Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
442/08.3PBMAI.P1
Nº Convencional: JTRP00042935
Relator: PINTO MONTEIRO
Descritores: CONDUÇÃO SOB O EFEITO DE ÁLCOOL
CONFISSÃO
Nº do Documento: RP20090930442/08.3PBMAI.P1
Data do Acordão: 09/30/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO - LIVRO 388 - FLS 256.
Área Temática: .
Sumário: Ao valor registado pelo alcoolímetro deve ser deduzido o erro máximo admissível correspondente à verificação do controlo metrológico do instrumento, a isso não obstando a confissão integral e sem reservas feita pelo arguido.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: P.º n.º 442/08.3PBMAI – 4

Acordam, em conferência, na 4.ª sec. (2.ª sec. criminal) do Tribunal da Relação do Porto:

No Tribunal Judicial da Maia, foi o arguido B………., devidamente identificado nos autos a fls. 15, julgado em processo sumário e condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p.p. nos termos dos arts. 292.º e 69.º, ambos do Código Penal, na pena de 65 dias de multa, à razão diária de €5,00, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor por um período de 3 meses e 15 dias.
Inconformado com a decisão, dela interpôs recurso o M.º P.º, cuja motivação concluiu nos termos seguintes:
I – Consta dos autos que efectuado ao arguido teste quantitativo de pesquisa de álcool no sangue, através de ar expirado, no aparelho Dragger Alcotest 7110MKIII P, acusou uma taxa de 1.77 g/l.
II – Isso consta dos factos provados.
III – A M.ª Juiz “a quo” teve em conta a confissão do arguido e o talão do alcoolímetro junto aos autos, cfr. fls. 4.
IV – Na fundamentação de direito a M.ª Juiz “a quo” efectuou desconto naquela taxa com base em “margem de erro admissível nos alcoolímetros”.
V – In casu, não se pode fazer correcção na TAS por aplicação das margens de erro.
VI – O exame de pesquisa de álcool no ar expirado é realizado por autoridade ou agente de autoridade mediante a utilização de aparelho aprovado para o efeito.
VII – Em face do constante quer do regime do Decreto Regulamentar n.º 24/98 de 30 de Outubro, da Portaria n.º 748/94, de 13 de Agosto, da Lei n.º 18/2007, de 17 de Maio, e da Portaria n.º 1556/2007 de 10 de Dezembro, a solução para o caso concreto, na nossa modesta opinião é a mesma, ou seja, não podia no caso concreto ser efectuado tal desconto.
VIII – De facto, os erros a que se alude no artigo 6 da Portaria n.º 748/94 e no art.º 8 da Portaria n.º 1556/2007 de 10 de Dezembro, são considerados nas operações de aprovação e de verificação dos aparelhos em apreço, efectuados pelo Instituto Português da Qualidade, sendo de ter em conta o referido no art.º 10 desta última Portaria quanto à validade dos aparelhos que tenham sido autorizados ao abrigo de legislação anterior à entrada em vigor da mesma.
IX – Ao valor que consta dos talões emitidos por aquele alcoolímetro não tem de se fazer desconto, uma vez que os níveis máximos de erro já foram tidos em consideração na aprovação, verificações e ensaios a que aquele é sujeito.
X – Ao fazê-lo a Douta Decisão padece de contradição insanável da fundamentação.
XI – Isto porque, na convicção do tribunal pode ler-se que “O Tribunal fundou a sua convicção na confissão do arguido, integral e sem reservas, assim como na análise do talão junto a fls. 4 dos autos”.
XII – Ora, se alicerçou a sua convicção no talão, cfr. fls. 4, e na confissão, aceitando pois o arguido tal valor, não podia fazer tal correcção, o arguido foi sujeito a exame de alcoolemia através de aparelho Dragger modelo MKIIIP, cuja aprovação não foi colocada em dúvida, e acusou uma taxa de 1,77 g/l, não o tendo questionado nomeadamente através da realização da contraprova.
XIII – Em face de todo o exposto a TAS a ter em conta deverá ser a de 1,77 g/l.
XIV – Em face da TAS de 1,77 g/l, consideramos como justa nos termos conjugados do(s) art.º(s) 40.º e 71.º do C. P. uma pena de multa não inferior a 70 dias, mantendo-se quanto a nós adequada a proibição de conduzir quaisquer veículos com motor por 3 meses e 15 dias.
