Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
| ||
| Nº Convencional: | JTRP00037318 | ||
| Relator: | ALZIRO CARDOSO | ||
| Descritores: | EXECUÇÃO RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS GARANTIA REAL | ||
| Nº do Documento: | RP200411020424298 | ||
| Data do Acordão: | 11/02/2004 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | AGRAVO. | ||
| Decisão: | NEGADO PROVIMENTO. | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - A falta de reclamação pelo credor que tenha sido citado nos termos do artigo 864 do Código de Processo Civil do seu crédito com garantia real, conduz à caducidade dessa garantia. II - Os bens serão transmitidos livres de direitos reais de garantia. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO: I – Relatório Na execução ordinária para pagamento de quantia certa movida pelo Banco....., SA contra B..... e C....., D....., requereu a anulação do processado após a entrada em juízo das três propostas de compra juntas aos autos pelo encarregado da venda por negociação particular, por não ter sido notificado das mencionadas propostas. A arguida nulidade foi indeferida por se ter entendido que tendo a reclamação de créditos apresentada pelo requerente sido indeferida por despacho transitado em julgado, o agora agravante não tinha que ser notificado no âmbito do processo, nomeadamente nos termos e para efeito do disposto no artigo 886º-A do CPC. Discordando da referida decisão interpôs o presente recurso de agravo, tendo na sua alegação formulado as seguintes conclusões: 1ª- Encontra-se penhorado à ordem dos presentes autos um prédio rústico, denominado ".....", a pinhal, sito no lugar do....., freguesia de....., descrito na Conservatória do Registo Predial de ..... sob o nº .../... e inscrito na respectiva matriz predial rústica sob o art. ..º; 2ª- Conforme resulta da certidão emitida pela referenciada Conservatória do Registo Predial, que se encontra junta aos autos, encontra-se registada a favor do aqui agravante uma hipoteca voluntária sobre tal prédio; 3ª- Em 26/05/2000, no âmbito dos presentes autos, foi ordenada pelo Mº Juiz "a quo" a venda, por meio de propostas em carta fechada, do sobredito prédio; 4ª- O Mº Juiz "a quo" determinou tal modalidade de venda ouvindo previamente o exequente, Banco....., SA; 5ª- Todavia, não ouviu os executados, nem tão pouco os credores com garantia real sobre o bem penhorado, como é o caso do aqui agravante; 6ª- Porém, nos termos do art. 886º-A do C.P.C o Mº Juiz "a quo" em momento anterior à determinação da modalidade de venda, estava obrigado a ouvir o exequente, o executado e os credores com garantia sobre os bens a vender; 7ª- O ora agravante, como já se deixou antever, tem registada a seu favor uma hipoteca sobre o prédio penhorado; 8ª- Ora, se é certo que a reclamação de créditos, apresentada pelo ora recorrente, foi indeferida, por despacho, já transitado em julgado, 9ª- Também corresponde à verdade que não obstante tal despacho, o ora recorrente não perdeu a qualidade de credor com garantia real sobre o bem a vender; 10ª- Pelo que, é inolvidável que o agravante teria que ser notificado para se pronunciar sobre a modalidade de venda e sobre o valor base do prédio penhorado à ordem dos presentes autos; 11ª- A falta de audição do aqui recorrente, no que toca, à modalidade de venda do prédio penhorado e ao valor base do bem a vender, 12ª- Constitui omissão de uma formalidade que a lei prescreve e que, além do mais, influi decisivamente no exame ou decisão da causa, designadamente porque é susceptível de influenciar o preço obtido e consequentemente prejudicar os credores, in casu, o agravante – art. 201º do CPC; 13ª- Configurando, consequente, nulidade processual; 14ª- Sucede, porém, que a omissão de actos e ou formalidades que a lei prescreve, por parte do Mº. Juiz "a quo", não se ficou por aqui; 15ª- Com efeito, como resulta dos autos, não foi apresentada qualquer proposta para compra do prédio penhorado; 16ª- De tal inexistência de propostas somente foi notificada a exequente, Banco....., S.A; 17ª- O aqui agravante, bem como o executado e os credores reclamantes