se justifica em nome do superior interesse da justiça material. A única limitação a este aditamento é que, tratando-se de factos essenciais, seja na perspectiva da pretensão do Autor, seja na perspectiva da oposição do Réu, tenham sido alegados pela respectiva parte (art. 664.º do Código de Processo Civil), ou, tratando-se de factos meramente instrumentais, tenham resultado da discussão da causa (art. 264.º, n.º 2, do Código de Processo Civil). De modo que, verificando-se estes pressupostos, ou seja, que se trate de factos alegados e que tenham interesse para a decisão, não só nada obsta ao seu aditamento como se impõe o dever legal de serem aditados.
A certidão que consta a fls. 119 foi emitida pelo ..º Juízo Cível da comarca de Vila Nova de Gaia, a pedido do tribunal recorrido, e atesta que por aquele Juízo correm termos uns autos, com o número de processo …./1993, para declaração de falência da E………., S.A.; que esses autos foram instaurados em 02-11-1993; que a declaração de falência foi decretada por sentença de 20-11-1995, transitada em julgado em 05-12-1995; e que no apenso de reclamação de créditos foi proferida decisão, da qual foi interposto recurso para o tribunal da Relação do Porto, para onde foi remetido o processo e ainda não baixou.
Primeira questão: Foram estes factos alegados pelos Autores?
Segunda questão: E têm relevância para a decisão, mormente na perspectiva da procedência da pretensão requerida pelos Autores?
Pretensamente, esta certidão foi solicitada para prova do facto alegado pelos Autores no art. 22.º da p.i., que diz o seguinte: “a massa falida foi suficiente para pagar todos os créditos reclamados pelos trabalhadores e os colegas dos ora Autores que reclamaram o pagamento das indemnizações de antiguidade foram pagos dos montantes peticionados”.
Como se pode constatar pelo seu confronto, não há a menor correspondência entre o facto alegado pelos Autores e o teor da certidão.
A alegação deste facto pelos Autores, no âmbito dos danos que alegaram terem sofrido com a conduta omissiva imputada à Ré, visava demonstrar que o activo da massa falida era suficiente para pagar o seu pretenso crédito por antiguidade, se tivesse sido reclamado pela Ré. Ora, a este respeito, o que a certidão diz é que nada pode ser certificado porque o processo de reclamação e graduação de créditos tinha subido em recurso à Relação. Informação que nada permite concluir, nem quanto à suficiência do activo da massa falida para pagar os créditos de que os Autores se arrogam com direito, nem quanto aos pagamentos realizados aos seus colegas de trabalho (de que, aliás, haveria que questionar como é que, estando em recurso a decisão de graduação de créditos, já teriam sido pagos os créditos reclamados?...).
Donde só pode concluir-se que os factos atestados na certidão de fls. 119, não confirmando os factos alegados pelos Autores no art. 22.º da p.i., nenhuma relevância têm para a decisão, mormente em matéria de danos alegados pelos Autores.

6. Entendem os apelantes que, tendo a sentença reconhecido que tinham direito à indemnização pela cessação dos seus contratos de trabalho em consequência da declaração de falência e que a Ré não reclamou esses créditos dos apelantes, como lhe era exigível, deverá também reconhecer-se que a Ré se constituiu na obrigação de os indemnizar, por cumprimento defeituoso do mandata forense que lhe foi conferido.
A apelada, não obstante a decisão final ter-lhe sido favorável, discorda desta parte da sentença quanto a dois pontos: 1) em ter reconhecido que os contratos de trabalho que ligavam os Autores à falida haviam cessado por caducidade com a declaração de falência, contrapondo que tais contratos já haviam cessado por rescisão unilateral dos apelantes anteriormente à declaração de falência; e 2) em ter reconhecido aos Autores o direito à indemnização por antiguidade, contrapondo que os Autores não tinham direito a essa indemnização.
