Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
626/10.4TTGMR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FERNANDES ISIDORO
Descritores: FALTAS INJUSTIFICADAS
JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO
Nº do Documento: RP20120319626/10.4TTGMR.P1
Data do Acordão: 03/19/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - Não obstante ter ficado provado que a trabalhadora deu 13 faltas injustificadas e, portanto, com o seu comportamento violou o dever de assiduidade a que, , estava adstrita por imposição legal, certo é para que tal comportamento possa constituir justa causa de despedimento é necessário que, em concreto, seja culposo e grave, entendida a gravidade no sentido de impossibilidade de subsistência da relação laboral.
II - Exigindo-se embora que o comportamento seja censurável e grave, se o circunstancialismo que o determinou e as suas consequências, bem como o nível cultural da trabalhadora e a doença de que padece, não permitem concluir pela sua censurabilidade e atenuam a gravidade dos factos, de tal sorte que, em termos de razoabilidade e proporcionalidade, não torna imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral, é de afastar a justa causa com a virtualidade de legitimar a sanção expulsória.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Registo 582
Proc. n. º 626/10.4TTGMR.P1
Sumário in fine (art. 713º/7 do CPC)

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I. B… apresentou em 27-05-2010, formulário, a que se reportam os arts. 98º-C e 98º-D do CPT[1], de oposição ao despedimento promovido em 26-05-2010, pela empregadora C…, Lda, requerendo que seja declarada a ilicitude ou a irregularidade do mesmo, com as legais consequências.

Frustrada a tentativa de conciliação empreendida na audiência de partes, a empregadora apresentou articulado a que alude o art. 98º-J do CPT, pugnando, com a alegação dos factos e fundamentos configuradores da justa causa invocada, pela licitude do despedimento, e bem assim que se julguem integralmente pagos todos os direitos devidos à trabalhadora em consequência da extinção do contrato.

Contestou a trabalhadora, alegando, para tanto e em síntese, a inexistência de justa causa por não ter praticado os factos que lhe são imputados pela entidade empregadora; e mesmo que os tivesse praticado, face a todas as circunstâncias do caso, sempre a aplicação da sanção máxima de despedimento se mostraria desproporcionada e excessiva, configurando despedimento ilícito.
Outrossim deduziu reconvencão, pedindo, em consequência da declaração da ilicitude do despedimento, a sua reintegração ou, caso por esta venha a optar, uma indemnização não inferior a € 17.107,20, bem como as retribuições que deixou de auferir desde 30 dias antes da propositura da ação até ao trânsito em julgado da decisão e juros legais.
Realizada a audiência de julgamento e decidida, sem reclamações, a matéria de facto provada e não provada, foi, na oportunidade, proferida sentença que:
A. Julgou improcedente o motivo justificativo do despedimento promovido pela empregadora contra a trabalhadora;
B. Julgou procedente a reconvenção e, em consequência, condenou a empregadora a pagar à trabalhadora a quantia de € 22.087,50 (vinte e dois mil, oitenta e sete euros e cinquenta cêntimos), acrescida das retribuições vincendas até ao trânsito desta sentença e de juros de mora desde a notificação da reconvenção até efetivo e integral pagamento, sendo que da quantia de € 4 275,00 (quarto mil, duzentos e setenta e cinco euros) serão deduzidas as importâncias eventualmente recebidas pela trabalhadora nos termos das als.a) e c) do nº 2 do art. 390º do C. do Trabalho).

Inconformada, apelou a empregadora, pedindo, na procedência do recurso: i) a revogação da sentença e a substituição por acórdão a julgar a ação improcedente; ii) a verificação de erro notório na apreciação da prova; iii) ou o reenvio do processo para novo julgamento.
Para tanto formulou as seguintes conclusões:
1) Vem o presente recurso interposto da sentença que, nestes autos, julgou improcedente o motivo justificativo do despedimento promovido pela recorrente contra a trabalhadora recorrida e, em consequência, condenou a recorrente a pagar à recorrida a quantia de €22.087,50 (vinte e dois mil e oitenta e sete euros e cinquenta cêntimos), acrescida das retribuições vincendas até ao transito da douta sentença e de juros de mora, desde a notificação da reconvenção até efetivo e integral pagamento.
2) A discordância com a douta sentença de que se recorre prende-se, essencialmente, com o facto do Tribunal “a quo” não ter dado como provado factos demonstrativos de que a recorrida cometeu as infrações que lhe eram imputadas na nota de culpa e no processo disciplinar que lhe foi instaurado e, em consequência, ter decidido pela inexistência de justa causa do seu despedimento, quando a prova documental junta ao processo permitia concluir ou decidir em sentido contrário, ou seja, pela existência de justa causa de despedimento.
3) Ora, a douta sentença incorre, salvo o devido respeito, numa errónea apreciação da prova documental junta aos autos, como adiante se verá.
4) A questão fundamental que se tem que necessariamente levantar é se a recorrida teve um comportamento culposo que, pela sua gravidade e consequências, tornou imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
5) A resposta a tal questão só poderá ser afirmativa, já que claramente a recorrida cometeu um comportamento culposo, que pode justificar o seu despedimento.
6) De facto, a decisão final de que se recorre retira, de alguns dos factos dados como provados e da prova documental carreada para os autos, uma série de ilações que nem os factos, nem a prova documental comportam e que não têm qualquer suporte nesses factos ou prova documental (já que provam exatamente o contrário).
7) Na verdade, dos factos provados resulta claramente que todos os comportamentos da recorrida demonstram que a mesma cometeu as infrações disciplinares que lhe eram imputadas na nota de culpa e no processo disciplinar que lhe foi instaurado e, apesar disso, surpreendentemente, o tribunal “a quo” decidiu-se pela inexistência de justa causa no seu despedimento.
8) À recorrida foi instaurado um processo disciplinar que se iniciou com a respetiva nota de culpa e que terminou com uma decisão em que a empresa, ora recorrente, decidiu despedi-la, invocando, para o efeito, justa causa, com a qual aquela não se conformou e recorreu, por isso, ao Tribunal.
9) Importa realçar que, nos termos da nossa lei laboral, apenas os factos que são imputados a um trabalhador na nota de culpa podem sustentar a legalidade de o despedir com invocação de justa causa, competindo sempre à entidade patronal, quando impugnado judicialmente o despedimento, fazer a prova da veracidade dos factos que fundamentaram a decisão de despedir.
10) No caso presente, a recorrente logrou provar, em sede judicial, os factos alegados na nota de culpa que permitem justificar o despedimento com justa causa da recorrida.
11) São, assim, os seguintes factos que a recorrente imputava à trabalhadora recorrida na nota de culpa inicial:
1. Os arguidos D… e E… desempenham as funções de estampador, o F… e a B… a de ajudante de estampador e o G… a de estagiário.
2. No passado dia 1 de abril, foi-lhes solicitado pela gerência que, excecionalmente, e num curto período de dias, trabalhassem no turno das 14 horas até às 22 horas, para que, desta forma, a empresa conseguisse concluir com sucesso e de forma atempada uma encomenda específica de um cliente.
3. Os arguidos recusaram-se a alterar o seu horário de trabalho.
4. Com a recusa de alteração do horário por parte destes trabalhadores, a empresa não conseguiu cumprir com os prazos estabelecidos pelo cliente, ficando assim responsável pelo pagamento de uma indemnização ao cliente, correspondente a todos os custos adicionais que o cliente terá de suportar com este atraso.
5. Para além deste prejuízo patrimonial direto, a própria imagem da empresa ficou gravemente afetada junto do cliente, deste e de outros que eventualmente tomem conhecimento dos factos ocorridos, o que poderá, no futuro, trazer reduções de encomendas, com as consequências para a empresa e os seus trabalhadores, que são fáceis de adivinhar.
6. Acresce que a arguida B…, para além de se recusar a trabalhar conforme relatado, faltou ao respeito ao chefe de produção, o Sr. H… e ao gerente da empresa, o Sr. I…, em frente de todos os funcionários presentes na área de produção da C…, elevando o seu tom de voz e respondendo-lhe de forma desabrida e absolutamente inaceitável.
7. Os arguidos D…, F…, E… e G… tiveram um comportamento menos grave do que o da arguida B…, pelo que se encontram a trabalhar normalmente.
8. A arguida B…, atenta a gravidade do seu comportamento, foi de imediato dispensada de comparecer ao trabalho até ao envio da presente Nota de Culpa.

