Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0631122
Nº Convencional: JTRP00038982
Relator: JOSÉ FERRAZ
Descritores: FALÊNCIA
LIQUIDATÁRIO
REMUNERAÇÃO
Nº do Documento: RP200603230631122
Data do Acordão: 03/23/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE.
Área Temática: .
Sumário: I - A remuneração de um liquidatário judicial deve ser compatível com as funções cometidas, com o que se exige do liquidatário e com a preparação exigida às pessoas que as exercem e, remetendo a lei para a prática das remunerações na empresa, não se deve olvidar as remunerações pagas a gerentes e administradores, não para as fazer coincidir necessariamente, mas constituindo um elemento importante de referência para retribuir funções idênticas, no todo ou em parte.
II - Na fixação da remuneração dever-se-á ter presente esses aspectos, o trabalho efectivamente desenvolvido e o tempo despendido pelo liquidatário nas funções relativas à concreta falência, à dificuldade do exercício da função, à complexidade do processo – apreensão de bens, apuramento da sua situação jurídica, aferição do seu valor, as relações que a empresa falida tinha com terceiros, a dimensão do passivo, as dificuldades da venda dos bens, os resultados obtidos para os credores, a diligência aposta na actividade.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I. No processo de falência …/2000, do .º Juízo de Competência Cível da Comarca de Santa Maria da Feira, na decisão que declarou a falência de B………., Lda, foi designada Liquidatária Judicial C………. .
Concluída a liquidação e prestadas as contas, foi a Comissão de Credores notificada para se pronunciar sobre a remuneração a fixar à Sra. Liquidatária.
a) Pronunciou-se o Instituo da Segurança Social, I.P., Instituto Público:
(…)
“Relativamente ao presente processo de falência, o mesmo revestiu-se de alguma complexidade, tendo em consideração os bens apreendidos a favor da massa falida;
“Em relação à prática de remunerações seguida na empresa, as últimas remunerações mensais auferida pelos sócios gerentes da falida foram, em Julho/2001, de 748,20 € cada um. No entanto considera-se que tais remunerações não deverão servir de termo de comparação para a fixação da remuneração da Sra. Liquidatária Judicial, uma vez que as funções desta última não incluem a gestão da empresa, mas apenas a liquidação do activo da mesma.
Pelo exposto, deixa-se à consideração do Meritíssimo Juiz a decisão sobre a fixação da remuneração da Sra. Liquidatária Judicial”.
b) Por usa vez, D………., Lda, pronuncia-se “… de acordo com o critério que tem visto ser observado em situações idênticas parece-se adequado o valor de € 7.500,00 tendo em conta a complexidade e morosidade deste trabalhoso processo.
Sendo certo que V- Exa fixará de harmonia com o superior critério de justiça deste Tribunal”.
c) E o E………. “vem declarar que na fixação da remuneração à Senhora Liquidatária se deve atender à simplicidade dos autos, ao trabalho efectivamente desenvolvido e ao correntemente fixado em processos da mesma natureza”.
Na sequência da posição dos membros da comissão de credores, pelo Senhor Juiz foi fixada à Liquidatária Judicial a remuneração (única) de € 2.500,00.

II. Inconformada com a decisão, dela recorre a Liquidatária, encerrando as alegações a concluir (de forma desnecessariamente extensa, e em que, em vez da síntese das questões a pedir solução, repete o rol das diligências que diz ter efectuado e a justificar melhor remuneração, quando, neste aspecto, melhor teria sido a junção de certidão a comprová-las), de que se transcrevem:
“1. A recorrente foi nomeada para exercer funções como Liquidatária Judicial da firma B………., Lda, em 11 de Julho de 2001.
(…)
17. Nunca a Liquidatária recebeu qualquer provisão.
18. A remuneração do Liquidatário a fixar pelo Juiz deve atender á prática de remuneração na empresa (748,20 € por mês cfr. informação de fls. 638), ao parecer dos credores (parecer de fls. 649 que propôs 7.500,00 €) e às dificuldades das funções.
19. Tais factores não foram contabilizados na decisão do MMº. Juiz, devendo ser, pois que a remuneração atribuída corresponde, atento o tempo em que a recorrente exerceu as funções de liquidatária (47 meses), a uma remuneração mensal de.
20. A recorrente sempre procedeu no estrito cumprimento do vertido no C.P.E.R.E.F., agindo na estreita colaboração com a comissão de credores, e de forma diligente.
21. Todos os documentos de suporte constam dos autos de falência.
22. A comissão de credores é constituída por entidade com colaboradores da mais elevada capacidade técnica para acompanhamento dos autos e nenhum reparo foi feito quanto á acção da Liquidatária Judicial.
23. Salvo o devido respeito o despacho recorrido interpretou de forma menos acertada e nesse sentido violou o disposto nos artigos 34º, 132º, 133º, 138º, 147º, 214º e 223º do C.P.E.R.E.F. e o art. 5º do DL 254/93”.
Termina a pedir o “provimento ao recurso apresentado, revogando o despacho do MMº Juiz de 15/09/2005 de fls., fixando-se ao recorrente a título de remuneração pelo trabalho realizado a quantia global de 12.000 euros”.