A apelada formulou a pretensão de que estas questões fossem reapreciadas em sede de ampliação da apelação. Direito que lhe assiste nos termos do n.º 1 do art. 684.º-A do Código de Processo Civil e impõe que tais questões sejam apreciadas à frente da suscitada pelos apelantes quanto ao reconhecimento do seu direito a indemnização, porquanto a eventual procedência das questões postas pela apelada altera os pressupostos da sentença na parte em que concluiu pelo cumprimento defeituoso do mandato pela Ré e inviabiliza a pretensão dos Autores a indemnização. Assim ficando prejudicadas as demais questões suscitadas nesta apelação pelos apelantes.

6.1. A sentença recorrida concluiu que os contratos de trabalho que os Autores tinham com a falida terminaram por caducidade com a declaração de falência, nos termos dos arts. 3.º, n.º 2, al. d), 4.º, al. b), e 6.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27/02.
Chegou a esta conclusão depois de excluir a hipótese de os contratos terem cessado em data anterior à declaração de falência, designadamente por rescisão unilateral dos trabalhadores, ou por estes terem passado a trabalhar noutras empresas, ou ainda por abandono do trabalho, e no pressuposto de que os contratos se mantinham em vigor na data em que foi declarada a falência, o facto que teria determinado a sua caducidade.
A apelada discorda desta interpretação e defende que a suspensão dos contratos de trabalho dos recorrentes cessou em 10-04-1994 para a recorrente mulher e em 08-07-1994 para o recorrente marido, datas em que se apresentaram nas instalações da empresa para porem termo à suspensão dos contratos e retomarem a prestação laboral; e que os recorrentes puseram termo aos seus contratos, respectivamente, em 01-03-1995 e 01-07-1995, datas em que passaram a trabalhar noutras empresas. Justificando que foi por isso que só reclamou e foram reconhecidos os créditos a que os Autores tinham direito a título de salários correspondentes àqueles períodos de tempo, e não a indemnização por antiguidade.
O ponto essencial que separa as duas versões em confronto radica na divergente concepção sobre o termo da suspensão dos contratos de trabalho. A sentença recorrida concluiu que a “suspensão do contrato de trabalho não chegou a cessar” e, por isso, interpretou o facto de os Autores terem passado a trabalhar noutras empresas como uma consequência da suspensão dos contratos de trabalho com a falida, nos termos do art. 10.º da Lei n.º 17/86, de 14/06. A apelada defende que a suspensão dos contratos de trabalho dos Autores cessou nas datas em que se apresentaram nas instalações da empresa para porem termo à suspensão dos contratos, o que ocorreu em 10-04-1994 para a mulher e em 08-07-1994 para o marido.
Deve observar-se que, se bem entendemos, esta posição da apelada quanto ao termo da suspensão dos contratos de trabalho dos Autores não é exactamente a mesma que expôs na sua contestação. Nesta disse que os Autores nunca formalizaram o termo da suspensão dos seus contratos de trabalho e nunca sobre isso foi consultada, e acrescentou que também nenhum documento lhe entregaram que pudesse justificar a rescisão dos contratos de trabalho com justa causa.
Não obstante, também a conclusão alcançada na sentença recorrida enfrenta alguns obstáculos na matéria de facto provada, que não se mostra fácil de contornar. Designadamente: 1) o facto de, nesse período de tempo, os Autores se terem apresentado todas as manhãs nas instalações da empresa, para retomarem o trabalho, o que só pode entender-se no contexto de que consideraram cessada a suspensão dos seus contratos no primeiro dia em que ali se apresentaram para retomarem o trabalho e que pretenderam pôr-lhes termo no dia em que decidiram ir trabalhar para outras empresas; 2) e o facto de os Autores terem aceite que fossem reclamados os créditos por salários que consideraram ser-lhes devidos, relativos ao mesmo período de tempo, o que se insere dentro daquela lógica interpretativa e gera duas dúvidas de sentido contraditório: a) a primeira é que, se não havia cessado a suspensão dos seus contratos, os Autores não tinham direito aos salários reclamados, precisamente porque, no período em causa, os seus contratos e a sua prestação laboral se haviam mantido suspensos; b) a segunda é que esses créditos foram reconhecidos e pagos (facto em que concordam Autores e Ré e consta provado sob o item 12.º da sentença), o que quer dizer que terá sido aceite pelo tribunal do processo de falência que a suspensão dos contratos dos Autores teria terminado nas datas da sua apresentação na falida e que os contratos teriam cessado, por iniciativa dos trabalhadores, nas datas em que foram trabalhar para outras empresas. Indo, assim, de encontro à tese defendida pela apelada.
