Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0551194
Nº Convencional: JTRP00038092
Relator: CUNHA BARBOSA
Descritores: CONTRATO
ALD
NATUREZA JURÍDICA
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
CLÁUSULA PENAL
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RP200505230551194
Data do Acordão: 05/23/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE.
Área Temática: .
Sumário: I - O contrato vulgarmente designado de ALD é um contrato atípico ou inominado, não podendo ser reduzido a um mero contrato de locação, tal como o define o art. 1022º do Código Civil.
II - Tal contrato pode ser resolvido extrajudicialmente, em caso de incumprimento definitivo por parte do locatário.
III - Estabelecendo o contrato uma cláusula penal visando o sancionamento do atraso relativo, respectivamente, ao não cumprimento pontual das prestações e da não entrega atempada do equipamento após a resolução, nada impede que o credor peça o pagamento das prestações vencidas e em dívida, à data da resolução, e a entrega do equipamento, concomitantemente com a sanção prevista para o atraso na satisfação de tais prestações.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam neste Tribunal da Relação do Porto:

1. Relatório:
Na .. Vara Cível da Comarca do Porto, sob o nº ..../03......., B.........., S.A., instaurou uma acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra C.........., pedindo que fosse:
« ... declarada a resolução do contrato referido nos artigos 2º e seguintes da P.I., por culpa exclusiva da Ré, com efeitos a partir de 13 de Março de 2003, e em consequência, ser a Ré condenada a: a) restituição do equipamento; b) pagar à Autora a quantia de € 9.459,98, correspondente aos alugueres vencidos e não pagos e respectivos juros, acrescida de juros vincendos à taxa contratual ali fixada (APB), acrescida de 4%, sobre € 8.511,45 desde a presente data até efectivo e integral Pagamento; c) pagar à Autora a quantia que se vier a calcular em execução de sentença a título de indemnização compensatória pelos prejuízos e encargos por esta suportados em razão directa da resolução contratual, prevista na alínea b) da cláusula 14ª do contrato ao abrigo do disposto nos arts. 471º e 661º do C.P.C.; d) pagar à Autora a quantia que se vier a calcular corresponder à mora na restituição do veículo, nos termos previstos na cláusula 15ª do contrato e ao abrigo do disposto nos arts. 471º e 661º do C.P.C.; ...».
Fundamenta o seu pedido em que:
- No exercício da sua actividade, a A. celebrou com a Ré, em 22 de Setembro de 2001, um contrato de aluguer, tendo por objecto um MINI ..........;
- Nos termos desse contrato, a Ré ficou obrigada ao pagamento pelo prazo de 37 meses em 37 alugueres, no valor de € 647,07 cada, valor que inclui IVA à taxa legal;
- O equipamento referido foi entregue à Ré pela Autora à data da celebração do contrato;
- A Ré não pagou as mensalidade vencidas aos dias 30 de Outubro de 2001, 30 de Janeiro, 30 de Março, 30 de Maio a 30 de Novembro de 2002;
- A A., por carta de 19.12.2002, interpelou a Ré para proceder à liquidação das mensalidades vencidas;
- A A., ao abrigo da 14ª cláusula das Condições Gerais do Contrato, procedeu à resolução deste, resolução que foi comunicada à Ré, por carta de 13 de Março de 2003;
- Por meio dessa mesma carta, a Autora interpelou a Ré para a restituição do equipamento objecto do contrato ora ajuizado;
- A Ré não procedeu à devolução do equipamento, nem pagou as quantias em dívida;
- Mostram-se vencidos e não pagos os alugueres relativos aos meses de Outubro de 2001, Janeiro, Março, Maio a Dezembro de 2002, Janeiro e Fevereiro de 2003, no montante global de € 8.511,45;
- Nos termos da cláusula 6ª das Condições Gerais do Contrato, são devidos pelo Réu juros de mora à taxa contratual ali fixada (APB), acrescida de 4% a título de cláusula penal, juros esses que ascendem, nesta data, a € 948,53;
- Por força da cláusula 15ª das Condições Gerais do Contrato, ficou a Autora com direito a receber da Ré, a título de cláusula penal, sem prejuízo de outras consequências legais, e havendo mora na devolução da viatura, uma quantia correspondente ao dobro daquela a que teria direito caso o contrato permanecesse em vigor por um lapso de tempo igual ao período da mora.
Conclui pela procedência da acção.
*
Na sua contestação, a Ré, aceitando a resolução do contrato, alega que a mora na entrega do veículo se prolongou por 13 meses, pelo que deve a quantia de € 16.823,82, a título de cláusula penal, a qual, tendo uma função reparadora ou indemnizatória dos danos, não é cumulável com qualquer outra indemnização ou juros de mora.
Conclui pela procedência parcial da acção, declarando-se reduzido o pedido ao montante total de € 16.823,82, relativo às rendas vencidas acrescida da cláusula penal.
*
Na réplica, a A. reitera o pedido formulado, alegando que, em consequência da resolução do contrato por falta de pagamento de prestações, pode o locador reter as rendas vencidas e já pagas, exigir o pagamento das rendas já vencidas e não pagas e, ainda, exigir o pagamento da indemnização convencionada para o incumprimento do locatário.
Conclui como na petição inicial.
*
Foi elaborado saneador/sentença, no qual veio a ser proferida a seguinte decisão:
“...
Nestes termos e com tais fundamentos, julgo a presente acção parcialmente procedente, e, em consequência, condeno a Ré a pagar à Autora a quantia de € 9.459,98, acrescida de juros de mora desde a citação, à taxa de 12% ao ano.
...”
