Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP00041070 | ||
| Relator: | DEOLINDA VARÃO | ||
| Descritores: | EMBARGOS DE TERCEIRO DIREITO DE PROPRIEDADE AQUISIÇÃO REGISTO PREDIAL TERCEIRO | ||
| Nº do Documento: | RP200802070735266 | ||
| Data do Acordão: | 02/07/2008 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
| Decisão: | CONFIRMADA. | ||
| Indicações Eventuais: | LIVRO 747 - FLS. 174. | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I – O embargante que se arrogue proprietário dos bens cuja apreensão foi ordenada ou realizada, invocando tê-los adquirido de pessoa diversa do executado, tem de alegar os factos integradores da aquisição do direito por qualquer um dos modos previstos na lei e, se não tiver a seu favor a presunção registral emanada do art. 7º do CRP, tem de alegar factos integradores de uma forma de aquisição originária (v. g., a usucapião) e de uma forma de aquisição derivada (compra e venda, doação, sucessão por morte, partilha subsequente a divórcio, etc). II – O embargante que tenha adquirido do executado não tem de alegar nem provar uma forma de aquisição originária do direito de propriedade, bastando-lhe alegar e provar o acto translativo do direito de propriedade da esfera jurídica do executado para a sua (aquisição derivada). III – Em tal situação, resta ao exequente, como meio de defesa, infirmar a transmissão ou o respectivo título, alegando, por exemplo, a sua invalidade ou ineficácia. IV – O nº4 do art. 5º do CRP, na esteira do AU nº3/99, ao restringir o conceito de terceiro nos termos em que o fez, excluiu ab initio os casos em que o titular inscrito não tem intervenção voluntária na transmissão do direito, mas é sujeito passivo desse direito, abrangendo, assim, os direitos reais de garantia, tais como o arresto, a penhora, a hipoteca judicial, etc. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação do Porto I. B………………… e C……………. deduziram embargos de terceiro por apenso aos autos de execução para pagamento de quantia certa que D…………………, LDA instaurou contra E………………, LDA e F…………………. Pediram que fosse reconhecido o seu direito de propriedade sobre o prédio descrito no artº 1º da petição inicial e que fosse levantada a penhora que incide sobre o mesmo. Como fundamento, alegaram que compraram o referido prédio e que não registaram a propriedade na altura da compra. A embargada/exequente contestou, impugnando os factos alegados pelos embargantes e alegando, sumariamente, que a celebração do negócio de compra e venda realizado pelo executado F……………. e pelo embargante B………….. apenas se destinou a evitar que os bens pertencentes àquele fossem executados, que o comprador nada pagou e o vendedor nada recebeu, tendo o referido negócio sido o resultado de um acordo entre o executado e embargante com o intuito de enganar terceiros, designadamente, a exequente/embargada. Percorrida a tramitação normal, foi proferida sentença que julgou os embargos procedentes e, em consequência, ordenou o levantamento da penhora sobre o prédio urbano identificado nos autos. Inconformada, a embargada/exequente recorreu, formulando as seguintes Conclusões 1ª – O regime dos embargos de terceiro encontra-se hoje regulado nos artºs 351º a 358º do CPC e contempla a posse ou qualquer outro direito incompatível com a realização ou âmbito da diligência. 2ª – Ao embargante incumbe o ónus de alegar e provar a sua qualidade de possuidor ou de titular de outro direito incompatível. 3ª – O embargante deve aduzir factos e argumentos que demonstrem a posse ou direito. Não basta a simples alegação de que é possuidor ou proprietário, conforme resulta da regra de que a quem invoca um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado (artº 342º, nº 1 do CC). 4ª – Os embargantes só estariam dispensados dessa alegação e prova se existisse a inversão do ónus da prova (como no caso do registo). 