Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0631466
Nº Convencional: JTRP00038971
Relator: SALEIRO DE ABREU
Descritores: DIVÓRCIO
ARROLAMENTO
INVENTÁRIO
CADUCIDADE
Nº do Documento: RP200603230631466
Data do Acordão: 03/23/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Área Temática: .
Sumário: O facto de o requerente do arrolamento só ter requerido o inventário muito tempo depois do decurso do prazo previsto naquela disposição legal não determina a caducidade da providência.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I.
Nos autos de arrolamento em que é requerente B….. e requerido C…., instaurados no Tribunal de Família e Menores do Porto, foi pelo D….. requerida informação sobre se ainda interessava o arrolamento das contas a que se reportava o ofício de fls. 106 desses autos.

Tendo sido proferido despacho a ordenar se informasse que “já não interessa o arrolamento”, foi pela requerente B….. arguida a nulidade desse despacho, por violação do princípio do contraditório.
O requerido C….., notificado desse requerimento, não se pronunciou.

A arguida nulidade foi deferida, por despacho de 21.11.2005, pelo que se anulou o despacho em causa e ordenou se comunicasse à referida instituição bancária que “interessa o arrolamento das contas”.

Notificado do teor desta decisão, o requerido C…. apresentou um requerimento em que:
arguiu a respectiva nulidade, alegando ter sido proferido com violação do princípio do contraditório, dado que previamente não fora admitido a pronunciar-se sobre a questão da manutenção do arrolamento;
pediu se declarasse a caducidade do arrolamento, nos termos do art. 389º do CPC, e o consequente levantamento dessa providência.
Sobre um tal requerimento recaiu despacho com o seguinte teor:

“A folhas 352 vem o requerido invocar que o despacho de folhas 348 na parte em que se conclui que interessa o arrolamento da conta bancária viola o princípio do contraditório e como tal é nulo.
A parte contrária pronunciou-se sobre o indicado requerimento conforme consta de folhas 357.
Salvo melhor opinião discordamos da posição do Requerido, agora, aqui, Requerente.
No despacho de folhas 346 a 348 decidiu-se pela anulação do despacho de folhas 334 por se entender que havia sido violado o princípio do contraditório.
No despacho anulado mandava-se informar que não interessava o arrolamento.
Tal decisão pressupõe o levantamento da providência cautelar que havia sido decretada.
Por sua vez, na parte final do despacho de folhas 348, quando se manda informar que interessa o arrolamento, mais não se está a fazer do que a dar uma informação (neste caso à instituição bancária que procedeu ao arrolamento) no sentido de que o arrolamento decretado nestes autos se mantém.
Informação essa que resulta da decisão de folhas 40 a 42 na qual se decreta o arrolamento e da de folhas 230 de acordo com a qual não é ordenado o levantamento da providência quanto aos depósitos bancários.
Em resposta à pergunta da instituição bancária «se ainda interessava o arrolamento» (cfr. fls. 322 e 329) ao tribunal cabe apenas informar que aquele se mantém, ou simplesmente que interessa, uma vez que este ainda não foi levantado.
A informação que se mandou prestar a folhas 348 e que já havia sido prestada a folhas 325 na sequência de outro pedido idêntico não encerra qualquer decisão, não pressupõe qualquer juízo, nem ordena a realização de um qualquer acto processual com vista à decisão do pleito.
Trata-se de mera informação a qual face aos elementos existentes nos autos não podia objectivamente ter outro sentido.
O tribunal não foi colocado perante a necessidade de decidir num qualquer sentido que pudesse afectar os interesses das partes.
Contrariamente ao que sucedeu no despacho anulado em que se concluía que o arrolamento não interessava, pressupondo esta decisão que terminava a providência cautelar antes ordenada.
Com o mais elevado respeito por posição contraria, entendemos serem estes argumentos suficientes para indeferir a pretensão do requerente quanto a esta matéria.
No entanto sempre se dirá que, se assim não fosse, também não lhe assistiria a razão uma vez que foi notificado do requerimento em que se requeria a anulação daquele despacho – cfr. fls. 340 a 344 – tendo silenciado.
Destarte, se entendia que se tinha que pronunciar sobre a matéria havia de o ter feito nesse momento pois a consequência da anulação daquele despacho seria a prolação de outro em sentido diverso.
Nestes termos indefere-se a arguida nulidade do despacho de folhas 348 na parte em que manda informar a instituição bancária de que interessa o arrolamento.