*
Não se conformando com a decisão proferida, dela a A. interpôs o presente recurso de apelação e, tendo alegado, formulou as seguintes conclusões:
1ª - A questão essencial com base na qual o Mmº Juiz a quo julgou a presente acção parcialmente (im)procedente relativamente aos pedidos formulados, é aquela que se prende com a forma, ou se pretendermos, com o modus operandi, da resolução contratual;
2ª - É correcto que o contrato em apreço não tem por objecto um veículo automóvel e, nessa medida, não será subsumível ao Dec. Lei nº 354/86, de 23/10;
3ª - Certo é também que o mesmo se deverá reger pelas normas constantes da locação, plasmadas no Código Civil, maxime no seu art. 1047;
4ª - E se é certo que nessa medida a Douta Sentença não merecerá qualquer reparo, com o devido respeito, que é muito, o mesmo não se dirá no que concerne à consideração de natureza imperativa de tal preceito;
5ª - Como qualquer outro contrato sinalagmático, a resolução do contrato resulta da falta de cumprimento por qualquer das partes das obrigações por elas assumidas;
6ª - O preceito em apreço refere-se apenas e tão só à resolução por incumprimento do locatário, rectius, das obrigações contratuais do locatário, dispondo que, em tal caso o contrato só se poderá haver por resolvido mediante decisão judicial;
7ª - Porém, e se analisada a ratio subjacente a tal normativo, cedo se antolha que a mesma se prende com a necessidade sentida de não permitir a resolução contratual por simples comunicação do locador ao locatário, nos casos em que a locação verse sobre bens imóveis. Dir-se-á que neste caso concreto, foi intenção expressa do legislador consignar especial protecção à relação locatícia que se confunde com o arrendamento;
8ª - Afigura-se-nos assim evidente que não foi intenção do legislador e, logo não se encontrar no espírito da Lei, conferir igual grau proteccionista às relações contratuais cujo objecto se centrasse na locação de meros bens móveis, ademais e como in casu, não sujeito a registo;
9ª - Acresce que conforme estatui o artigo 9º do Código Civil, a interpretação não deve cingir-se à letra da Lei, mas reconstituir, a partir dos textos, o pensamento legislativo;
10ª - Efectuada a interpretação em obediência a tais princípios, não será despiciendo notar que cuidou o legislador, com a publicação do DL 354/86 de 23/10 afastar do âmbito da lei geral da locação o aluguer de bens móveis sujeitos a registo, ao caso, veículos automóveis e similares, no que concerne à forma da resolução contratual;
11ª - Entendeu o legislador ser formalismo excessivo a resolução por via judicial dos contratos que tivessem por objecto bens móveis sujeitos a registo;
12ª - Assim sendo como efectivamente o é, como poderia pretender-se maior formalismo para os meros bens móveis, tão pouco sujeitos a registo ? Que justificação haveria para tão excessivo proteccionismo?
13ª - Para além de que a prevalecer a tese perfilhada na Douta Sentença recorrida inundados ficariam os Tribunais com acções destinadas ao reconhecimento da resolução contratual de qualquer tipo de bem móvel locado, por mais insignificante que o fosse;
14ª - De tudo resultando que, quanto mais não seja por interpretação extensiva do aludido DL 354/98 de 23/10 se deverá considerar como apto para a resolução contratual dos contratos de aluguer de bens móveis (não veículos automóveis), a simples comunicação do locador ao locatário;
15ª - Deste modo e sem necessidade de mais explanações, mas sempre com o douto suprimento de Vossas Excelências deverá considerar-se validamente resolvido o contrato de locação dos autos a partir de 13 de Março de 2003, por força da comunicação enviada pela Apelante à locatária em 13 de Março de 2003;
16ª - Sem prescindir, e conforme já alegado, é plena convicção da apelante que o artigo 1047 do C.C. não assume natureza de forma imperativa, porquanto passível de ser afastada por vontade das partes;
17ª - Conforme ensinam Pires de Lima e Antunes Varela em Código Civil anotado vol. II «a esse direito que, segundo o artigo 1047, tem de ser exercido por intermédio do Tribunal (quer quanto ao arrendamento onde a exigência legal tem especial interesse, quer quanto ao aluguer), salvo evidentemente o caso de acordo das partes quanto à resolução»;
18ª - Do contrato in casu resulta expresso o acordo das partes quanto à resolução – vide cláusula 14ª das Condições Gerais do contrato – aí se prevendo que esta possa ocorrer por simples comunicação escrita do locador ao locatário. Donde, também por esta via, se deverá considerar a resolução contratual validamente efectuada;
19ª - Também sem prescindir, mesmo que se considerasse que tal resolução se teria de operar por via judicial, o que apenas por mera hipótese académica se concede, sempre se deveria considerar o contrato sub judice resolvido desde a data em que foi proferida a douta sentença recorrida, Pelo que,
20ª - Resolvido que se encontrasse (e encontra) o contrato, nos termos e por força do consignado na cláusula 14ª do contrato, sempre terá o locador e aqui recorrente direito a ver-se ressarcido pelo valor da indemnização aí contemplada;
21ª - Indemnização essa que encontra a sua fonte, não no artigo 1045 do C.C. mas na cláusula 14ª do contrato em apreço;
22ª - No que respeita ao pedido formulado e relativo aos juros de mora sobre os alugueres vencidos, igualmente se afigura não ter razão o Mmº Juiz a quo, porquanto, tal cláusula é válida e perfeitamente legal já que se enquadra no espírito do contrato celebrado, e entretanto resolvido extrajudicialmente;
23ª - Assim, assiste o direito da Recorrente peticionar os juros de mora à taxa contratualmente sobre cada uma das rendas vencidas e não pagas desde a data do seu vencimento até integral e efectivo pagamento;
24ª - Esta indemnização pela mora está clausulada no contrato dos autos e enuncia que em caso de não pagamento pontual de quaisquer quantias devidas,…. serão devidos juros de mora à taxa publicitada pela APB acrescida de quatro pontos percentuais, a título de cláusula penal moratória (clausula 6ª das condições gerais do contrato de ALD);
25ª - Sendo assim firme convicção da recorrente que, por força da resolução operada e em consequência do não pagamento dos alugueres vencidos, a recorrida se constituiu na obrigação de pagar à aqui recorrente, o montante dos juros de mora peticionados;
26ª - Isto tudo na sequência lógica do que vem plasmado no art. 804º do Código Civil, que enuncia que a simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor;
27ª - Sendo assim, a clausula do contrato que permite a cobrança de juros de mora legal é perfeitamente válida;
28ª - No que se refere ao pedido indemnizatório peticionado e contratualmente fixado na alínea b) da cláusula 14ª das condições gerais também é devido e perfeitamente legal, isto porque
29ª - Foi através desta cláusula, que as partes convencionaram que a recorrente em caso de resolução do contrato, seria indemnizada pelos prejuízos resultantes da resolução do mesmo;
30ª - Esta clausula é permitida, atento o princípio da liberdade contratual consagrado no art. 405° do Código Civil e penaliza o contraente inadimplente pelo não cumprimento das suas obrigações contratuais;
31ª - A Recorrente com a resolução do contrato adquiriu contratualmente e dentro dos princípios da liberdade contratual, o direito a ser ressarcida pelos danos sofridos com essa resolução.