12) No aditamento à nota de culpa inicial, os factos que a recorrente imputava à trabalhadora recorrida são os seguintes:
1. A nota de culpa inicial foi recebida pela arguida em 16 de abril, conforme consta no aviso de receção da carta que lhe foi enviada.
2. Da mesma constava expressamente, e além do mais, que “a arguida B…, atenta a gravidade do seu comportamento, foi de imediato dispensada de comparecer ao trabalho até ao envio da presente Nota de Culpa”.
3. Não obstante esta ordem direta da sua entidade patronal, a arguida, que se deveria apresentar ao trabalho na segunda-feira seguinte, dia 19 de abril, nunca mais compareceu ao trabalho nem apresentou qualquer justificação, nem prévia, nem posteriormente, para a sua ausência nas instalações da empresa, para o exercício das suas funções habituais.
4. Assim, deu faltas não justificadas ao trabalho nos dias a seguir discriminados: 19, 20, 21, 22, 23, 26, 27, 28, 29 e 30 de abril, 3, 4 e 5 de maio.

13) Em síntese, decorre da nota de culpa inicial e do aditamento à nota de culpa que à recorrida são imputadas pela recorrente duas condutas culposas e ilícitas, passíveis de justificar o seu despedimento com justa causa:
Conduta A: Pelo facto de, no dia 1 de abril, ter sido solicitado pela gerência à recorrida e outros colegas de trabalho que, excecionalmente, e num curto período de dias, trabalhassem no turno das 14 horas até às 22 horas, para que, desta forma, a empresa conseguisse concluir com sucesso e de forma atempada uma encomenda específica de um cliente, o que foi recusado pelos mesmos e levou a que a empresa recorrente não tivesse conseguido cumprir os prazos estabelecidos pelo cliente, ficando assim responsável pelo pagamento de uma indemnização ao cliente, correspondente a todos os custos adicionais que o cliente terá de suportar com este atraso.
Conduta B: Por entre os dias 19, 20, 21, 22, 23, 26, 27, 28, 29 e 30 de abril, 3, 4 e 5 de maio a recorrida ter dado faltas não justificadas ao trabalho, não obstante a ordem direta da sua recorrente para que a mesma se apresentasse ao trabalho no dia seguinte ao da receção da Nota de Culpa, ou seja, no dia 19 de abril.
14) Realizado o julgamento, foram considerados provados os factos abaixo indicados (os sublinhados são nossos):
1. No dia 02/02/1987, a empregadora admitiu ao ser serviço a trabalhadora para, sob as suas ordens, direção, fiscalização exercer as funções de ajudante de estampador, nas instalações industriais, sitas nas Rua …, freguesia …, Vizela.
2. A trabalhadora tinha o horário habitual de 2ª a 6ª-feira – das 8.30 horas às 12.30 horas e das 14 horas às 18 horas.
3. Auferia a retribuição mensal de €475,00.
4. No dia 1 de abril de 2010, a gerência da empregadora solicitou à trabalhadora e a outros trabalhadores que durante cerca de 3 dias trabalhassem no turno das 14 horas às 22 horas, para que a empregadora conseguisse concluir uma encomenda.
5. A trabalhadora e alguns outros seus colegas recusaram-se e não aceitaram essa alteração do seu horário de trabalho.
6. Por carta datada de 01/04/2010, a trabalhadora foi informada de que iria ser alvo de um processo disciplinar por parte da empregadora e que “estava dispensada de comparecer ao serviço até receber nota de culpa”.
7. Datada de 15/04/2010, foi enviada à trabalhadora e por esta recebida no dia seguinte, 16 de abril, a carta registada junta a fls. 25, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, na qual consta, além do mais, abaixo da assinatura da gerência e assinalada com um asterisco “com a receção da presente, deverá apresentar-se no seu posto de trabalho habitual”.
8. Em anexo com a mesma seguiu a nota de culpa, junta a fls. 26 e 27, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, onde consta, além do mais, no artigo 8º que “a arguida B…, atenta a gravidade do seu comportamento, foi de imediato dispensada de comparecer ao trabalho até ao envio da presente nota de culpa”.
9. A A. respondeu por escrito, resposta que se encontra junta a fls. 29 e 30, na qual afirma ser falso ter faltado ao respeito ao chefe de produção, Sr. H… e ao gerente da empresa, negando a prática de qualquer infração disciplinar e concluindo pelo arquivamento do processo disciplinar em curso.
10. A A. não se apresentou ao serviço, nem apresentou qualquer justificação, nos dias 19, 20, 21, 22, 23, 26, 27, 28, 29 e 30 de abril, 3, 4 e 5 de maio.
11. A empregadora elaborou um aditamento à nota de culpa inicial, junta a fls. 35 e 36, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, e a que foi anexa uma nova carta enviada à trabalhadora, notificando-a para deduzir a sua defesa (cfr. documento de fls. 34, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
12. A trabalhadora respondeu nos termos expostos a fls. 38 a 40, alegando, além do mais, que “… a ordem de apresentação no posto de trabalho não chegou efetivamente ao conhecimento da arguida”, que “só tomou dela consciência e conhecimento após a receção do aditamento e da nova acusação da prática de faltas injustificadas”, “…não tinha consciência, por facto que não lhe é imputável, da obrigação de se apresentar no posto de trabalho, pelo que as faltas dadas têm de ser consideradas justificadas”, “a forma como a empresa arguente pretendeu comunicar à arguida a obrigação de apresentação não foi de molde a ser percetível por esta, e a comunicação não chegou ao conhecimento da arguida”, “afigura-se até que a arguente pretendeu que a arguida não tomasse conhecimento da sua ordem para, como faz agora, vir acusá-la de faltar injustificadamente ao serviço”.
13. Conclui pelo arquivamento do processo e não apresentou qualquer meio de prova, nem requereu a realização de qualquer diligência probatória.
14. Foi proferida a decisão final junta a fls. 42 a 45, que foi comunicada por escrito à trabalhadora a 26/05/2010, que concluiu pela existência de justa causa para o despedimento.
15. A trabalhadora quando recebeu a nota de culpa mencionada em 8, não se apercebeu de que deveria apresentar-se ao serviço e manteve-se na mesma situação que resultava da informação recebida anteriormente.
16. A trabalhadora só tomou disso conhecimento e consciência quando recebeu o aditamento à nota de culpa e a acusação da prática de faltas injustificadas.
17. A trabalhadora possui o 4º ano de escolaridade.
18. A trabalhadora sofre de doença de “depressão reativa, estando medicada com antidepressivos”.
19. A trabalhadora compareceu posteriormente na empresa para receber os créditos salariais discriminados no recibo de fls. 47, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

