Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0510721
Nº Convencional: JTRP00038392
Relator: ALVES FERNANDES
Descritores: FRAUDE SOBRE MERCADORIA
CONTRAFACÇÃO DE MARCA
Nº do Documento: RP200510120510721
Data do Acordão: 10/12/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC. PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Área Temática: .
Sumário: Os crimes de contrafacção de marca e de fraude sobre mercadorias protegem bens jurídicos diferentes, não estando por isso entre si numa relação de consunção.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: I - Relatório

No âmbito do Processo Comum com intervenção do Tribunal singular nº .../02 que correu seus termos pelo ...º Juizo criminal de Matosinhos foram as arguidas
B........... condenada pela prática de um crime - 1 (um) crime de fraude de mercadorias, p. e p., pelo artigo 23º, do Decreto-Lei nº 28/84, de 20 de Janeiro, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei nº 20/99, de 28 de Janeiro, na pena de 5 meses de prisão e 50 dias de multa substituída a pena de prisão por igual número de dias de multa num total de 200 dias de multa à razão diária de 5€;
- "C.........., L.da", condenada pela prática de um crime - 1 (um) Crime de fraude de mercadorias, p. e p., pelo artigo 23º, do Decreto-Lei nº 28/84, de 20 de Janeiro, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei nº 20/99, de 28 de Janeiro, na pena de 5 meses de prisão e 50 dias de multa, substituída a pena de prisão por igual número de dias de multa num total de 200 dias de multa, à razão diária de 5€;
- absolvidas as arguidas dos - 4 (quatro) crimes de contrafacção, imitação e uso ilegal de marca, p. e p., pelo artigo 264º, nº 1 e nº 2, do Código da Propriedade Industrial, aprovado pelo Decreto-Lei nº 16/95, de 24 de Janeiro, e actualmente. previsto e punido pelo artigo 324º, da Lei 36/2003, de 5 de Março;
Foram ainda condenadas nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 2 Ucs, para cada uma delas; no minimo a procuradoria; no equivalente a 1% da taxa de justiça nos tennos e para os efeitos do artº 13º, nº 3 do D.L. 423/91, de 30 de Outubro.
Nos termos do artº 109, do C. Penal, e 23º, nº 3, do art. 23º, do Decreto-Lei nº 28/84, de 20 de Janeiro, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei nº 20/99, de 28 de Janeiro (também art. 330º, nºs 1 e 2, do CPI), foram declaradas perdidas a favor do Estado as mercadorias apreendidas, tendo-se ordenando a sua oportuna destruição.
O M.P. inconformada com tal decisão dela veio interpor recurso formulando as seguintes conclusões:
1º- Existe uma relação de concurso efectivo de crimes, quando a conduta do agente preenche o crime de fraude sobre mercadorias, p e p pelo art. 23º do Dl 28/84 e o crime de contrafacção de marcas, p e p pelo art. 264º, do Cód. da Propriedade Industrial, actual art. 324 do Cód Propriedade Industrial, aprovado pela L nº 36/2003, de 5 de Março.
2º- Com efeito, de acordo com o disposto no art. 30º do Cód. Penal, o legislador perfilha a tese do critério teleológico para distinguir a unidade e plurabilidade de infracções.
3º- Dai que, protegendo-se o titular da propriedade industrial, no crime de contrafacção de marca (sendo um crime contra o patrimonio) e protegendo-se a confiança dos consumidores na genuidade e qualidade dos produtos, susceptíveis de ser defraudados pela aparência imitativa da mercadoria idónea a enganar o consumidor, que é protegido embora de forma mediata, no crime de fraude sobre mercadoria (sendo um crime contra a economia), estes preceitos possuem um campo de aplicação, distinto.
4º- Não se podendo dizer que entre estes crimes funcione o principio da especialidade (pois que não existe uma relação de especialidade entre as
normas ), da consumpção, (nem se pode estabelecer uma relação de maior/menor gravidade entre estas normas), da subsidiariedade (aplicação de uma das normas não depende da não aplicação da outra norma) ou que um destes crimes funcione como facto posterior não punível (nenhum dos comportamentos dos tipos em questão assente um facto ilicito subsequente).
5º- Deste modo, a douta sentença recorrida ao absolver as arguidas da prática dos quatro crimes de contrafacção de marca pelos quais vinham acusadas, condenando-as apenas pelo crime de fraude sobre mercadoria pelo qual vinham também acusadas, por ter entendido que este crime contra a economia consumia o crime de contrafacção de marca, violou o disposto nos arts. 30º do Código Penal e ainda o art. 23º do Dl nº 28/84, de 20 de Janeiro e o art. 324º do Cód. da Propriedade Industrial.
Termos em que dando-se provimento ao presente recurso e, por esta via, ser revogada a sentença, na parte em que absolveu as arguidas dos quatro crimes de contrafacção de marca, condenando-as pelo cometimento de quatro crimes de contrafacção de marca p. e p. pelo artº 264 nº 1 e .2 do CPI, farão Vas Exas Justiça.