XV – Ao não considerar para efeito de pena a aplicar a TAS de 1,77 g/l, que consta dos factos provados, e considerar, ao invés, a TAS de 1,64 g/l, a M.ª Juiz “a quo” violou o artigo n.º 1 e n.º 2, art.º 71.º n.º(s) 1 e 2, art.º 77, n.º(s) 1 e 2, art.º 292, n.º 1, do C. Penal, art.º 410, n.º 2, al. b) do C. P. P. e art.º 153, n.º 1 e 158, nº 1, al. b) do Código da Estrada.
X X X
Terminou pedindo a revogação parcial da sentença recorrida e a condenação do arguido numa pena de multa não inferior a 70 dias.
X X X
Na 1.ª instância respondeu o arguido pronunciando-se pelo não provimento do recurso.
Neste tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que o recurso merece provimento, para além de outros fundamentos, por a senhora juíza não ter esclarecido como chegou ao resultado atendível da TAS considerada de 1,64 g/l, não referindo se por aplicação da norma NF X 20-701, se por efeito da Portaria n.º 748/94, de 13/08, se por aplicação de uma das margens de erro máximo admissíveis, previstas no anexo da Portaria n.º 1556/2007 (5% ou 8%). Nesta última hipótese, em qualquer caso, aplicando uma ou outra margem percentual (correspondente à 1.ª verificação ou a verificação extraordinária do modelo), não daria o resultado obtido, pois que resultaria em 1,68 g/l na primeira (5%) e em 1,75 g/l, na segunda (8%), não podendo a solução a que o tribunal chegou ser aleatória ou infundada, caso em que se trataria de uma decisão nula.
Cumprido o disposto no n.º 2 do art. 417.º do C. P. P., nenhuma resposta foi junta ao processo.
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre decidir.
X X X
Este tribunal conhece de facto e de direito – art. 428.º do C. P. Penal.
Tendo em conta as conclusões da motivação do recurso e que estas delimitam o seu objecto, temos que a única razão de discordância do M.º P.º com a sentença recorrida consiste em, nesta, se ter procedido ao desconto do EMA na taxa de álcool constante do exame efectuado ao arguido, que qualificou como constituindo o vício da contradição insanável da fundamentação.
Na sequência do entendimento de que não havia lugar a qualquer redução na taxa de alcoolemia constante do resultado do exame, devendo este manter-se, defende que o arguido deve ser condenado numa pena de multa não inferior a 70 dias de multa, com a consequente revogação da sentença na parte em que o condenou numa pena de 65 dias de multa, e que se deve manter a pena acessória.
É a seguinte a matéria de facto considerada provada na sentença recorrida:
a) No dia 07.05.2008, pelas 19h 04m o arguido conduziu o veículo ligeiro de passageiros de matrícula ..-.. TQ pela ………., Maia.
b) Na ocasião acima referida foi submetido pela autoridade policial a teste quantitativo de pesquisa de álcool no sangue, através de ar expirado, no aparelho Drager Alcotest 7110MKIII P, acusando uma taxa de 1.77 g/l (taxa registada no talão emitido pelo aparelho).
c) Actuou de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que conduzia veículo por via de circulação terrestre, afecta ao trânsito público, depois de ter ingerido bebidas alcoólicas, e querendo fazê-lo.
d) Sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei
e) O arguido é técnico de manutenção eléctrica, está desempregado, vai fazendo biscates e espera recomeçar a trabalhar regularmente em Junho, auferindo 650 € mensais.
f) Está divorciado e é pai de duas filhas, uma de 17 anos, que mora com os seus pais (avós da jovem) e outra de 5 anos que mora consigo, sendo o arguido que sustenta estas suas filhas.
g) Arrendou casa, pagando 300 € (de renda).
h) Vive em união de facto, a sua companheira é empregada de limpeza e aufere 400 € mensais.
i) Confessou os factos e mostrou-se arrependido.
j) Tem uma condenação anterior por crime de ofensa à integridade física.
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Formou o tribunal recorrido a sua convicção quanto à matéria de facto considerada provada nos termos seguintes:
O tribunal fundou a sua convicção na confissão integral e sem reservas do arguido, assim como na análise do talão junto a fls. 4 dos autos.
No que concerne aos antecedentes criminais do arguido e suas condições de vida, no teor do que o próprio relatou e no CRC junto aos autos.
Os descritos meios de prova, analisados à luz das regras de experiência, serviram para formar a convicção supra expressa.
X X X
É o seguinte o enquadramento jurídico-penal da matéria de facto considerada provada feito na sentença recorrida:
O arguido vem acusado da prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido no art.º 292 (n.º 1) do Código Penal, que dispõe o seguinte:
"1. Quem, pelo menos por negligência, conduzir veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada, com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1.2.g/l é punido com prisão até 1 ano ou com multa até 120 dias..."