15) Dos factos dados como provados, resulta claramente que a recorrente, no exercício do poder disciplinar legalmente estatuído, intentou um processo disciplinar à recorrida, o qual culminou no despedimento com justa causa da mesma, atendendo a que se encontravam preenchidos todos os requisitos do conceito de justa causa de despedimento, sendo que, na elaboração do processo disciplinar e posterior aplicação da sanção disciplinar, foram observados todos os requisitos, trâmites e prazos legalmente previstos.
15) Apuradas todas as circunstâncias, foi possível apurar, em sede de processo disciplinar, que o comportamento da recorrida se revelava desconforme, não só com as regras e normas da empresa, como também com as obrigações e deveres a que legal e contratualmente se encontrava obrigada.
17) Com efeito, para que exista fundamento para a justa causa de despedimento do trabalhador, basta que se mostre concretizado o princípio geral definido no supra referido nº 1 do artigo 351º da Lei nº 7/2009, de 12 de fevereiro.
18) Ora, a gravidade do comportamento culposo e a impossibilidade de subsistência da relação de trabalho ou, de outro modo, conforme jurisprudência unânime, o conceito de justa causa de despedimento compreende a verificação cumulativa dos seguintes requisitos:
a) Um elemento subjetivo – um comportamento culposo do trabalhador, por ação ou omissão;
b) Um elemento objetivo – a impossibilidade de subsistência da relação de trabalho;
c) Um nexo de causalidade entre aquele comportamento e esta impossibilidade.