32ª - A lei consagra o princípio da liberdade contratual podendo as partes fixar por acordo cláusulas penais para o incumprimento.
33ª - Esta clausula tem uma dupla função, reparadora e coercitiva, para estimular de modo especial o devedor das rendas a cumprir e reparar os prejuízos causados pelo incumprimento, designadamente os derivados do desgaste, os da desactualização dos bens locados e demais riscos do locador.
34ª - Tal indemnização penaliza a ruptura contratual derivada da resolução do contrato.
35ª - E, tem como finalidade compensar a recorrente da frustração da expectativa que linha e das vantagens económicas que poderia obter pelo cumprimento integral do contrato,
36ª - No que respeita ao pedido formulado e relativo indemnização pela mora na restituição do equipamento locado, igualmente se afigura não ter razão o Mmo Juiz a quo, porquanto,
37ª - Pois que, a entender-se, como efectivamente se deve entender, que a resolução de um contrato de Aluguer de Longa Duração poderá sempre operar-se por simples comunicação escrita do contraente não inadimplente, na medida em que tal se encontra contratualmente previsto, apodíctico se mostra que o Recorrido tinha a obrigação de restituir o equipamento locado, pois que, para tal havia já sido interpelado extra-judicialmente, com a comunicação da resolução do contrato.
38ª - Estatui a cláusula 15ª das condições gerais do contrato de Aluguer de Longa Duração: “Caso o contrato tenha sido resolvido e o Cliente não devolva atempadamente o equipamento, a B.........., S.A. terá direito, a titulo de clausula penal por esta mora na devolução a receber uma quantia igual ao dobro daquela a que teria direito se o aluguer permanecesse em vigor, por um lapso de tempo igual ao da mora”
39ª - Isto é, os contraentes estipularam contratual e expressamente que, na eventualidade do contrato cessar os seus efeitos (seja por resolução, ou por qualquer causa ou fundamento), o locatário se constitui na obrigação de proceder á restituição imediata do equipamento locado, sob pena de, não o fazendo, incorrer em mora cujo ressarcimento se encontra pré-fixado através daquela cláusula penal.
40ª - Esta cláusula penal insere-se no plano da liberdade contratual e neste âmbito uma sanção convencionada entre as partes, essencialmente ligada à ideia de mora, do não cumprimento ou do cumprimento defeituoso da obrigação de entrega do veículo locado.
41ª - Ademais, enquadra-se no espírito do contrato celebrado, e entretanto resolvido, na medida em que, não subsistindo a locação, a nenhum titulo poderão os locatários (que a partir do momento da cessação dos efeitos do contrato passa a ser um simples terceiro) continuar a utilizar aquilo que não lhes pertence, e assim impedindo que o locador possa dar ao veículo o destino do seu objecto social - o Aluguer de Longa Duração
42ª - A pari, e em razão de tudo o supra alegado evidente se mostra igualmente que o contrato dos autos não se subsume ao regime jurídico da locação, maxime no que toca ao formalismo da sua resolução e à indemnização pela mora correspondente a 50% dos alugueres vencidos.
43ª - Assim e em razão de tudo o supra alegado evidente se mostra igualmente que o contrato dos autos não se subsume ao regime jurídico da locação. maxime no que tange ao formalismo da sua resolução;
44ª - Pois que, é firme convicção da Recorrente que, face à factualidade assente, a Recorrida se constituiu na obrigação de pagar à Autora e aqui Recorrente, o montante global dos alugueres vencidos, acrescidos dos respectivos juros à taxa contratualmente estabelecida, à indemnização pelos prejuízos e encargos suportados pela Autora em razão directa da resolução contratual e bom assim à indemnização pela mora na restituição da viatura;
45ª - Ao decidir como decidiu, violou o Mmº Juiz a quo, as disposições dos arts. 432º, 436º, 804º, 1041º do CC.
*
A Ré não apresentou contra-alegações.
*
Foram colhidos os vistos legais, cumprindo decidir.
Assim:
*
2. Conhecendo do recurso (apelação):
2.1 – Dos factos assentes:
Com relevância para o conhecimento do recurso, o tribunal de 1ª instância deu como assentes os seguintes factos:
a) – A Autora tem por objecto o aluguer de veículos, com ou sem condutor, bem como de qualquer outro tipo de máquinas e equipamentos;
b) – No exercício dessa sua actividade, a Autora celebrou com a Ré, em 22 de Setembro de 2000, um contrato de Aluguer, tendo por objecto um ‘Mini ..........’;
c) – Nos termos desse contrato, a Ré ficou obrigada ao pagamento, pelo prazo de 37 meses, de 37 alugueres, no valor de € 647,07 cada um, a liquidar por transferência bancária;
d) – O bem referido em b) foi entregue à Ré;
e) – A Ré não pagou as mensalidades vencidas em 30/10/2001, 30/01, 30/02, 30/03 e de 30/05 a 30/11 de 2002;
f) – A Autora, em razão de tal incumprimento, interpelou a Ré para que liquidasse as mensalidades vencidas, por carta de 19 de Dezembro de 2002;
g) – A Autora procedeu à resolução do contrato, resolução que foi comunicada à Ré, por carta datada de 13 de Março de 2003;
h) – Por meio dessa mesma carta, a Autora interpelou a Ré para restituição do veículo objecto do contrato ora ajuizado;
i) – Tais cartas foram expedidas com aviso de recepção para a morada indicada pela Ré, tendo sido por esta recebidas;
j) – A Ré não procedeu à devolução do veículo, nem pagou as quantias em dívida;
k) – O veículo foi entretanto recuperado pela Autora em 16/09/2003;
l) – A viatura não foi vendida nem alugada de novo;
m) – A Ré prestou uma caução, para garantia do cumprimento integral de todas as obrigações para eles emergentes do contrato, e nomeadamente a de restituir o equipamento no final do prazo no estado normal de conservação, no valor de 800.280$00.