Não houve resposta ao recurso.
O Mmº Juiz sustentou a decisão.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

III. O quadro factual a atender para a decisão é o que consta do relatório, em I), e a que acresce seguidamente descrito:
a) A recorrente foi nomeada para exercer funções como Liquidatária Judicial da firma B………., Lda, em 11 de Julho de 2001.
b) No exercício das suas funções, procedeu a liquidatária à apreensão de bens móveis e imóveis em 27/09/2001 e 20/03/2002 – autos de fls. 2/6 e 104 do Apenso de Liquidação do activo.
c) Procedeu ao registo da apreensão do bem imóvel em 19/04/2002.
d) Elaborou e juntou, em 21/01/2002, a relação de créditos reclamados (doze) e dos não reclamados (26) mas de existência provável, em conformidades com o artigo 191 do C.P.E.R.E.F., remetendo no que concerne a estes últimos cartas registadas, para reclamarem os seus créditos – conforme fls. 157/189 do apenso de reclamação de créditos.
e) Em 20 de Março de 2002, elaborou e juntou aos autos o mapa de ateio provisório.
f) Realizou o parecer a que alude o artigo 195º do C.P.E.R.E.F. em 20 de Maio de 2002.
g) Em Fevereiro e Março de 2002 deu início à venda dos bens da massa falida, tendo solicitado avaliação ao imóvel, para a futura venda do mesmo.
h) Em Junho de 2002, foi aceite pela comissão de credores a proposta apresentada pelo promitente comprador (do imóvel apreendido) para a aquisição do imóvel no montante global de 132.652 euros.
i) Iniciou-se a venda dos bens móveis, com a abertura das propostas para o dia 06/02/2003, não existindo qualquer proposta.
j) Procedeu à venda do imóvel pela realização da escritura em 22 de Dezembro de 2003, data em que foi entregue o preço de € 132.652,00.
k) Em Março de Abril de 2004, foram vendidos os bens móveis com recurso à venda por negociação particular, pelo valor de € 3.400,00 finalizando-se nesta data a venda da liquidação do activo.
l) Para além dos actos mencionados, outros foram realizados pela recorrente, junto das repartições de Finanças e segurança Social.
m) Nunca a Liquidatária recebeu qualquer provisão.
n) Muitos foram os esclarecimentos prestados (mediante despacho do tribunal ou não) ao tribunal relacionados com o processamento do processo de falência, subsequente, a declaração da falência, liquidação do activo e verificação do passivo bem como múltiplas foram a notificações e informações prestadas aos membros da comissão de credores e outras notificações a credores da falida, actos documentados no processo.
o) A liquidatário veio prestar contas, em 21/2/05, e que foram julgadas boas e validamente prestadas por decisão de 7/6/2005.
p) Foram aprovadas despesas no valor de € 3.482,13, a que acrescem € 1.340,36 de despesas antes paga pela massa falida.
q) Foram reconhecidos créditos no valor global superior a € 1.600.000,00.
r) Da sentença de graduação de créditos foi interposto recurso pelo Instituto de Solidariedade Social.

IV. Perante as alegações de recurso, que delimitam o seu objecto (arts. 684º/3 e 690º/1 do CPC) cumpre apenas decidir se a remuneração da Liquidatária Judicial no processo de falência em causa deve ser fixada em € 12.000,00 ou em qualquer outra quantia superior a € 2.500,00.

V. Considerou-se na douta decisão recorrida que na fixação do valor dos honorários “deve ser atendido o parecer dos credores, a prática de remunerações seguida na empresa e a dificuldade das funções compreendidas na liquidação”.
E, “no caso concreto, é de ponderar a liquidação de bens, que inclui um imóvel, bem como a actividade desenvolvida no apenso de graduação, de alguma complexidade, para além do trabalho inerente a qualquer falência”.
E, “assim sendo, decido fixar em € 2.500,00 a remuneração devida”.
Embora não se explicite qual a consideração que se deu ao parecer dos credores e em que medida interferiu na fixação da remuneração quer esse parecer quer a prática das remunerações seguida na empresa, prática que também se não refere qual seja.

