Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0756029
Nº Convencional: JTRP00041040
Relator: ANABELA LUNA DE CARVALHO
Descritores: FALÊNCIA
EXECUÇÃO
SOCIEDADE
SÓCIO
Nº do Documento: RP200802110756029
Data do Acordão: 02/11/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: LIVRO 328 - FLS 110.
Área Temática: .
Sumário: I - A sociedade só se considera extinta pelo registo do encerramento da liquidação.
II - Só após a extinção da sociedade é que os antigos sócios, agora na qualidade de sucessores dela, serão responsáveis pelo seu passivo social até ao montante que tiverem recebido da partilha, sem prejuízo do disposto quanto a sócios de responsabilidade ilimitada
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

B………., LDA, exequente nos autos em que é executada C………., LDA, veio apresentar requerimento em que alega que ao diligenciar junto de repartições públicas no sentido de obter informações sobre bens ou direitos da propriedade da executada, verificou junto da Conservatória de Registo Comercial que se encontra pendente, processo de insolvência (nº …./06..TBPRD) em que é insolvente a aqui executada.
Assim, porque a executada foi declarada insolvente, tendo cessado a sua actividade, veio requerer o prosseguimento da execução considerando-se executados os sócios, que identifica, nos termos do disposto no artigo 162º do Código das Sociedades Comerciais.
Tal requerimento foi objecto do seguinte despacho judicial:
«Fls. 21-22: indefiro o requerido porque a sociedade executada não se encontra extinta – artº 160º/2 e 162º do CSC».