2.2 – Dos fundamentos:
De acordo com as conclusões formuladas, as quais delimitam o âmbito do recurso (cfr. arts. 684º, nº 3 e 690º do CPCivil), temos que as questões a resolver são, essencialmente, duas: (in)admissibilidade de resolução extrajudicial do contrato; efeitos da resolução e cláusula penal.
Vejamos.
a) – Da (in)admissibilidade de resolução extrajudicial:
Na sentença sob recurso considerou-se ser inadmissível a resolução que veio a ser concretizada pela A., através de simples comunicação postal à Ré, com fundamento em que a mesma, encontrando-nos perante um contrato de locação, havia de ter sido decretada pelo tribunal em função do disposto imperativamente no artº 1047º do CCivil, acabando por decidir-se que não ocorreu uma resolução válida e eficaz juridicamente, permanecendo, por isso, o contrato com todos os seus efeitos e consequências até ao termo final nele previsto.
A A., embora aceitando a qualificação do contrato celebrado com a Ré como sendo de locação, insurge-se contra aquele entendimento pretendendo, no que concerne aos contratos de locação de móveis (designadamente, não sujeitos a registo), que a aplicação do disposto no artº 1047º do CCivil não é imperativa e a resolução não tem que ser decretada pelo tribunal, invocando, para tanto, que tal entendimento seria mais proteccionista que o previsto para os móveis sujeitos a registo (reportando-se ao caso previsto no Dec. Lei nº 354/86, de 23/10 – regime jurídico do aluguer de automóveis sem condutor) e a anotação ao mencionado normativo efectuada por P. Lima e A. Varela [Código Civil anotado, 3ª ed., vol. II, pág. 408] do seguinte teor: «... É esse direito que, segundo o artigo 1047º, tem de ser exercido por intermédio do tribunal (quer quanto ao arrendamento, onde a exigência legal tem especial interesse, quer quanto ao aluguer), salvo, evidentemente, o caso de acordo das partes quanto à resolução. ...».
Independentemente de entendermos, como adiante se procurará demonstrar, que o contrato celebrado não tem natureza verdadeiramente locatícia, sempre se dirá que se nos afigura que as razões invocadas pela A./apelante – regime jurídico previsto no DL 354/86 e anotação de P.Lima e A. Varela ao referido normativo – não contribuirão para o afastamento do na sentença afirmado carácter imperativo da norma.
Na realidade, crê-se que o regime jurídico previsto no Dec. Lei nº 354/86 e a anotação referida, antes pelo contrário, confirmarão o carácter imperativo da norma do código civil, na medida em que, com o regime especial estabelecido naquele diploma legal se pretendeu afastar o carácter imperativo da norma para os casos específicos neste regulados e tão só, e a anotação parece reiterar o expressamente resultante da norma – artº 1047º do CCivil -, isto é, a necessidade de a resolução ter de ser decretada pelo tribunal sempre que o locador a pretenda obter em face da falta de cumprimento por parte do locatário, deixando de ser exercida através do tribunal, isto é, de acção judicial, quando o locador e locatário estejam de acordo quanto à verificação da mesma, como claramente se afirma na parte da anotação que segue de imediato à citada e que é do seguinte teor: «...Apenas se pretende preceituar neste artigo 1047º que a simples declaração do locador ao locatário, prevista no nº 1 do artigo 436º, não tem, neste caso, efeito resolutivo. É necessária a acção judicial, na falta de acordo. ...»; efectivamente, concretizada a resolução e encontrando-se as partes contratantes de acordo quanto à sua verificação e, bem assim, tendo havido entrega (em face desse acordo) do próprio objecto do contrato, a intervenção do tribunal constituiria um acto inútil, não se enquadrando no escopo visado pela norma – proteger o locatário do exercício abusivo do direito de resolução, por parte do locador, com a consequente perda ou retirada do objecto, afastada ficando, parece-nos, a possibilidade de extrapolar tal entendimento (constante da anotação), extraindo dele um fundamento para se afirmar que as partes podem num contrato de locação fixar livremente o exercício directo da resolução do contrato pelo locador, isto é, por simples comunicação deste e nos termos do nº 1 do artº 436º do CCivil [No sentido de que a mencionada anotação ao artº 1047º do CCivil justifica o afastamento do carácter imperativo da norma e permitirá que sejam «... as partes livres em acordar na forma de revogação do contrato para o caso de incumprimento, mediante por exemplo uma simples declaração unilateral receptícia. ...», veja-se Ac. do STJ de 5.12.2002, in www.dgsi.pt, proc. nº 02B3522; aliás, no sentido da desnecessidade da intervenção do tribunal, veja-se Pedro Romano Martinez, Da cessação do contrato, pág. 335, nota 675: «Talvez seja justificável, em determinados casos, que a resolução do contrato de arrendamento seja decretada judicialmente, mas não tem qualquer sentido exigir-se o recurso a tribunal para resolver um contrato de aluguer, até porque, ao locatário, em caso algum, é requerido o recurso à via judicial. …» (sublinhado nosso)].