19) Na verdade, o facto da recorrida ter faltado injustificadamente ao trabalho durante 13 dias consecutivos, implica a violação grave de diversos deveres que sobre a mesma recaíam, presumindo-se a culpa da trabalhadora, ora recorrida.
20) Por fim, a impossibilidade prática da subsistência da relação de trabalho está implícita na natureza da violação do contrato que faz desaparecer a confiança do empregador e justifica a desvinculação imediata.
21) Efetivamente, no caso em apreço, existe um comportamento culposo da trabalhadora (elemento subjetivo), aqui recorrida, a impossibilidade da subsistência da relação de trabalho (elemento objetivo) e o nexo de causalidade entre aquele e esta.
22) Agiu, assim, livre e conscientemente, com perfeito conhecimento de que estava a cometer graves infrações disciplinares, que punham em causa a especial relação de confiança que preside ao vínculo laboral.
23) Ou seja, tais comportamentos, atenta a culpa do agente e a sua gravidade e consequências, impossibilitaram, na prática, a subsistência da relação de trabalho, constituindo, por isso, fundamento legal para o despedimento com justa causa, nos termos do estatuído no artigo 351º, nos 1, 2, alíneas e) e g) e 3, da supra referida Lei nº 7/2009, de 12 de fevereiro.
24) Acresce que, sendo a ação disciplinar uma prerrogativa da entidade patronal, é esta quem deve avaliar qual a sanção que deve ser aplicada e adequada à gravidade da infração, na medida em que esta supõe um juízo valorativo, o qual se deve fundar primordialmente em critérios da própria entidade patronal.
25) Ora, o dever de assiduidade está relacionado com a diligência que o trabalhador coloca na realização da sua atividade, sendo que o artigo 128º, nº 1, alínea b) do Código do Trabalho proíbe as faltas e os atrasos injustificados.
26) Visto que a relação laboral pressupõe uma execução continuada, as faltas sucessivas integram um cumprimento defeituoso do vínculo, suscetível de gerar na entidade patronal a quebra de confiança no trabalhador e, em consequência, potenciar o seu legítimo despedimento.
27) De facto, as faltas sendo injustificadas, integram um comportamento ilícito, presumindo-se a culpa do trabalhador.
28) As faltas não injustificadas representam o incumprimento do dever de assiduidade, traduzindo, pois, um comportamento ilícito e culposo, imputável ao trabalhador, um dos requisitos da justa causa de despedimento.
29) Nos presentes autos, ficou claramente provado que a recorrente, por carta datada de 1 de abril de 2010, informou a recorrida de que “estava dispensada de comparecer ao serviço até receber a nota de culpa” (cfr. doc. nº 1 junto com o articulado de motivação do despedimento).
30) Posteriormente, por carta datada de 15 de abril de 2010, a recorrente enviou à recorrida a nota de culpa emitida no âmbito do processo disciplinar que lhe havia sido instaurado, na qual fez constar que “com a receção da presente, deverá apresentar-se no seu posto de trabalho habitual” (cfr. doc. nº 2 junto com o articulado de motivação do despedimento).
31) Aliás, se dúvidas restassem de que a recorrida teria que se apresentar ao serviço após a receção da nota de culpa, do artigo 8º da aludida nota de culpa consta que “a arguida B…, atenta a gravidade do seu comportamento, foi de imediato dispensada de comparecer ao trabalho até ao envio da presente nota de culpa” (cfr. doc. nº 2 junto com o articulado de motivação do despedimento).
32) Contudo, apesar dos factos supra expostos terem sido dados como provados, surpreendentemente, o Tribunal “a quo” concluiu pela inexistência de justa causa de despedimento, porquanto deu igualmente por provado (a nosso ver, e salvo o devido respeito, erradamente) que a recorrida não se apercebeu de que deveria apresentar-se ao serviço no dia seguinte ao da receção da nota de culpa.
33) Aliás, o Tribunal “a quo” deu igualmente como provado que a recorrida só tomou conhecimento e consciência da obrigatoriedade de se apresentar ao serviço quando recebeu o aditamento à nota de culpa e a acusação da prática de faltas injustificadas, baseando-se, para o efeito, no grau de escolaridade da recorrida (4º ano), no facto da mesma alegadamente sofrer de depressão reativa (a qual foi dada como provada com base apenas no depoimento do marido da recorrida) e no depoimento de parte indireto prestado pelos trabalhadores D…, E…, F… e J…, que, curiosamente, eram, nada mais nada menos, que os demais trabalhadores arguidos no processo disciplinar em questão nos presentes autos.
34) Será possível que a recorrida com o 4º ano de escolaridade entenda a ordem dada pela recorrente na carta datada de 1 de abril de 2010, em que é dispensada de se apresentar ao serviço até receção da nota de culpa e que, posteriormente, precisamente com o mesmo grau de escolaridade, não entenda que se tem que apresentar ao serviço, quando tal ordem, para além de clara e expressa, consta quer da carta que envia a nota de culpa, quer da própria nota de culpa!?
35) Será possível que, apesar de toda a prova documental junta aos autos, o Tribunal “a quo” considere como provado que a violação do dever de assiduidade pela recorrida não foi intencional e, em consequência, culposo!?
36) Aliás, atendendo a que as respostas à nota de culpa apresentadas pela recorrida foram elaboradas pelo K…, a quem a mesma recorreu, facilmente se conclui ou depreende que a mesma terá sido devidamente elucidada acerca do teor e dos efeitos decorrentes da receção da referida nota de culpa, nomeadamente do dever de apresentação no seu posto de trabalho após a receção da mesma, a não ser que os funcionários e representantes do aludido K… também apenas tenham o 4º ano de escolaridade e sofram duma qualquer depressão…
37) Acresce que, entende o Tribunal “a quo” que a recorrente não logrou provar que as faltas injustificadas dadas pela recorrida causaram prejuízos à mesma, ao contrário do disposto no artigo 351º, nº 2, alínea g) do Código do Trabalho, quando estipula “independentemente de prejuízo ou risco”.
38) Com efeito, o dever constitucional de fundamentação da sentença basta-se com a exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, bem como o exame crítico das provas que serviram para fundar a decisão e o exame crítico da prova exige a indicação dos meios de prova que serviram para formar a sua convicção, mas, também, os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do Tribunal se formasse em determinado sentido, ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência.
39) Será, pois, motivo para se questionar se o Tribunal “a quo”, perante a decisão proferida se terá baseado noutros aspetos (e quais?) para assim concluir.
40) De facto, salvo o devido respeito, o Tribunal “a quo” não valorou devidamente, não só os documentos juntos pela própria Ré, ora Recorrente, como os documentos das testemunhas por ela arroladas, bem como o depoimento de parte do sócio-gerente da Recorrente.
41) Porém, quer os dados existentes, quer a prova documental junta, parecem apontar para uma solução diferente daquela que acabou por ter este processo com a douta decisão de que agora se recorre.
42) Com efeito, da prova produzida em audiência de julgamento, dúvidas não restam que não poderia deixar de ser dada como provada a existência de justa causa de despedimento da recorrida.
43) Pelo que, em face do que antecede, impunha-se decisão diversa.
44) De tudo quanto vem de se expor, conclui-se que ocorreu manifesto erro ou erro notório na apreciação da prova (artigo 690-A do Código de Processo Civil).
45) Pelo exposto afigura-se à Recorrente que a douta sentença recorrida traduz um manifesto erro na apreciação da prova, justificativo de que os Exmos Senhores Desembargadores conheçam de facto e de direito no presente caso, admitindo a renovação da prova ou ordenando o reenvio do processo para novo julgamento (cfr. artigo 712º do Código do Processo Civil).

