Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0656949
Nº Convencional: JTRP00040340
Relator: ANABELA LUNA DE CARVALHO
Descritores: EXECUÇÃO DE SENTENÇA
PROCESSO
CRIME
COMPETÊNCIA
Nº do Documento: RP200705210656949
Data do Acordão: 05/21/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFLITO DE COMPETÊNCIA.
Decisão: ATRIBUIÇÃO DE COMPETÊNCIA.
Indicações Eventuais: LIVRO 300 - FLS 87.
Área Temática: .
Sumário: É da competência do Tribunal Criminal a execução de sentença homologatória de transacção sobre o pedido cível enxertado em processo crime.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I
Pelo Ministério Público junto deste Tribunal da Relação do Porto foi suscitada a resolução do CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA suscitado entre os Mmºs. Juízes de Direito do .º juízo criminal, .ª secção, e do .º juízo, .ª secção, dos juízos de execução, ambos do Porto
Tal conflito consiste no seguinte:
O Mmº Juiz do .º juízo criminal do Porto (.ª secção), por despacho de 09.02.2005, declarou-se incompetente para a execução para pagamento de quantia certa, tendo por título executivo a transacção, homologada por sentença, relativa ao pedido cível efectuada no âmbito do processo crime nº …/00.8PWPRT, daquele mesmo juízo e secção, por considerar que encontrando-se instalados, nesta comarca do Porto, os Juízos de Execução, com competência executiva específica, era aquele tribunal, nos termos do disposto no artº 90º, nº 3 (alª b) do CPC, o competente para a tramitação da referida execução.

Por sua vez, o Mmº Juiz do .º juízo, .ª secção, dos juízos de Execução do Porto, por despacho de 20.04.2006, declarou-se, igualmente, materialmente incompetente para a tramitação da referida execução, por a mesma se basear numa decisão de natureza criminal, fora do âmbito das execuções previstas nos artºs 90º a 94º do CPC.
Notificados para serem ouvidos os Srs. Magistrados não usaram do direito de resposta.
O Exmº Sr. Procurador Geral Adjunto desta Relação pronunciou-se no sentido da competência para conhecer da execução comum nº …./05.2YYPRT caber ao .º Juízo Criminal, .ª secção do Porto.
II
Com interesse para a decisão estão assentes os seguintes factos:
1. Na execução comum nº …./05.2YYPRT é exequente B………. e são executadas C………. e D………. .
2. O exequente em 31 de Janeiro de 2005 instaurou no .º Juízo Criminal, .ª secção, do Porto, Execução Comum por apenso ao processo crime nº …/00.8 PWPRT contra as executadas, dado que estas não pagaram duas das prestações acordadas na transacção homologada naquele juízo e processo, transacção essa relativa ao pedido cível por ele deduzido.
3. Por despacho de 2005.02.09, o Juiz do .º Juízo Criminal, .ª secção, do Porto, declarou-se incompetente para conhecer a citada execução, atribuindo competência ao juiz dos juízos de Execução, também do Porto.
4. Por sua vez o Juiz do .º Juízo de Execução, .ª secção, a quem a Execução foi distribuída, declarou-se igualmente incompetente para os seus termos, por despacho de 2006.04.20, tendo declarado como competente o .º Juízo Criminal, .ª secção.

A questão objecto do presente conflito é tão só a de saber qual dos Juízos em conflito é o competente para conhecer a execução em causa.
O acórdão desta Relação de 2006.01.26, proferido no Processo nº 0536697, in http://www.dgsi.pt/jtrp tratou de questão semelhante, atribuindo competência aos Juízos Criminais, estando tal decisão assim sumariada:
“Os Juízos de Execução não são competentes para conhecer da execução instaurada por multa aplicada a arguido por falta de comparência em audiência de julgamento de processo criminal, mas sim os juízos criminais”.
Revemo-nos inteiramente na fundamentação e na decisão de tal acórdão, o qual, pela sua importância na definição deste e de outros casos de conflito de competências, foi já realçado e transcrito pelo Ministério Público, na sua quase totalidade.
Com o reconhecido mérito por quem o elaborou, passamos também nós a integrar a sua fundamentação neste acórdão para que jurisprudência se firme no mesmo sentido.