não foram notificados de tal inexistência de propostas; 18ª- A exequente na sequência de tal notificação, veio a requerer a venda por negociação particular; 19ª- Nos termos do art. 904º do C.P.C., a venda é feita por negociação particular: a) Quando assim o requeiram o exequente, o executado ou algum dos credores preferentes e, ouvidos os restantes interessados na venda (…); 20ª- Ora, o aqui agravante, não obstante ter sido indeferida a sua reclamação de créditos, na qualidade de credor hipotecário é claramente um interessado na venda; 21ª- Não tendo sido – como deveria ter sido – notificado para se pronunciar e ou ouvido pelo M.º juiz "a quo" antes deste ter determinado a venda por negociação particular; 22ª- Mais uma vez, foi omitida a formalidade que a lei prescreve e que, além do mais, influiu decisivamente no exame e decisão da causa, porquanto é susceptível de influenciar o preço do bem e, como tal, prejudicar os interessados – art. 201º C.P.C; 23ª- Configurando, tal como a anterior, nulidade processual; 24ª- Na sequência da venda por negociação particular, ordenada pelo Mº juiz "a quo", sem que previamente fosse ouvido o aqui agravante, o Sr. encarregado da venda, E....., veio a apresentar três propostas de compra, as quais contam dos autos; 25ª- A apresentação de tais propostas apenas foi notificada à exequente; 26ª- Não foram notificados da apresentação de tais propostas o ora agravante – na qualidade de credor hipotecário – os executados, nem os credores reclamantes; 27ª- Pelo que, mais uma vez foi omitida uma formalidade que a lei prescreve e que, além do mais, influiu decisivamente no exame e decisão da causa, dado que, teve influência directa sobre o preço do prédio, prejudicando claramente o credor hipotecário, ora agravante, que, assim, se vê impedido de recuperar o seu crédito na totalidade; 28ª- Configurando, novamente, nulidade processual – art. 201º CPC; 29ª- Qualquer uma das nulidades, acabadas de invocar, no nosso modesto entendimento, poderão ser invocadas pelo aqui agravante, quer por força da sua qualidade de credor hipotecário e, como tal, de interessado na observância da formalidade omitida, ao abrigo do disposto no art. 203º, nº1 do C.P.C; 30ª- Quer ainda por força do disposto no art. 286º do C.C., segundo o qual: - " A nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado (...) "; 31ª- Pelo que, não poderia o M.º Juiz "a quo", pelo simples facto de a reclamação de créditos, apresentada pelo agravante, ter sido indeferida, considerar que este carece de absoluta legitimidade para intervir nos p. autos, invocando as nulidades supra expostas, como consta do douto despacho recorrido; 32ª- Por outro lado, o agravante estava em tempo para arguir as nulidades vindas de expor, uma vez que delas só teve conhecimento ao proceder à consulta dos p. autos, na data em que apresentou o requerimento de fls…, o qual foi indeferido, pelo M.º Juiz "a quo", mediante douto despacho, de que ora se recorre – art. 205º, nº1 do CPC; 33ª- Com aquela infeliz decisão, violou o Mº Juiz "a quo" o disposto nos arts. 886º-A, nº1, 904º, 201º e 203º, nº1 do C.P.C. e, apenas para a hipótese de não se considerar que o agravante tinha legitimidade para intervir nos p. autos na qualidade de credor hipotecário e, como tal, de interessado na observância das formalidades omitidas, foi violado ainda o art. 286º do C.C. Nestes termos, deve ser julgado procedente o presente recurso, com todas as consequências legais, revogando-se em conformidade o douto despacho recorrido e substituindo-se por decisão que considere que o agravante tem legitimidade para arguir as invocadas nulidades e que as julgue procedentes, dando-se sem efeito tudo o que se processou após a determinação da modalidade de venda. Não houve contra-alegações. O M.º Juiz a quo sustentou a decisão recorrida. Corridos os vistos cumpre decidir * II – Questões a decidir Em face das alegações da recorrente e tendo em conta que no recurso não podem ser apreciadas questões novas, a única questão a decidir consiste em saber se ocorre a arguida nulidade e se o agravante tinha legitimidade para a arguir. III – Fundamentos 1. De facto. Além da factualidade referida no antecedente relatório, têm-se ainda como assentes os seguintes factos: Na execução instaurada pelo Banco....., SA contra B..... e C....., foi penhorado o prédio rústico denominado ....., descrito na Conservatória do Registo Predial de ..... sob o n.