Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0756838
Nº Convencional: JTRP00041059
Relator: MARQUES PEIXOTO
Descritores: ACÇÃO DE INTERDIÇÃO
COMPETÊNCIA
Nº do Documento: RP200802180756838
Data do Acordão: 02/18/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: LIVRO 329 - FLS 37.
Área Temática: .
Sumário: As acções por anomalia psíquica deve ser endereçadas e distribuídas aos juízos cíveis, por serem os originariamente competentes para as preparar e julgar, a não ser que passem a seguir os termos do processo ordinário, altura a partir da qual a competência se transfere para as Varas Cíveis.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I – RELATÓRIO

A) O Ministério Público propôs acção declarativa de interdição por anomalia psíquica contra B………. pedindo se decrete a interdição por anomalia psíquica deste, com todas as consequências legais, remetendo a acção às Varas Cíveis da Comarca do Porto, onde ela foi distribuída.

B) Aí foi proferida decisão, declarando o Tribunal incompetente em razão da forma do processo e ordenando a remessa dos autos aos Juízos Cíveis do Porto, por os considerar competentes para a acção, nesta fase do processo.

C) O Ministério Público interpôs recurso desta decisão, concluindo nas respectivas alegações de recurso:
1ª- Compete às Varas Cíveis preparar as acções declarativas cíveis de valor superior ao da alçada do Tribunal da Relação em que a lei preveja a intervenção do Tribunal Colectivo.
2ª- A acção de interdição, porque é uma acção de estado, respeitante à capacidade de exercício de direitos por parte do requerido, tem valor superior à alçada da Relação.
3ª- A lei não faz depender a atribuição de competência às Varas Cíveis, para conhecer das acções de interdição, de qualquer requerimento para a intervenção do Tribunal Colectivo.
4ª- A acção de interdição, embora especial é uma acção declarativa constitutiva, que se regula quer pelas disposições específicas do processo especial de interdição, quer pelas disposições gerais e comuns do processo ordinário.
5ª- Pelo que, mesmo não havendo necessidade de audiência de discussão e julgamento para vir a ser decretada a interdição, o certo é que tal acção segue a forma do processo ordinário.
6ª- Ao declara-se incompetente o Tribunal “a quo” para apreciar e julgar a acção de interdição, violou as normas determinantes da atribuição de competência material, designadamente o disposto nos artigos 22 n.º 1 97 n.º 1 al. a) e 4 da LOFTJ (Lei n.º 3/99, de 13/01).
7ª- Não se verifica a excepção de incompetência declarada pelo Tribunal de competência específica recorrido – Varas Cíveis.
8ª- Devendo o despacho recorrido ser alterado por outro que venha a determinar a recepção da acção de interdição proposta pelo Ministério Público nesta Vara Cível e correspondente secção a que foi distribuída, por ser esta a competente.
9ª- Por todo o exposto, deve ser revogado o despacho recorrido, declarando-se competente para os termos da acção de interdição por anomalia psíquica as Varas Cíveis do Porto, devendo ser decretada a recepção da referida acção na competente 3ª Vara Cível na secção a que foi distribuída

D) Proferiu-se despacho de sustentação da decisão recorrida.

II – Colhidos os Vistos cumpre decidir
A) Com interesse para a decisão do objecto do recurso declarou-se assente, para além da factualidade do relatório que antecede, o seguinte:
- à acção foi dado o valor de 14.963, 95 Euros.