Nesta Relação o Exmo Procurador Geral Adjunto emitiu parecer no qual defende que:
- o recurso do M.º P.º não merece provimento por falta de factos suficientes para a condenação pelo crime de contrafacção;
- a sentença será de considerar nula por contradição entre a taxa diária de multa fixada na decisão e a anteriormente estabelecida, na condenação da sociedade.
Foi dado cumprimento ao disposto no nº2 do artigo 417º do C.P.P.
Foram colhidos os vistos legais.
Procedeu-se á realização da audiência de discussão e julgamento com observância do formalismo legal aplicável como da acta respectiva consta.

II-Fundamentação

A - Factos Provados

A arguida "C........., Lda " é uma sociedade por quotas, com sede na freguesia de ......, no concelho de Guimarães, cujo objecto social consiste no comércio por grosso de têxteis, importação e exportação.
A arguida B........ é sócia gerente da arguida "C........., Lda", sendo que a representa e a vincula perante a aposição da sua assinatura.
Em data não concretamente apurada, mas entre o final do ano de 2001 e Fevereiro de 2002, a arguida B........., no âmbito das suas funções como sócia-gerente da "C........., Lda", contratou com a "D........ S.A - Indústria e Comércio - S.A", com sede no Brasil, a manufacturação de toalhas de felpo, onde constavam o símbolo das seguintes marcas,
"BMW", “AUDI”, "VOLKSWAGEM" e "FERRARI".
No dia 19 de Fevereiro de 2002, a Direcção Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, efectuou uma acção de fiscalização a contentores com mercadorias proveniente do Brasil, no Porto de Leixões, nesta comarca.
Na sequência dessa fiscalização foi verificado que dentro de um contentor proveniente do Brasil, se encontravam toalhas de felpo importadas pela "C........, L.da", ostentando símbolos das marcas "BMW", "AUDI", "VOLKSWAGEM" e "FERRARI".
Na referida acção de fiscalização foi abordada a arguida "C........, L.da" para demonstrar documento legal de autorização de importação da mercadoria, a qual demonstrou "autorizações para a importação" dadas por concessionários das marcas com datas posteriores à da referida importação.
As marcas e os representantes em Portugal das referidas marcas não deram autorização para a importação das toalhas.
A marca "BMW", é "representada" em Portugal pela sociedade "Baviera- Comércio de Automóveis" do Grupo Salvador Caetano.
As marcas "VOLKSWAGEM" e “AUDI” são "representadas" em Portugal pela sociedade "SIVA, Sociedade de Importação de Veículos Automóveis, SA";
A marca "FERRARI" é "representada" em Portugal pela sociedade "Viauto-Automóveis e Acessórios, Lda".
Foram apreendidas, 630 toalhas de felpo "BMW"; 612 toalhas de, felpo "VOLKSWAGEM"; 774 toalhas de felpo "FERRARI"; 306 toalhas de felpo “AUDI”.
Posteriormente, as referidas toalhas foram sujeitas exame pericial por amostra, tendo-se constatado:
- Relativamente às toalhas "BMW":
Apresentam um modelo que não é igual a nenhum dos modelos produzidos ou comercializados pela BMW; a qualidade da peça e o modelo não corresponde às normas e padrões dos diversos produtos originais comercializados pela BMW.
- Relativamente às toalhas "VOLKSWAGEM":
O posicionamento da palavra "VOLKSWAGEM' em relação ao logotipo é diferente ao definido pela marca; a cor do logotipo e as características do mesmo não respeitam as normas definidas na marca; as toalhas de praia não fazem parte do "merchandising"; o tipo de letra utilizado na palavra "VOLKSWAGEM é diferente do original; a etiqueta que contém a composição têxtil não respeita as normas definidas na marca.
- Relativamente às toalhas “AUDI”:
As peças toalhas não fazem parte do "merchandising", o logótipo e a designação da marca não respeitam as normas definidas pela marca, designadamente, os caracteres e os anéis não são do mesmo tamanho e formato; a etiqueta têxtil não corresponde às normas definidas pela marca.
- As toalhas “FERRARI”:
Não existe na "FERRARI" o desenho de toalha com rebordo a preto; não existe na colecção toalha a fundo vermelho, existindo na colecção uma toalha de fundo amarelo; a toalha apresenta uma etiqueta de composição diferente da utilizada na marca, uma vez que a marca usa uma etiqueta personalizada com a referência do produto; a qualidade do tecido é diferente do original; o tipo de letra utilizado pela marca "FERRARI", é diferente da utilizada na toalha, que" só usa letras maiúsculas.
A arguida "C........., Lda " adquiriu a mercadoria descrita nas circunstâncias mencionadas, não possuindo qualquer documento para a referida transacção.
As arguidas destinavam os bens à circulação e venda como se fossem originais.
As referidas toalhas, atenta as suas características, eram susceptíveis de serem tidas como autênticas pela generalidade das pessoas. Sabiam as arguidas, atento o prestígio e fama das marcas, a nível internacional, que eram necessárias credenciais emitidas pelos legais representantes das marcas.
Sabiam ainda as arguidas que as referidas toalhas que importaram apresentavam características diferentes das originais, muito embora pudessem ser vendidas, ao cliente habitual, como se de originais se tratassem.
Tinham as arguidas a intenção de fazer passar as toalhas em causa como autênticas, enganando desta forma voluntariamente as pessoas que as adquirissem, apesar de saber que os artigos referidos eram imitações dos originais.
Actuaram as arguidas de modo livre e consciente, sabendo as referidas mercadorias não tinham as características daquilo que é fabricado pelas marcas.
As arguidas actuaram de forma livre, consciente e deliberada, bem sabendo que as suas condutas não eram permitidas por lei.
A arguida B.......... tem o 12º ano de escolaridade; é divorciada e vive em casa própria; aufere 2.000,00 a 2.500,00 euros como sócia-gerente da sociedade arguida.
Não tem antecedentes criminais.
A sociedade arguida é uma pequena/média empresa (PME), com um volume de negócios elevado.