Assim:
“O DL 38/03 de 08.03, introduziu algumas alterações à LOFTJ (Lei 3/99 de 13.01) – Diploma a que pertencem todas as normas adiante citadas sem menção de origem – nomeadamente, aos artºs 64º, nº 2, 2ª parte, 77º, nº 1, al. c), 96º, nº 1, al. g), 97º, nº 1, al. b), 102º-A e 103º.
A Lei 42/05 de 29.08 alterou novamente a redacção dos artºs 77º, nº 1, al. c), 97º, nº 1, al. b), 102º-A e 103º da LOFTJ.
O artº 9º, nº 1 da Lei 42/05 ordenou a aplicação daquelas alterações às acções executivas propostas a partir de 15.09.03 que se encontrem pendentes, estipulando no seu nº2 que, para aquele efeito, se considera pendente a acção executiva logo que (seja) apresentado a juízo o requerimento executivo.
Dispõe ainda o nº 3 do mesmo artº 9º que às acções executivas pendentes se aplica o disposto no artº 64º do CPC, aproveitando-se todos os actos praticados. Isto é, nos termos daquele artº 64º do CPC, os processos pendentes devem ser remetidos oficiosamente para o tribunal que a nova lei considere competente.
A LOFTJ prevê a existência de tribunais de competência especializada e de tribunais de competência específica (artº 64º, nº1).
Os tribunais de competência especializada conhecem de matérias determinadas, independentemente da forma de processo aplicável (1ª parte do nº 2 do artº 64º).
Na redacção anterior à entrada em vigor do DL 38/03, a 2ª parte do nº 2 do artº 64º estabelecia que os tribunais de competência específica conheciam de matérias determinadas em função da forma de processo aplicável.
Na redacção actual, os tribunais de competência específica conhecem de matérias determinadas pela espécie de acção ou pela forma de processo aplicável.
Como tribunais especializados, existem, além de outros, os tribunais de família e os tribunais do trabalho (artº 78º).
Os juízos de competência especializada são os juízos cíveis e os juízos criminais (artº 93º), cuja competência se encontra definida nos artºs 94º e 95º, respectivamente.
Os tribunais de família tinham e continuam a ter competência para as execuções por alimentos entre cônjuges e entre ex-cônjuges e para as execuções por alimentos a filhos menores e a filhos maiores ou emancipados (artºs 81º, al. f) e 82º, nº 1, al. e).
Os tribunais de trabalho tinham e continuam a ter competência para conhecer, em matéria cível, das execuções fundadas nas suas decisões ou noutros títulos executivos, ressalvada a competência atribuída a outros tribunais. (artº 85º, al. n).
As varas e juízos de competência específica são os que se acham discriminados nas diversas alíneas do artº 96º: a) varas cíveis; b) varas criminais; c) juízos cíveis; d) juízos criminais, e) juízos de pequena instância cível, f) juízos de pequena instância; g) juízos de execução (introduzidos pelo DL 38/03).
Antes da entrada em vigor do DL 38/03, as varas cíveis tinham competência para a execução e julgamento das acções executivas fundadas em título que não seja decisão judicial, de valor superior à alçada dos Tribunais da Relação (artº 97º, nº 1, al. b).
Na redacção introduzida por aquele DL, competia às varas cíveis exercer, nas acções executivas fundadas em título que não fosse decisão judicial, de valor superior à alçada dos tribunais da Relação, as competências previstas no CPC, em circunscrições não abrangidas pela competência dos juízos de execução.
Actualmente, compete às varas cíveis exercer, nas acção executivas fundadas em título que não seja judicial, de valor superior à alçada dos tribunais da relação, as competências previstas no CPC, em circunscrições não abrangidas pela competência de outro tribunal.
Quanto aos tribunais de competência genérica, competia-lhes exercer, no âmbito do processo de execução, as competências previstas no CPC, onde não houvesse juízos de execução (artº 77º, nº 1, al. c), na redacção introduzida pelo DL 38/03).
Segundo a redacção introduzida pela Lei 42/05 ao artº 77º, nº 1, al. c), compete-lhes exercer, no âmbito do processo de execução, as competências previstas no CPC, em circunscrições não abrangidas pela competência de outro tribunal.