Todavia, importará afirmar que, no caso concreto (a admitir-se que o contrato teria natureza locatícia), sem qualquer prejuízo de tudo quanto se disse, antes pelo contrário, afigura-se-nos que, face à posição adoptada pelas partes, designadamente da Ré apelada nos artigos 1º e 2º da sua contestação, em que alega ter já sido concretizada a entrega do veículo e aceitar a resolução efectuada, ocorrerá precisamente a situação de acordo dispensador da intervenção do tribunal para o seu decretamento, pois a Ré apenas questiona a amplitude da cláusula penal estabelecida, pretendendo que a mesma afasta a admissibilidade de com ela serem cumulados juros de mora.
Isto posto, e tendo em conta que, ao nível da qualificação e determinação do contrato que efectivamente veio a ser celebrado e seu consequente regime jurídico, é irrelevante o ‘nomen juris’ que as partes atribuíram ou usaram quando da sua celebração, e, ainda, que o juiz, sem embargo de apenas se poder servir dos factos articulados pelas partes, não está sujeito às alegações destas quanto à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito – cfr. artº 664º do CPCivil, importa definir, no caso concreto, qual o tipo de contrato que efectivamente veio a ser celebrado e seu regime jurídico, com vista a poder concluir-se se a resolução efectivada pela locadora é válida e relevante, tal como veio a ser efectivada.
Estamos, assim, volvidos à necessidade de definir previamente o tipo de contrato que foi celebrado pelas partes, para, num momento posterior, face ao regime jurídico aplicável em função dessa qualificação, averiguarmos sobre se era consentido ao locador resolver o contrato extrajudicialmente e por simples comunicação (postal).
Como já se deixou referido supra, a tal tarefa importa convocar a factualidade alegada pelas partes e, consequentemente, provada, já que só a esta o juiz se poderá ater para proceder à indagação e interpretação das regras de direito aplicáveis ao caso concreto.
Como resulta da matéria de facto provada, a A. tem por objecto o aluguer de veículos, com ou sem condutor, bem como de qualquer outro tipo de máquinas e equipamentos, e, no exercício dessa actividade, celebrou com a Ré um contrato que denominaram de ‘aluguer’, tendo por objecto um ‘Mini ..........’, cujas condições gerais e particulares resultam do documento junto a fls. 11 dos autos.
As partes contratantes (A. e Ré) estabeleceram, entre outras e no que se refere às ‘condições gerais’ do contrato, as seguintes cláusulas:

“…
1. OBJECTO DO CONTRATO
A B.........., S.A. dá de aluguer ao Cliente e este toma de aluguer àquela o equipamento e/ou serviços identificados nas Condições Particulares.
2. PRAZO DO CONTRATO
O prazo do aluguer é o referido nas Condições Particulares, …
3. MONTANTE DO ALUGUER
O Cliente pagará à B.........., S.A. o aluguer referido nas Condições Particulares, nas datas aí indicadas.

8. DENÚNCIA DO CONTRATO
Havendo lugar à denúncia do Contrato, se o valor comercial do equipamento for inferior ao valor actualizado da soma dos alugueres devidos até final do prazo do Contrato, previsto nas Condições Particulares, o Cliente pagará à B.........., S.A. o valor dessa diferença, acrescido de juros desde a data da determinação daquele valor comercial e até efectivo e integral pagamento. Por «valor comercial», para efeitos desta cláusula, entende-se o valor atribuído ao equipamento por qualquer empresa – representante da marca – deste, consultada pela B.........., S.A..
8. OUTRAS OBRIGAÇÕES DO CLIENTE
Para além de outras referidas neste Contrato ou decorrentes da Lei, são especiais obrigações do Cliente:

e) Restituir o equipamento no fim do aluguer e salvo caso de compra, no estado que derivar do seu uso normal.

10. SEGUROS
a) O Cliente efectuará e custeará, relativamente ao prazo de duração do aluguer:
. Um seguro, cujo beneficiário será a B.........., S.A. ou o proprietário do equipamento, se aquela não tiver esta qualidade, que abranja as eventualidade de perda ou deterioração casuais ou não do equipamento.
. Um seguro, que abranja a Responsabilidade Civil emergente dos danos provocados pela utilização do equipamento.
b) O Seguro de outros riscos relativos ao equipamento, será sempre da responsabilidade do Cliente.

13. CADUCIDADE
Em caso de destruição ou furto do equipamento o Contrato caduca, quando for reconhecido e aceite pela seguradora do equipamento. Em caso de caducidade do Contrato, ainda que por motivo não imputável ao Cliente, deverá este receber ou pagar à B.........., S.A. o valor resultante da diferença entre a indemnização da seguradora deduzida dos respectivos encargos e franquia e a valorização financeira actualizada ao momento previsto na alínea anterior.
14. CASOS DE RESOLUÇÃO DO CONTRATO
a) Para além dos demais casos previstos na Lei, o presente contrato poderá ser resolvido por iniciativa da B.........., S.A., sempre que o Cliente incumpra definitivamente alguma das suas obrigações. O incumprimento temporário, ou como tal reputado, quer de obrigações pecuniárias quer de outras, tornar-se-á definitivo pelo envio pela B.........., S.A. para a sede do Cliente de carta registada intimando ao cumprimento em prazo razoável (que desde já é fixado, para todas as obrigações, em 8 dias) e pela não reposição, neste prazo, da situação que se verificaria caso o incumprimento não houvesse tido lugar.
b) Como consequência da resolução do Contrato, a B.........., S.A. terá o direito de retomar o equipamento, reter as importâncias pagas pelo Locatário e de exigir as vencidas e não pagas até à resolução do Contrato.

18. GARANTIAS
Como garantia do cumprimento pelo Cliente das obrigações por ele assumidas no presente Contrato são constituídas a favor da B.........., S.A. as garantias previstas nas Condições Particulares.
…”.

Por sua vez, nas ‘condições particulares’ do contrato, estabelece-se expressamente que:
1. DESCRIÇÃO DO EQUIPAMENTO E/OU SERVIÇOS
Mini ..........