Importa, assim, enquadrar as questões no contexto dos factos provados, porque só estes podem fundamentar a decisão (art. 659.º, n.º 3, do Código de Processo Civil).

6.2. Consta dos factos provados que os Autores suspenderam os contratos de trabalho que os vinculavam à falida nos termos da Lei n.º 17/86, de 14 de Junho (cfr. item 4).
Esta Lei regia “os efeitos jurídicos especiais produzidos pelo não pagamento pontual da retribuição devida aos trabalhadores por conta de outrem” (art. 1.º) e aplicava-se às “empresas públicas, privadas e cooperativas em que, por causa não imputável ao trabalhador, se verifique a falta de pagamento total ou parcial da retribuição devida” (art. 2.º).
De que se infere que a suspensão dos contratos de trabalho dos Autores ter-se-á baseado no facto de terem remunerações em atraso e que, então, a entidade empregadora já passaria por dificuldades de natureza económico-financeira, que não lhe permitiam cumprir pontualmente as suas obrigações, mormente quanto ao pagamento pontual das remunerações aos trabalhadores.
Os factos provados não esclarecem quando se iniciou esta suspensão dos contratos dos Autores. Mas esclarecem que em 10-04-1994 a Autora se apresentou na empresa para retomar o trabalho e por termo à suspensão do seu contrato, e que o mesmo fez o Autor em 08-07-1994 (cfr. item 5). Todavia, depararam-se com a empresa totalmente encerrada e sem qualquer tipo de actividade (item 6). Concluindo o item 8) do seguinte modo: “Face ao descrito em 5) e 6), ficaram os Autores impedidos de prestar o seu trabalho, colocando-se a empresa em situação de não poder ser notificada pelos Autores do termo da suspensão do seu contrato de trabalho”.
Ora, dizer-se que a empresa se colocou em situação de não poder ser notificada pelos Autores do termo da suspensão do seu contrato de trabalho é, em primeiro lugar, não um facto, mas uma conclusão. A qual, não obstante, não resulta nem se compatibiliza com os factos descritos nos itens 5) e 6). Desde logo porque, ao contrário do que aí se sugere, a empresa não se colocou nessa situação, ou seja, não foi encerrada nessas datas, para evitar as notificações dos Autores; já se encontrava nessa situação na primeira data em que a Autora se apresentou para retomar o seu trabalho, e por certo já se encontraria encerrada desde tempos antes (o que é verdadeiro pelo menos em relação ao Autor). O que se passou foi que os Autores nenhuma diligência adequada fizeram para formalizar o termo da suspensão dos seus contratos. Apesar de, como se refere no item 7) dos factos provados, se manterem nessa situação durante vários meses (até ao dia 01-07-1995, a Autora, e até ao dia 01-03-1995, o Autor), período durante o qual se apresentaram todas as manhãs nas instalações da empresa, encontrando-a sempre encerrada.
Sucede que o art. 5.º, al. a), da Lei n.º 17/86 dispunha que a suspensão do trabalho findava “mediante notificação do trabalhador à entidade patronal e à Inspecção-Geral do Trabalho, nos termos e com as formalidades previstas no artigo 3.º, de que põe termo à suspensão da prestação do trabalho a partir de data que deve ser expressamente mencionada no instrumento de notificação”.