Inconformado com tal despacho dele veio recorrer a exequente, concluindo as suas alegações do seguinte modo:
1. Como decorre do despacho fls. 39, encontra - se pendente processo de insolvência em que é requerida a sociedade - executada sucede porém, que aquando da prática desse acto já se encontrava pendente a presente execução, como resulta dos autos.
2. Assim, por força do disposto no artigo 162° do Código das Sociedades Comerciais (CSC), a instância deve prosseguir, devendo ser citados os sócios da executada, D………. e mulher E………., ambos com residência na Rua ………. n.° …, na freguesia de ………., concelho da Paredes.
3. Nessa conformidade, a presente execução deve continuar considerando - se executados para todos os devidos efeitos, e sem necessidade de habilitação, porque processualmente inútil, substituída pelos sócios que são os gerentes da executada;
4. O meritíssimo julgador "a quo " não admitiu a requerida habilitação, tendo antes determinado a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.
5. Resulta do despacho requerido que perante a extinção da Sociedade Comercial demandada nos presentes autos, esta não dispõe de personalidade jurídica ou judiciária, existindo uma excepção insuprível, conduzindo à extinção da execução.
6. O Meritíssimo Juiz a quo considera, como tal, inaplicáveis ao presente caso os artigos 277.° e 371.°, n.° 2 do Código de Processo Civil, sem explicar o motivo para essa não aplicação, a qual, à luz da Lei, se afigura necessária e apresentando uma explicação inconsequente para a não aplicação do art.° 162.° do Código das Sociedades Comerciais.
7. A nosso ver, decidiu mal Meritíssimo Juiz a quo ao indeferir o requerimento executivo, na medida em que, perante os factos verificados e carreados para os autos, sempre seria de aplicar os artigos 277.°, n.°-1 e 371.°, n.° 2, ex vi art.° 374.°, n.° 3, todos do Código de Processo Civil.
8. Fundamenta incorrectamente também a não aplicação do art.° 162.° do Código das Sociedades Comerciais, a qual ocorre, ela sim, por se ter a Executada extinto antes da apresentação da execução.
9. A não aplicação ao caso sub judice do art.°- 371.°, n.° 1 do Código de Processo Civil deixaria este artigo vazio de sentido e inaplicável a qualquer situação concebível, contrariando os ditames do artigo 9.°- do Código Civil.
10. Verificando-se a extinção, por dissolução em escritura pública, de uma sociedade comercial, a qual é levada a registo na véspera da apresentação contra esta de requerimento executivo em juízo, só por intermédio das diligências de citação poderia a Exequente ter conhecimento da extinção da Executada.
11. Haveria pois, necessariamente, que aplicar o disposto no art.° 277.°, n.°-1 do Código das Sociedades Comerciais, suspendendo-se de imediato a instância, pendente do requerimento do incidente de habilitação dos sócios da Executada, apresentado nos termos do art.° 371.°, n.° 2, ex vi art.°- 374.°, n.°-4, do Código de Processo Civil.
12. Por despacho - sentença proferida em 23.02.07, este incidente de habilitação de sócios foi também indeferido, não só porque se entendeu não ser admissível a habilitação, como o disposto no art° 162° do CSC, porque a liquidação já estava encerrada à data da propositura da acção, sendo que se referiu que nos casos aí previstos nem é necessária a habilitação.
13. E o art 163° do mesmo CSC exige a propositura de novas acções. Foram também pedidos esclarecimentos quanto a esta decisão por a mesma não se compreender nem conjugar com o disposto nos art°s 371-2 e 374-3 do CPC foi assim, também, interposto recurso desta decisão que indeferiu liminarmente o incidente de habilitação.
14. Perante a extinção da Sociedade Comercial demandada nos presentes autos, posterior à apresentação do requerimento executivo, não é de aplicar o disposto no artigo 162.°- do Código das Sociedades Comerciais, e que distinguindo-se a extinção da dissolução, ao caso em apreço não seria de aplicar a suspensão e subsequente habilitação, previstas nos artigos 276.°, n.°-1, alínea a), 371.°, n.°- 2 e 374.°, n.° 3, todos do Código de Processo Civil.
15. Decidiu mal o Meritíssimo Juiz a quo ao indeferir o requerimento de habilitação, na medida em que, perante os factos verificados e carreados para os autos, sempre seriam de aplicar os artigos 276.°, n.° 1, a), 277.°, n.° 1 e 371.°, n.° 2, ex vi arts 374.°, n.°- 3, todos do Código de Processo Civil.
16. A distinção proposta no despacho recorrido entre a dissolução e a extinção de sociedade comercial não releva para aferir da aplicabilidade das normas identificadas supra.
17. Quando seja de aplicar o disposto no artigo 162.° do Código das Sociedade Comerciais, situação que, no caso presente, e salvo melhor opinião, efectivamente poderá não ocorrer, por a extinção ter antecedido a propositura da acção.
18. A não verificação da excepção contida no referido artigo 162.°- determina a imediata aplicação do regime-regra dos já citados artigos 276.°, 277.° e 371.° e segs. do Código de Processo Civil.
19. A não aplicação ao caso sub iudice do art°- 371.°-, n.° 2 do Código de Processo Civil deixaria este artigo vazio de sentido e inaplicável a qualquer situação concebível, contrariando os ditames do artigo 9.°- do Código Civil,
20. Verificando-se a extinção, por dissolução, de uma sociedade comercial, a qual é levada a ao conhecimento do tribunal, e só foi conhecido pela agravante após a apresentação contra esta de requerimento executivo em juízo, só por intermédio das diligências de citação poderia a Exequente ter conhecimento da extinção da Executada.
21. Haveria pois, necessariamente, que aplicar o disposto no art.° 277.°, n.°-1 do Código do Processo Civil, suspendendo-se de imediato a instância,
22. Pendente do requerimento do incidente de habilitação dos sócios da Executada, apresentado nos termos do art.º 371.°-, n.°- 2, ex vi art.°- 374.°, n.°4, do Código de Processo Civil.
23. A sentença recorrido viola, assim, as regras constantes dos artigos 276.°-, 277.°-, 371.°, n.° 2 e 374.° do Código de Processo Civil.
24. No art° 371, n° 2 do CPC dispõe-se que "Se, em consequência das diligências para citação do réu, resultar certificado o falecimento deste, poder-se-á requerer a habilitação dos seus sucessores, em conformidade com o que nesta secção se dispõe, ainda que o óbito seja anterior à propositura da acção".
25. Neste caso, o incidente torna possível o aproveitamento do processo instaurado contra o réu falecido e consequente mente a acção considera-se proposta, contra os sucessores habilitados, não na data em que a habilitação é deduzida ou em que eles são chamados a juízo, mas sim naquela em que a petição inicial deduzida contra o falecido deu entrada no tribunal.
26. Ora reportando-nos agora ao caso concreto, verificamos que foi efectivamente no desenvolvimento das diligência de citação da sociedade executada que veio a ser conhecido que a mesma fora dissolvida em data posterior à da apresentação do requerimento executivo e a dissolução foi registada também em momento posterior.
27. Na verdade nos termos do Artigo 162.° do CSC, havendo acções pendentes em que a sociedade seja parte continuam as mesmas após a extinção desta, que se considera substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários, nos termos dos artigos 163.°, n.°s 2, 4 e 5, e 164.°, n.°s 2 e 5 e a instância (n°2) não se suspende nem é necessária habilitação.
28. Porém, esta disposição, como se constata, é destinada a facilitar, o prosseguimento das acções pendentes contra os sócios, perante a extinção da sociedade, parte na acção.
29. É o caso dos presentes autos, onde a acção ainda já se tinha iniciado, dado que decorriam ainda os trâmites para citação da ré.
30. Para a situação das acções pendentes em que for parte uma pessoa colectiva que se extinga na pendência, é que funciona aquela disposição do art° 162° do CSC conjugada com o n° 3 do art° 374° do CPC.
31. A situação dos autos é a do art° 371°, n° 2 do CPC, ou seja, constatado no processo documentalmente que ao citar-se a sociedade que a mesma se encontra dissolvida, deve notificar-se o autor dessa situação e daí decorrerá que nos termos dos art°s 276° n° 1 e 277° n° 1 do CPC, se tenha de ordenar a suspensão da instância, pois não há dúvida que uma sociedade dissolvida nos termos legais, ela terá, forçosamente, de ser considerada extinta.
32. Será com a habilitação incidental (que se distingue da habilitação principal e da habilitação legitimidade que constitui um dos meios de modificar a instância quanto à pessoas e substituir uma das partes - art° 270-a) do CPC, que o processo principal poderá voltar a prosseguir.
33. Dito isto, entendemos que não estamos em presença de caso de aplicação do art° 162° do CSC, porque não se tratou de extinção da sociedade executada na pendência da acção, mas sim de situação de aplicação do disposto no art° 371° n° 2 do CPC.
34. E como tal, dissolvida a sociedade ainda que com o encerramento da liquidação, mas conhecido no processo apenas quando se procedia à sua citação, haverá que aceitar a habilitação dos respectivos sócios, dentro do principio de economia processual que presidiu ao que se dispôs no n° 2 do art°371°doCPC.
35. Para tanto e uma vez que a exequente notificada da razão da não citação da executada veio a instaurar incidente de habilitação dos sócios da executada, haverá que suspender a instância na acção executiva e ordenar o prosseguimento de processamento do incidente de habilitação nos termos do art°372doCPC.
A final pede que seja dado provimento ao agravo e o despacho recorrido seja revogado e substituído por outro que suspenda a instância executiva e se ordene o prosseguimento de processamento do incidente de habilitação nos termos do artº 372º do CPC.
O Mmº Juiz “a quo” sustentou o agravo.