2. VALOR: 4.560.000$00 (acrescido do devido IVA)
3. PRAZO DE ALUGUER: 37 meses
4. PERIODICIDADE DE MONTANTE DE ALUGUERES:
PERIODICIDADE: Mensal NÚMERO TOTAL DE ALUGUERES: 37

VALOR DOS ALUGUERES: 456.000$00
Os alugueres seguintes vencem-se a 5 ou 30 de cada mês, consoante o contrato tenha sido assinado, respectivamente, entre os dias 1 e 19 ou posteriormente.
Ao valor dos alugueres acresce IVA à taxa em vigor.

6. CAUÇÃO
Como garantia integral e nomeadamente a de restituir o equipamento no final do prazo no estado normal de conservação, considerando uma prudente utilização, este entrega nesta data, à B.........., S.A. a quantia de Esc.: 800.280$00.
…”.

Ora, atento o clausulado do contrato que efectivamente veio a ser celebrado e deixado em parte transcrito, crê-se não poder afirmar que estejamos perante um simples contrato de locação tal como vem definido no artº 1022 do CCivil, já que, segundo este normativo, «Locação é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa mediante retribuição»; efectivamente, o que se conclui do contrato celebrado (designadamente das condições particulares) é que as partes estabeleceram o valor do bem, dito objecto do contrato – Esc.4.560.000$00 (acrescido do devido IVA) -, fixaram uma entrada inicial de – Esc:456.000$00 – e repartiram a parte restante do valor fixado para o objecto do contrato por 37 prestações mensais – Esc:110.918$00, o que equivale ao valor total do preço fixado para o bem que se dizia colocar em aluguer (?!), sendo que a estes valores acresce o IVA e se encontra o fixado para as 37 prestações mensais, ou seja, o de - Esc:129.725$00 (€ 647.07) -, já com IVA, sendo, ainda que, nas ‘condições gerais do contrato’, as partes estipularam, sob a cláusula 8ª, al. e) (Outras obrigações do cliente) que o cliente deve «Restituir o equipamento no fim do aluguer e salvo o caso de compra, no estado que derivar do seu uso normal», isto é, estabelecem a possibilidade de o cliente optar, findo o contrato, pela aquisição do bem.
Como esclarecidamente afirma Paulo Duarte [Algumas Questões sobre ALD, ‘in’ Estudos do Direito do Consumo, nº 3 – 2001, pág. 310], «… Para que de verdadeiro contrato de aluguer se tratasse, seria necessário que as partes se limitassem a convencionar a cedência temporária do gozo da coisa a troco de uma remuneração correspondente, segundo a representação e vontade de ambas, ao seu valor de uso – remuneração que, portanto, na sua medida exacta, ficaria dependente do decurso do tempo, sendo maior ou menor em função da duração, também maior ou menor do contrato. / Ora, não é manifestamente isso que acontece no que concerne ao contrato inserido numa operação de ALD. Na verdade, cada uma das prestações mensais a cujo pagamento se obriga o designado locatário não é mais que uma parcela ou fracção do montante global, previamente definido, a reembolsar ao locador. Do que se trata, portanto, não é remunerar o locador pela concessão temporária do gozo da coisa locada, mas de reembolsá-lo da quantia que adiantou na sua aquisição, acrescida dos juros remuneradores da intermediação financiadora em que, afinal, se traduz a sua intervenção. …».
Aliás, regressando ao caso concreto, tal entendimento mostra-se claramente espelhado na cláusula 10ª das ‘Condições Gerais’ do contrato, em que se estipula que, quanto a seguros a concretizar no âmbito do contrato, «a) O Cliente efectuará e custeará, relativamente ao prazo de duração do aluguer: Um seguro, cujo beneficiário será a B.........., S.A. ou o proprietário do equipamento, se aquela não tiver esta qualidade, que abranja as eventualidade de perda ou deterioração casuais ou não do equipamento;…», podendo, portanto, a dita locadora nem ser a proprietária do equipamento.
Afigura-se-nos, por isso, que, no caso ‘sub judice’, será de afastar a qualificação do contrato efectivamente celebrado entre as partes como sendo um mero contrato de locação previsto e regulado nos arts. 1022º e ss. do CCivil, já que como afirma Paulo Duarte [Ob. cit., pág. 311], «… , só violentando a realidade (isto é: os interesses e o regime negocial efectivamente pactuado entre as partes intervenientes) se poderia qualificar o aluguer inserido na operação de ALD como um contrato de natureza locatícia, como um contrato, afinal, em que uma das partes se obriga a proporcionar temporariamente à outra, contra a retribuição, o gozo de certa coisa. …».
Na realidade, o denominado ‘contrato de aluguer’ inserido numa operação de ALD, normalmente caracterizada, como afirma Paulo Duarte [Ob. cit., pág. 302 e 303], «… pela realização de três contratos diversos: um contrato de compra e venda; um denominado contrato de aluguer (de longa duração, em média 3 anos) do bem comprado pelo locador (sendo, precisamente, desta parte da operação que, por metonímia, surge a sigla – ALD – por que é, no seu todo, conhecido o fenómeno); e um contrato-promessa de compra e venda do bem alugado. …», mais não é que um dos elementos contratuais componentes tendo em visto a prossecução de um determinado fim económico.
Daí que, como já tivemos oportunidade de afirmar no acórdão desta Relação [Ac. do TRP de 8.7.2004, CJ, Ano XXIX, Tomo III/2004, págs. 204 a 207], de que fomos relator, independentemente de «…dever ser considerado um contrato indirecto, como afirma Pedro Pais Vasconcelos [Contratos Atípicos, pág. 245 e 246: «…A concorrência do contrato de venda a prestações com reserva de propriedade com o contrato de aluguer de longa duração para satisfação do mesmo fim das partes não tem nada de reprovável ou de nocivo. Pelo contrário, resulta num enriquecimento importante da liberdade contratual, da capacidade de escolha pelas partes dos meios jurídicos disponíveis no comércio. …/ Os contratos indirectos podem assumir configurações diversas consoante o fim tido em vista possa ser atingido através da simples estipulação do tipo adoptado, ou seja necessária a adição de estipulações especiais. ...»], ou integrar uma coligação de contratos, como defende Paulo Duarte [Ob. cit., pág. 301 e ss.], se está perante um contrato atípico cuja regulação ou regime jurídico, podendo ser pactuado pelas partes em conformidade com o princípio da liberdade contratual estabelecido no artº 405º do CCivil, não está directamente sujeito ao regime jurídico do contrato de locação previsto no artº 1022º e ss. do CCivil, …».