Por sua vez o art.º 69 n.º 1 a) do Código Penal dispõe que será condenado na sanção acessória de proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre 3 meses e 3 anos todo aquele que for condenado pelos crimes previstos nos art.º 291 ou 292 do Código Penal.
Da análise da matéria de facto provada, decorre que no dia 07.05.2008 o arguido conduziu na via pública veículo automóvel, com uma taxa de álcool no sangue de 1.77 g/l., de acordo com a medição efectuada no aparelho descrito em b) dos factos assentes.
A medição efectuada em tal aparelho, todavia, está sujeita a uma margem de erro, conforme a menção constante a fls. 18 do “manual de operações” do Drager 7110, divulgado pela sociedade “C……….” que introduziu tal aparelho em Portugal.
O uso do dito aparelho no território nacional, com a característica descrita, foi validado através de “despacho de aprovação de modelo”, publicado a 25.09.1996 e em 05.03.1998 (referente a alterações) e emitido pelo Instituto Português da Qualidade, entidade com competência para o efeito, nos termos do estatuído pelo Regulamento de Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, aprovado pela Portaria 748/94, publicada no DR de 13.08.1994, na qual se definiam os requisitos a que tinham que obedecer os aparelhos destinados a efectuar as medições de álcool (sendo certo que tal Portaria se manteve em vigor até 11.12.2007, já que a ela aludia o Decreto Regulamentar 24/98, de 30.10 e aludia a actual Lei 18/2007, de 17.05, no seu art.º 14 n.º 2).
Em tal Portaria aludia-se, de forma clara, às margens de erros admissíveis nos alcoolímetros, que eram os definidos pela norma NF X-20-701, da Organização Internacional de Metrologia Legal.
A Portaria 748/94 foi expressamente revogada pela Portaria 1556/2007, de 10.12.2007, que aprovou o novo Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, e na qual se continua a referir o Instituto Português da Qualidade como entidade competente para efectuar o controlo metrológico dos alcoolímetros.
Nesta nova Portaria continua a aludir-se, de forma expressa no seu art.º 8.º, às margens de erros admissíveis nos alcoolímetros, que são os definidos no anexo da própria Portaria.
Assim sendo, não resta senão concluir que o aparelho usado para medir o nível de álcool no sangue ao arguido nestes autos fornece um valor não totalmente rigoroso, porque sujeito a erro, que todavia se encontra compreendido dentro dos valores máximos legalmente admissíveis (motivo pelo qual o dito aparelho foi aprovado em Portugal e o seu uso continua a ser legal – cfr. art.º 10 da Portaria 1556/2007).
A aplicação das apontadas margens de erro ao valor encontrado produz um intervalo de valores dentro do qual se há-de encontrar o valor de álcool no sangue de que o arguido era realmente portador (neste sentido, entre outros, Ac. TRP de 19.12.2007, relatado pelo Sr. Desembargador Pinto Monteiro, Ac. TRP de 02.04.2008, relatado pelo Sr. Desembargador José Carreto, e Ac. Tribunal da Relação do Porto de 07.05.2008, relatado pelo Sr. Desembargador Luís Teixeira, todos em www.dgsi.pt).
A DGV divulgou mesmo uma tabela (que foi remetida aos tribunais através da Circular 101/2006 do Conselho Superior da Magistratura) na qual se faz aplicação prática do acima referido, encontrando-se previsto para cada valor de álcool no sangue, obtido através do aparelho Drager 7110, o valor mínimo a que tal há-de corresponder, ou seja, o valor de álcool no sangue de que, pelo menos, o sujeito ao teste há-de ser portador, deduzida a margem de erro máximo aplicável.
De acordo com tal tabela, que se tem como boa, a uma taxa de álcool no sangue de 1.77 g/l corresponde pelo menos o valor de 1.64 g/l, que é o valor que se considera nestes autos.
Tal valor enquadra-se, igualmente, na previsão legal do art.º 292 do Código Penal.
Para além do descrito, provou-se ainda que o arguido quis conduzir a viatura, nas condições descritas, apesar de saber que não o poderia fazer, agindo de forma voluntária, livre e consciente.
Pode, pois, e sem necessidade de mais considerações, concluir-se pela verificação dos elementos objectivos e subjectivos de que depende o preenchimento do crime de que vinha acusado.