B - Factos Não Provados

Não resultou provado qualquer outro facto, com relevância para a decisão da causa.

C - Motivação

O tribunal formou a sua convicção relativamente à factualidade provada na apreciação critica e articulada de toda a prova produzida em julgamento, segundo as regras da experiência e da ordem natural das coisas (art. 127º, do CPP).
A arguida disse que as toalhas lhe foram encomendadas pelos concessionários em Portugal, mas que não fizeram notas de encomenda, nem lhe deram indicação nenhuma em relação às mesmas, apenas lhe disseram que queriam as toalhas e que a arguida achava que a empresa brasileira estava autorizada a fabricá-las.
A versão de ignorância da arguida não convenceu o Tribunal, pois a mesma revelou-se uma pessoa informada, tanto mais que produz artigos licenciados para a Walt Disney, estando ao corrente das exigências que as marcas internacionalmente reconhecida fazem para o fabrico e comercialização dos artigos de marca.
E........... funcionário da Baviera, referiu que importam directamente as toalhas à BMW, sociedade alemã, nunca tendo solicitado a importação das mesmas à arguida.
Note-se também que a empresa que subscreve o documento de "autorização de importação" das toalhas (fls. 10) não consta da listagem de concessionários da BMW junta aos autos.
F........... e G........, administradores da Viauto, ambos referiram estraliliar o conteúdo da declaração de fls. 161 (e 8), ao qual são alheios, esclarecendo que o documento não faz qualquer sentido, pois a Viauto não tem poderes para dar aquele tipo de autorização. Ou seja, as testemunhas repudiaram veemente a autoria do documento e esclareceram a atipicidade do seu conteúdo.
H.........., funcionário da Viauto, disse que importam directamente de Inglaterra e Itália todos os artigos de merchandising que comercializam da marca Ferrari, apenas estando autorizados a importar dos fabricantes indicados pela marca.
I........., funcionário da SIVA, explicou que tinha assinado a declaração de fls. 7 e 159, de boa fé, por lhe ter sido pedido por um concessionário que invocou que se tratava de uma cliente que ia comprar um automóvel, dizendo-lhe que havia um problema na Alfândega, tendo a testemunha confiado, sem saber que era mercadoria contrafeita e que estava apreendida.
Explicou que fez a declaração na sua boa fé, tendo-lhe sido enviado um modelo para fazer igual, quando deveria ter exigido a exibição de uma amostra para poder autorizar tal importação.
J.........., administrador da empresa concessionária L..........., SA, e amigo da família da arguida, veio dizer que fez a encomenda das toalhas à arguida, à volta de 300 ou 400 toalhas, dizendo que achava que podia autorizar a importação (documentos de fls.6 e 164), mas sem justificar porque forma lhe teria sido concedido tal pretenso direito.
Não colhe a versão desta testemunha e da arguida, pois que se a testemunha estivesse convencida de que tinha poderes para dar tal autorização, não se compreende porque contactou o funcionário da SIVA. M.........., funcionário da SIVA, relatou que, geralmente, o merchandising é fabricado na Alemanha, mas que a marca pode autorizar o fabrico, bem como os cuidados que são observadas no fabrico e comercialização dos produtos da marca.
N.........., funcionário da Alfàndega, relatou as diligências que levou a cabo, tendo contactado os representantes nacionais e internacionais das marcas, que informaram que a mercadoria não fora autorizada.
O............., inspector do IGAE, relatou a instrução do processo.
P..........., funcionário da empresa arguida, referiu que se trata de uma empresa pequena ou média, com um volume de negócios elevado, que teve a representação de fabrico de marcas internacionais.
Q..........., igualmente funcionária da arguida esclareceu que fizeram uma só encomenda à empresa brasileira para fabrico de todas as toalhas.
A convicção de que os representantes das marcas em Portugal não deram autorização para a importação das ditas toalhas resultou da conjugação do teor das declarações com o depoimento das testemunhas supra referidas.
Os depoimentos das testemunhas foram articulados com a apreciação critica de toda a documentação junta aos autos, entre outros, os pedidos de intervenção aduaneira, os doc. de fls. 4 e 5, o pacto social e respectivas alterações da sociedade arguida de 111 a 120, tomando-se, ainda em consideração os relatórios periciais de fls. 214/215 e 252; 237/246; 229; 39 e 236;
No que concerne aos antecedentes criminais tomou-se em conta o respectivo CRC junto aos autos e quanto ao circunstancialismo pessoal as declarações da arguida.