A A. apresentou contra-alegações, pugnando pela confirmação da sentença recorrida.
O Exmo Magistrado do Mº Pº nesta Relação pronunciou-se no sentido de que o recurso de apelação não merece provimento, em parecer a que nenhuma das partes reagiu.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II – Factos
É a seguinte a factualidade provada a quo:
1- No dia 2 /02/1987, a empregadora admitiu ao seu serviço a trabalhadora para, sob as suas ordens, direção, fiscalização exercer as funções de ajudante de estampador, nas instalações industriais, sitas na Rua …, freguesia …, Vizela.
2- A trabalhadora tinha o horário habitual de 2º a 6º-feira – das 8.30 horas às 12.30 horas e das 14 horas às 18 horas.
3- Auferia a retribuição mensal de € 475,00.
4- No dia 1 de abril de 2010, a gerência da empregadora solicitou à trabalhadora e a outros trabalhadores que durante cerca de 3 dias trabalhassem no turno das 14h às 22 horas, para que a empregadora conseguisse concluir uma encomenda.
5- A trabalhadora e alguns outros seus colegas recusaram-se e não aceitaram essa alteração do seu horário de trabalho.
6- Por carta de 01.04.2010, A trabalhadora foi informada de que iria ser alvo de um processo disciplinar por parte da empregadora e que “estava dispensada de comparecer ao serviço até receber nota de culpa”.
7- Datada de 15-04-2010, foi enviada à trabalhadora e por esta recebida, no dia seguinte, 16 de abril, a carta registada junta a fls. 25, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, na qual consta, além do mais, abaixo da assinatura da gerência e assinalada com um asterisco “Com a receção da presente, deverá apresentar-se no seu posto de trabalho habitual”.
8- Em anexo com a mesma seguiu a nota de culpa, junta a fls. 26 e 27, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, onde consta, além do mais, no art. 8º que: “A arguida B…, atenta a gravidade do seu comportamento, foi de imediato dispensada de comparecer ao trabalho até ao envio da presente nota de culpa”;
9- A A. respondeu por escrito, resposta que se encontra junta a fls. 29 e 30, na qual afirma ser falso ter faltado ao respeito ao chefe de produção, sr. H… e gerente da empresa, negando a prática de qualquer infração disciplinar e concluindo pelo arquivamento do processo disciplinar em curso;
10- A A não se apresentou ao serviço, nem apresentou qualquer justificação, nos dias 19, 20, 21, 22, 23, 26, 27, 28, 29 e 30 de abril, 3, 4, e 5 de maio.
11- A Empregadora elaborou um aditamento à nota de culpa inicial, junta a fls. 35 e 36, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, e a que foi anexa uma nova carta enviada à trabalhadora, notificando-a para deduzir a sua defesa, cfr. documento de fls. 34,cujo teor se dá também por integralmente reproduzido.
12- A trabalhadora respondeu nos termos expostos a fls. 38 a 40, alegando, além do mais, que: “… a ordem de apresentação no posto de trabalho não chegou efetivamente ao conhecimento da arguida”, que “só tomou dela consciência e conhecimento após a receção do aditamento e da nova acusação da prática de faltas injustificadas”, “… “não tinha consciência, por facto que não lhe é imputável, da obrigação de se apresentar no posto de trabalho, pelo que as faltas dadas têm de ser consideradas justificadas” a forma como a empresa arguente pretendeu comunicar à arguida a obrigação de apresentação não foi de molde a ser percetível por esta, e a comunicação não chegou ao conhecimento da arguida”, “Afigura-se até que a arguente pretendeu que a arguida não tomasse conhecimento da sua ordem para, como faz agora, vir acusá-la de faltar injustificadamente ao serviço”.
13- Conclui pelo arquivamento do processo e não apresentou qualquer meio de prova nem requereu a realização de qualquer diligência probatória.
14- Foi proferida a decisão final junta a fls. 42 a 45, que foi comunicada por escrito à trabalhadora a 26-05-2010, que concluiu pela existência de justa causa para o despedimento.
15- A trabalhadora quando recebeu a Nota de Culpa mencionada em 8, não se apercebeu de que deveria apresentar-se ao serviço e manteve-se na mesma situação que resultava da informação recebida anteriormente.
16- A trabalhadora só tomou disso conhecimento e consciência quando recebeu o aditamento à Nota de Culpa e a acusação da prática de faltas injustificadas.
17- A trabalhadora possui o 4.º ano de escolaridade.
18- A trabalhadora sofre da doença de “depressão reativa, estando medicada com antidepressivos”.
19- A trabalhadora compareceu posteriormente na empresa para receber os créditos salariais discriminados no recibo de fls. 47, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

III – Do Direito
De harmonia com o disposto nos artigos 684º/3 e 685º-A/1 do CPCivil[2], aplicável ex vi do art.87º/1 do CPT, é consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, com ressalva da matéria de conhecimento oficioso, que in casu não se vislumbra.
Em função destas premissas, são as seguintes as questões a decidir no caso sub iudice:
1. Impugnação da matéria de facto;
2. Da existência de justa causa de despedimento.

1. Questão de facto
Insurge-se a recorrente com facto de o Tribunal “a quo” não ter dado como provados factos demonstrativos de que a recorrida cometeu as infrações que lhe eram imputadas na nota de culpa e no processo disciplinar, alegadamente porque “não valorou devidamente não só os documentos juntos pela ora recorrente, bem como os depoimentos[3] das testemunhas por ela arroladas, bem como o depoimento de parte do sócio” gerente da recorrente, pelo que conclui ter ocorrido erro ou erro notório na apreciação da prova (artigo 690-A[4] do Código de Processo Civil), reclamando a renovação da prova ou reenvio do processo para novo julgamento.
Vejamos se é de acolher tal pretensão.
Dispõe, a propósito, o artigo 712º do Código de Processo Civil:
«1. A decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada por esta Relação:
a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 685º-B, a decisão com base neles proferida;
b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insuscetível de ser destruída por quaisquer outras provas;
c) Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou.
2. No caso a que se refere a segunda parte da alínea a) do número anterior, a Relação reaprecia as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações de recorrente e recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados.
3. A Relação pode determinar a renovação dos meios de prova produzidos em 1.ª instância que se mostrem absolutamente indispensáveis ao apuramento da verdade, quanto à matéria de facto impugnada, aplicando -se às diligências ordenadas, com as necessárias adaptações, o preceituado quanto à instrução, discussão e julgamento na 1.ª instância e podendo o relator determinar a comparência pessoal dos depoentes.
4. Se não constarem do processo todos os elementos probatórios que, nos termos da alínea a) do n.º 1, permitam a reapreciação da matéria de facto, pode a Relação anular, mesmo oficiosamente, a decisão proferida na 1.ª instância, quando repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto ou quando considere indispensável a ampliação desta; a repetição do julgamento não abrange a parte da decisão que não esteja viciada, podendo, no entanto, o tribunal ampliar o julgamento de modo a apreciar outros pontos da matéria de facto, com o fim exclusivo de evitar contradições na decisão.
(… …).»