5ª – Não tendo os embargantes o benefício da presunção do direito derivado do registo, não estavam dispensados da alegação e prova do direito invocado. 6ª – Não pode considerar-se preenchido esse ónus com a junção aos autos de uma cópia de uma escritura com a simples alegação de que se é proprietário. 7ª – A cópia simples não pode ser considerado documento autêntico e não tem a força probatória prevista no artº 371º, nº 1 do CC. 8ª – Na fundamentação da sentença, o juiz tomará em consideração os factos provados por documento, fazendo o exame crítico das provas (artº 659º, nº 3 do CPC). 9ª – A sentença recorrida não fez o exame crítico das provas e condenou em quantia superior e diversa do pedido, pois que não podia considerar provados factos que não foram alegados e cuja alegação e prova competia aos embargantes. Não foram apresentadas contra-alegações. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. * II.Estão provados os seguintes factos: Por escritura pública celebrada em 28.12.99, F………….. declarou vender a B………….. pelo preço de 2 000 000$00, que dele já recebeu, um prédio urbano, composto de terreno destinado a construção urbana, com a área de 816 m2, sito no ……. ou ……….., freguesia e concelho de Soure, designado por lote nº 36, a confrontar do Norte com o lote nº 35 de G…………….., do Sul com H………………., Ldª, do Nascente e Poente com a rua, que se encontra descrito na CRP de Soure sob o nº 4576 daquela freguesia, estando inscrito na matriz predial urbana sob o artº 5725, tendo o B……………. dito que aceita o presente contrato nos termos exarados. (A) O prédio aludido em A) encontra-se registado na CRP de Soure em nome de F……………... (B) Nos autos de acção executiva em que figura como exequente D……………, Lda e executados E……………, Lda e F…………….., no dia 06.02.04, foi efectuada a penhora do prédio identificado em A). (C) A penhora aludida em C) foi registada em 06.02.04. (doc. de fls. 33 e 34 do processo executivo) * III.São questões a decidir (delimitadas pelas conclusões da alegação da agravante - artºs 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do CPC): - Se o documento junto a fls. 7 e seguintes faz prova plena da compra e venda do bem imóvel penhorado; - Se os embargantes tinham de alegar e provar uma forma de aquisição originária do seu direito de propriedade sobre o bem penhorado. 1. Valor probatório do documento de fls. 7 e seguintes A nossa lei civil consagrou uma noção ampla de documento, definindo-o como qualquer objecto elaborado pelo homem com o fim de reproduzir ou representar uma pessoa, coisa ou facto (artº 362º do CC – Diploma a que pertencem todas as normas adiante citadas sem menção de origem). Os documentos escritos podem ser autênticos ou particulares (artº 363º, nº 1). Documentos autênticos são aqueles que são exarados, com as formalidades legais, pelas autoridades públicas nos limites da sua competência ou, dentro do círculo de actividade que lhe é atribuído, pelo notário ou outro oficial público provido de fé pública; todos os documentos que não tenham sido exarados naqueles termos são documentos particulares (nº 2 do normativo citado), que podem, no entanto, haver-se por autenticados, se forem confirmados pelas partes, perante notário, nos termos prescritos nas leis notariais (nº 3 da mesma norma). No artº 273º estabelecem-se os requisitos dos documentos particulares: estes devem ser assinados pelo seu autor ou por outrem a seu rogo (nº 1), admitindo-se, em certos casos, a substituição da assinatura por simples reprodução mecânica (nº 2). Só os documentos particulares que satisfaçam os requisitos previstos naquele normativo podem ter força probatória formal nos termos previstos nos artºs 374º a 376º. A letra e a assinatura, ou só a assinatura, de um documento particular, consideram-se verdadeiras, quando reconhecidas ou não