O artº 103º dispunha que os tribunais de competência especializada e de competência específica eram competentes para executar as respectivas decisões.
O DL 38/03 deu aquele normativo a seguinte redacção: “Nas circunscrições não abrangidas pela competência dos juízos de execução, os tribunais de competência especializada e de competência específica são competentes para exercer, no âmbito do processo de execução, as competências previstas no Código de Processo Civil quanto às decisões que hajam proferido.”
A Lei 42/05 alterou a redacção do artº 103º para: “Sem prejuízo da competência dos juízos de execução, os tribunais de competência especializada e de competência específica são competentes para executar as suas próprias decisões”.
O DL 38/03 aditou à LOFTJ o artº 102º-A com a seguinte redacção: “Compete aos juízos de execução exercer, no âmbito do processo de execução, as competências previstas no Código de Processo Civil”.
Com a Lei 42/05, a redacção daquele normativo, passou a ser a seguinte:
“1-Compete aos juízos de execução exercer, no âmbito dos processos de execução de natureza cível, as competências previstas no Código de Processo Civil.
2 – Estão excluídos do número anterior os processos atribuídos aos tribunais de família e menores, aos tribunais do trabalho, aos tribunais de comércio e aos tribunais marítimos e as execuções de sentenças proferidas por tribunal criminal que, nos termos da lei processual penal, não devam correr perante o tribunal civil.
3 – Compete também aos juízos de execução exercer, no âmbito dos processos de execução por dívidas de custas cíveis e multas aplicadas em processo cível, as competências previstas no Código de Processo Civil não atribuídas aos tribunais de competência especializada referidos no número anterior”.
É no quadro legal definido pelos normativos acima citados que há que apreciar a questão da competência material dos juízos de execução.
Consideremos, em primeiro lugar, o regime que vigorava antes das alterações introduzidas pela Lei 42/05:
Os juízos de execução são juízos de competência específica (citado artº 96º, al. g).
A primeira observação que nos cumpre fazer é acerca da nova redacção da 2ª parte do nº 2 do artº 64º.
Dispunha este normativo que os tribunais de competência específica conheciam de matérias determinadas em função da forma de processo aplicável, ou seja, a sua competência material era definida pela causa (cível ou criminal), já que os tribunais de competência específica que existiam era as varas, os juízos e os juízos de pequena instância cível e as varas, os juízos e os juízos de pequena instância criminal.
A introdução dos juízos de execução como juízos de competência específica tornou necessário alterar a norma da 2ª parte do nº 2 do artº 64º: tribunais de competência específica passaram então a ser os que conhecem de matérias determinadas pela espécie de acção ou pela forma de processo aplicável.
Ou seja, a competência dos juízos de competência específica passou a ser definida também em função da matéria, precisamente para abranger os juízos de execução que apenas conhecem de uma espécie de acções: as acções executivas (cfr. artº 4º, nº 1 do CPC).
A lei não criou juízos de execução com competência específica cível e criminal, isto é, juízos de execução que seriam competentes materialmente em dois níveis: ao nível da espécie (matéria de execução) e ao nível da causa (matéria cível/matéria penal).
Originalmente, a competência dos juízos de execução definiu-se assim apenas e só em função da espécie de acção, o que quer dizer que poderiam conhecer de quaisquer execuções, e não só daquelas que têm natureza cível.
No regime anterior à Lei 42/05, a intervenção dos juízos de execução era indiferente à natureza criminal ou cível das questões a debater.
O que não significa que os juízos de execução pudessem conhecer de todas as execuções.
Desde logo, não podiam conhecer das execuções por alimentos de cônjuges ou ex-cônjuges, de filhos menores e maiores ou emancipados nem de execuções fundadas em decisões dos tribunais de trabalho ou noutros títulos executivos que consignem o pagamento de quantias no âmbito das competências próprias dos tribunais do trabalho.
Isto porque o DL 38/03 não alterou a redacção dos artºs 81º, al. f), 82º, º 1, al. f) e 85º, al. n), mantendo, portanto, a competência material dos tribunais de família e dos tribunais de trabalho, respectivamente, para aquelas execuções.