B) A questão colocada no presente recurso consiste em saber qual o tribunal competente para a instrução e conhecimento duma acção especial de interdição prevista nos artigos 944 e ss do CPC: se as varas cíveis se os juízos cíveis.
Na decisão recorrida entendeu-se que o tribunal competente para conhecer da causa é em principio o juízo cível, só o sendo a vara cível se e quando for requerida a intervenção do tribunal colectivo.
Entende, por sua vez, o recorrente que o tribunal competente para aquelas acções é a vara cível.
Vejamos.
O Direito aplicável
Nos termos do artigo 4º n.º 1 do Código de Processo Civil “as acções são declarativas ou executivas”.
E “as acções declarativas podem ser de simples apreciação, de condenação ou constitutivas”, n.º 2 do mesmo preceito.
Dispõe o artigo 460°, nº 1 do Código de Processo Civil que “o processo pode ser comum ou especial”.
Acrescenta o n° 2 do mesmo artigo que “o processo especial aplica-se aos casos expressamente designados na lei; o processo comum é aplicável a todos os casos a que não corresponda processo especial”.
O processo comum é ordinário, sumário e sumaríssimo, art. 461 do Código de Processo Civil.
O processo comum ordinário é aplicável “se o valor da acção exceder a alçada da Relação”, art. 462 n.º 1 do Código de Processo Civil.
“As acções sobre o estado das pessoas …consideram-se sempre de valor equivalente à alçada da Relação e mais 1€” artigo 312° do Código de Processo Civil.
Estatui ainda o artigo 463 n.º 1 do Código de Processo Civil que, “os processos especiais regular-se-ão pelas disposições que lhe são próprias e pelas disposições gerais e comuns; em tudo quanto não estiver prevenido numas e noutras, observar-se-á o que se achar estabelecido para o processo ordinário”.
A acção de interdição por anomalia psíquica é uma acção sobre o estado das pessoas (artigos 138 a 151 do Código Civil) e encontra-se regulada nos artigos 944 a 958 do Código de Processo Civil, sob o Título Dos Processos Especiais.
Nos termos do n.º 1 do artigo 952 do Código de Processo Civil “se o interrogatório e o exame do requerido fornecerem elementos suficientes e a acção não tiver sido contestada, pode o juiz decretar imediatamente a interdição ou inabilitação”.
Acrescenta o n.º 2 desse preceito que “nos restantes casos, seguir-se-ão os termos do processo ordinário, posteriores aos articulados…” (o mesmo estatui o artigo 948 do Código de Processo Civil).
Na 1ª instância pode haver tribunais de competência especializada e de competência específica, artigo 64 n.º 1 da L.O.F.T.J. (lei 3/99 de 13 de Janeiro).
“Os tribunais de competência específica conhecem de matérias determinadas em função da forma de processo aplicável”, art. 64°, n° 2 da L.O.F.T.J., sendo as varas cíveis um tribunal de competência especifica, art. 96°, n° 1 al. a) da L.O.F.T.J.
O artigo 97°, n.° 1, al. a), da L.O.F.T.J. determina que compete às varas cíveis a preparação e julgamento das acções declarativas cíveis de valor superior à alçada da Relação em que a lei preveja a intervenção do tribunal colectivo.
Acrescenta o n.º 4 do mesmo preceito que “são ainda remetidos às varas cíveis, para julgamento e ulterior devolução, os processos que não sejam originariamente da sua competência…”
“Compete aos juízos cíveis preparar e julgar os processos de natureza cível que não sejam de competência das varas cíveis e dos juízos de pequena instância cível, artigo 99 da LOFTJ.
Segundo o artigo 106°, da L.O.F.T.J., compete ao tribunal colectivo julgar as questões de facto nas acções de valor superior à alçada do Tribunal da Relação, sem prejuízo dos casos em que a lei de processo exclua a sua intervenção (al. b)) e as questões de direito, nas acções em que a lei de processo o determine (al. e)).
Por último o artigo 646 do Código de Processo Civil regula a intervenção e competência do tribunal colectivo, esclarecendo o n.° 2 desse preceito que a intervenção do colectivo não é admissível, nomeadamente, nas acções não contestadas que tenham prosseguido por versarem sobre relações subtraídas ao domínio da vontade das partes, portanto, sobre relações jurídicas indisponíveis.
Tendo presentes estes princípios jurídicos vejamos a situação concreta em apreço.
Estamos perante uma acção de interdição por anomalia psíquica à qual corresponde uma forma de processo especial (artigos 944 a 958 do CPC) e, que como tal é uma excepção à regra, o processo comum - “cada processo especial é, em confronto com o processo comum, uma excepção à regra”, cfr. Alberto dos Reis, «Processo Especiais», vol. 1, pág.
A regra é o processo comum, nalguma das três formas supra referidas, constituindo cada um dos processos especiais uma excepção ou desvio dessa regra.
Deste modo, o processo especial aplica-se aos casos expressamente previstos na lei devendo o processo comum aplicar-se sempre que não seja mandada seguir uma forma especial de processo, (cfr. Jacinto Bastos, «Notas ao Código de Processo Civil», vol. II, págs. 364/365).
A acção de interdição, apesar de exceder o valor da alçada da Relação [porque é uma acção sobre o estado das pessoas (arts. 138° a 151° do Cód. Civil)], é regulada em primeiro lugar pelos artigos 944 a 958 do CPC uma vez que se trata de um processo especial, como resulta da sua inserção sistemática no Código de Processo Civil (Capítulo 1 do Título IV).
Se estes preceitos não forem suficientes, a acção de interdição deve ser regulada pelas disposições gerais e comuns e pelas normas relativas ao processo ordinário (art. 467° e segs.).
Ora resulta dos artigos 948 e 952 n.º 2 supra citados, que a acção especial de interdição só seguirá «os termos do processo ordinário» se, findos os articulados e o exame, a acção tiver sido contestada, ou o processo, em qualquer caso, não oferecer elementos suficientes.
No caso concreto esta acção de interdição foi endereçada a uma Vara Cível, ou seja a um tribunal de competência específica que conhece de matérias determinadas em função da forma de processo aplicável, sendo que a este tribunal compete a preparação e julgamento das acções declarativas cíveis de valor superior à alçada da Relação em que a lei preveja a intervenção do tribunal colectivo.
Ora, a intervenção do colectivo na acção de interdição só acontecerá na situação prevista no art. 952°, n.º 2 ou seja se, findos os articulados e o exame, a acção tiver sido contestada, ou o processo, em qualquer caso, não oferecer elementos suficientes.
Desta forma podemos retirar a conclusão de que a acção de interdição não é ab origine um processo da competência das varas cíveis. Trata-se de uma acção que não é originariamente da competência das varas cíveis mas que, em determinada fase da sua tramitação (se, findos os articulados e o exame, a acção tiver sido contestada, ou o processo, em qualquer caso, não oferecer elementos suficientes), e verificados determinados pressupostos e condicionalismos, pode ser remetida para as Varas.
A acção especial de interdição só prosseguirá os termos do processo ordinário na situação específica contemplada no art. 952°, n° 2, pois se tal não suceder a acção de interdição nunca seguirá os termos do processo ordinário, mantendo-se, sempre, como processo especial.
E, não ocorrendo a situação prevista no art. 952°, n° 2, o Tribunal competente para preparar e julgar as acções de interdição é os “juízos cíveis” e não as varas (arts. 64°, n° 2 e 99° da L.O.F.T.J).
Deste modo podemos concluir que as acções de interdição devem ser endereçadas e distribuídas aos juízos cíveis, por serem os originariamente competentes para as preparar e julgar, a não ser que passem a seguir os termos do processo ordinário, altura a partir da qual a competência se transfere para as varas cíveis (art. 97°, n.º 4, da L.O.F.T.J.) cfr., neste sentido, os Acs. do STJ de 11/12/2003, Recurso n.º 3742/03 - 6 Secção, Relator: Exm° Conselheiro Nuno Carneira; Adjuntos: Exm°s Conselheiros Afonso de Meio e Sousa Leite; da RP de 20/04/2006, Relator: Exm° Desembargador Teles de Menezes, Processo n.º 0631866, n.º convencional JTRP00039O9O, in www.dgsi.pt, de 14/09/2006 (Relator: Exm° Desembargador Amaral Ferreira; Adjuntos: Exm’s Desembargadoras Deolinda Varão e Ana Paula Lobo; Proc. n.º 4513.06), e de 01.10. 2007, Relator Exmº Desembargador Rafael Arranja e Adjuntos: Exm’s Desembargadores Paulo Brandão e Abílio Costa e ainda o Ac. de 07-04-1997 Relator Exmº Desembargador Paiva Gonçalves da RL de 15/05/2003, Relator: Exm° Desembargador Granja da Fonseca, Processo n.º 3409/2003 - 6 Secção, in www.dgsi.pt. [1]
Em suma impõe-se a improcedência das conclusões do Agravante e consequentemente do presente recurso agravo.