As formalidades previstas no art. 3.º da mesma Lei para a notificação a realizar à entidade patronal e à Inspecção-Geral do Trabalho eram o envio de “cartas registadas com aviso de recepção, expedidas com a antecedência mínima de dez dias” em relação às datas em que se pretendia retomar a prestação do trabalho. Formalidades que os Autores não cumpriram nem se preocuparam em cumprir. De tal modo que também não fizeram a notificação à Inspecção-Geral do Trabalho (item 9).
O facto de a empresa se encontrar encerrada não era impeditivo de realizar aquelas notificações: primeiro porque os representantes legais podiam deslocar-se regularmente à empresa e receber o correio; segundo porque, na hipótese de as cartas serem devolvidas, havia a possibilidade de recorrer ao mecanismo previsto na lei processual civil para as situações em que não é possível realizar as notificações das sociedades na sede, ou noutro local onde pudesse funcionar normalmente a administração ou gerência, por se encontrarem encerradas ou aí não se encontrar representante legal ou empregado que as pudesse receber. Nessas situações, dispunha o art. 237.º do Código de Processo Civil (aplicável às notificações pessoais) que a notificação podia realizar-se mediante carta registada com aviso de recepção remetida para a residência ou local de trabalho de algum representante legal.
Perante os factos descritos e perante o incumprimento pelos Autores das disposições legais referidas, terá que concluir-se, como foi concluído na sentença recorrida, que, formalmente, os Autores não puseram termo à suspensão dos contratos de trabalho. E nesta hipótese, se nenhuma outra causa extintiva ocorreu entretanto, os contratos ter-se-iam mantido em vigor até à declaração de falência, e teriam cessado por caducidade com esta declaração, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 3.º, n.º 2, al. a), 4.º, al. b), e 6.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27/02.
E então, havia que reconhecer que os Autores tinham direito a receber a compensação por antiguidade, a que alude o n.º 2 do art. 6.º do mesmo decreto-lei. Tal como concluiu a sentença recorrida.

6.3. Mas, sendo assim, então os Autores não tinham direito aos salários que reclamaram e que lhes foram pagos pela massa falida, relativos aos períodos de 10-04-1994 a 01-07-1995, à Autora, e de 08-07-1994 a 01-03-1995, ao Autor. E todavia esses créditos foram reclamados pela Ré em nome dos Autores e em favor destes, foram reconhecidos e foram-lhes pagos (cfr. item 11). Conformando-se os Autores com essa reclamação feita em seu nome pela Ré e aceitando receber esses créditos por se considerarem com direito a eles.
Tais créditos foram reconhecidos e pagos aos Autores porque foi alegado nas suas reclamações os factos que ora constam provados sob os itens 5) a 8) e 10), ou seja: que em 10-04-1994, a Autora, e em 08-07-1994, o Autor, se apresentaram na empresa para retomar o trabalho e por termo à suspensão dos seus contratos; que depararam com a empresa totalmente encerrada e sem qualquer tipo de actividade; que até ao dia 01-07-1995, a Autora, e até ao dia 01-03-1995, o Autor, todas as manhãs se apresentaram nas instalações da empresa, encontrando-a sempre encerrada; que por esse motivo não puderam notificar a empresa nem retomar o trabalho por culpa da referida empresa.
Com esta alegação, pretendeu a Ré demonstrar, em nome dos Autores, que a suspensão dos contratos de trabalho destes havia terminado nas datas em que se apresentaram para retomarem o trabalho, que os Autores se mantiveram na disponibilidade da entidade empregadora e que os seus contratos mantiveram a sua vigência até às datas em que foram trabalhar para outras empresas. Datas em que teriam cessado os contratos por vontade e iniciativa dos trabalhadores, embora também não formalizada a rescisão. Que corresponde à interpretação que a Ré mantém e pretende ver validada.
Devemos reconhecer que esta interpretação encontra uma dificuldade séria de enquadramento legal, por falta de formalismo, como foi referido na sentença recorrida. Mas tem exacta expressão na conduta dos Autores decorrente dos factos provados, como acima já referenciámos.