No caso em apreço, a hipótese da alínea c) do transcrito nº1, não se verifica, já que não foi junto qualquer documento que não tenha sido apreciado na 1ª instância.
Quanto às restantes alíneas do mesmo segmento, entendemos que não é possível alterar a decisão sobre a matéria de facto produzida na 1ª instância nos termos pretendidos pela recorrente, já que a prova pessoal não foi gravada em audiência de julgamento (e portanto, sequer reduzida a escrito por transcrição, como impõe o art. 685º-B do CPCivil.)
Com efeito, como bem consigna o Exmo PGA em seu douto parecer[5] “se o tribunal formou a sua convição em determinados meios de prova e se estes não chegam ao conhecimento da Relação, não pode reconhecer-se a esta o poder de alterar o julgamento do tribunal, a não ser que se verifique alguma das exceções contempladas nas diversas alíneas do nº1 do artigo 712º do CPC.”
No caso em apreço, como vimos, não se verifica qualquer das exceções previstas no indicado e, neste particular, supra transcrito normativo.
Na verdade, foram inquiridas várias testemunhas e o legal representante da empregadora prestou depoimento de parte; porém - sublinhamo-lo -, os respetivos depoimentos não foram gravados e nem reduzidos a escrito, sendo certo que serviram de fundamento à decisão da matéria de facto, ao abrigo dos princípios da imediação e da oralidade, conforme se vê da “motivação da decisão de facto” no tribunal a quo (fls 93/94).
É, portanto, impossível a este tribunal apreciar, conjunta e globalmente toda a prova produzida e sobre ela fazer funcionar o princípio da livre apreciação da prova, ínsito no art. 655º do CPCivil, nos termos do qual “o tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convição acerca de cada facto.”
Ora, no caso em apreço, da leitura da fundamentação da decisão de facto, verificamos que o tribunal a quo apreciou criticamente toda a prova produzida – documental e testemunhal – valorando cada uma delas de per si e no seu conjunto, obviamente de acordo com a sua experiência e prudência, afirmando a sua convição de forma que se nos afigura criteriosa e ponderada, analisando criticamente as provas produzidas e especificando os fundamentos decisivos para tal convição.
De resto, também, formalmente, não se mostram cumpridos os ónus probatórios exigidos no artigo 685º-B/1 do CPCivil, rectius quanto à especificação dos concretos pontos de facto considerados incorretamente julgados.
Por isso, dir-se-à que não ocorre in casu a situação excecional que legitima o uso da faculdade de renovação da prova, neste tribunal ad quem.
Com efeito, diz Lebre de Freitas[6], a renovação dos meios de prova produzidos na 1ª instância tem de se mostrar indispensável, e de forma absoluta, ao apuramento da verdade.
Por sua vez, Lopes do Rego[7], refere que se trata de faculdade conferida aos Juízes da Relação “para, em casos verdadeiramente excecionais, removerem a duvida insanável sobre a correção do decidido em 1ª instância, quando a ponderação e integral audição dos registos e demais elementos constantes dos autos não tiver logrado esclarecer integralmente o julgador.”
Não se configura no caso em apreço, atento o exposto, tal situação.
De facto, não tendo havido gravação da prova pessoal não pode esta Relação, lançar mão do meio excecional previsto no art. 712º/3 do CPCivil; e, por outro lado, também se não lobriga o invocado erro ou erro notório ou patologia que determine o cumprimento do nº 4 do mesmo preceito.
Portanto, é de manter a decisão da matéria de facto, tal como decidida a quo.
E porque assim, improcedem as conclusões adrede formuladas.

2. Da (i)licitude do despedimento
Defende a recorrente que o facto da trabalhadora ter faltado injustificadamente ao trabalho durante 13 dias consecutivos, implica a violação grave do dever de assiduidade, configurando um comportamento ilícito e culposo, àquela imputável, que constituiria justa causa de despedimento, face ao disposto no art. 351º/2, alínea g) do CT[8].
Será assim? Vejamos.
Nos termos do Art.º 351.º, n.º 1 do CT2009[9], constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
Neste conceito genérico de justa causa concorrem três elementos essenciais, a saber:
a)- elemento subjectivo- traduzido num comportamento culposo e grave do trabalhador por ação ou omissão;
b)- elemento objectivo- que se traduz numa situação de impossibilidade prática e imediata de subsistência da relação de trabalho;
c)- um nexo de causalidade entre aquele comportamento e esta impossibilidade.
Fluí do exposto que só em casos culposos e particularmente graves seja admissível o despedimento do trabalhador. Todavia, tanto a culpa como a gravidade do comportamento (em si mesmo e nas suas consequências) e o decorrente juízo de prognose da aludida impossibilidade estruturam-se em critérios objetivos e de razoabilidade de acordo com o entendimento de um bom pai de família ou de um empregador normal em face das circunstâncias de cada caso em concreto.
E na apreciação da justa causa – em concreto – atender-se-á ao comportamento do trabalhador no quadro de gestão da empresa, tendo em conta os danos resultantes da conduta censurada, as funções exercidas na empresa, sem olvidar os reflexos da sua conduta nos seus companheiros e/ou subordinados e demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes.
A justa causa traduz-se, assim, numa situação de impossibilidade prática, de inexigibilidade no confronto dos interesses opostos das partes – essencialmente o da urgência da desvinculação do empregador e o da conservação do vínculo por banda do trabalhador.
E de tal sorte que, face à vocação de perenidade subjacente à relação de trabalho, apenas se justifica o recurso à sanção expulsiva ou rescisória que o despedimento configura, quando se revelarem inadequadas para o caso as medidas conservatórias ou corretivas, representando a continuidade do vínculo laboral uma insuportável e injusta imposição ao empregador em função do princípio da proporcionalidade.
Mas sempre que a exigência da permanência do contrato e a manutenção das relações pessoais e patrimoniais que ele pressupõe sejam de molde a ferir de modo desmesurado e violento a sensibilidade e a liberdade psicológica de uma pessoa normal colocada na posição do empregador, não poderá deixar de concluir-se pela impossibilidade prática de manutenção da relação de trabalho.
Esta impossibilidade (prática) existirá assim quando se consubstancie uma situação de quebra absoluta ou abalo profundo na relação de confiança entre o trabalhador e o empregador, tomando inexigível ao contraente interessado na desvinculação o respeito pelas garantias da estabilidade do vínculo, o que sucederá sempre que a rutura da relação laboral seja irremediável, na medida em que nenhuma outra sanção seja suscetível de sanar a crise contratual aberta por aquele comportamento culposo[10].
Por outro lado, estabelece, ainda, o mesmo art. 351º do CT:
2. Constituem, nomeadamente, justa causa de despedimento os seguintes comportamentos do trabalhador:
g) Faltas não justificadas ao trabalho que determinem diretamente prejuízos ou riscos graves para a empresa ou, cujo número atinja, em cada ano civil, cinco seguidas ou 10 interpoladas, independentemente de prejuízo ou risco.