A proliferação deste tipo de operação, conjugada com os mais diversos interesses em jogo com a sua concretização, justificava, na nossa necessariamente modesta opinião, uma intervenção clarificadora do legislador quanto à sua qualificação e regime jurídico, porquanto, como dá conta Paulo Duarte [In ob. cit., pág. 301] «… O chamado aluguer de longa duração, que na vida prática dos negócios é reconhecido pela sigla ALD, constitui uma operação contratual que tem proliferado em larga escala, disputando o mercado de financiamento da aquisição de bens de consumo (sobretudo do automóvel) com outras técnicas contratuais de concessão de crédito, designadamente o mútuo bancário e a locação financeira. ..».
De tudo o exposto, designadamente do facto de o contrato haver sido concretizado no âmbito do princípio da liberdade contratual a que alude o disposto no artº 405º do CCivil, considerando-se um contrato atípico ou inominado, teremos que se haverá de reger pelas regras contratualmente estabelecidas e sempre tendo em conta que, como afirma Inocêncio Galvão Teles [Manual dos Contratos em Geral, 4ª ed., 2002, pág. 468], «… Os contratos inominados têm de se reger pelas disposições reguladoras dos contratos em geral e, se necessário, pelas disposições (não excepcionais) dos contratos nominados com que apresentem mais forte analogia …», e, consequentemente, por validamente estipulada pelas partes, se deverá ter como eficaz a resolução extrajudicial do contrato concretizada por comunicação da A. à Ré, através de carta com AR datada de 13 de Março de 2003, com todas as consequências daí resultantes - cfr. arts. 405º, 432º e 436º do CCivil).
c) – Dos efeitos da resolução extrajudicial e cláusula penal:
Antes de mais convirá notar que, considerando-se, face à qualificação jurídica que do contrato accionado se fez, que este não poderá ser reduzido a um mero contrato de locação previsto e regulado pelos arts. 1022º do CCivil, e, consequentemente, lhe não seja aplicável de forma directa o regime jurídico deste, ter-se-á que as cláusulas contratualmente estabelecidas (designadamente no que concerne à resolução pelo locador e por incumprimento do contrato por parte do locatário e seus efeitos, e, bem assim, quanto à cláusula penal) haverão de ser cumpridas pontualmente, tendo sempre em conta o disposto nos arts. 405º e 406º do CCivil.
Por isso, afastada a aplicação do regime da locação (arts. 1022º e ss. do CCivil) ao contrato accionado, haverá que apreciar-se o pedido, formulado pela A. na petição inicial, à luz do regime jurídico que, ora, se decidiu aplicável, como seja, o estabelecido contratualmente e legalmente admissível em função das regras gerais dos contratos.
A A., no exercício da sua actividade, celebrou com a Ré um contrato denominado de ‘aluguer’, tendo por objecto um ‘Mini ..........’, segundo o qual, para além da entrada inicial, haveria lugar ao pagamento de 37 ‘alugueres’ mensais, no valor de € 647,07 cada um, sendo que a Ré não pagou as mensalidades vencidas em 30.10.2001, 30.01, 30.02, 30.03 e 30.05 a 30.11 de 2002, razão pela qual a A. interpelou a Ré para proceder ao seu pagamento por carta de 19 de Dezembro de 2002.
Sucede que a Ré não procedeu ao pagamento dos montantes em dívida, razão pela qual a A., ao abrigo do contratualmente estabelecido (cfr., ainda, arts. 432º e 436º do CCivil), comunicou àquela a resolução do contrato por carta datada de 13 de Março de 2003.
Por força da resolução do contrato – cfr. cláusula 14º, b) das ‘condições gerais’ – assiste à A. o direito de reaver o equipamento objecto do contrato e, bem assim, a obter o pagamento das rendas vencidas e não pagas até à data da resolução do contrato, ou seja, ás rendas vencidas e não pagas relativamente aos meses de Outubro/2001, Janeiro, Março, Maio a Dezembro de 2002, Janeiro e Fevereiro de 2003, no valor global de € 8.511,45, acrescida de juros de mora desde o vencimento até pagamento integral, à taxa contratualmente fixada – taxa publicitada pela Associação Portuguesa de Bancos acrescida de quatro pontos percentuais a título de cláusula penal moratória – (cfr. cláusula 6ª das ‘condições gerais’), cujo montante, à data da propositura da acção, ascendia a € 948,53.
Pretende, todavia, a Ré/apelada que, tendo sido convencionada uma cláusula penal, esta não é cumulável com qualquer outra indemnização ou juros de mora.
Não há dúvida que, de acordo com o disposto no artº 811º, nº 1 do CCivil, o credor não pode exigir cumulativamente o cumprimento da obrigação principal e o pagamento da cláusula penal, a não ser que a cláusula penal tenha sido estabelecida para o atraso da prestação; na realidade, como a tal propósito ensina A. Varela [Das obrigações em geral, vol. II, 7ª ed., pág. 145] «...a) Se a cláusula penal tiver sido estipulada para o caso de falta definitiva do cumprimento, mas tiver havido simples mora, e o credor optar pela realização coactiva da prestação (pelo cumprimento coercivo da obrigação), ele não pode exigir cumulativamente o pagamento da cláusula penal; e igual proibição se aplica ao caso de a cláusula penal visar a cobertura dos danos causados pelo não cumprimento e o credor pretender exigir o pagamento da cláusula e a execução por equivalente da prestação não efectuada; b) Se, porém, a cláusula tiver sido convencionada como simples sanção contra o atraso na realização da prestação (......), nada obsta a que o credor exija simultaneamente, no caso de mora, a realização coactiva da prestação e o pagamento da cláusula sancionatória. ...».