Atente-se, no entanto, que o DL 38/03 já procedeu à alteração das normas dos artºs 77º, al. c), 97º, nº 1, al. b).
Os tribunais de competência genérica, que tinham competência em matéria de execução (como resultava do disposto no artº 77º, nº 1, al. a), passaram a exercer, no âmbito do processo de execução, as competências previstas no CPC, onde não houver juízos de execução.
E as varas cíveis, que tinham competência para a execução e julgamento das acções executivas fundadas em título que não seja decisão judicial, de valor superior à alçada dos Tribunais da Relação, passaram a exercer, nas mesmas acções executivas, as competências previstas no CPC, em circunscrições não abrangidas pela competência dos juízos de execução.
Podemos dizer que as alterações dos artºs 77º, nº 1, al. c) e 97º, nº 1, al. b) não são significativas, já que respeitam a tribunais com competência em matéria cível.
Parece-nos, no entanto, que já é significativa a redacção do artº 103º introduzida pelo DL 380/03.
No regime anterior constante daquele normativo, os tribunais de competência especializada e de competência específica eram competentes para executar as suas próprias decisões (sem prejuízo da competência em matéria de execução que outras disposições legais lhes atribuíssem, como acima já se explicou).
Estava assim consagrado o princípio de que o decisor deve ser o executor.
O DL 38/03 substituiu aquela regra pela regra da competência dos juízos de competência especializada e de competência específica para exercerem, no âmbito do processo de execução, as competências previstas no CPC quanto às decisões que hajam proferido, nas circunscrições não abrangidas pela competência dos juízos de execução. É esta a nova redacção do artº 103º.
E consignou expressão idêntica no artº 102º-A: “Compete aos juízos de execução exercer, no âmbito do processo de execução, as competências previstas no Código de Processo Civil”.
A decisão recorrida dá à expressão “as competências previstas no CPC” o sentido de “as execuções previstas no CPC” para concluir que os juízos cíveis apenas são competentes para conhecer das execuções previstas nos artºs 90º a 94º do CPC, das execuções fundadas em liquidações de custas e multas aplicadas nos processos cíveis e demais títulos do artº 46º do CPC, e nas indemnizações do artº 456º, 519º, nº 2, 537º, 543, nº 2, e 629º, nº 3, todos do mesmo Diploma.
No CPC estão previstas várias competências: competência internacional, competência interna em razão da matéria e em razão da hierarquia e competência territorial.
No que respeita à competência em razão da matéria, o artº 66º define a competência regra dos tribunais judiciais: são da sua competência as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional.
Uma vez assente que uma determinada execução é da competência dos tribunais judiciais, (porque não é da competência de um tribunal de outra jurisdição, por exemplo, um tribunal administrativo), terá de se definir qual o tribunal judicial que é competente para a mesma.
E neste aspecto, o artº 67º do CPC remete para as leis da organização judiciária.
Portanto, quando a lei fala em “competências previstas no CPC” não está a considerar a competência em razão da matéria, já que esta, em rigor, não está prevista no CPC, mas sim nas leis de organização judiciária.
Aquela expressão não equivale a “execuções previstas no CPC”, porque há execuções que estão previstas naquele Código que não correm nos tribunais de execução, como é o caso das execuções por alimentos previstas nos artºs 1118º e seguintes, que correm nos tribunais de família, como adiante veremos.
É, pois, pelas normas da LOFTJ que terá de se aferir se, onde houver juízos de execução, os tribunais que são competentes para apreciar matéria criminal continuam a ser competentes para executar as suas próprias decisões.
Tribunais de competência especializada criminal são apenas os tribunais de instrução criminal (artº 79º).
Existem juízos de competência especializada criminal cuja competência está definida no artº 95º.
E existem as varas criminais, os juízos criminais e os juízos de pequena instância criminal, que são tribunais de competência específica (artºs 98º, 100 e 102º).
No caso em apreço, está em causa a execução de uma multa processual aplicada por um juízo criminal, portanto, por um tribunal de competência específica (artº 100º).