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A questão suscitada no recurso tem vindo a ser objecto de decisões quer no sentido defendido pelo M.º P.º, quer no sentido da decisão recorrida, a reclamar a uniformização de jurisprudência por parte do STJ. Enquanto isso não acontecer, outra coisa não nos resta senão decidir em conformidade com o entendimento que nos parece o mais conforme com os critérios de apreciação da prova e que é no sentido de que, havendo dúvidas, por aplicação do princípio in dubio pro reo se deve proceder à redução da taxa de alcoolemia, como, aliás, foi decidido no acórdão citado na sentença recorrida, elaborado pelo ora relator, bem como nos projectos dos acórdãos elaborados também pelo ora relator nos processos n.ºs 442/08.PBMAI e 1786/08.06 AMAI.P1, que, todavia, não obtiveram vencimento.
No projecto de acórdão elaborado no processo n.º 442/08, escreveu o ora relator, para além do mais, que:
“É verdade que as razões de discordância residem essencialmente no facto de haver quem considere que os EMA (erros máximos admissíveis) a que actualmente alude a Portaria 1556/2007, de 10 de Dezembro (anteriormente era a Portaria n.º 748/94, de 13 de Agosto, que regulava tal matéria) têm aplicação ao controlo metrológico dos alcoolímetros e não à determinação da taxa de alcoolemia. Da leitura de tal Portaria parece não resultarem dúvidas de que efectivamente os EMA a que a mesma alude dizem respeito à aprovação e posterior controlo dos alcoolímetros.
Tal interpretação tem suporte no trabalho intitulado A ALCOOLEMIA E O CONTROLO METROLÓGICO DOS ALCOOLÍMETROS, apresentado em 28/04/08, por António Cruz, Maria do Céu Ferreira e Andreia Furtado, respectivamente director do Departamento de Metrologia do IPQ, responsável pelo laboratório de química-física da mesma entidade, e técnica superior de laboratório, também do IPQ, que referem a dado passo que “A operação de adição ou de subtracção dos EMA aos valores das indicações dos alcoolímetros sujeitos a controlo metrológico é totalmente desprovida de justificação metrológica, sendo o valor da indicação do aparelho em cada operação de medição o mais correcto”. Mas também referem, a propósito da utilização dos alcoolímetros, que, “Como para qualquer instrumento de medição, as boas práticas de utilização e manuseamento devem fazer parte do procedimento de utilização de um alcoolímetro. Desde logo, é fundamental garantir um bom estado de conservação do instrumento durante a sua vida. Para o efeito, deverão os utilizadores estar sensibilizados para esta questão e receber formação adequada para um correcto manuseamento e conservação do estado físico dos instrumentos”. E mais: O controlo da alcoolemia com os alcoolímetros aprovados deve ser efectuado por pessoas com conhecimentos da legislação e das técnicas de utilização dos instrumentos de medição”.
O que significa que os resultados dos exames feitos por aqueles aparelhos podem não ser absolutamente fidedignos.
Embora noutro contexto, também não deixam de referir que a qualquer resultado de medição está sempre associada uma incerteza de medição, uma vez que não existem instrumentos de medição absolutamente exactos.
Se, como referem, a operação de adição ou de subtracção dos EMA aos valores das indicações dos alcoolímetros sujeitos a controlo metrológico é totalmente desprovida de justificação metrológica, sendo o valor da indicação do aparelho em cada operação de medição o mais correcto, o mesmo já não se pode dizer quanto à justificação jurídica, nomeadamente para efeitos de apreciação da prova.
Assim, na determinação da matéria de facto provada o tribunal pode sempre proceder à correcção dos respectivos resultados.
No caso sub judice, a isso não obsta a circunstância de o arguido ter confessado de forma integral e sem reservas os factos que lhe foram imputados na acusação. Com efeito, na acusação foi-lhe imputado o facto de o exame a que foi submetido ter acusado uma taxa de alcoolemia de 2,27 g/l. Se a taxa de alcoolemia era efectivamente aquela ou outra o arguido não tinha a possibilidade de o saber.
Como se escreveu no acórdão deste tribunal e secção, processo n.º 355/08.9GNPRT, que o ora relator subscreveu na qualidade de 1.ª adjunto, estando definidas as margens de erro admissível para os alcoolímetros, correspondentes a cada verificação, se a medição registada pelo alcoolímetro é prova bastante da TAS, isso não significa que, para o juízo de certeza sobre a TAS sejam irrelevantes ou não devam ser consideradas as barreiras limite dentro das quais esse valor é correcto. Em certos casos o princípio in dubio pro reo reclama que o valor registado pelo alcoolímetro seja corrigido para menos em função do erro máximo admissível. Ou seja, ao valor registado pelo instrumento de medição deve ser deduzido o erro máximo admissível correspondente à verificação do controlo metrológico do instrumento. Aceita-se, por isso, que o juiz do julgamento corrija nesses casos o valor registado pelo alcoolímetro, deduzindo-lhe o erro máximo admissível. Por outro lado, é falacioso argumentar que esse procedimento viola o valor da confissão integral e sem reservas dos factos, uma vez que a confissão do arguido se esgota na admissão de que foi submetido aos testes para detecção do álcool no sangue e que os resultados obtidos foram aqueles que constam do auto de notícia.