D - Do Direito

O Ministério Público não. se conformando com a sentença que absolveu as arguidas da prática de 4 Crimes de contrafacção, p. e p. nos termos do art.º 264º, n.º 1 e 2 do Cód. P. Industrial; e as condenou pela prática de um crime de fraude sobre mercadorias, previsto no art.º 23 º do DL 28/84, de 20/1, na pena de 5 meses de prisão e 50 dias de multa, pena única de 200 dias de multa, dela veio interpor recurso defendendo que ao contrário do que foi decidido, não existe um concurso aparente, mas sim real, entre os crimes de contrafacção e de fraude sobre mercadorias. Versando o crime de fraude sobre mercadorias dispõe o artigo 23º do D.L.28/84 de 20 de Janeiro:
1. Quem, com intenção de enganar outrem nas relações negociais, fabricar, transformar, introduzir em livre prática, importar, exportar, reexportar, colocar sob um regime suspensivo, tiver em depósito ou em exposição para venda, vender ou puser em circulação por qualquer outro modo mercadorias:
a) Contrafeitas ou mercadorias pirata, falsificadas ou depreciadas, fazendo-as passar por autênticas, não alteradas ou intactas;
b) De natureza diferente ou de qualidade e quantidade inferiores às que afirmar possuírem ou aparentarem será punido com prisão até 1 ano e multa até 100 dias, salvo se o facto. for previsto em tipo legal de crime que comine pena mais grave".
Por seu turno o artigo 264º nº1 e nº 2 do Código de Propriedade Industrial referindo-se á Contrafacção, imitação e uso ilegal da marca estabelece:
1 - Quem, com a intenção de causar prejuízo a outrém ou de alcançar um beneficio ilegítimo:
a) contrafizer, total ou parcialmente, ou reproduzir por qualquer meio, sem consentimento do proprietário;
b) imitar, no todo ou em parte, uma marca registada;
c) usar as marcas contrafeitas ou imitadas;
d) usar, contrafizer ou imitar as marcas notórias ou de grande prestígio e cujos pedido de registo já tenham sido requeridos em Portugal;
(...),
Será punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena. de multa até 240 dias.
2 - Quem vender ou puser à venda ou em circulação produtos ou artigos com marca contrafeita, imitada ou usada nos termos do número anterior com conhecimento dessa situação será punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias.
Finalmente, dispõe o artº 30º, nº1 do Cód. Penal relativamente ao concurso de crimes que o número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente.
Na decisão recorrida o tribunal conclui que a arguida, com a sua apurada conduta se constituiu na autoria material de um crime de contrafacção, verificando-se os elementos objectivos e subjectivos do tipo legal.
Porém, nos termos do art. 30º, nº1, do CP, concluiu estar perante a prática de um único crime de contrafacção e não de quatro crimes, pois a acção típica consubstancia-se numa só resolução de actuação o crime não tutela bens jurídicos pessoais.
Por outro lado, a apurada conduta da arguida preenche a tipicidade objectiva e subjectiva do crime de fraude sobre mercadorias, p. e p. pelo art. 23º, nº 1, do DL nº 28/84, de 20/01, na redacção introduzi da pelo DL nº 20/99, de 28/01.
Ora, entre o crime de contrafacção e o crime de fraude sobre mercadorias verifica-se uma relação de consumpção, devendo o facto ser punido como crime de fraude, pois a norma que prevê este tipo de ilícito promove a defesa de bens jurídicos mais extensos - Acs da R.P, de 2/6/99, CJ, ano 99, t. III, p. 237, e de 12/07/00, CJ, ano 2000,t. IV, p. 223.(este último considerando verificar-se um concurso aparente)."