Anteriormente à entrada em vigor da Lei 42/05, nenhum preceito atribuía competência aos tribunais de competência especializada ou específica criminal em matéria de execuções, a não ser o artº 103º: aqueles tribunais criminais de competência especializada ou específica eram competentes para exercer, no âmbito do processo de execução, as competências previstas no CPC, quanto às decisões que hajam proferido, nas circunscrições não abrangidas pela competência dos juízos de execução.
Estamos a falar da execução patrimonial das decisões proferidas, ou seja, da execução por via da acção executiva.
Não está em causa a prática de actos de execução atinentes à pena aplicada ao arguido. Para estes é competente o juízo criminal, como se infere do disposto no artº 100º, que fala em “...julgamento e termos subsequentes”. Aqueles termos subsequentes dizem respeito à execução das penas não privativas de liberdade, já que as outras são da competência dos tribunais de execução de penas (artº 91º).
Para a execução patrimonial das penas de multa, custas e outras decisões como as condenações em indemnização cível (exceptuando-se a indemnização a liquidar em execução de sentença que corria perante os tribunais cíveis – artº 82º do CPP), a competência dos tribunais criminais resultava da regra do artº 103º, na redacção anterior à entrada em vigor do DL 38/03.[Ver os Acs. desta Relação de 03.03.04, 04.10.04 e 10.11.04, www.dgsi.pt, nºs conv. 36359, 36856 e 37322, respectivamente]
Este Diploma afastou aquela regra como regra geral, mantendo-a apenas para as circunscrições em que não existem juízos de execução.
Se o legislador tivesse querido manter como regra geral a competência dos tribunais de competência especializada e específica para executarem as suas próprias decisões, não teria alterado a redacção do artº 103º. Teria deixado este preceito intocado, tal como fez com os já citados artºs 82º, al. f), 83º, nº 1, al. e) e 85º, al. n) que atribuem competência em matéria de execução aos tribunais de família e aos tribunais do trabalho.
Tem de se entender que, com a redacção do artº 103º introduzida pelo DL 38/03, o legislador quis instituir como regime regra o da competência dos juízos de execução para tramitarem todas as execuções (com excepção das acima referidas), ressalvando os casos que não estão abrangidos pela competência territorial dos juízos de execução, nos quais se continuou a aplicar a regra do decisor-executor.
E crê-se que a tal entendimento não se opõe a norma do artº 470º, nº 1 do CPP que determina que a execução por custas, indemnização e mais quantias devidas ao Estado prevista no artº 469º corre nos próprios autos perante o presidente do tribunal de 1ª instância em que o processo tiver corrido. Esta norma define apenas a competência territorial, sendo paralela à do artº 92º do CPC.
Quanto aos artºs 116º a 123º do CCJ definem apenas os termos da execução por custas, multas e indemnização.
O DL 148/04 de 21.06, no seu artº 3º, nº 1, criou os juízos de execução de Lisboa, Porto, Guimarães, Loures, Maia, Oeiras e Sintra.
Por seu turno, a Portaria 1322/04 de 16.10, no seu artº 1º, declarou instalados, a partir de 18.10.04, o 1º e o 2º Juízos de Execução de Lisboa e o 1º Juízo de Execução do Porto.
No seu Preâmbulo, o DL 148/04 faz referência às pendências das comarcas de Lisboa e Porto, quer à pendência global, que entende já ter excedido há muito o admissível, quer ao peso relativo das acções executivas, sempre superior a 50%. E acrescenta “Sendo de esperar que o novo regime da acção executiva produza com o tempo uma redução acentuada das pendências médias nos processos cíveis, os números apontados permitem concluir que esse efeito será particularmente marcado nas comarcas de Lisboa e Porto. Os estudos desenvolvidos ao longo de seis meses (…) apontam no sentido de uma efectiva desjudicialização do processo executivo (…) de onde se conclui que, com um reduzido número de juízos de execução (…) se poderá obter uma eficaz tramitação destes processos, libertando as secções cíveis dos respectivos tribunais para a exclusiva tramitação das acções declarativas.(…) O resultado expectável é o de que, no prazo de dois ou três anos, a pendência média total das secções cíveis de Lisboa e do Porto seja drasticamente reduzida, (…)”.