Também a propósito desta questão, escreveu o ora relator no acórdão tirado no processo n.º 6058/07, de 19/12/2007, deste tribunal e secção, o seguinte: Não existe qualquer diploma que vincule o tribunal, na apreciação da prova, ao resultado dos exames para detecção de álcool no sangue. Com efeito, tais exames não constituem prova pericial subtraída à livre apreciação do julgador, nos termos do art. 163.º do C. P. Penal. Trata-se de um meio de prova que, como refere Maia Gonçalves no CPP Anotado, 9.ª edição, pág. 380, constitui um meio de obtenção de prova através do qual se captam indícios relativos ao modo como e ao lugar onde o crime foi praticado. Embora constitua um meio de prova muito relevante, nem por isso está subtraído à livre apreciação do julgador e, consequentemente, à sua valoração nos termos do art. 127.º do C. P. Penal. E muito menos é impeditivo da aplicação do princípio in dubio pro reo. Assim, em caso de dúvida, por aplicação do princípio in dubio pro reo, pode o tribunal fixar uma taxa de alcoolemia inferior à que resulta do exame.
Não deixa de ser significativo o facto de, na parte final do referido trabalho, de cariz científico e não jurídico, se referir que “Aos juízes cabe, e apenas a eles, nos casos limite, in dubio pro reo, admitir no seu douto critério eventual tolerância na aplicação da lei. A bem do cumprimento da lei e para o bem-estar e segurança da sociedade em geral, que essa lei visa proporcionar.”
Caso os resultados dos exames fossem absolutamente fiáveis, o legislador não teria sentido a necessidade de permitir a realização de uma contra-prova.
No caso, a senhora juíza procedeu à redução de harmonia com os critérios práticos constantes da Portaria emanada pela DGV, que considerou como boa, pelo que o Exmo. Procurador-Geral Adjunto carece de razão quando refere que da sentença recorrida não consta o critério segundo o qual chegou ao resultado atendível. Pode-se é não concordar com ele. Mas isso é outra questão.
Também carece de razão o Exmo. magistrado do M.º P.º na 1.ª instância quando alega que a sentença recorrida padece do vício da contradição insanável da fundamentação. Na sentença recorrida foi dado como provado que o teste de alcoolemia efectuado ao arguido deu como resultado uma taxa de alcoolemia de 1,77 g/l, o que efectivamente aconteceu. Só que, na decisão de direito, procedeu-se à sua redução, tendo a decisão dessa redução sido devidamente fundamentada. Não se verifica assim qualquer contradição. O que poderia estar em causa era um erro na decisão de direito, que é coisa diferente do vício da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão.
Há apenas um reparo a fazer à sentença recorrida. A senhora juíza determinou a redução da taxa de alcoolemia a atender na qualificação jurídico-penal da matéria de facto considerada provada quando, a nosso ver, o devia ter feito na fixação desta, sendo certo que, também quanto a esta questão, não é pacífica a jurisprudência dos tribunais superiores, havendo acórdãos em que se decidiu que a redução devia ser feita na decisão de direito e não na fixação da matéria de facto provada. Seja como for, o resultado prático seria sempre o mesmo: a taxa de álcool no sangue a ter em conta na qualificação jurídica da matéria de facto provada e na determinação da medida concreta das penas principal e acessória seria sempre a que foi levada em conta na sentença recorrida.
Importa por último referir que só se compreende que o Ministério Público tenha pedido a agravação da pena de multa para fundamentar a sua legitimidade na interposição do recurso. Com efeito, tendo em conta os critérios para a determinação da medida concreta da pena e as circunstâncias do caso, ainda que se considerasse para esse efeito a taxa de alcoolemia de 1,77 g/l e não a que foi considerada na sentença recorrida, nem por isso se justificava a condenação do arguido numa pena de multa de 70 dias em vez da pena de 65 dias de multa em que foi condenado. Acresce que, sendo os mesmos os critérios para a determinação da pena acessória, não se compreende que, defendendo o M.º P.º a agravação da pena de multa nos termos referidos, não tenha defendido também a agravação da pena acessória.
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Deste modo, nega-se provimento ao recurso.
Sem tributação, por o M.º P.º dela estar isento.
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Porto, 2009/09/30
David Pinto Monteiro
José João Teixeira Coelho Vieira