Com consta provado sob os itens 5) a 7), nos períodos de 10-04-1994 a 01-07-1995, a Autora, e de 08-07-1994 a 01-03-1995, o Autor, apresentaram-se diariamente, todas as manhãs, nas instalações da empresa, para retomarem o trabalho. O que só pode entender-se numa lógica de que os Autores consideraram cessada a suspensão dos seus contratos no primeiro dia em que se apresentaram para retomarem o trabalho. Como se conforma que quiseram por termo aos contratos no dia em que deixaram de se apresentar na falida e foram trabalhar para outras empresas. Mas perante a hipótese de que os seus contratos estavam suspensos, esta conduta dos Autores é completamente ilógica, descabida, injustificada, absurda.
Não consta que tenha sido a Ré que aconselhou ou influenciou os Autores a agirem desta maneira, nem isso lhe é imputado. Porém, foi em face de tais condutas dos Autores que a Ré interpretou que aqueles haviam reactivado os seus contratos naquele período de tempo e haviam pôr-lhes termo, por iniciativa dos próprios Autores, no dia em que decidiram ir trabalhar para outras empresas. E foi em conformidade com esta interpretação que apenas reclamou os créditos relativos aos salários devidos aos Autores naquele período de tempo, e não reclamou as compensações por antiguidade a que alude o art. 6.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27/02.
Pode esta não ser, e por certo não será, a solução jurídica mais defensável, pelo menos formalmente. Mas, independentemente disso, a única conclusão certa que os factos provados permitem extrair é que os Autores só tinham direito, em alternativa:
a) ou à compensação referida no n.º 2 do art. art. 6.º do Decreto-Lei n.º 64-A/89, correspondente a um mês de remuneração de base por cada ano de antiguidade ou fracção, no caso de se entender que a suspensão dos contratos não ocorreu e que estes se extinguiram por caducidade com a declaração de falência da entidade empregadora;
b) ou aos salários que foram reclamados pela Ré, que lhes foram pagos e que aceitaram receber, o que pressupõe que os Autores reactivaram os contratos nas datas em que se apresentaram para retomarem o trabalho e puseram-lhes termo nas datas em que decidiram ir trabalhar para outras empresas.
Perante os factos provados, não vemos como possa defender-se que os Autores tinham direito a receber, cumulativamente, os dois créditos, como parece estar subjacente à posição que tomam contra a Ré. E então a questão mais relevante a equacionar é se a actuação da Ré neste caso e com estes pressupostos de facto, constitui violação do mandato que lhe foi conferido pelos Autores ou infringe, de modo censurável, algum dos deveres deontológicos a que os advogados estão vinculados no exercício da sua função, e se prejudicou economicamente os Autores.

6.4. A resposta a qualquer das questões só pode ser negativa.
O art. 83.º do Estatuto da Ordem dos Advogados em vigor à data, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 84/84, de 16/03, que era o que definia os deveres deontológicos dos advogados, a observar nas suas relações com os clientes, impunha (e continua a impor, mas agora no art. 95.º da Lei 15/2005, de 26/01) ao advogado o cumprimento de certos deveres, designadamente “dar ao cliente a sua opinião conscienciosa sobre o merecimento do direito ou pretensão que este invoca” (al. c) do n.º 1) e “estudar com cuidado e tratar com zelo a questão de que seja incumbido, utilizando, para o efeito, todos os recursos da sua experiência, saber e actividade” (al. d) do n.º 1).
No caso de mandato conferido a advogado para representar o cliente num processo judicial, seja em acção por si proposta, seja em acção contra si proposta, tem-se considerado, de forma que reputamos unânime, que a actividade a desenvolver pelo advogado configura uma obrigação de meios, e não de resultado, “em face do fim algo aleatório do processo”, competindo ao advogado “agir segundo as exigências das leges artis, os deveres deontológicos da classe e os conhecimentos jurídicos então existentes, actuando de acordo com o dever objectivo de cuidado”, e não em função de um resultado pré-estabelecido (cfr. CARLOS MATEUS, advogado, sobre “A limitação da responsabilidade civil profissional de advogado em prática isolada”, Abril 2007, publicado no site www.verbojuridico.pt”.
