Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0756383
Nº Convencional: JTRP00041297
Relator: ANABELA LUNA DE CARVALHO
Descritores: INVENTÁRIO
DÍVIDA ACTIVA
RELAÇÃO DE BENS
Nº do Documento: RP200804280756383
Data do Acordão: 04/28/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Indicações Eventuais: LIVRO 337 - FLS 171.
Área Temática: .
Sumário: Em processo de inventário, se reclamada a descrição de dívida activa e decidido remeter o seu conhecimento para os meios comuns, a mesma deve ser mantida na relação de bens, agora com a expressa menção de litigiosa.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: AGRAVO Nº 6383/07
5ª SECÇÃO

I
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

Nos autos de inventário instaurados para partilha da herança aberta por óbito de B………., foram interpostos dois recursos de agravo, sendo Agravante: C………. e Agravados: D………. (cabeça de casal) e E………. (interessado).
Do 1º Agravo
Incide o mesmo sobre o despacho datado de 06 de Maio de 2005 (cf. fls. 67 e 68), do seguinte teor:
“Os presentes autos de inventário foram instaurados a requerimento de C………. .
Por altura da junção aos autos da relação de bens, o requerente veio a fls. 37 e ss. reclamar quanto à relacionação da dívida, protestando juntar prova testemunhal.
Desencadeado o incidente a que se alude no artigo 1349º do CPC., veio o cabeça de casal pronunciar-se a fls. 52 e ss., requerendo o indeferimento do requerido.
O requerente a fls. 62 dos autos veio prescindir da indicação da prova testemunhal.
Cumpre decidir:
Não perderemos de vista que nos movemos no âmbito de um inventário – artº 2101 do Código Civil.
Assim, incumbe ao cabeça de casal relacionar todos os bens, direitos e obrigações de que fosse titular o inventariado à data da sua morte, estivessem os mesmos ou não na posse do autor da sucessão naquela data (neste sentido vd. Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, 4ª ed. Vol. I, p. 427).
Dispõe o art. 1350º nº 1 do CPC: “Quando a complexidade da matéria de facto subjacente às questões suscitadas tornar inconveniente, nos termos do nº 2 do artigo 1336º, a decisão incidental das reclamações previstas no artigo anterior, o Juiz abstém-se de decidir e remete os interessados para os meios comuns.”
Ora, dos elementos juntos aos autos, resulta sem margem para dúvida ou erro, que a questão relativa à reclamação apresentada demanda outras provas, além de eventuais documentos, pelo que não é possível neste momento, atenta a falta de prova formular um juízo certo e seguro sobre a inexistência da dívida relacionada.
Por tal facto remetem-se os interessados para os meios comuns – art. 1350º nº 1 do CPC – no mesmo sentido Ac. STJ de 11.1.2000 Sum. 37º./15; Ac. RC. 8.10.1991, in BMJ. 410/893.
Por isso, tudo ponderado entende-se que no caso dos autos, na posse de todos os elementos úteis, se deverá relacionar a totalidade das verbas, mesmo aquela cuja exclusão se requer, nos termos do art. 1350º, nº 3 do CPC.
Custas pelo interessado reclamante – art. 1383º, nº 2 e 446º, nº 1 do CPC. Notifique. “

Inconformado com tal despacho dele veio recorrer C………., sendo as seguintes, as suas Conclusões de Alegação:
A) O douto despacho recorrido de fls. 67 deveria ter excluído da relação de bens as dívidas activas ou créditos da herança constantes dos anexos 2 e 4 por terem sido objecto de acordo e confissão das próprias partes.
B) Ao não o fazer a Meritíssima Juiz “a quo” violou o disposto nos artºs 352 e ss. do Código Civil, designadamente o artº 356 nº 1 do mesmo diploma legal.
C) Além disso deveriam as dívidas activas constantes dos anexos 1 e 3 ser mantidas com a expressa menção de litigiosas conforme o disposto no artº 1351º nº 2 do CPC.
D) E portanto serem só objecto de relacionamento definitivo no activo da herança depois de prova efectiva da sua existência à parte nos meios comuns.
E) Assim dando cumprimento efectivo ao disposto nos artºs 1348, 1349 e 1350 do CPC.
A final pede que seja dado provimento ao recurso de agravo, revogando-se o despacho recorrido de fls. 67 e ss. dos presentes autos e consequentemente substitui-lo por outro conforme ao disposto e preconizado nas conclusões do presente recurso.

