Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0630961
Nº Convencional: JTRP00038968
Relator: AMARAL FERREIRA
Descritores: EXECUÇÃO
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
Nº do Documento: RP200603160630961
Data do Acordão: 03/16/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Área Temática: .
Sumário: Nas acções executivas não pode ocorrer a suspensão da instância com fundamento na existência de causa prejudicial, porquanto, não tendo a acção executiva por fim a decisão duma causa, não pode verificar-se a relação de dependência exigida pelo preceito.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I – RELATÓRIO.

1. No Tribunal Judicial da Comarca de Miranda do Douro, B….. e C….., instauraram execução para prestação de facto contra o Município de Miranda do Douro, dando à execução a decisão constante do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Fevereiro de 201, proferido na acção ordinária nº 58/99 daquele Tribunal e que condenara o executado a “reconhecer que os AA. são donos do prédio constituído por casa de morada, com a área de 36 m2, sito na Rua …., freguesia de …., a confrontar de nascente com caminho público, de poente com D….., do sul com o mesmo e do norte com E…., inscrito na matriz sob o artº 50, a restituir este prédio aos AA. e a reconstituir o edifício que nele estava incorporado”.

2. Deduziu o executado embargos de executado, alegando, em síntese, que a obrigação exequenda é incerta, uma vez que o título executivo nada esclarece quanto à localização, configuração e características da casa e essa incerteza não foi suprida na fase introdutória da execução; que o exequente B…. lhe fez saber, em Março de 2002, depois de expirado o prazo de noventa dias fixado na execução, que pretendia mandar construir a casa em questão na Rua do F…, com uma fachada ampla de mais de oito metros, virada para a referida rua e destiná-la a comércio; a casa que foi destruída e cuja reconstrução está em causa não dava para a Rua do F…. e nunca foi destinada a comércio; o pedido de prestação de facto por outrem é ilegal; não havendo acordo entre exequentes e executado quanto à localização, configuração e outras características na nova construção, não pode outra pessoa cumprir a obrigação; nada foi dito sobre a volumetria, divisões interiores e aberturas.

3. Os embargados contestaram alegando, também em resumo, que o embargante sabe a casa que demoliu e que o pedido de prestação de facto é legal.

4. Proferido saneador/sentença a julgar os embargos improcedentes, dele apelou o embargante tendo este Tribunal proferido acórdão que, revogando a decisão recorrida, julgou os embargos procedentes e declarou extinta a execução.

5. Na sequência desse acórdão, do qual os embargados interpuseram recurso de revista para o STJ, admitido com efeito devolutivo, o executado requereu a suspensão da execução ao abrigo do disposto no artº 279º, nº 1, do CPCivil, requerimento sobre o qual incidiu o seguinte despacho:
“Indefere-se à requerida suspensão da execução em virtude de haver efectivamente um acórdão do STJ de 15 de Fevereiro de 2001 em que os exequentes basearam a sua execução e só por questões de liquidação é que existiu o recurso dos embargantes”.

6. Desse despacho agravou o executado tendo, nas respectivas alegações, formulado as seguintes conclusões:
1ª: Tendo o Tribunal da Relação ordenado, no apenso de embargos de executado, a extinção da execução e tendo sido interposto recurso de revista que foi recebido com efeito meramente devolutivo, impunha-se o deferimento do pedido do executado da suspensão da execução até o julgamento definitivo dos embargos.
2ª: Mesmo que assim não fosse, não podia ordenar-se a penhora de bens sem que estivesse determinado o valor da prestação.
3ª: Sem estar determinado esse valor, não podia o executado prestar caução suficiente, se fosse o caso.
4ª: O despacho recorrido violou, pelo menos, o preceituado nos artºs 279º, 47º, nº 2, 802º e 818º do CPC, pelo que deve ser revogado e substituído por outro que contemple o defendido nas conclusões anteriores.

7. Contra-alegaram os exequentes no sentido da manutenção do despacho recorrido e foi proferido despacho de sustentação.

8. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO.

1. Os factos a considerar na decisão do agravo são os que constam do presente relatório e ainda que os exequentes instauraram a execução em 28/06/2001, alegando que o executado não prestou o facto a que estava obrigado pela decisão e que, por se tratar de facto fungível, optavam pela prestação de facto por outrem, reputando suficiente o prazo de noventa dias para a execução daquele, uma vez que não havia sido fixado prazo para a sua prestação.

2. Tendo em consideração que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações, estando vedado ao tribunal apreciar e conhecer de matérias que nelas se não encontrem incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso (artºs 684º, nº 3, e 690º, nºs 1 e 3, do CPCivil), e que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido, a questão a decidir é a da saber se deve ser decretada a suspensão da execução ao abrigo do disposto no artº 279º do CPCivil.

Nos termos do artº 276º, nº 1, al. c) do CPC (diploma a que pertencerão os demais preceitos legais a citar, sem outra indicação de origem), a instância suspende-se quando o tribunal ordenar a suspensão.
Dispõe, por sua vez, o n.º 1 do artº 279º que “o tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado”.
E nos termos do n.º 2 do mesmo preceito “não obstante a pendência de causa prejudicial, não deve ser ordenada a suspensão se houver fundadas razões para crer que aquela foi intentada unicamente para se obter a suspensão ou se a causa dependente estiver tão adiantada que os prejuízos da suspensão superem as vantagens”.