É também este o entendimento que se colhe da jurisprudência, de que são exemplo os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 01-06-2006 e 17-10-2006, ambos publicados em www.dgsi.pt/jstj.nsf/ procs. n.º 0631913 e 06A2723, respectivamente: o primeiro refere que “o advogado deve apenas actuar segundo a sua consciência, a praxe forense e a «leges artis»”; o segundo esclarece que “no mandato forense há sempre que conjugar as normas de conduta impostas pelo Estatuto da Ordem dos Advogados, os deveres processuais constantes dos diplomas adjectivos e as praxes e práticas judiciárias sedimentadas, o que lhe confere características muito peculiares e transforma a lei civil em mero quadro base de referência”. Por isso, acrescenta, “o profissional do foro quando aceita o patrocínio duma determinada causa, não poderá garantir um resultado favorável, comprometendo-se apenas, como técnico da ciência jurídica, a colocar todo o seu saber e diligência ao serviço dos interesses do cliente. Compromete-se, portanto, a desempenhar o mandato com zelo e aptidão profissional”.
Neste caso, o mandato que os Autores conferiram à Ré foi para os representar no processo de falência da sua entidade empregadora e “reclamar os seus créditos” no dito processo (cfr. item 1) dos factos provados).
A Ré apresentou tempestivamente as reclamações dos créditos a que entendeu terem direito os Autores, com a necessária justificação, em face dos dados que estes lhe forneceram. Que dados forneceram os Autores à Ré? Por certo, transmitiram-lhe os factos que ora constam aqui descritos como provados. Desconhece-se se lhe transmitiram ou entregaram outros elementos que, devidamente analisados, permitissem outra solução jurídica.
Perante esses factos, a Ré concluiu que os Autores apenas tinham direito aos salários que reclamou e não tinham direito à compensação por antiguidade, no pressuposto de que os seus contratos de trabalho haviam cessado antes da declaração de falência.
Já atrás considerámos que esta conclusão, sendo possível perante alguns dos factos provados, não é a mais defensável de um ponto de vista mais formal da aplicação das regras jurídicas aos factos. Mas esta é conclusão que agora se pode retirar, depois de muito debate sobre a matéria e de se poderem confrontar opiniões de vários técnicos do direito. E mesmo assim é patente que ainda não existe consenso quanto a todos os aspectos jurídicos do caso. O que mostra que o encaminhamento jurídico que a Ré deu ao caso, para além de possível, é sobretudo compreensível e não censurável. E como esclarece o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28-09-2006 (em www.dgsi.pt/jstj.nsf/ proc. n.º 06B3243), “não basta qualquer acto ou omissão do advogado no exercício do mandato que lhe foi cometido pelo cliente para que surja a obrigação de indemnizar os prejuízos que este diz ter sofrido. A actuação do advogado tem de ser considerada ilícita enquanto traduz a violação dos deveres deontológicos, e culposa, no sentido de ser merecedora de censura deontológica, e causadora de dano ao cliente”.
Ora, do que não resta a menor dúvida é que os Autores não tinham direito a acumular o crédito reclamado a título de salários com o crédito a título da compensação de antiguidade, pelos motivos que atrás já expressámos. E portanto, o dever de diligência e zelo que incumbia à Ré, como advogada, não era o de reclamar os dois créditos em acumulação, ou reclamar o de maior valor, apesar de assim poder melhor servir o interesse subjectivo dos clientes. Mas o de reclamar o crédito ou os créditos que, segundo os elementos de facto e as provas fornecidas pelos clientes, bem como o estudo do processo e das normas jurídicas aplicáveis, impunham, objectivamente a qualquer advogado que estivesse na sua posição, que fossem reclamados.