º .../... e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ...º. O agravante deduziu, em 22-09-2001, reclamação de créditos, invocando crédito garantido por hipoteca registada sobre o aludido prédio. A reclamação por ele deduzida foi indeferida, por decisão transitada em julgado. O agravante não foi ouvido sobre a modalidade e preço base da venda, nem do despacho proferido em 26-05-00 que ordenou a venda por meio de propostas em carta fechada. Não tendo sido apresentada nenhuma proposta foi, a pedido do exequente, determinada a venda por negociação particular. O agravante não foi notificado das propostas de compra juntas aos autos pelo encarregado da venda por negociação particular. As ditas propostas foram juntas aos autos em data posterior à da decisão de indeferimento da reclamação de créditos deduzida pelo agravante. 2. Mérito do recurso Salvo se estiver em causa matéria de conhecimento oficioso, situação que não ocorre no caso dos autos, os recursos são um meio de impugnação de decisões judiciais, destinando-se ao reexame de questões já suscitadas pelas partes e não à apreciação de questões novas (art. 676º n.º 1, do CPC). Assim, dado que o despacho recorrido recaiu apenas sobre a nulidade arguida pelo agravante com fundamento na alegada omissão de notificação ao próprio, bem como aos executados e demais reclamantes, das propostas de compra juntas aos autos pelo encarregado da venda por negociação particular, é apenas essa a questão que cabe apreciar no âmbito do presente recurso. Por não terem sido arguidas perante o tribunal a quo, não cabe apreciar no âmbito do presente recurso as nulidades invocadas nas conclusões do agravo, com fundamento na invocada omissão da audição do agravante sobre a modalidade da venda e preço base, na falta de notificação da inexistência de propostas e do pedido do exequente para a venda ser efectuada por negociação particular. Por ter sido essa a única questão submetida à apreciação do tribunal a quo há que apreciar e decidir apenas se ocorre e se o agravante tem legitimidade para invocar a nulidade arguida com fundamento na alegada falta de notificação das propostas de compra juntas aos autos pelo encarregado da venda. Sustenta o agravante que apesar de ter sido indeferida a reclamação de créditos por ele deduzida, enquanto credor com garantia hipotecária sobre o bem em venda deveria ter sido notificado das ditas propostas de compra. Conclui que a omissão de tal notificação constitui nulidade, tendo o agravante legitimidade para a arguir na qualidade de credor com garantia real sobre o prédio penhorado e vendido na execução. Entendemos que não lhe assiste razão. Tendo em vista a venda, adjudicação ou entrega dos bens penhorados, livres de quaisquer encargos, abre-se no processo executivo a fase do concurso de credores, nos termos do art.º 864º, n.º 1 do CPC, a fim dos credores que gozem de garantia real sobre os bens penhorados poderem reclamar os seus créditos, para serem reconhecidos ou verificados, graduados e pagos pelo produto da venda. E após o pagamento do preço e do imposto devido, são mandados cancelar oficiosamente os registos dos direitos reais que caducam, nos termos do art.º 824º, n.º 2 do Código Civil (art.º 888º do CPC). Esta actividade destina-se a que os bens sejam transmitidos livres dos direitos de garantia que os onerarem, bem como dos demais direitos reais que não tenham registo anterior ao de qualquer arresto, penhora ou garantia, com excepção dos que, constituídos em data anterior, produzam efeitos em relação a terceiros independentemente de registo, sendo que os direitos de terceiro que caducarem nestes termos transferem-se para o produto da venda dos respectivos bens (citado art.º 824º, n.ºs 2 e 3). Relativamente aos direitos de garantia, caducam todos com a venda executiva, como resulta do n.º 2 do citado art.