O mesmo Diploma, no artº 3º, nº 2, determinou que as acções executivas instauradas ao abrigo do regime introduzido pelo DL 38/03 de 08.03, que se encontrem pendentes nas varas cíveis, nos juízos cíveis e nos juízos de pequena instância cível das comarcas de Lisboa e Porto sejam redistribuídas pelos juízos de execução dessas comarcas, aquando da instalação destes últimos.
Na decisão recorrida, extraiu-se das citadas referências do Preâmbulo e da disposição do artº 3º, nº 2 daquele Diploma o argumento de que os juízos de execução apenas têm competência em matéria cível.
Articulando precisamente aquelas passagens do Preâmbulo com o disposto no artº 3º, nº 2 do DL 144/04, conclui-se que a remessa das execuções pendentes nas varas cíveis, nos juízos cíveis e nos juízos cíveis de Lisboa e Porto aos juízos de execução criados nas respectivas comarcas é apenas uma medida de descongestionamento, justificada pelas pendências excessivas das acções executivas naqueles Tribunais.
Atente-se que não foi tomada medida idêntica para as comarcas de Guimarães, Loures, Maia, Oeiras e Sintra, nas quais também foram criados juízos de execução pelo mesmo Diploma (artº 3º, nº 1).
Portanto, a redistribuição das execuções pendentes em tribunais cíveis não significa que se tenha querido atribuir competência somente em matéria cível aos juízos de execução. Significa que se achou necessário redistribuir apenas as execuções dos tribunais com pendência excessiva (como pormenorizadamente se justifica no Preâmbulo) – e estes não são certamente os tribunais criminais.
O DL 144/04 não contém, pois, normas definidoras da competência material dos tribunais judiciais, maxime, dos juízos de execução, nem sequer normas interpretativas.
Pelas razões expostas, entendemos que, antes das alterações introduzidas pela Lei 42/05, o regime legal de competência material dos tribunais judiciais em matéria de execução se articulava da seguinte forma:
A) Dentro da circunscrição dos juízos de execução:
- Os tribunais de família para as execuções de alimentos a cônjuge, ex-cônjuge, filhos menores e maiores ou emancipados (artºs 82º, al. e) e 83º, nº 1, al. f);
- Os tribunais do trabalho para as execuções fundadas nas suas decisões ou noutros títulos executivos que consignem o pagamento de quantias no âmbito das competências próprias dos tribunais do trabalho (artº 85º, al. n)
- Os juízos de execução para as restantes (artº 102º-A).
B) Fora da circunscrição dos juízos de execução:
- Os tribunais de família e do trabalho para as execuções acima referidas;
- Os tribunais de competência especializada e específica para as execuções das suas decisões (artº 103º);
- Os tribunais de competência genérica para execuções fundadas noutros títulos (ou as varas cíveis, juízos cíveis e juízos de pequena instância cível dentro da respectiva circunscrição) – artºs 77º, nº 1, al. c), 97º, nº 1, al. b), 99º e 101º. [Neste sentido se decidiu no Ac. da RL de 16.06.05, base citada, processo 6607/05-8]
No caso presente, pretende-se executar uma multa aplicada a arguido por falta injustificada de comparecimento em audiência de julgamento, ao abrigo do disposto no artº 116º, nº 1 do CPP, em processo comum que correu termos no 1º Juízo Criminal do Porto.
Face ao acima exposto, à data da entrada da execução, o tribunal competente para a sua tramitação era o 1º Juízo de Execução do Porto.
A Lei 42/05 introduziu alterações significativas na competência material dos juízos de execução, restringindo-a aos processos de execução de natureza cível (artº 102º-A, nº 1).
Os juízos de execução passaram a ter a sua competência material delimitada quer pela espécie de acção (executiva), quer pela natureza da causa (cível).
O que significa que, desde logo, a execução patrimonial da multa penal deixou de ser da sua competência, ao contrário do que sucedia no regime anterior.
A Lei 42/05 não só restringiu a competência dos juízos de execução à tramitação das execuções de natureza cível, como a restringiu à tramitação de apenas algumas execuções de natureza cível.