Apreciando e decidindo

Discute-se a subsunção jurídica dos factos provados que, na tese recorrente, integram a prática pelas arguidas, em concurso real, de quatro crimes de contrafacção e de um crime de fraude sobre mercadorias por aplicação conjugada dos artigos 30º, do Cód. Penal, 23º. n 1, al. a), do Dec. Lei nº8/84, de 20/1, e 264,º nº2 do Dec. Lei nº16/95 (C.P.I.).
Entendeu-se na sentença em crise que os factos provados espelham uma relação de consumpção pois que ocorre uma situação em que sendo aplicáveis ao mesmo tempo vários tipos de crime, os valores ou bens jurídicos que estes protegem estão entre si numa relação de dependência, pelo que a protecção visada por uns" é consumida pelo outro.
Não se nos afigura, porém, que assim seja.
Na verdade, as normas do artigo 264º, nº 2 do C.P.I. e a do art.23º. nº1, al. a), do Dec. Lei nº28/84, de 20-01, não punem os mesmos factos, ou seja, tutelam distintos bens jurídicos.
No crime de fraude sobre mercadorias, o bem jurídico protegido é a confiança dos adquirentes/consumidores na genuidade e qualidade dos produtos, susceptíveis de ser defraudadas pela aparência imitativa da mercadoria e idónea a enganar.
No art.o 23º, do DL 28/84, prevê-se a fraude sobre mercadorias, como crime contra a economia. O interesse aqui protegido é, essencialmente, o do consumidor. Aqui protege-se a boa-fé nas relações, negociais. Este interesse não está dependente da existência ou não duma marca, como tal. O seu âmbito é mais amplo. Pune-se já não apenas o uso da marca, ou a venda de mercadorias com marcas contrafeitas ou imitadas, mas mais do que isso, pune-se quem, nas relações negociais.... puserem circulação... mercadorias contrafeitas, falsificadas ou depreciadas, fazendo-as passar por autênticas, não alteradas ou intactas.
O escopo desta punição não está na defesa da marca, mas na boa-fé das negociações, na depreciação das mercadorias seu objecto. Enquanto que na contrafacção é a protecção da titularidade da marca registada, como elemento constitutivo do direito de propriedade industrial, que não a autenticidade dos produtos, se bem que em todos eles esteja subjacente um engano (voluntário na fraude sobre mercadorias) e o propósito de causar prejuízo a outrém ou de alcançar um beneficio ilegítimo (na contrafacção).
A contrafacção de "marcas registadas" põe em causa a tutela legal contra a falsificação das marcas de procedência, ou seja, os sinais indicativos da pertença de uma mercadoria a uma empresa determinada, que permitam diferenciá-la das similares dos seus competidores no mercado.
Nos termos do disposto no nº1, do art. 167º do C.P.I., aquele que adopta certa marca para distinguir os produtos ou serviços de uma actividade económica ou profissional gozará da propriedade e do exclusivo dela desde que satisfaça as prescrições legais, designadamente a relativa ao registo.
Como ensinava o Prof. Ferrer Corieia (in Lições de Direito Comercial, 1973, Vol. I, pág.359) "...O direito à marca pertence à categoria dos direitos absolutos (reais do tipo da propriedade); o seu objecto é uma coisa incorpórea, imaterial (...). A marca, mesmo quando constituída pelo nome civil do comerciante, tem exclusivamente uma função de identificação de coisas e é livremente negociável (...). Por outro lado, muito embora funcionalmente ela seja útil só em conexão com os produtos a que respeita a marca tem a despeito disso, a autonomia suficiente para ser uma sentido jurídico, isto é, um objecto de direitos.”
Não estamos, pois, perante uma situação de concurso legal, aparente ou impuro de crimes, em que a conduta das aqui arguidas, como se sentenciou, preencheu formalmente os indicados crimes mas, por via da interpretação se concluiu e decidiu que o cerne da conduta é totalmente abrangido por um só dos tipos violados.
