Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0755605
Nº Convencional: JTRP00040774
Relator: ABÍLIO COSTA
Descritores: PROVIDÊNCIA CAUTELAR
CADUCIDADE
CONHECIMENTO OFICIOSO
Nº do Documento: RP200711190755605
Data do Acordão: 11/19/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: LIVRO 319 - FLS 83.
Área Temática: .
Sumário: É de conhecimento oficioso a caducidade de providência cautelar intentada antes da respectiva acção pelo facto de esta não ter sido proposta no prazo de trinta dias.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto

B………., LDA, requereu, em 11-4-05, no Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia, sendo requerida C………., LDA, o arrolamento de dois prédios.
Providência que foi deferida, sem audição da requerida, por decisão de 25-5-05.
Entretanto esta, notificada nos termos e para os efeitos do disposto no art.385º, nº6, do CPC, deduziu oposição.
Designada a audiência para inquirição das testemunhas foi, no decurso da mesma – fls 362 e 363 - após considerações sobre a eventual caducidade da providência e em observância do princípio do contraditório, ordenada a notificação das partes a fim de se pronunciarem.
Faculdade de que apenas usou a requerida, concluindo pela caducidade da providência.
Foi, então, a fls 372 e 373, declarada a caducidade da providência cautelar, nos termos do disposto no art.389º, nº1, al. a), do CPC, por não ter sido intentada a acção a que se refere o art.421º, nº2, daquele diploma legal.
Inconformada, a requerente interpôs recurso.
Conclui assim:
-a agravante propôs, oportunamente, uma acção de destituição de gerentes, requerendo a apensação do arrolamento a essa acção, o que foi ordenado;
-acresce que a questão da caducidade foi apreciada oficiosamente pelo tribunal;
-pelo que o despacho recorrido é nulo, pois tomou conhecimento de uma questão que não foi sujeita à sua apreciação;
-em princípio, a caducidade não é de conhecimento oficioso, pelo que foi violado o disposto no art.303º do C.Civil, “ex vi” art.333º do mesmo diploma legal;
-a caducidade só pode ser conhecida oficiosamente se for estabelecida em matéria excluída da disponibilidade das partes, o que não é o caso;
-nenhuma razão de interesse público subjaz à prolação do despacho recorrido;
-estamos no domínio de direitos disponíveis;
-foi violado, também, o princípio do dispositivo;
-a agravante propôs, no prazo a que se refere o nº1 do art.389º do CPC, uma acção de destituição da gerência da requerida;
-tendo a providência cautelar, proposta como preliminar, sido apensada a essa acção por despacho anterior ao recorrido;
-aquando da apensação da providência cautelar à acção de destituição de gerentes, o tribunal recorrido não apreciou a questão a que se refere o nº2 do art.421º do CPC, norma que agora foi invocada para fundamentar o despacho recorrido;
- a requerida não recorreu do despacho que ordenou a apensação;
-pelo que a questão de a acção principal proposta pela agravante ser ou não adequada à manutenção do arrolamento já fora decidida em momento anterior por despacho que transitou em julgado;
-pelo que tal despacho deve ser cumprido, nos termos do disposto no art.675º do CPC.
Houve contra-alegações.
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Os factos a considerar já resultam do relatório.
Acresce que, por ofício de 25-7-05 – fls 323 – foi solicitada pelo .º Juízo do Tribunal de Comércio de V.N. de Gaia a remessa destes autos a fim de serem apensados à acção nº…/05.
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Questões a decidir:
-trânsito em julgado do despacho, prévio, que ordenou a apensação, e reflexos na decisão recorrida;
-conhecimento oficioso caducidade;
-violação do dispositivo e nulidade do despacho;
-caducidade da providência.
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A primeira questão que se coloca consiste em saber se, ordenada a apensação da providência à acção principal, o que não foi posto em causa, podia, agora, o tribunal recorrido proferir a decisão recorrida, declarando a caducidade da providência com fundamento no disposto no art.389º, nº1, al. a), do CPC, por entender que a acção proposta, afinal, não corresponde à que prevê o art.421º, nº2, daquele diploma legal.
Entende a recorrente que, com tal decisão, foi violado o caso julgado, já que o despacho que ordenou a apensação não foi posto em causa. De qualquer modo, haveria que ter em consideração o disposto no art.675º do CPC.
Ora, como quer que se classifique tal despacho – art.s 156º, nº4, e 679º do CPC - e mesmo que se entenda que o mesmo é susceptível de transitar em julgado, os dois despachos – o que ordenou a apensação e o recorrido – nada têm a ver um com o outro. Não versam “sobre a mesma questão concreta da relação processual” – art.675º, nº2, do CPC.