Quanto à requerida extinção do procedimento cautelar de arrolamento.
Sobre o requerido veio a requerente pronunciar-se no sentido de que corre termos inventário judicial.
De folhas 327 a 330 do processo divórcio apenso a estes autos consta que foi decretado o divórcio entre os aqui requerentes nos autos que correram termos sob o nº 1232/04.8TMPRT da 3ª Secção do 3º Juízo deste tribunal.
Assim sendo, a existir processo de inventário o mesmo deverá correr por apenso àqueles autos de divórcio – nº 3 do artº 1404º do CPC – ao qual por sua vez já havia de ter sido ordenada a apensação deste arrolamento nos termos do artº 383º do CPC.
Destarte, antes de nos pronunciarmos sobre a requerida extinção do procedimento cautelar, impõe-se ordenar a remessa dos presentes autos para apensação ao processo onde foi decretado o divórcio.
Nestes termos e pelos fundamentos expostos:
- Indefere-se a arguida nulidade do despacho de folhas 348 na parte em que mandou informar à instituição bancária que interessa o arrolamento;
- Ordena-se a remessa destes autos para apensação ao indicado processo de divórcio que corre termos na 3ª Secção do 3º Juízo deste Tribunal.

Inconformado, interpôs o requerido o presente recurso de agravo, tendo terminado a sua alegação com as seguintes
conclusões:
Se os autos de que o arrolamento eram dependência se encontravam há muito findos por absolvição do réu da instância, o Mmo Juiz a quo, em face do requerimento da D…., deveria ter mandado ouvir as partes sobre o interesse na manutenção do arrolamento.
Por forma a que, designadamente o ora recorrente, pudesse suscitar a questão da caducidade da providência, por verificação da hipótese contemplada no art. 389º, nº 1, alínea d) do C.P.Civil.
Ao decidir-se, sem ouvir as partes, que não havia interesse na manutenção do arrolamento e comunicar-se tal facto à D…., cometeu-se, efectivamente, séria e gravosa nulidade. Não obstante,
Arguida que foi, e bem, a apontada nulidade, não poderia no entanto passar a decidir-se do interesse na manutenção do arrolamento sem ouvir as partes, atento, designadamente, o largo tempo já decorrido desde a absolvição do réu da instância.
Daí que o que houvesse que decidir fosse, para além de se julgar procedente a arguida nulidade, determinar-se a audição das partes acerca do interesse ou não da manutenção do arrolamento.
Ao agir-se de modo diverso, violou-se o disposto nos art. 3º, nº 3 e 201º, nº 2 do C.P.Civil. Para além disto,
Desde que evidenciada objectivamente nos autos que a recorrida não intentou o inventário nos trinta dias seguintes ao trânsito em julgado da sentença que, neste tribunal, absolveu o réu da instância (art. 389º, nº 1, alínea d) do C.P.Civil), e ouvida que foi, quanto a esse aspecto, a autora (art. 389º, nº 4 do C.P.Civil), nada mais havia que não fosse julgar caduca a providência e ordenar-se o levantamento do arrolamento.
Decidir-se diversamente, como se decidiu, ao invés de se decidir, decidir-se, antes de mais, ordenar a remessa dos autos para outro Tribunal, não é, com vénia para opinião contrária, acto de aplicação do Direito.
Deverá, pelo exposto, revogar-se o douto despacho recorrido e, uma vez julgada caduca a providência, ordenar-se o levantamento do arrolamento e comunicar-se à D…. que, afinal, já não há interesse no arrolamento.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Corridos os vistos, cumpre decidir.

II.
A situação de facto a ter em consideração é a que se deixou transcrita no antecedente relatório, apenas sendo de acrescentar que, por despacho de 14.03.2005, a acção de divórcio a que os autos de arrolamento se encontravam apensos foi julgada extinta, por inutilidade superveniente da lide, já que o casamento entre a aqui requerente e o requerido havia sido dissolvido por divórcio, por sentença transitada em julgado, proferida numa outra acção (doc. fls. 29).

III.
As questões suscitadas no recurso são as de saber se o tribunal a quo, ao comunicar à instituição bancária que interessava o arrolamento das contas, ou seja, que a providência do arrolamento se mantinha, cometeu alguma nulidade, por violação do princípio do contraditório; e se, em vez de ter ordenado a remessa dos autos da providência cautelar para outro juízo, para apensação ao processo onde havia sido decretado o divórcio (e correrá o inventário subsequente), deveria ter declarado a caducidade da providência do arrolamento e ordenado o seu levantamento.
Vejamos:

A) Quanto à primeira questão, adiantar-se-á, desde já, que não assiste ao recorrente qualquer razão.
O princípio do contraditório está expressamente consagrado no art. 3º do CPC, estatuindo designadamente o seu nº 3 que, salvo em caso de manifesta desnecessidade, não é lícito ao juiz “decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”. Ou seja, às partes tem que ser dada a oportunidade de apresentarem as suas razões, antes que seja decidida uma questão.
Só que, no caso em apreço, o tribunal a quo não proferiu uma qualquer decisão.
Com efeito, em face de uma informação que lhe foi solicitada pela entidade bancária em que se encontravam arroladas determinadas contas, o tribunal prestou essa informação, comunicando que o arrolamento já não interessava. E anulado, mediante reclamação da requerente da providência, o despacho que ordenara a prestação dessa informação, foi novamente aquela entidade informada de que interessava o arrolamento das contas.
Tendo sido anulado o despacho que mandara informar que o arrolamento “já não interessava”, obviamente que tudo voltou à situação anterior à prolação desse despacho.
Ao comunicar-se à entidade bancária que o arrolamento se mantinha, não se proferiu – repete-se – qualquer decisão sobre o levantamento, ou não, da providência cautelar. Apenas se deu conta da situação existente em face dos elementos então constantes dos autos, e que era a de subsistência do arrolamento.
Se o tribunal, em lugar de mandar informar que o arrolamento já não interessava, tivesse desde logo mandado comunicar – como deveria ter feito – que o arrolamento se mantinha, havia algum fundamento para previamente se ouvirem as partes a esse propósito ?
É patente que não.

Bem andou, portanto, o tribunal a quo ao indeferir a arguida nulidade.

B) Quanto à segunda questão – sobre a caducidade da providência – também o recorrente não tem razão.
Nos termos do disposto no nº 1 do art. 427º do CPC, “como preliminar ou incidente da acção de separação judicial de pessoas e bens, divórcio (...), qualquer dos cônjuges pode requerer o arrolamento dos bens comuns (...)”.

A causa de pedir na providência do arrolamento é o perigo ou justo receio de extravio, ocultação ou dissipação dos bens que se pretendem arrolar, sendo a finalidade do arrolamento garantir a persistência dos bens, até lhes ser dado destino na acção principal (A. dos Reis, CPC anotado, II, 3ª ed., 116; A. Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, IV, 258).
Concretamente no arrolamento incidental da acção de divórcio, a providência tem como finalidade prevenir o perigo de extravio ou dissipação de bens comuns, ou de bens próprios do requerente mas que estejam sob a administração do outro cônjuge; ou seja, pretende-se garantir que tais bens existam no momento em que se efectue a partilha e, assim, garantir uma equitativa partilha dos bens comuns do dissolvido casal (Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, III, 4ª ed., 355, A. Geraldes, ob. cit., 273; Ac. do STJ, de 25.11.1998, BMJ, 481º-492 e www.dgsi.pt, proc. 98A91).
Sendo essa a finalidade do arrolamento, este não poderá deixar de subsistir até que aquela seja alcançada. De resto, a própria lei estipula que “o auto de arrolamento serve de descrição no inventário a que haja de proceder-se” (nº 3 do art. 426º).

O arrolamento especial previsto no art. 427º citado é preliminar, ou dependência, do tipo de acções aí mencionadas (v.g. divórcio), e não do inventário. Por isso, não lhe é aplicável o regime geral de caducidade das providências cautelares fixado na al. a) do nº 1 do art. 389º do CPC.
Assim sendo, e como se escreveu no Ac. do STJ, de 13.2.1997, BMJ, 464º-538, o facto de o requerente do arrolamento só ter requerido o inventário muito tempo depois do decurso do prazo previsto naquela disposição legal não determina a caducidade da providência (no mesmo sentido, Ac. do STJ, de 14.10.1997, BMJ, 470º-515; Ac. da RC, de 15.3.1994, CJ, 1994, II, 86; Lopes Cardoso, ob. cit, 358; A. Geraldes, ob. e loc. cit.).

Será de notar, ainda, que a eventual demora ou inércia da requerente do arrolamento em instaurar o inventário podia ter sido ultrapassada pelo requerido, pois que qualquer dos cônjuges tem a faculdade de requerer a abertura do inventário e, assim, pôr termo, se o pretender, à unidade conjugal no aspecto patrimonial.

Por último, será de referir que a disposição da al. d) do nº 1 do art. 389º do CPC, invocada pelo recorrente, não tem aplicação ao caso em apreço.
Com efeito, na acção de divórcio a que os autos de arrolamento se encontravam apensos o réu não foi absolvido da instância. Tratou-se, sim, de “extinção da instância”, por inutilidade superveniente (art. 287º, e) do CPC), precisamente porque o divórcio já havia sido decretado numa outra acção. Daí que não houvesse de ser proposta nova acção “em tempo de aproveitar os efeitos da proposição da anterior”.

Conclui-se, assim, que não há fundamento para declarar a caducidade do arrolamento, e bem andou o Sr. Juiz ao ordenar a sua apensação à acção onde se decretou o divórcio (e onde, por apenso, se processará, ou já se processa, o inventário).

IV.
Nestes termos, nega-se provimento ao agravo, mantendo-se o despacho recorrido.
Custas pelo agravante.
Porto, 23 de Março de 2006
Estevão Vaz Saleiro de Abreu
Fernando Manuel de Oliveira Vasconcelos
Gonçalo Xavier Silvano