No caso ‘sub judice’, como resulta das cláusulas 6ª e 15ª, al. b) da ‘Condições Gerais’ do contrato, a cláusula penal aí estabelecida, como do seu teor se pode facilmente concluir, tem como escopo o sancionamento do atraso derivado, respectivamente, do não cumprimento pontual das prestações e da não entrega atempada do equipamento após a resolução, pelo que nenhum óbice subsiste quanto ao pedido que veio a ser formulado, isto é, obter o pagamento das prestações vencidas e em dívida, à data da resolução, e a entrega do equipamento após a resolução, concomitantemente com a sanção prevista para o atraso na satisfação de tais prestações.
A A./apelante peticiona, a título de cláusula penal pela mora e nos termos do convencionado sob a cláusula 15ª, al. b) das ‘condições gerais’ do contrato, uma indemnização de quantia equivalente ao dobro daquela a que teria direito caso o aluguer permanecesse em vigor e durante o tempo pelo qual perdure essa mora, isto é, não seja entregue o equipamento após a resolução, indemnização que, por não dispor de todos os elementos necessários ao seu cálculo requeria que fosse relegada para execução de sentença.
Assiste, efectivamente, à A./apelante o direito a perceber a convencionada indemnização – cfr. art. 406º do CCivil e cláusula 15ª, al. b) das ‘condições gerais’ do contrato, devendo o seu montante, tal como foi requerido, ser liquidado em execução de sentença.
Por último, pretende a A./apelante que, «... em resultado do incumprimento da Ré e da consequente resolução do contrato deverá a Ré indemnizar a Autora do valor correspondente ao montante das rendas que se venceriam até final do contrato deduzindo a estas o valor comercial que o equipamento tiver na data em que for entregue, ...».
Não há dúvida alguma que de acordo com o disposto no artº 801º, nº 2 do CCivil, assiste ao credor, mesmo em caso de resolução, direito à indemnização.
Como se pode ver do clausulado do contrato accionado, quer das suas ‘condições gerais’ ou das suas ‘condições particulares, as partes (A. e Ré) nada estabeleceram contratualmente com vista à determinação da indemnização por prejuízos resultantes da resolução por incumprimento.
Ora, a propósito da indemnização em caso de resolução por incumprimento, afirma L. M. Telles de Menezes Leitão [Direito das Obrigações, 3ª ed., vol. II, pág. 257] «... De acordo com a posição da doutrina maioritária, onde se incluíram os nomes de Galvão Telles, Antunes Varela, Almeida Costa, Mota Pinto, Ribeiro de Faria, e Brandão Proença, a função do artº 801º, nº 2 é, perante o incumprimento de uma das partes num contrato sinalagmático, proporcionar à outra parte uma opção entre duas alternativas: - exigir simplesmente uma indemnização por incumprimento, que naturalmente abrangerá todos os danos suportados em virtude da não realização da prestação pela outra parte (interesse contratual positivo), mantendo-se, porém, a sua própria obrigação; - obter a resolução do contrato, cuja eficácia rectroactiva lhe permite liberar-se da sua obrigação, pedindo eventualmente a restituição da sua prestação já realizada, acrescida de uma indemnização, que, neste caso, se limita aos danos derivados da não conclusão do contrato (interesse contratual negativo). ...» [Cfr. A. Varela, Das Obrigações em geral, 7ª ed., vol. II, pág. 109; cfr., ainda, Ac. RP de 4.1.79, CJ, Ano IV, 1979, Tomo 1º, pág. 237-239].
No caso concreto, tendo a A./apelante exercido o direito de resolução, subsiste o seu direito de indemnização pelos prejuízos resultantes daquela e que se deverão reportar ao seu interesse contratual negativo, como sejam, os resultantes da não conclusão do contrato, isto é, os que não teria sofrido se o contrato não tivesse sido celebrado.
Ora, a A./apelante, sem que exista qualquer cláusula penal que contemple tal indemnização (e permitisse invocação e apreciação de possível excesso), pretende ver a indemnização fixada no valor das rendas que se venceriam até final após a efectivação da resolução, ainda que descontado o ‘valor comercial’ do equipamento à data da entrega deste, o que equivale a dizer que o contrato se cumpriria na totalidade, já que a A. ficaria com as rendas já pagas, receberia as vencidas e não pagas até à data da resolução e as que se viessem a vencer posteriormente a esta.
Daí que, tendo embora a A./apelante direito a uma indemnização pelos prejuízos resultantes da resolução, que se não podem configurar com o simples direito de receber as rendas que se venceriam até final do contrato e após a resolução, a que no fundo se reconduz o pedido que em tal sede foi formulado, não tenha a A./apelante alegado a factualidade pertinente à demonstração da existência de prejuízos para si advindos em consequência da resolução, pelo que haverá tal pedido de improceder.
Concluindo, a acção procede parcialmente, devendo a Ré ser condenada nos pedidos formulados sob as als. a), b) e d) da petição inicial e absolvida do pedido formulado sob a alínea c), devendo, no que concerne ao pedido formulado sob a alínea a), não ser ordenada a entrega do equipamento por dos autos já constar que a mesma já ocorreu.
*
3. Decisão:
Nos termos supra expostos, acorda-se em:
a) – julgar procedente a apelação, revogando-se a sentença recorrida;
b) – julgar a acção parcialmente procedente por provada, em função do que se condena a Ré nos pedidos formulados sob as alíneas a), b) e d) da petição inicial, considerando-se prejudicada a entrega por já ter ocorrido, e absolve-se a mesma quanto ao pedido formulado sob a al. c) da petição inicial;
c) – condenar a Ré nas custas do recurso, e a A. e Ré nas custas da acção e na proporção do respectivo decaimento.
*
Porto, 23 de Maio de 2005
José da Cunha Barbosa
José Augusto Fernandes do Vale
António Manuel Martins Lopes