VI – Decisão;
Por tudo o que se deixou exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso de agravo interposto pelo Recorrente e, em consequência confirma-se o despacho recorrido.
Sem custas por delas estar o Recorrente isento.

Porto 18/2 /2008
Baltazar Marques Peixoto
José Augusto Fernandes do Vale (revendo anterior posição)
Rui de Sousa Pinto Ferreira (revendo posição)

_________________________
[1] Ainda que se trate de um processo de prestação de contas, podemos ver ainda em idêntico sentido o Ac. de 07-04-1997, Relator Exmº Desembargador Paiva Gonçalves.
Em sentido inverso podemos ver os Acórdão da Relação do Porto de 04-07-2007, Relator Exmº Desembargador Emídio Costa (tem voto de vencido); Acórdão da Relação do Porto de 09-05-2007, Relator Exmº Desembargador Femandes do Vale; Acórdão da Relação do Porto de 31-07-2007, Relator Exmª Desembargadora Maria do Rosário Barbosa; Acórdão da Relação do Porto de 06-11-2006, Relator Exmº Desembargador Jorge Vilaça; Acórdão da Relação do Porto de 03-10-2006, Relator Exmº Desembargador Henrique Araújo (tem voto de vencido) e Acórdão da Relação do Porto de 25-05-2004, Relator Exmº Desembargador Marques de Castilho (uma vez apresentada a contestação)