Uma das críticas mais comuns que é feita aos advogados sobre a sua actuação nos processos judiciais é que se deixam subordinar pelas exigências e interesses subjectivos dos clientes, abdicando da sua autonomia, da sua opinião técnica e da sua objectividade, o que os leva a deduzir pretensões exageradas, irrealistas ou juridicamente infundadas e é causa de muita litigiosidade injustificada. É sabido que muitos clientes procuram o advogado, não para que defenda os seus direitos e interesses legítimos, como dispõe o n.º 2 do art. 92.º do actual Estatuto da Ordem dos Advogados, mas para que encontre “um buraco na lei” que lhe permita alcançar ou evitar certo resultado, certa decisão judicial. De modo que, quando o advogado não se deixa subordinar a esse tipo de exigências nem se presta a servir esse tipo de interesses dos clientes, a sua actuação é vista como negligente e lesiva dos interesses do cliente. O que não é exacto, já que o interesse do cliente que o advogado está obrigado a servir é o “interesse legítimo”, aquele que é obtido no cumprimento das normas legais e dos deveres deontológicos.
Pelo que, competindo à Ré actuar “segundo a sua consciência, a praxe forense e a «leges artis»”, o que lhe era exigível era, tão só, que reclamasse os créditos que, segundo os elementos de facto e as provas fornecidos pelos clientes e o estudo das normas legais aplicáveis, levasse a concluir que os Autores tinham direito a receber. Não mais do que isso. E foi assim que a Ré agiu.
6.5. Dizem os apelantes que aos seus colegas que reclamaram o pagamento das indemnizações por antiguidade foram pagos todos os montantes peticionados.
E o que é que a situação concreta dos colegas tem a ver com a situação concreta dos Autores? Em que é que se identificam e/ou se distinguem?
É que para se poder estabelecer a comparação dos créditos a que cada um tinha direito era indispensável comparar as situações laborais concretas que cada um mantinha em relação à entidade empregadora. E tal comparação não é aqui possível, perante os factos provados.
E também haveria que conhecer qual o lugar que caberia aos créditos dos Autores na ordem de graduação de todos os créditos reclamados e se, perante esse seu posicionamento, haveria crédito suficiente no activo da falida para os pagar. E estes factos também se desconhecem. Ou não foram alegados, ou não foram provados.
Nem sequer é possível concluir se a actuação da Ré, ao reclamar o crédito relativo aos salários em vez do crédito pela compensação por antiguidade, terá prejudicado os Autores ou, antes, os terá beneficiado. Já que os factos não permitem conhecer qual foi o montante do crédito recebido por cada um a título de salários reclamados e qual o montante que teriam direito a receber a título de compensação por antiguidade.
Ao contrário do que alegam os apelantes, estes factos, inerentes aos prejuízos que dizem ter sofrido, eram ónus de alegação e prova dos próprios, e não da Ré. Como decorre do disposto no art. 342.º, n.º 1, do Código Civil.
Donde se conclui não ter ficado provado que a Ré tenha incumprido ou cumprido defeituosamente o mandato, ao menos em termos censuráveis, como não ficou provado que tenha causado prejuízos patrimoniais aos Autores.
IV

Pelo exposto, julga-se totalmente improcedente a apelação e confirma-se a sentença recorrida, ainda que com a correcção de que não se provou que a Ré tenha incumprido o mandato, ao menos em termos censuráveis.
Custas pelos apelantes (art. 446.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
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Relação do Porto, 26-02-2008
António Guerra Banha
Anabela Dias da Silva
Maria do Carmo Domingues

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[1] - Quer da redacção da al. C), a fls. 104, quer da redacção do ponto 3.º da sentença a fls. 191, consta o ano de «1996». É, porém, patente que se trata de manifesto lapso de escrita, já que este facto foi alegado pelos Autores no art. 16.º da petição inicial, que indica o ano de «1966» e foi considerado provado por acordo das partes. De modo que ficou corrigido este lapso.