A recorrente foi nomeada liquidatária em 11 de Julho de 2001. De imediato, passa a exercer as respectivas funções “podendo livremente examinar todos os elementos da contabilidade do devedor, solicitar dele e dos credores as informações necessárias e sugerir ao tribunal a requisição dos elementos indispensáveis” (artigo 135º do CPEREF, diploma a que pertencem todas as normas citadas sem outra referência), e cessa funções com o trânsito da decisão que julga prestadas as contas (art. 138º), salvo se, antes, houver sido destituído, caso em que cessa imediatamente o exercício das funções (artº. 137º). E a remuneração que lhe é devida respeita ao período em que efectivamente exerce as funções.

Estabelece o artigo 133º que o estatuto do liquidatário, nomeadamente no que respeita ao regime de remunerações e dos adiantamentos e dos reembolsos de despesas consta de diploma autónomo. É esse diploma o DL 254/93, de 15/7, que, no seu artº 5º/1, preceitua que a “remuneração do liquidatário judicial é fixada pelo juiz, nos termos previstos no Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência para a fixação da remuneração do gestor judicial …”.
E determina o artigo 34º/1 do CPEREF que “o gestor judicial, pago pela empresa, tem a remuneração fixada pelo juiz, que atenderá ao parecer dos credores, à prática de remunerações seguida na empresa e às dificuldades das funções compreendidas na gestão”.
A aplicação da norma, quanto reportada aos liquidatários, pede alguma adequação, na medida em que as funções não coincidem com as do gestor, nem o exercício das funções pede (normalmente) a mesma intensidade de dedicação permanente em todo o período da liquidação. Daí, também, que enquanto ao gestor se adequa a fixação duma remuneração periódica, mas ou menos regular (mas em regra, mensal), durante o período de funções, essa prática pode não ser a mais adequada quanto ao liquidatário judicial, que aparece, conforme se escreve no Ac. RG, de 28/1/04, dgsi.pt, proc. 2224/03-2) já numa “fase angustiante da vida da empresa, quando já está posta de parte a ideia da sua recuperação” e o que interessa é, protegendo os credores, “administrar os bens da massa falida com cautela e rigor exigíveis a um modelar mandatário”. O exercício das funções exige deste trabalho mais intenso em certos períodos e momentos do processo e da liquidação, enquanto que outros são tempo de pouca ou nenhuma actividade, podendo haver períodos “mortos” em que nenhuma actividade desenvolve (por razões que podem não lhe dizer respeito mas relacionadas com as vicissitudes inerentes a qualquer processo) e, como o liquidatário não é um funcionário (quer por conta do tribunal/Estado quer por conta dos credores), não se justificaria a atribuição de uma remuneração nestes períodos ou, pelo menos, uma remuneração periódica e certa. Nem a inscrição nas listas de gestores e liquidatários garante o pagamento de uma qualquer remuneração pelo Estado (cfr. artº 2º/3 do citado DL) ou por qualquer outra entidade.

Conforme dispõe o artigo 1º do DL 254/93, “os gestores e liquidatários judiciais são recrutados de entre pessoas que ofereçam garantias de idoneidade técnica aferida, nomeadamente por habilitações na área da gestão de empresas ou experiência profissional adequada”. A função demanda idoneidade ética e técnica bem como uma experiência adequada nas áreas da gestão de empresas. A actividade do liquidatário destina-se essencialmente a preparar o pagamento dos credores do falido e, para esse efeito, à alienação do seu património, daí que os poderes que a lei lhe atribui visam a satisfação dos interesses daqueles, são poderes funcionais que o liquidatário pode e deve exercer com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, no interesse dos credores e do falido (cfr. Carvalho Fernandes/João Labareda, CPEREF Anotado, 1994, 331), o que implica que o cargo (estritamente pessoal – artº 134º/2) deva ser exercido por quem, além da competência técnica e idoneidade ética, mereça a confiança de uns e de outro.
Como se lê no preâmbulo desse DL “porque o procedimento de liquidação do património na falência não pode deixar de envolver delicados actos de gestão, apoiados em critérios de racionalidade económico-financeira, entendeu-se preferível não distinguir, no recrutamento para as listas oficiais e no estatuto, entre gestores judiciais e liquidatário judiciais” e é “fundamental para um correcto e eficaz desempenho das funções de gestor e de liquidatário judiciais … a idoneidade técnica aferida, nomeadamente, pela experiência profissional adquirida”
A remuneração deve ser compatível com as funções cometidas, com o que se exige do liquidatário e com a preparação exigida às pessoas que as exercem e, remetendo a lei para a prática das remunerações na empresa, não se deve olvidar as remunerações pagas a gerentes e administradores, não para as fazer coincidir necessariamente, mas constituindo um elemento importante de referência para retribuir funções idênticas, no todo ou em parte.
O liquidatário é recrutado entre pessoas com competência técnica na área da gestão e com experiência adequada e exerce uma actividade de considerável grau de exigência, não em regime de subordinação, mas de profissional liberal, que implica organização de empresa, com afectação de recursos, humanos e materiais, o que implica despesas. É um profissional qualificado, com funções de responsabilidade e a quem se exige qualificações técnicas e experiência profissional elevadas.