impugnadas pela parte contra quem o documento é apresentado, ou quando esta declare não saber se lhe pertencem, apesar de lhe terem sido atribuídos, ou quando sejam havidas legal ou judicialmente como verdadeiras (artº 374º, nº 1). Os documentos particulares cuja autoria seja reconhecida nos termos do normativo anterior, fazem prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento (artº 376º, nº 1). Já os factos compreendidos na declaração se consideram provados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante; mas a declaração é indivisível nos termos prescritos para a prova por confissão (nº 2 do mesmo normativo). O requisito legal dos documentos particulares que releva para o efeito de lhe atribuir força probatória formal nos termos dos normativos acima citados é apenas o que consta do artº 373º, ou seja, a assinatura do seu autor. Como refere Vaz Serra[1], a assinatura é requisito essencial do verdadeiro e próprio documento particular. A assinatura é o acto pelo qual o autor do documento faz seu o conteúdo deste, o acto, portanto, que lhe confere a sua autoria e que justifica a força probatória do mesmo documento. Os documentos que não tenham os requisitos legais, - o que, tratando-se de documentos particulares, repetimos, são os que não contenham a assinatura do seu autor - não podem fazer prova plena nem quando às declarações atribuídas ao seu autor, nem quanto aos factos contidos nas mesmas, nos termos do citado artº 376º. Aqueles documentos são assim livremente apreciados pelo tribunal, de acordo com o princípio geral ínsito no artº 366º, cuja doutrina vale para todo o tipo de documentos[2]. A lei atribui, no entanto, força probatória especial a alguns documentos que não contêm a assinatura do seu autor. É o caso das certidões, certidões de certidões, públicas-formas e fotocópias de documentos, previstas nos artºs 383º, 384º, 386º e 387º. As certidões são cópias de documentos autênticos ou particulares arquivados nas repartições notariais ou noutras repartições públicas, cujo teor reproduz por meio não fotográfico (artº 383º, nº 1); as públicas-formas são cópias, expedidas por oficial público autorizado (maxime, o notário) de documentos autênticos ou particulares avulsos, cujo teor reproduzem por meio não fotográfico (artº 386º, nº 1). De acordo com as mesmas disposições legais, a elas é atribuída a força probatória do respectivo original, que só pode ser invalidada pelo confronto com o original nos termos prescritos nos artº 385º e 386º. As certidões e as públicas-formas, para o serem, têm de conter os requisitos mencionados nos artºs 167º e segs. do C. do Notariado. Quanto às fotocópias de documentos arquivados nas repartições notariais ou noutras repartições públicas têm a força probatória das certidões de teor, se a conformidade delas com o original for atestada pela entidade competente para expedir estas últimas, têm a força probatória das certidões de teor (artº 387º, nº 1), aplicando-se-lhes também o disposto no artº 385º. A competência para certificar a autenticidade de todo o género de fotocópias, incluindo as de documentos emanados de entidades públicas, pertence aos notários (artº 171º-A do C. do Notariado) e a diversas outras entidades, designadamente as Juntas de Freguesia, os operadores de serviço público dos CTT, as Câmaras de Comércio e Indústria, os Advogados e os Solicitadores (artº 1º do DL 28/00 de 13.03). As fotocópias certificadas por aquelas entidades de acordo com o formalismo previsto no nº 4 do mesmo normativo têm o mesmo valor dos originais (nº 5 da referida norma). A compra e venda de bem imóvel só é válida se for celebrada por escritura pública (artº 875º e artº 89º, al. a) do C. do Notariado). Como tal, só pode ser provada pelo original da respectiva escritura (que é um documento autêntico) ou por certidão da mesma, emitida nos termos