Do 2º Agravo
Incide o mesmo sobre o despacho datado de 12 de Junho de 2007 do seguinte teor:
“Requerimento de fls. 154 do interessado C……….:
Conforme resulta dos autos, por despacho de fls. 67 e ss. os interessados foram remetidos para os meios comuns, designadamente quanto à alegada falta de relacionação da dívida.
Posteriormente realizou-se a conferência de interessados, onde houve lugar à licitação de bens, por parte do interessado C………., devendo este proceder ao pagamento de tornas aos restantes interessados.
Devidamente notificado nos termos do disposto no art. 1378º do CPC, o referido interessado C………., não procedeu ao pagamento das tornas aos restantes interessados.
O alegado nos requerimentos de fls. 150 e 154, atento o estado dos autos, mostra-se meramente dilatório.
Assim, indefere-se o requerido.
Custas pelo incidente a cargo do requerente / interessado C………., com taxa de justiça que se fixa em 2 U.C..
Notifique”.

A fls. 150 requerera o agravante C………. o seguinte:
“(…) tendo sido notificado do Mapa Informativo previsto no artº 1376 do CPC vem requer a V. Exª o seguinte: 1- Do respectivo mapa consta que o activo da herança com o aumento da licitação do Imóvel passou a ser € 163.022,79. 2- Certo é que da relação de bens adicional junta aos autos a fls. 82 pelo cabeça de casal, faz parte do activo sob a verba nº 3 “Montantes ilíquidos pagos em 1993 por F………., LDª, a título de rendas do escritório do imóvel inscrito na matriz sob o artº 2665, Freguesia de ………. . 3- Tendo o aqui requerente na conferência de interessados levantado a questão do montante a liquidar sob a aludida verba nº 3 da relação de bens adicional. (…) Vem muito respeitosamente requerer a V. Exª. se digne informar e esclarecer se no activo da herança está contemplada a aludida verba nº 3 da Relação de bens adicional e qual o valor da sua liquidação.
Por sua vez a fls. 154 requerera o agravante a seguinte informação e esclarecimento: - “(…) se no activo da herança foi contemplada a verba nº 3 da Relação de Bens adicional junta aos autos a fls. 82 e no afirmativo qual o valor da sua liquidação. Com efeito, o valor da referida verba (rendas pagas em 1993 pela firma F………., Ldª.) vai influenciar no valor de tornas a prestar pelo aqui requerente e portanto é fundamental proceder à sua liquidação no activo da herança”.
Recorreu o agravado concluindo as suas alegações de agravo do seguinte modo:
A) Os interessados nunca foram remetidos para os meios comuns a propósito da verba nº 3 da relação de bens adicional!
B) Tal verba foi relacionada e não foi objecto de qualquer reclamação pelos interessados.
C) Ficou somente pendente de liquidação.
D) Tal liquidação foi requerida pelo aqui Agravante na conferência de interessados, sendo a acta omissa a esse propósito!!!
E) De qualquer forma, o aqui Agravante nunca poderá prestar tornas, sem a liquidação daquela verba pois esta vai influenciar no valor das tornas a prestar!
F) Nada justificando nem fundamentando neste momento uma emenda à partilha ou uma partilha adicional a realizar futuramente, quando todos os interessados estão de acordo no relacionamento da aludida verba.
G) Por outro lado, e de acordo com o atrás exposto, nunca os procedimentos processuais do aqui agravante tiveram qualquer carácter dilatório, mas sim de mero e legítimo exercício dos seus direitos legais.
H) Devendo, por isso ser revogado o douto despacho de fls., proferido a 12 de Junho de 2007, por violar as disposições legais conjugadas e constantes dos artºs. 1345 e ss, 1349 nº 2, 1353, 1373 e ss. 1376 e 1378 todos do Código de Processo Civil.
A final requer seja dado provimento ao recurso de agravo, revogando-se o douto despacho recorrido de fls…, proferido a 12 de Junho de 2007 e consequentemente substitui-lo por outro conforme preconizado nas conclusões de recurso.

