Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0754311
Nº Convencional: JTRP00040622
Relator: PINTO FERREIRA
Descritores: EXECUÇÃO
REGISTO PREDIAL
TITULAR INSCRITO
Nº do Documento: RP200710080754311
Data do Acordão: 10/08/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: LIVRO 313 - FLS 153.
Área Temática: .
Sumário: A citação do titular inscrito no registo predial de bens cuja penhora foi ordenada só deve fazer-se se esse titular não for o executado e deve efectuar-se na pessoa daquele que à data for efectivamente o actual titular inscrito, pois apenas a esse pode ser exigido que preste as informações necessárias à averiguação da titularidade do bem penhorado.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I - Relatório

B………., como exequente, requereu que fosse ordenada a citação do titular inscrito no registo automóvel em 26-01-06, data da realização da penhora que havia sido requerida em 11-01-06, do Sr. C………. e relativo ao veículo automóvel marca Jeep, matrícula ..-..-RA, propriedade deste, tudo para efeitos do art. 119º n.º 1 e 3 do CRP.
Verificando que segundo a certidão junta de ónus e encargos do veículo penhorado (fls. 21) não consta o mesmo como registado em nome do executado C………., indeferiu o requerido por considerar injustificável a citação do titular inscrito à data da penhora e ordenou o cumprimento do mesmo artigo relativamente ao actual titular D………. .
Inconformado com este despacho, recorre.
Recebido o recurso, apresenta alegações.
Colhidos os vistos legais, nada obsta ao conhecimento do recurso.
*

II - Fundamentos do recurso

O âmbito dos recursos está balizado pelo teor das conclusões - artigos 684º n.º 3 e 690º n.º 1 do CPC -
Daí a justificação da sua transcrição que, no caso, foram:

a) - Feito o registo da penhora, mesmo que provisório e junta certidão de ónus ou encargos aos autos, caso o sujeito passivo seja pessoa diversa do executado, o tribunal tem de ordenar oficiosamente a citação do titular inscrito que o for à data do registo da penhora e não na pessoa que vier a sê-lo posteriormente, nos termos e para efeitos do disposto no art. 119º n.º 1 do CRP.
b) - Mas andou o tribunal a quo ao ordenar a citação do titular inscrita actual, ou seja, a firma E………., SA, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 119 n.º 1 do CRPredial, quando o devia ter feito na pessoa do Sr. C………., por ser este o titular inscrito à data do registo da penhora. (26 de Janeiro de 2006) e com legitimidade para tal.
c) O registo fixa a instância e determina quem são as pessoas com legitimidade substantiva e processual para intervir na causa a propor, pelo que a actual titular inscrita não pode ser demandada e a sua citação foi irrelevante.
d) A citação do titular inscrito à data do registo da penhora, in casu, sr. C………., é que é decisiva, pois só ele sabe a quem vendeu o veículo.
e) Quando a lei fala em titular inscrito, não pode deixar de referir-se ao proprietário do veiculo a data do registo da penhora, in casu, 26 de Janeiro de 2006,sendo irrelevantes as alterações posteriores de domino e ou posse.
f) Não é assim de manter a interpretação do tribunal a quo a qual não tem suporte legal e daí o agravo cometido.
g) Violou o douto despacho recorrido, por erro de subsunção, o disposto no artigo 119 do C. Registo Predial, aplicável ao registo automóvel.
Termos em que revogando-se o douto despacho recorrido o qual deve ser substituído por outro que ordene a citação do titular inscrito no registo automóvel na pessoa do Sr. C………., nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 119 do CRPredial,
*

III - Os Factos e o Direito

Perante os factos constantes do processo verificamos que a única questão a decidir consiste em se saber se quando o n.º 1 d art. 119º do CRP fala em titular inscrito se refere ao proprietário do veículo à data do registo da penhora, sendo irrelevantes as alterações posteriores de domínio ou de posse ou se se deve efectuar em relação ao titular último constante da certidão.
O art. 119º do C. Registo Predial estabelece no respectivo nº 1 que:

Havendo registo provisório de arresto, penhora ou apreensão em falência ou insolvência de bens inscritos a favor de pessoa diversa do requerido ou executado, o juiz deve ordenar a citação do titular inscrito para declarar, no prazo de dez dias, se o prédio ou direito lhe pertence".
Dir-se-á que “os registos referidos no nº 1 são provisórios por natureza, nos termos da al. a) do nº 2 do art. 92º, e são oficiosamente convertidos em definitivos, em face de certidão comprovativa de o citado ter declarado que os bens não lhe pertencem, ou de não ter feito nenhuma declaração, expedida pelo tribunal à conservatória (nº 3)" - Anotação constante a fls. 286, de Isabel Pereira Mendes, CRP -.
Procurando averiguar a génese desta norma e a sua inserção do código registral, podemos afirmar que a sua função primordial consiste em estabelecer um mecanismo jurídico que permita a conversão de um registo provisório em definitivo, por forma a providenciar por uma actualização dos factos inscritos no registo para evitar a sustação de execuções pelo simples facto de o bem penhorado estar indevidamente registado a favor de pessoa diferente do executado.
Tal não acontece, porém, se do registo se inferir que o bem penhorado se encontra registado em nome do executado, lavrando-se, então, como definitivo.
Isto é, apenas no pressuposto da provisoriedade se justifica o uso do disposto no art. 119º n.º 1 do CRP
Daí que ao cumprir-se este normativo e devendo sempre atender-se às consequências gravosas de que poderá revestir-se, se fale em “citação”, equiparando-a à citação para qualquer acção efectuada nos termos da lei processual civil.
Como bem se explica em Ac. R. Lisboa, de 19-01-06, em www.dgsi.pt -.