No caso em apreço interessa apenas apreciar o fundamento da suspensão constante na 2ª parte do nº 1 do citado preceito legal (“... quando ocorrer outro motivo justificado”), porquanto o agravante requereu a suspensão da execução na sequência do acórdão proferido por este Tribunal nos embargos de executado deduzidos por apenso à execução que, revogando a decisão da 1ª instância, os julgou procedentes e declarou extinta a execução.
De qualquer modo, cumpre salientar que a suspensão da execução apenas se podia basear na ocorrência de outro motivo justificado, pois, tem sido, diríamos uniformemente, entendido na jurisprudência que nas acções executivas não pode ocorrer a suspensão da instância com fundamento na existência de causa prejudicial, porquanto, não tendo a acção executiva por fim a decisão duma causa, não pode verificar-se a relação de dependência exigida pelo preceito - cfr. neste sentido, a título exemplificativo e entre muitos outros, o Assento de 24/05/60, BMJ 97, pág. 173 (na vigência do artº 284º do CPC então vigente), e os Acs. do STJ de 24/06/80, BMJ 298, pág. 266, e de 14/01/93, CJSTJ, Tomo I, pág. 59, da RC de 2/10/84, sumariado no BMJ 340, pág. 449, da RE de 4/7/96, CJ, Tomo IV, pág. 275, e deste Tribunal de 24/02/2000, de 23/05/2000 e de 12/11/2001, todos em www.dgsi.pt., bem como, na doutrina, Lebre de Freitas, CPCivil Anotado, 1º Vol., pág. 502.

Já quanto à possibilidade legal da suspensão da execução com fundamento na 2ª parte do nº 1 do citado artº 279º, constitui entendimento pacífico a sua admissibilidade – neste sentido Lebre de Freitas, obra citada, pág. 503, citando Elias da Costa – Figueiredo de Sousa, CPC Anotado e Comentado, 972/1974, III, pág. 484, Jacinto Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, Vol. II, pág. 44, e Acs. RP de 31/01/78, CJ, Tomo I, pág. 158 e RC de 13/6/95, sumariado no BMJ 451, pág. 450.
A lei não expressa o que deve ser entendido por motivo justificado, pelo que deixa ao juiz o preenchimento desse conceito, naturalmente fora do quadro de um poder discricionário, devendo antes orientar-se por critérios de utilidade e conveniência processual – Ac. STJ de 30/09/2004, Proc. 04B2776, www.dgsi.pt..

Concordando embora com esta posição, entendemos, todavia, que ela não se aplica à situação sub judice, por terem sido deduzidos embargos à execução.

De acordo com o preceituado no artigo 818º, nº 1, e na parte que ora interessa considerar, já que não se trata de impugnação da assinatura de documento particular, o recebimento dos embargos não suspende a execução, salvo se o embargante prestar caução.
A nosso ver, nos termos deste preceito legal, havendo embargos à execução só há um meio para o embargante, executado, suspender a execução, que é a prestação de caução, não podendo a execução ser suspensa pelo juiz por "outro motivo justificado".
Em primeiro lugar, o artigo 279º, nº 1, 2ª parte, é uma disposição de carácter geral, aplicável à acção executiva, se não houve qualquer norma especial em contrário.
Ora, há uma norma desta natureza, que é o nº 1 do artº 818º, que preceitua que o recebimento dos embargos não suspende a execução, salvo se o embargante prestar caução, norma que é aplicável à execução para prestação de facto ex vi do artº 933º, nº 3.
Trata-se de norma especial para o caso de oposição à execução por embargos, logo que estes sejam recebidos.
Corroborando claramente esta orientação, refere-se no Ac. do STJ de 4 de Junho de 1980, BMJ 298, pág. 232, que "... o único meio legal de o embargante suspender a execução é tão-só a prestação da caução.
E, havendo preceito legal que expressamente regula a suspensão da execução no caso especial em que haja embargos, é-lhe inaplicável o disposto na 2ª parte do nº 1 do citado artº 279º, que é um texto de carácter geral, integrado como está nas "Disposições Gerais" do Código de Processo Civil.
Se assim não fosse, atentar-se-ia contra o objectivo visado por este artigo 818 n. 1, que é a protecção dos interesses do exequente no caso de terem sido deduzidos embargos à execução.

E a prestação de caução pelo exequente, no caso de a execução prosseguir, nos termos do artigo 819º do Código de Processo Civil vigente à data da instauração da execução, assegura suficientemente os interesses do executado contra os riscos de uma venda amigável ou forçada, porquanto a execução prossegue mas só até à venda ou à adjudicação de bens, uma vez que nem o exequente nem qualquer outro credor poderão receber o produto dessa venda ou os bens que lhes tenham sido adjudicados, sem decisão final dos embargos, a não ser que tenham prestado caução (Eurico Lopes Cardoso, Manual da Acção Executiva, 308).

Também não colhe o argumento expendido pelo executado de que, sem estar determinado o valor da prestação, não pode prestar caução, já que a lei – artº 981º e segs. do CPC - prevê os meios para encontrar esse valor.

Improcede, deste modo, o agravo.

III. DECISÃO.

Pelo exposto, acordam os juizes que constituem esta Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao agravo e manter a decisão recorrida.
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Sem custas por delas estar isento o agravante.
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Porto, 16 de Março de 2006
António do Amaral Ferreira
Deolinda Maria Fazendas Borges Varão
Ana Paula Fonseca Lobo