Ocorre a consumpção sempre que o preenchimento de um tipo inclui já o preenchimento de um outro tipo de menor abrangência, assegurando ou consumindo já a protecção visada por este, só aquele podendo ser aplicado, sob pena de violação do princípio "ne bis in idem".
A conduta das arguidas espelha uma relação de concurso efectivo de crimes por estes cometidos, de fraude sobre mercadorias, previsto e punido pelo artº 23º, nº1. al. a) do Dec. Lei nº 28/24, de 20/1, e de contrafacção, previsto e punido pelo artº 264º, nº 1, preceitos estes do Cód. P. Industrial (Dec. Lei nº 16/95 de 24/01), por aplicação do disposto no artº 30º, nº1 do Cód. Penal, face à comprovada violação, pelas arguidas, com a sua conduta, daqueles distintos bens jurídicos.
Perguntamos agora se face à matéria de facto provada se encontram preenchidos todos os elementos objectivos e subjectivos dos crimes indiciados ás arguidas designadamente o de contrafacção.
Relembrando a matéria de facto dada por provada especialmente aquela que se prende com o crime de contrafacção constatamos que se apurou que
"As marcas e os representantes em PortUgal das referidas marcas não deram autorização para a importação das toalhas... Sabiam as arguidas, atento o prestígio e fama das marcas, a nível internacional, que eram necessárias credenciais emitidas pelos legais representantes das marcas". Como doutamente refere o Ilustre Procurador Geral Adjunto, nesta Relação, o crime de contrafacção tem natureza eminentemente dolosa, mas um dolo que envolve um carácter particular: o dolo específico.
Dos autos nomeadamente da matéria de facto dada por provada não consta que tenha sido realizada prova do registo das marcas mencionadas e a falta de autorização apenas diz respeito à importação e, ao contrário do que exige o artigo 264º do C.P.I. não foi realizada prova de que as arguidas actuaram com intenção de causar prejuízo ou de alcançar um beneficio ilegítimo, não sendo suficiente sob o ponto de vista subjectivo que se tenha apurado que agiram deliberada, livre e conscientemente.
Por força do D.L. 36/03 de 3/3 o C.P.I., aplicável á data dos factos f~i revogado encontrando-se tal ilícito agora previsto no artigo 323º que dispensou o dolo específico mas por outro lado passou a exigir a prova de que o agente não tinha autorização para praticar qualquer dos actos constantes das referidas alíneas, prova que nos presentes autos se limitou tão somente á importação das toalhas.
Sendo assim a matéria factual constante da acusação e provada não é suficiente para a imputação ás arguidas do crime de contrafacção p. e p. pelo artigo 264 nº 1 e 2 do C.P.I., na redacção anterior e actual 323º.
O Exmº Procurador Geral Adjunto arguiu a nulidade da sentença porquanto para além de haver duas arguidas acusadas pelos mesmos 4 crimes (contrafacção) e de, além do mais, não se ter provado o dolo específico, a alegada prática do crime não se reflectiu na decisão final. Defende que na decisão final e por coerência com o expandido no enquadramento jurídico-legal deveria constar a prática pelas arguidas de
um crime de contrafacção (e não a absolvição), ainda que em concurso aparente com o de fraude sobre mercadorias.
Para além disso refere que pela prática do Crime de fraude foi a sociedade condenada na pena de 5 meses de prisão e 50 dias de multa, tendo-se substituído aquela por multa por se entender que era uma "imposição", por se tratar de uma pessoa colectiva.
Finalmente observa que embora na fundamentação se tenha fixado a taxa diária de multa, para a sociedade, na quantia de 10 euros, na decisão final e por eventual lapso fixou-se a mesma em 5 euros.
Embora já não revista interesse face á conclusão que não estão preenchidos os elementos subjectivos para que se possa imputar ás arguidas a prática de quatro crimes de contrafacção sempre se dirá que na sequência lógica do raciocínio desenvolvido na 1ª instância da decisão não devia constar a absolvição pelo crime de contrafacção mas a condenação embora em concurso aparente com o crime de fraude sobre mercadoria.