“De facto, e por via deste acto que é chamado à execução, um terceiro, dando-se-lhe conhecimento de que um prédio cuja aquisição está registada a seu favor é objecto de penhora posterior, sendo certo que, se nada disser, determina a lei que a penhora será convertida em execução.
Ou seja, o silêncio do terceiro, titular inscrito, tem um efeito cominatório sendo equiparado a uma declaração expressa de que já não lhe pertence o prédio em questão. A intervenção acidental nos termos do art. 119º, CRP proporciona a emissão de declaração que, na perspectiva do interesse fundamental da pessoa cujo património foi atacado por um acto de execução, tem a enorme vantagem de, pelo simples facto de ser produzida, paralisar aquele acto e os que lhe sucederam.
Basta, com efeito, ao titular inscrito fazer uma simples declaração de que o prédio lhe pertence para, sem mais diligências, o juiz ter de suspender a execução quanto àquele bem e remeter os interessados para os meios processuais comuns (cfr. art. 119º, citado, e seu nº. 4). Este art. 119º visa assegurar o princípio fundamental do trato sucessivo, definido e regulamentado nos art. 34º e 35º, CRP.
Se o titular inscrito se não opõe, ou, o que é mesmo, nada diz, o registo da penhora, de meramente provisório, passa a definitivo e a venda judicial pode ser feita com legitimidade. A penhora passará a ser oponível àquele titular inscrito, precisamente porque, expressa ou tacitamente, a ela se não opôs”.

Por sua vez, sobre esta problemática, manifesta-se o Ac. STJ, de 30-11-2006, em www.dgsi.pt quando afirma:

“Havendo registo provisório de penhora de bens inscritos a favor de pessoa diversa do executado, deve o juiz ordenar a sua citação para no prazo de dez dias declarar se o prédio lhe pertence (nº 1).
Se o citado não fizer alguma declaração será expedida certidão do facto à conservatória com vista à conversão oficiosa do registo (nº 3).
A citação do titular inscrito para os fins previstos neste artigo destina-se a dar-lhe conhecimento de que foi penhorado, em execução movida contra terceiro, um prédio inscrito em seu nome, para que ele, se for seu dono, possa obstar ao prosseguimento da execução e evitar a sua venda.
O silêncio do titular inscrito, citado nos termos do nº 1 do artigo 119º do Código do Registo Predial, tem apenas o efeito de expedição de certidão à conservatória do registo predial para conversão oficiosa do registo provisório da penhora em registo definitivo”.
E acrescenta que:
“A lei não exige a notificação do despacho que determinou a conversão do registo provisório do acto de penhora em definitivo ao citado que nada declarou no processo de execução.
A recorrente, que não declarou no processo de execução sobre se o prédio penhorado lhe pertencia ou não, não tinha que ser notificada do despacho determinativo do registo provisório do acto de penhora em registo definitivo”.

Diremos ainda que o normativo fala concretamente em registo a favor de pessoa diversa do requerido ou executado, pelo que será evidente se constar do registo o executado, não há lugar ao cumprimento da norma.
Como consta da certidão de registo (fls. 21), a propriedade do veículo está registada em nome de D………., por aquisição em 9-03-2006, tendo reserva a favor de E………., SA.
Ressalvando sempre a válida opinião contrária do Ilustre Advogado em causa própria, somos de concordar antes com a decisão do tribunal a quo quando afirma que chamar agora quem já não é dono do veículo, o tal C………., ainda que fosse o titular inscrito no acto da penhora, em nada adiantava para efeitos da prossecução ou não da execução, pois declararia simplesmente não ser seu dono, pelo que a melhor interpretação a efectuar deste normativo seja a de que a citação deve ser efectuada ao actual titular inscrito no registo, pois apenas a ele lhe pode ser exigido que preste as informações necessárias à averiguação da titularidade do bem penhorado.
O despacho merece, pois, ser confirmado.
*

IV - Decisão

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acorda-se em se negar provimento ao recurso e confirmar a decisão agravada.
Custas pelo agravante.
*

Porto, 8 de Outubro de 2007
Rui de Sousa Pinto Ferreira
Joaquim Matias de Carvalho Marques Pereira
Manuel José Caimoto Jácome