II
A factualidade a considerar é a que consta do relatório supra e ainda estoutra:
-A sentença que decretou a insolvência da executada transitou em julgado em 29 de Janeiro de 2007.
- O requerimento da exequente objecto do indeferimento em análise deu entrada em 19 de Janeiro de 2007.

III
O objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações, não podendo este tribunal conhecer das matérias não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso.

É a seguinte a questão a decidir:
-se a acção executiva contra a sociedade m fase de declaração de insolvência deve continuar contra os sócios.
Tal questão prende-se com a responsabilidade solidária dos sócios liquidatários.
Invocando a declaração de insolvência da sociedade executada, requereu a exequente o prosseguimento da execução contra os sócios.
Como já referimos, o tribunal a quo indeferiu o requerido com fundamento em que a sociedade executada não se encontrava extinta, nos termos dos artºs 160º nº2 e 162º do CSC.
Dispõe o artigo 162.º, n.ºs 1 e 2, do Código das Sociedades Comerciais, que:
“As acções em que a sociedade seja parte continuam após a extinção desta que se considera substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários, nos termos dos artigos 163.º, n.ºs 2, 4 e 5, e 164.º, n.ºs 2 e 5” – n.º 1.
“A instância não se suspende nem é necessária habilitação” – n.º 2.
Acontece, porém, que à data do requerimento da recorrente, a sociedade executada ainda não se encontrava extinta, tendo apenas pendente processo de insolvência, sem que a respectiva sentença que decretou a insolvência tivesse transitado em julgado.
Seguir-se-ão as fases de verificação dos créditos, administração e liquidação da massa insolvente.
A sociedade só se considera extinta “pelo registo do encerramento da liquidação”, conforme estabelecem os artigos 146.º, n.ºs 1 e 2 e 160.º, n.º 2, do CSC.
Com a declaração de insolvência apenas ocorre uma mudança orgânica, passando o administrador da insolvência a exercer os poderes de administração e de disposição (artº 55 do CIRE) sendo este o único representante legal da sociedade até à sua extinção.
Teremos, assim, de concluir que só após a extinção da sociedade é que os antigos sócios, agora na qualidade de sucessores dessa sociedade, serão responsáveis pelo seu passivo social até ao montante que tiverem recebido na partilha, sem prejuízo do disposto quanto a sócios de responsabilidade ilimitada (cfr. artigo 163.º, n.º 1, do CSC).
No caso em apreço, estando a executada em fase de declaração de insolvência, ainda não se sujeitou a liquidação, só após o que será extinta, pelo que mantém a sua legitimidade passiva, representada agora pelo respectivo administrador, e sujeita às “metamorfoses” de paralisação da acção executiva e sua apensação para verificação e graduação de créditos, no processo de insolvência.
Bem andou, assim, o tribunal “a quo” ao indeferir o prosseguimento da acção executiva contra os sócios, com fundamento em que não se verificava a extinção da sociedade.
IV
Termos em que acorda-se em negar provimento ao agravo, mantendo a decisão recorrida.
Custas pela agravante.

Porto, 11 de Fevereiro de 2008
Anabela Figueiredo Luna de Carvalho
Maria de Deus Simão da C. Silva D. Correia
António Augusto Pinto dos Santos Carvalho (votou em conformidade mas não está presente (Anabela Figueiredo Luna de Carvalho))