O nº 2 do artº 102º-A, introduzido por aquela Lei, exclui da competência dos juízos de execução: a) os processos atribuídos aos tribunais de família e menores, aos tribunais do trabalho, aos tribunais de comércio e aos tribunais marítimos; b) as execuções de sentenças proferidas por tribunal criminal que, nos termos da lei processual penal, não devam correr perante tribunal civil.
Por seu turno, o nº 3 do artº 102º-A, introduzido também pela Lei 42/05, atribui também competência aos juízos de execução para a tramitação dos processos de execução por dívidas de custas cíveis e multas aplicadas em processos civil, excluindo as que são da competência dos tribunais de competência especializada referidos no nº 2 (tribunais de família e menores, trabalho, comércio e marítimos).
Da articulação do disposto nos nºs 1, 2 e 3 do citado artº 102º-A resulta que as únicas decisões dos tribunais criminais cuja execução é agora da competência dos juízos de execução são as que condenam em indemnização a liquidar em execução da sentença, que nos termos do artº 82º, nº 1 do CPP devem correr perante o tribunal civil. [Embora esta norma tenha de ser articulada com a norma do artº 380º, nº 3 do CPC na redacção introduzida pelo DL 38/03, nos termos do qual a liquidação de sentença passou a ser feita através do incidente regulado nos artºs 378º e seguintes do mesmo Diploma]
As execuções de custas cíveis e multas aplicadas pelos tribunais criminais não correm perante os juízos de execução, já que, pese embora a sua natureza cível, são aplicadas em processo penal. Estão assim expressamente excluídas da competência dos juízos de execução pela norma do nº 3 do artº 102º-A.
Com as alterações introduzidas pela Lei 42/05, os tribunais de competência especializada e específica mantiveram a competência para executar as próprias decisões cuja execução não tenha sido atribuída aos juízos de execução (artº 103º na redacção actual).
No regime actual, a competência dos juízos de execução mostra-se pois definida nos seguintes termos:
- execuções de natureza cível, com excepção das atribuídas aos tribunais de família e menores, trabalho, comércio e marítimos (artº 102º-A, nºs 1 e 2, 1ª parte);
- execuções de sentenças dos tribunais criminais que condenem em indemnização a liquidar em execução de sentença (artº 102º-A, nºs 1 e 2, 2ª parte);
- execuções de custas cíveis e multas aplicadas em processo cível, com excepção das atribuídas aos tribunais de família e menores, trabalho, comércio e marítimos (artº 102º-A, nº 3).
Resulta do exposto que, no regime introduzido pelo DL 38/03, os juízos de execução eram competentes para conhecer da execução instaurada por multa cível aplicada em processo penal pelos tribunais criminais; no regime introduzido pela Lei 42/05, aquela competência passou para os tribunais criminais.
A norma do artº 1º da Lei 42/05 não é uma norma interpretativa dos artºs 77º, nº 1, al. c), 97º, nº 1, al. c), 102º-A e 103º da LOFTJ, mas sim uma norma inovadora, que veio regular a competência dos juízos de execução de forma significativamente diferente da instituída pelo DL 38/03.
Assim, à data da instauração da presente execução, o tribunal competente para a sua tramitação era o 1º Juízo de Execução do Porto. Actualmente, é o 1º Juízo do Tribunal Criminal do Porto.
E as novas normas reguladoras da competência aplicam-se aos processos pendentes (artº 9º, nº 1 da Lei 42/05), pelo que os presentes autos devem ser remetidos ao 1º Juízo do Tribunal Criminal do Porto para aí correrem os termos subsequentes (artº 64º do CPC, ex vi nº 3 do artº 9º da Lei 42/05) “.
III
Assim nos termos expostos decide-se atribuir competência em razão da matéria, para conhecer da Execução Comum nº …./05.2YYPRT, tendo por título executivo transacção, homologada por sentença, relativa a pedido cível efectuada no âmbito de processo crime, ao .º Juízo Criminal, .ª secção do Porto.
Sem custas.

Porto, 21 de Maio de 2007
Anabela Figueiredo Luna de Carvalho
António Augusto Pinto dos Santos Carvalho
Baltazar Marques Peixoto