No que se refere á falta de sintonia entre o montante diário da taxa de multa proposto na fundamentação para a sociedade - 10€ - e aquele que efectivamente lhe veio a ser aplicado - 5€ - entendemos que tal discrepância se deve a mero erro de escrita dado que a argumentação desenvolvida foi no sentido de penalizar de forma mais severa a sociedade atento o seu elevado volume de negócios pelo que nos termos do disposto no artigo 380º nº1 alínea b) e 2º do C.P.P. se procede à correcção de tal erro ficando a constar que a taxa diária da pena de multa aplicada à arguida sociedade é de 10€.
Pela prática do crime de fraude foi a sociedade condenada na pena de 5 meses de prisão e 50 dias de multa, tendo-se substituído aquela por multa por se entender que era uma "imposição", por se tratar de uma pessoa colectiva.
Dispõe o nº 1 do artigo 7º do DL. 28/84, de 20/1, que as penas aplicáveis ás pessoas colectivas são apenas: a admoestação, a multa e a dissolução, pelo que não haveria lugar a pena de prisão.
Ao cominar pena de prisão à sociedade arguida o Tribunal incorreu em erro de direito dado que se aplicou pena não permitida pelo artigo 7º do D.L. 28/84 de 20 de Janeiro.
No entanto o tribunal está na posse de todos os elementos para poder decidir relativamente à pena a aplicar à sociedade arguida pela prática do crime de fraude sobre mercadoria.
E, sendo assim, tendo em conta o elevado grau de ilicitude, revelado na violação dos bens jurídicos tutelados e na quantidade de artigos contrafeitos, bem como na plural idade de ofendidas com a prática do crime, o dolo claramente directo, bem ainda as prementes exigências de prevenção geral afigura-se-nos adequada e justa a pena de 100 dias de multa a razão diária de 10,00€ o que perfaz a multa global de 1.000€

III – Decisão

Nestes termos acordam os Juízes da 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso alterando todavia a decisão recorrida na parte em que condena a arguida "C........, L.da", pela prática de um crime - 1 (um) crime de fraude de mercadorias, p. e p., pelo artigo 23º, do Decreto-Lei nº 28/84, de 20 de Janeiro, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei nº 20/99, de 28 de Janeiro, na pena de 5 meses de prisão e 50 dias de multa, substituída a pena de prisão por igual número de dias de multa, num total de 200 dias de multa, à razão diária de 5€; que se substitui por outra em que se condena a dita arguida pela prática do ilícito supra referido em 100 dias de multa á taxa diária de € 10,00, o que perfaz a multa global de € 1.000,00.

Remeta boletim.

Sem tributação

Porto, 12 de Outubro de 2005
António Manuel Alves Fernandes
José Henriques Marques Salgueiro
Manuel Joaquim Braz
José Manuel Baião Papão