Tal norma é a concretização do dever do trabalhador plasmado no art.º 128.º, n.º 1, alínea b) do mesmo diploma, segundo o qual: Sem prejuízo de outras obrigações, o trabalhador deve comparecer ao serviço com assiduidade e pontualidade.
Como diz Leal Amado[11] “[t]rata-se de deveres de heterodisponibilidade do trabalhador, sendo certo que a mera ausência do trabalhador não significa, por si só, a violação do dever de assiduidade (poderá tratar-se, p. ex., de falta justificada). As faltas injustificadas, bem como as falsas declarações relativas à justificação de faltas, poderão constituir justa causa de despedimento.”
Já Julio Gomes[12] precisa que sabendo-se embora que “5 faltas injustificadas seguidas ou 10 interpoladas constituirão justa causa de despedimento sem necessidade de provar que as faltas tiveram consequências graves. Contudo, não se segue daqui, automaticamente, que cinco faltas injustificadas seguidas ou 10 interpoladas no mesmo ano civil sejam necessariamente justa causa de despedimento: é que sempre se exige culpa grave e, da mera circunstância de as faltas serem injustificadas, nem sempre se pode inferir a existência de culpa grave[13].”
Daí que cotejando o acórdão desta Relação de 18.09.2006[14], digamos que não obstante ter ficado provado que a trabalhadora deu 13 faltas injustificadas e, portanto, com o seu comportamento violou o dever de assiduidade a que, como vimos, estava adstrita por imposição legal, certo é para que tal comportamento possa constituir justa causa de despedimento é necessário desde logo que, em concreto, seja culposo e grave, entendida a gravidade no sentido de impossibilidade de subsistência da relação laboral.
Ou, como mais recentemente se consignou noutro aresto deste mesmo Tribunal[15]: “Constituem justa causa de despedimento, independentemente de qualquer prejuízo ou risco, 5 faltas injustificadas seguidas ou 10 interpoladas, em cada ano civil que, pela sua gravidade e consequências, tornem imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.”
Regressando à hipótese concreta dos autos, vem adrede provado que:
«A trabalhadora tinha o horário habitual de 2º a 6º-feira – das 8.30 horas às 12.30 horas e das 14 horas às 18 horas.
No dia 1 de abril de 2010, a gerência da empregadora solicitou à trabalhadora e a outros trabalhadores que durante cerca de 3 dias trabalhassem no turno das 14h às 22 horas, para que a empregadora conseguisse concluir uma encomenda.
A trabalhadora e alguns outros seus colegas recusaram-se e não aceitaram essa alteração do seu horário de trabalho.
Por carta de 01.04.2010, A trabalhadora foi informada de que iria ser alvo de um processo disciplinar por parte da empregadora e que “estava dispensada de comparecer ao serviço até receber nota de culpa”.
Datada de 15-04-2010, foi enviada à trabalhadora e por esta recebida, no dia seguinte, 16 de abril, a carta registada junta a fls. 25, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, na qual consta, além do mais, abaixo da assinatura da gerência e assinalada com um asterisco “Com a receção da presente, deverá apresentar-se no seu posto de trabalho habitual”.
Em anexo com a mesma seguiu a nota de culpa, junta a fls. 26 e 27, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, onde consta, além do mais, no artº 8º que: “ A arguida B…, atenta a gravidade do seu comportamento, foi de imediato dispensada de comparecer ao trabalho até ao envio da presente nota de culpa”;
A A. respondeu por escrito, resposta que se encontra junta a fls. 29 e 30, na qual afirma ser falso ter faltado ao respeito ao chefe de produção, sr. H… e gerente da empresa, negando a prática de qualquer infração disciplinar e concluindo pelo arquivamento do processo disciplinar em curso;
A A não se apresentou ao serviço, nem apresentou qualquer justificação, nos dias 19, 20, 21, 22, 23, 26, 27, 28, 29 e 30 de abril, 3, 4, e 5 de maio.
A Empregadora elaborou um aditamento à nota de culpa inicial, junta a fls. 35 e 36, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, e a que foi anexa uma nova carta enviada à trabalhadora, notificando-a para deduzir a sua defesa, cfr. documento de fls. 34 (…).
A trabalhadora respondeu nos termos expostos a fls. 38 a 40, alegando, além do mais, que: “… a ordem de apresentação no posto de trabalho não chegou efetivamente ao conhecimento da arguida”, que “só tomou dela consciência e conhecimento após a receção do aditamento e da nova acusação da prática de faltas injustificadas”, “… “não tinha consciência, por facto que não lhe é imputável, da obrigação de se apresentar no posto de trabalho, pelo que as faltas dadas têm de ser consideradas justificadas” a forma como a empresa arguente pretendeu comunicar à arguida a obrigação de apresentação não foi de molde a ser percetível por esta, e a comunicação não chegou ao conhecimento da arguida”, “Afigura-se até que a arguente pretendeu que a arguida não tomasse conhecimento da sua ordem para, como faz agora, vir acusá-la de faltar injustificadamente ao serviço”.
A trabalhadora quando recebeu a Nota de Culpa mencionada em 8, não se apercebeu de que deveria apresentar-se ao serviço e manteve-se na mesma situação que resultava da informação recebida anteriormente.
A trabalhadora só tomou disso conhecimento e consciência quando recebeu o aditamento à Nota de Culpa e a acusação da prática de faltas injustificadas.»