Na verdade, enquanto um – o que ordenou a apensação - atentou nos respectivos pressupostos, previstos no art.383º, nº2, do CPC, a decisão recorrida analisou a verificação da caducidade da providência, prevista no art.389º daquele diploma legal.
Não se coloca, assim, qualquer questão de violação do caso julgado, nem de casos julgados contraditórios: o tribunal, pura e simplesmente, ainda não tinha conhecido de tal questão.
Aliás, naturalmente que, só após a apensação, o tribunal se podia aperceber de que a acção proposta – acção principal - não tinha por fundamento o direito acautelado – art.383º do CPC.
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Entende, também, a recorrente que, não tendo a questão da caducidade da providência sido suscitada pelas partes, neste caso, pela recorrida, o tribunal não podia conhecer dela oficiosamente. Ao fazê-lo, violou o princípio do dispositivo, padecendo o despacho recorrido de nulidade.
Ora, dispõe o art.389º, nº4, do CPC, que “a extinção do procedimento e o levantamento da providência são determinados pelo juiz, com prévia audiência do requerente, logo que se mostre demonstrada nos autos a ocorrência do facto extintivo”.
Não há, de facto, unanimidade na interpretação deste preceito legal.
Para uma corrente, claramente maioritária, a caducidade da providência é de conhecimento oficioso – LEBRE DE FREITAS in CPC Anotado, 2º, 57, RODRIGUES BASTOS in Notas ao CPC, II, 176, ABÍLIO NETO in Breves Notas ao CPC, 118, ABRANTES GERALDES in Temas da Reforma do Processo Civil, III, 311, pelo menos, como é o caso, “se as circunstâncias de que a lei faz depender tais efeitos resultarem imediata e objectivamente dos autos”. Em sentido contrário, TEIXEIRA DE SOUSA in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 253, e REMÉDIO MARQUES, in recente A Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 120.
Seguimos a orientação maioritária, essencialmente, por ser a que leva à aplicação de um critério uniforme na interpretação das várias alíneas do art.389º, nº1, do CPC. Doutro modo, ter-se-ia de entender que, nuns casos, a caducidade seria de conhecimento oficioso, e noutros, não.
Assim, na hipótese da al. c), por exemplo - a providência caduca “se a acção vier a ser julgada improcedente, por decisão transitada em julgado” - parece inequívoco que, mesmo perante a passividade do requerido, o tribunal não pode deixar de, mesmo oficiosamente, declarar a caducidade da providência. De igual modo se, decretada a providência, não for intentada a acção principal, parece não fazer muito sentido que, mesmo perante a passividade do requerido, a providência se mantenha, com a consequente actividade do tribunal. Tribunal que, derivado do exercício da sua função jurisdicional, está a par de toda a situação.
Parece-nos, assim, preferível o entendimento segundo o qual, constando do processo todos os elementos que conduzem à caducidade, trazidos de acordo com as regras gerais – art.264º, nº2, do CPC – o tribunal, ouvido o requerente, deve conhecer oficiosamente dela.
E, neste caso, o tribunal recorrido dispunha de todos elementos que conduziam à caducidade, que resultavam da análise dos autos aos quais esta providência foi apensa.
Em conclusão, o tribunal podia conhecer, oficiosamente, da caducidade da providência, pelo que a decisão recorrida não padece da nulidade invocada – art.668º, nº1, al. d), parte final – nem foi violado o princípio do dispositivo – art.264º, nº2, do CPC.
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Por fim, temos dúvidas se a recorrente coloca a questão da caducidade da providência. Ou seja, se também discorda da decisão recorrida, na medida em que entendeu que a acção intentada não tem por fundamento o direito acautelado – art.s 383º e 421º, ambos do CPC.
De qualquer modo diremos que, nesta parte, concordámos integralmente com a decisão recorrida.
Na verdade, nos termos do disposto no art.421º, nº2, do CPC, “o arrolamento é dependência da acção à qual interessa a especificação dos bens ou a prova da titularidade dos direitos relativos às coisas arroladas”.
Ora, em vez da referida acção, a requerente intentou, antes, uma acção na qual pede a destituição do gerente da sociedade.
Pelo que, e sem mais, o agravo não merece provimento.
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Acorda-se, em face do exposto, em negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.

Porto, 19 de Novembro de 2007
Abílio Sá Gonçalves Costa
Anabela Figueiredo Luna de Carvalho
Maria de Deus S. da C. Silva D. Correia