º 824º, uma vez que os bens são transmitidos livres de todos eles, sejam de constituição anterior ou posterior à penhora e tenha havido ou não reclamação na execução dos créditos que garantem (cfr. Lebre de Freitas, em A Acção Executiva, 2ª ed., pág. 274; Eurico Lopes Cardoso, Manual da Acção Executiva, 3ª ed., 1964, pág. 623). Da conjugação das regras que se acabaram de expor resulta que a falta de reclamação pelo credor que tenha sido citado, nos termos do art.º 864º do CPC, do seu crédito com garantia real, conduz à caducidade dessa garantia, pois só assim se compreende que os bens sejam transmitidos livres de direitos reais de garantia (cfr., neste sentido, Anselmo de Castro, A Acção Executiva Singular Comum e Especial, 1977, págs. 186 e 274; José Alberto dos Reis, Processo de Execução, ob. cit., pág. 409; e acórdão do STJ de 3/10/95, na CJ – STJ -, ano III, tomo III, pág. 41). Os credores com direitos reais de garantia que não se apresentassem a reclamar os seus créditos no processo executivo, tendo sido citados nos termos do art.º 864º, sofrem a consequência de ver desaparecer o seu direito de garantia, o qual caduca, subsistindo embora o crédito, visto que nenhuma causa legítima o fez extinguir. O mesmo sucedendo no caso de ter sido apresentada reclamação que tenha sido indeferida, pois, nesse caso, tudo se passa como se não tivesse sido apresentada. Decorre do que se deixa exposto que ao contrário do que sustenta o agravante, vendido o prédio penhorado na execução, não mantém a alegada qualidade de credor com garantia real sobre o dito prédio. Com a venda, aquele bem transferiu-se para o adquirente, livre de todos os direitos reais de garantia, onde se inclui a hipoteca, a qual vê assim mais uma causa de extinção a acrescer às previstas no art.º 730º do C. Civil (cfr. Ac. do STJ de 13/1/89, BMJ n.º 383, pág. 545). Enquanto credor com garantia hipotecária sobre o bem penhorado na execução, imponha a lei a notificação do agravante para reclamar o seu crédito (art.864º do CPC). Mas o agravante não alega, nem resulta dos autos que tenha sido omitida a referida notificação. Tanto assim que apresentou reclamação de créditos. Porém, a deduzida reclamação foi indeferida, por despacho que transitou em julgado. Transitado o despacho que indeferiu a sua reclamação deixou de ter a posição de credor reclamante, única qualidade que legitimava a sua intervenção nos autos. Não tinha, pois, que ser notificado das propostas de compra juntas aos autos pelo encarregado da venda por negociação particular, não tendo havido omissão de acto imposto pela lei processual susceptível de integrar a arguida nulidade. Tão pouco, como bem refere o despacho recorrido, tinha legitimidade para arguir a nulidade decorrente da alegada omissão de notificação dos executados e demais reclamantes. A expressão "interessado na observância da formalidade ou na repetição ou eliminação do acto", contido no artigo 203, nº1 do Código de Processo Civil, abrange apenas quem for parte, principal ou acessória, no processo. Só podem arguir a nulidade de um acto processual ocorrido na execução, o exequente, o executado e os credores reclamantes, estes enquanto mantiveram essa posição nos autos. Tendo cessado a posição de credor reclamante com o indeferimento da reclamação deduzida pelo agravante, não tinha legitimidade para arguir a invocada nulidade. Embora, como se referiu, por se tratar de questão nova, não tenha que ser apreciada no âmbito do presente recurso, sempre se dirá que tendo a reclamação de créditos do agravante sido apresentada em data posterior à do despacho que determinou a modalidade da venda e preço base, o agravante não tinha que ser ouvido nos termos e para efeitos do disposto no artigo 886º-A do CPC, dado que à data não tinha a qualidade de credor reclamante. Não foram, pois, violadas as disposições legais invocadas pelo agravante, não merecendo a decisão recorrida qualquer censura. IV – Decisão Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida Custas pelo agravante. * Porto, 02 de Novembro de 2004Alziro Antunes Cardoso Albino de Lemos Jorge Rui Fernando da Silva Pelayo Gonçalves |