acima referidos (cfr. artº 164º, nº 1 do C. do Notariado), que tem o mesmo valor que o original. O documento junto a fls. 7 e seguintes dos autos é uma fotocópia simples de uma certidão da escritura de compra e venda do imóvel penhorado nos autos principais emitida nos termos do artº 164º do C. do Notariado. Pode ler-se no preâmbulo do DL 533/99 que "se aproveita tomando partido pela clássica definição de Manuel de Andrade, para inserir no artigo 5º do Código do Registo Predial o que deve entender-se por terceiros, para efeitos de registo, pondo-se cobro a divergências jurisprudenciais geradoras de insegurança sobre a titularidade dos bens". Donde, a redacção dada ao nº 4 do artº 5º do CRP não pode deixar de se ter como interpretativa para os efeitos do nº 1 do artº 13º do CC, como tal se integrando na lei interpretada. Na redacção dada ao preceito em causa, omitiu-se a referência à boa fé como requisito da qualidade de terceiro, mas essa boa fé não pode deixar de ser exigida. Como se escreveu no Ac. do STJ de 05.05.05, a boa fé constava expressamente do segmento uniformizador do Ac. do STJ nº 3/99 e correspondia à noção defendida por Manuel de Andrade, a que o legislador declarou aderir. E, na verdade, o que se pretende com a publicidade registral é informar os terceiros acerca das titularidades sobre os prédios, a fim de evitar que sejam feitas aquisições a quem não tenha legitimidade para alienar. Sendo assim, parece legítimo concluir que a letra do artigo 5º, nº 1, apenas pretendeu proteger os terceiros que, iludidos pelo facto de não constar do registo a nova titularidade, foram negociar com a pessoa que no registo (ou fora dele) continuava a aparecer como sendo o titular do direito, apesar de já o não ser. Sucede que, in casu, o acto registado é uma penhora: o que significa que a embargada/exequente, embora tenha adquirido sobre o mesmo prédio um direito incompatível com o dos embargantes, adquiriu esse direito sem intervenção voluntária do titular inscrito e, portanto, não é “adquirente de um mesmo transmitente comum”, pelo que, desde logo, não é terceiro para efeitos de registo predial. * IV.Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação e, em consequência: - Confirma-se a sentença recorrida. Custas pela apelante. *** Porto, 07 de Fevereiro de 2008 Deolinda Maria Fazendas Borges Varão Evaristo José Freitas Vieira Manuel Lopes Madeira Pinto _____________ [1]BMJ 111º-155 e 161. [2] Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, I, 3ª ed., 323. [3] Galvão Teles, Contrato-Promessa de Compra e Venda, Parecer inserido na CJ-84-IV-8. [4] Neste sentido, ver o Ac. deste Relação de 15.03.95, www.dgsi.pt. [5] Ac. desta Relação de 12.01.98, www.dgsi.pt. [6] Cfr. os Acs. do STJ de 26.06.84, 09.02.93 e 12.01.95, www.dgsi.pt. [7] Cfr., entre outros, o Ac. da RC de 16.06.87, CJ-87-III-39. [8] CPC Anotado, I, 323. [9] Ac. desta Relação de 07.05.96, www.dgsi.pt. [10] Teoria Geral da Relação Jurídica, II, 19 e 19 vº. [11] Neste sentido, ver, entre outros, os Acs. do STJ de 29.09.93, CJ/STJ-93-III-29, 18.05.94, CJ/STJ-94-II-111, 22.11.95, CJ/STJ-95-III-109 e 13.02.96, CJ/STJ-96-I-89, deste Relação de 07.04.92, CJ-92-II-230, da RC de 24.05.88, CJ-88-III-79, 26.06.90, CJ-90-III-62 e 05.05.96, CJ-96-2-7, e da RL de 14.01.93, CJ-93-I-105. [12] V.g., Oliveira Ascensão, Direitos Reais, 408 e segs., Antunes Varela e Henrique Mesquita, RLJ, Ano 127º, 20, Vaz Serra, RLJ, Ano 103º, 165, Pires de Lima e Antunes Varela, obra citada, II, 3ª ed., 94, e Anselmo de Castro, A Acção Executiva Singular, Comum e Especial, 3ª ed., 161. [13] Neste sentido se pronunciaram, entre outros, os Acs. do STJ de 17.02.94, CJ/STJ-I-105, desta Relação de 11.04.94, CJ-94-II-207 e da RL de 26.09.89, BMJ 389º-640. [14] DR I Série-A, de 04.07.97. [15] DR I Série-A, de 10.07.99. [16] Actual artº 821º, nº 1. |