É função essencial do liquidatário a liquidação do activo da empresa. Porém, bem se sabe, as funções e tarefas cometidas não se esgotam nessa actividade, vão muito para além de um mero “vendedor” de bens e cobrador de dívidas. Desde a apreensão dos bens da empresa declarada falida até à prestação de contas da sua actividade, desenvolve um vasta actividade, que se deve reflectir na fixação da sua remuneração. E, fixando-nos apenas na lei, são inúmeras as funções cometidas ao liquidatário, algumas das quais se podem revelar verdadeiramente complexas. V.G., administra os bens que compõem a massa falida no período da liquidação, praticando todos os actos de administração ordinária, nomeadamente os que se mostrem necessários á conservação e frutificação dos direitos do falido; procede às cobranças dos créditos do falido; cabe-lhe confirmar (ou não) os actos do falido posteriores á falência, quando de interesse para a massa; propõe acções de impugnação e de resolução dos actos do falido; procede à apreensão dos bens do falido, declarada a falência; dá parecer sobre os créditos reclamados; elabora e junta o plano de pagamento e mapa de ratio; apresenta relatórios sobre o estado da liquidação e as contas da liquidação, decorrido o prazo para a esta proceder - arts 141º, 143º, 145º, 146º, 155º/2, 160º, 175º, 195º, 219º e 220º do CPEREF.
Na fixação da remuneração dever-se-á ter presente esses aspectos, o trabalho efectivamente desenvolvido e o tempo despendido pelo liquidatário nas funções relativas à concreta falência, à dificuldade do exercício da função, à complexidade do processo – apreensão de bens, apuramento da sua situação jurídica, aferição do seu valor, as relações que a empresa falida tinha com terceiros, a dimensão do passivo, as dificuldades da venda dos bens, os resultados obtidos para os credores, a diligência aposta na actividade (v. Ac. da RG, de 5/2/03, CJ, 1, 281).
Se não se justifica a atribuição de remunerações exageradas, sem paralelo com actividades semelhantes e reflectidas na actividade concreta que o liquidatário desenvolveu, também não se deve desvalorizar o seu trabalho, não só em função das suas qualificações como do benefício que os credores retiram do seu trabalho, devendo ter-se presente que nenhuma obrigação têm de financiar a falência, obrigação que não assentaria mal nos credores, em benefício de quem é feita a liquidação.

Por outro lado, o liquidatário não é um mero vendedor dos bens apreendidos, como acontece em processo de execução com o encarregado da venda que, não obstante, por essa exclusiva função, pode ser remunerado com um valor até 5% do produto dos bens vendidos (artigo 34º/1, e) do CCJ).
Sabemos que em inúmeros processos, a liquidação do activo se arrasta por anos, por incidentes e dificuldades de diversa índole, sem que possa imputar-se ao liquidatário (ao menos, em grande parte dos casos) responsabilidade nessa situação. E, não obstante, o liquidatário mantém essa qualidade e exerce funções durante todo o período e como tal deve ser remuneração, o que não significa que a remuneração dependa do tempo de duração do processo ou que aumente em função dessa demora, sem trabalho efectivo do liquidatário.
O liquidatário actua como um profissional liberal, em que o exercício das funções constitui mais um trabalho na sua actividade, não devendo exclusividade de afectação àquelas. Mas o exercício da função implica despesas de organização e funcionamento, toda uma logística de meios que não são gratuitos, que não podem deixar de pesar na remuneração dos seus serviços, e com a qual organizará, manterá e custeará a sua “empresa”. A remuneração não deve ser tão reduzida que inviabilize ou desinteresse o exercício das funções de liquidatário, sabendo-se, mesmo, da existência de limitação ao número de empresas em que o mesmo liquidatário pode exercer funções (artº 1, b) do DL 188/96, de 8/10), que contribuindo muito correctamente para a moralização no exercício de tais funções, com um mínimo de eficácia, importa que se remunere adequadamente o seu trabalho tendo em atenção os mencionados vectores.