Ora, a propósito da alegada violação do dever de assiduidade e às faltas injustificadas, a Mª Juiz a quo - sufragando o entendimento maioritário[16] de que para o preenchimento da justa causa de despedimento, não basta a simples materialidade das faltas injustificadas ao trabalho dadas durante certo número de dias, sendo necessária a demonstração do comportamento culposo do trabalhador que se revista de gravidade e torne, pelas suas consequências, imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral –escreve na sentença recorrida:
“Cumpre também salientar que a matéria de facto relacionada com esta questão - “a trabalhadora quando recebeu a Nota de Culpa mencionada em 8, não se apercebeu de que deveria apresentar-se ao serviço e manteve-se na mesma situação que resultava da informação recebida anteriormente” e que: “só tomou disso conhecimento e consciência quando recebeu o aditamento à Nota de Culpa e a acusação da prática de faltas injustificada” - , não permite sustentar que a violação do dever de assiduidade foi intencional, e, em consequência, que o comportamento da trabalhadora foi culposo, sendo certo que a forma como a comunicação da ordem da apresentação foi efetuada “abaixo da assinatura da gerência e assinalada com um asterisco”, a baixa escolaridade da trabalhadora, a doença que padece e o contexto em que todos os factos ocorreram, não permitem concluir pela censurabilidade do seu comportamento no que concerne à não apreensão efetiva daquela comunicação.
E mais adiante, a propósito, conclui “(…) atenta a antiguidade da trabalhadora – 24 anos – e as circunstâncias em que ocorreram as alegadas faltas, sempre a sanção do despedimento seria desproporcionada e excessiva (cfr. artº 330º, nº 1 do C. do Trabalho).
Desta forma, consideramos improcedente o motivo justificativo para o despedimento, e, em consequência, este é ilícito - cfr. arts 381º al. b).”

Concordando genericamente com o teor do segmento transcrito, maxime a exarada fundamentação e conclusão, aqui assim o perfilhamos, permitindo-nos apenas realçar que tratando-se embora de comportamento grave, o circunstancialismo que o determinou e suas consequências, atenua a gravidade dos factos, de tal sorte que, em termos de razoabilidade e proporcionalidade, cremos não torna ele imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral, pelo que é de afastar a justa causa com a virtualidade de legitimar a sanção expulsória.
Reputa-se assim tal despedimento de ilícito, improcedendo as conclusões formuladas e, em consequência, a apelação.

Em resumo, sumariando (art.713º/7 do CPC):
1. Não obstante ter ficado provado que a trabalhadora deu 13 faltas injustificadas e, portanto, com o seu comportamento violou o dever de assiduidade a que, como vimos, estava adstrita por imposição legal, certo é para que tal comportamento possa constituir justa causa de despedimento é necessário desde logo que, em concreto, seja culposo e grave, entendida a gravidade no sentido de impossibilidade de subsistência da relação laboral.
2.Exigindo-se embora que o comportamento seja censurável e grave, se o circunstancialismo que o determinou e as suas consequências, bem como o nível cultural da trabalhadora e a doença de que padece, não permitem concluir pela sua censurabilidade e atenuam a gravidade dos factos, de tal sorte que, em termos de razoabilidade e proporcionalidade, não torna imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral, é de afastar a justa causa com a virtualidade de legitimar a sanção expulsória.

IV. Decisão
Perante o exposto, decide-se nesta seção social julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.

Porto, 2012-03-19
António José Fernandes Isidoro
Paula Alexandra Pinheiro Gaspar Leal Sotto Mayor de Carvalho
António José da Ascensão Ramos
____________
[1] Aprovado pelo DL 295/2009, de 13.10, em vigor desde 1.01.2010 e aplicável às ações que se iniciem após a sua entrada em vigor (cfr. arts. 6º e 9º/1).
[2] Na redação introduzida pelo DL 303/2007, de 24.08.
[3] Ao que cremos, por lapso, a recorrente consignou “documentos”.
[4] Que corresponde, agora, ao disposto no art. 685º-B, aditado pelo aludido DL 303/2007, de 24.08.
[5] Citando o acórdão desta Relação do Porto de 2001.02.19, proferido no processo nº 426/00, inédito que se supõe.
[6] Código de Processo Civil anotado, vol. 3, 2003, p. 97.
[7] Comentários ao Código de Processo Civil, vol. I, 2ª edição-2004, art. 712, anotação IV.
[8] Aprovado pela L 7/2009, de 12.02, em vigor desde 17.02.2009, aqui aplicável por ser o Código em vigor à data dos factos determinantes do despedimento ( art. 7º/5-a) ).
[9] O que constitui, embora com ligeira alteração na redação, uma reprodução do art.º 9.º, n.º 1 do regime jurídico aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de fevereiro e do art.º 396.º, n.º 1 do CT2003.
[10] Cfr Monteiro Femandes, Direito Trabalho, 10.ª ed. ps. 499 e acórdão da Relação do Porto, proferido no proc. nº 2465/04- 1ª Seção em que é relator o Desembargador Machado da Silva.
9- Cfr art.12º/4 da LCCT e Acórdãos do STJ:1995.11.12, AD:414-776 e de 1999-.05.19, CJ:VII-2-282 entre outros.
[11] In Contrato de Trabalho, 2ª edição, p. 356.
[12] In Direito do Trabalho, Vol. I, Relações Individuais de Trabalho 2007, ps 958/959.
[13] Em sentido contrário, parece ser ao entendimento P.Ramalho, Dto Trabalho, Parte II –Situações Laborais individuais, 2006, ps 819/820.
[14] Proferido no processo n 2236/06. TTSTS- 1º Juízo, CJ : XXXI-4-216/219.
[15] Cfr Acórdão de 14.11.2011, Pº 45/10.2TTBCL.P1, inédito ao que se supôe
[16] Cfr, entre outros, Jorge Leite, Direito do Trabalho, vol. II, SASUC – Serviço de Textos, 2004, ps 211/212; M. Fernandes, ob cit. 13ª edição, ps. 575/576; Júlio Gomes, ob cit. ps 722/ss.; Romano Martinez e outros, CTrabalho anotado 6ª edição, ps 728; e os Acs do STJ de 13.10.2010, Pº142/06.9TTLRS.L1.S1.
da RP de 22.05.2000,Trabalho e Segurança Social, nº 6 - junho. 2001, p. 29/ss e os supra citados demais citados.

Texto escrito conforme o Acordo Ortográfico - convertido pelo Lince.