Em relação a ambos os agravos não houve contra-alegações e foi proferido despacho de sustentação.
II
A factualidade com interesse para os recursos é a que consta do relatório supra.
III
São as seguintes as questões a decidir:
Relativamente ao 1º agravo:
1 - Tendo-se remetido as partes para os meios comuns relativamente a determinada reclamação com fundamento em inexistência de dívida activa reclamada, deveria tal dívida ser mantida na relação de bens com a expressa menção de litigiosa e, portanto, ser só objecto de relacionamento definitivo no activo da herança depois de prova efectiva da sua existência nos meios comuns.
2- Se as dívidas activas ou créditos da herança que foram objecto de acordo e confissão das próprias partes devem ser excluídas da relação de bens;
Vejamos a letra da lei:
Quando a complexidade da matéria de facto subjacente às questões suscitadas tornar inconveniente, nos termos do nº 2 do artigo 1336º, a decisão incidental das reclamações previstas no artigo anterior, o juiz abstém-se de decidir e remete os interessados para os meios comuns – nº 1 artigo 1350 CPC.
No caso previsto no número anterior, não são incluídos no inventário os bens cuja falta se acusou e permanecem relacionados aqueles cuja exclusão se requereu (sublinhado nosso) – nº 2 do citado artigo.
No caso, requereu-se a exclusão da relacionação duma dívida activa, pelo que a mesma, tendo o juiz remetido os interessados para os meios comuns, deve permanecer relacionada.
De que forma?
Segundo o agravante, com a expressa menção de “litigiosa”.
O artigo 1351 CPC prevê o regime de negação das dívidas activas.
O nº 1 estabelece uma equiparação de regime entre a negação da dívida pelo próprio devedor e a reclamação pelos interessados, aplicando-se em ambos os casos, o disposto no artigo 1348 CPC.
E, o nº 2 estabelece que “Sendo mantido o relacionamento do débito, a dívida reputa-se litigiosa; sendo eliminada, entende-se que fica salvo aos interessados o direito de exigir o pagamento pelos meios competentes”.
Ora, a reputação da dívida activa como litigiosa tanto opera no caso de ser o pretenso devedor a negá-la, como no caso de ser qualquer interessado a reclamar contra ela.
Assim, tem razão o agravante ao pretender que a dívida activa reclamada e de cujo conhecimento se remeteram as partes para os meios comuns, deva ser mantida na relação de bens com a expressa menção de litigiosa.
Mas já não quanto à exclusão da relação de bens das dívidas activas ou créditos da herança que foram objecto de acordo e confissão das próprias partes, cujo alcance mal se entende, pois que, a confissão implicou o reconhecimento da sua existência e definição da sua situação jurídica como bens integrantes da herança.

Relativamente ao 2º agravo:
- Se são pertinentes e não meramente dilatórios os requerimentos em que o agravante pede informação e esclarecimento subsequente à notificação para pagamento de tornas, sobre se no activo da herança foi contemplada a verba nº 3 da Relação de Bens adicional e no afirmativo qual o valor da sua liquidação.
Ora, tendo tal verba ficado pendente de liquidação, esse acto é susceptível de influenciar na determinação do valor das tornas, pelo que a liquidação podendo ser feita, deve ser acautelada.
A informação pretendida nada tem de dilatório, e deve ser prestada.
IV
Termos em que, acorda-se em conceder provimento parcial ao 1º agravo -devendo a dívida activa reclamada e de cujo conhecimento se remeteram as partes para os meios comuns, ser mantida na relação de bens com a expressa menção de litigiosa, relação de bens essa, onde se manterão, todavia, relacionadas as dívidas activas ou créditos da herança que foram objecto de acordo e confissão das próprias partes -, e provimento total ao 2º agravo, ordenando-se seja prestada ao agravante a informação requerida a fls. 150 e 154 dos autos.
Custas do agravo a fixar a final.

Porto, 28 de Abril de 2008
Anabela Figueiredo Luna de Carvalho
Maria de Deus Simão da C. Silva D. Correia
António Augusto Pinto dos Santos Carvalho