Na espécie, como se verifica da matéria de facto, a recorrente foi nomeada liquidatária em 11 de Julho de 2001. Exerce as funções por quatro anos, até Junho/05.
Da massa de bens faziam parte um bem imóvel e vários móveis.
Não revela o processo, nem se alude qualquer indício no despacho recorrido, que a demora da liquidação seja determinada por actuação menos diligente da recorrente ou que, no exercício das funções, houvesse actuado com desleixo, falta de zelo ou sem critério.
Verifica-se que a demora na venda dos bens, nomeadamente do imóvel, relacionada com o qual foi instaurada acção por apenso ao processo de falência que a liquidatária contestou, foi determinada por circunstâncias não dependentes da sua vontade, como sejam, a existência de um contrato promessa anterior à falência, dificuldades de recurso ao crédito do promitente comprador com o consequente atraso na outorga da escritura, falta de interessados na aquisição dos bens móveis, cuja tentativa de venda por propostas em carta fechada se revelou infrutífera.
Mesmo assim, foi obtido um produto de € 136.052,00, sendo que o valor do imóvel foi determinado pelo preço acordado no contrato promessa, que se não indicia desproporcionado aos bens apreendidos.
Não se mostra indiciado que outra actuação da liquidatária obtivesse melhor produto.
Esta não se limitou a vender os bens; procedeu à apreensão, aos registos subsequentes, requereu e juntou ao processo certidões, publicou anúncios, o que comprovou no processo.
No apenso de reclamação de créditos, apresentou duas relações de credores, nos termos do artigo 191º, dando conta do cumprimento do disposto no nº 2 desse artigo, notificando os não reclamantes, sendo que vários deles vieram afirmar os seus créditos.
Oportunamente, juntou o parecer final a que se refere o artigo 195º, com a relação de todos os créditos, fundamentado e, como se expressa na decisão recorrida, de “alguma complexidade”.
Muitíssimos são os actos da liquidatária, comprovados no processo, nomeadamente de notificações a credores e aos membros da comissão de credores, recebimentos de notificações dos serviços de finanças e outros, informações ao tribunal, espontaneamente ou na sequência de notificação, quando ao desenvolvimento da liquidação. Todos estes actos implicam considerável afectação de tempo e recursos.
E é tarefa da liquidatária a elaboração do plano e mapa de rateio.
Revela, pois, o processo, trabalho de alguma dimensão, se bem que se não mostre especialmente complexo, mas a justificar, só por si, remuneração bem superior à que foi fixada (que se nos afigura demasiado reduzida).

Informa-nos o processo, pelo credor Instituto da Segurança Social, I.P., Instituto Público, que a remuneração dos gerentes da empresa falida, em Julho de 2001, foi de € 748,20. A fixar-se uma prestação mensal ou calculada em termos mensais, por esse valor, a remuneração ascenderia a valores excessivos, desproporcionados ao serviço da senhora Liquidatária.

E que orientação dá o parecer dos credores? O ISS apenas informa a “prática” remuneratória da empresa e que essas remunerações não deverão servir de termo de comparação por as funções da liquidatária se resumirem à liquidação do activo (e não à gestão da empresa). As funções da liquidatária não se resumem, porém, à liquidação, como atrás se expôs e demonstrou. Excedem amplamente essa função, porém, bem menos amplas que as do gestor.
O E………., nada traz de útil para a fixação da remuneração.
A D………., Lda, observa que “… de acordo com o critério que tem visto ser observado em situações idênticas parece adequado o valor de € 7.500,00 tendo em conta a complexidade e morosidade deste trabalhoso processo”.

Atenta a complexidade (limitada) da falência, o volume de trabalho revelado no processo, com considerável dispêndio de tempo, os resultados positivos obtidos com a liquidação, que nenhuma referência se informa inferiores aos possíveis, que a liquidatária não recebeu qualquer remuneração ao longo do processo, nomeadamente como provisão (apenas foram pagas despesas efectuadas, e não todas, como se verifica da prestação de contas), não obstante o considerável tempo decorrido desde a nomeação, e todos os demais considerandos expostos, considera-se adequada e justa a remuneração de € 7.500,00.

VI. Pelo exposto, acorda-se neste tribunal da Relação do Porto em dar parcial provimento ao agravo, fixando-se a remuneração da Senhora Liquidatária Judicial, pelo exercício das respectivas funções, em € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros).
Custas pela recorrente, na proporção de decaimento.
Porto, 23 de Março 2006
José Manuel Carvalho Ferraz
Nuno Ângelo Rainho Ataíde das Neves
António do Amaral Ferreira