Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0521192
Nº Convencional: JTRP00038645
Relator: MARQUES DE CASTILHO
Descritores: ALUGUER DE AUTOMÓVEL SEM CONDUTOR
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
Nº do Documento: RP200512200521192
Data do Acordão: 12/20/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: REVOGADA.
Área Temática: .
Sumário: I- A resolução do contrato de aluguer de veículo automovel pode ser livremente estipulado pelas partes, não carecendo de decisão judicial.
II- Do mesmo modo, as consequências de tal resolução podem livremente ser estipuladas pelas partes.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto

Relatório

B........., SA”
instaurou acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra
C.......... e D............,
já melhor identificados com os sinais dos autos
pedindo:
a) que seja declarada a resolução do contrato referido nos artigos 2º e seguintes da petição inicial, com efeitos a partir de 07 de Março de 2002;
b) a condenação solidária dos Réus a pagarem à Autora a quantia de 10.702,53€, correspondente aos alugueres vencidos e não pagos e respectivos juros, acrescida de juros vincendos à taxa contratual fixada (APB), acrescida de 4%, sobre 10.392€, desde a presente data até efectivo e integral pagamento;
c) a condenação dos Réus a pagarem à Autora a quantia de 314,35€, correspondente às mensalidades de seguro e respectivos juros, acrescida de juros vincendos à taxa contratual fixada, acrescida de 4%, a calcular sobre 266,56€, desde a presente data até efectivo e integral pagamento;
d) a condenação dos Réus a pagarem à Autora a quantia que se vier a calcular, correspondente à mora na restituição do veículo, nos termos previstos na cláusula 17ª do contrato e ao abrigo do disposto nos artigos 471º e 661º do Código de Processo Civil;

e) a condenação dos Réus a pagarem à Autora a quantia que se vier a calcular em execução de sentença, a título de indemnização compensatória pelos prejuízos e encargos por esta suportados em razão directa da resolução contratual, prevista na alínea b) da cláusula 16ª do contrato e ao abrigo do disposto nos artigos 471º e 661º do Código de Processo Civil.
Alegou para tal, em síntese, ter celebrado com os Réus um contrato de aluguer de veículo automóvel sem condutor de longa duração, não tendo estes procedido ao pagamento das rendas devidas e que a Autora procedeu à resolução do contrato em 07/03/2002.
Os RR pessoal e regularmente citados não contestaram.
Cumprido o disposto no artigo 484º do Código Processo Civil como serão todas as outras disposições legais infra citadas de que se não faça menção especial não apresentou a Autora alegações.
Proferida decisão foi a mesma do seguinte teor que passamos a reproduzir.
“Nestes termos e com tais fundamentos, julgo a presente acção parcialmente procedente, e, em consequência, condeno os Réus a pagarem à Autora a quantia de 6.148,24€, acrescida de juros de mora desde a citação, à taxa de 12% ao ano.”
Iconformada com o seu teor veio a Autora tempestivamente interpor o presente recurso de Apelação tendo para o efeito nas alegações oportunamente apresentadas aduzir a seguinte matéria conclusiva que passamos a reproduzir:
1- O contrato de aluguer de veículos automóveis sem condutor, está sujeito ao regime especial fixado pelo DL 354186 de 23 de Outubro;
2- Estabelece o artigo 17º que a empresa de aluguer, como o é a aqui Apelante, tem o direito de "Rescindir o contrato nos termos da Lei”;
3- Tal remissão do nº 4 do art. 170º, só pode entender-se como uma remissão para o regime geral da resolução dos contratos previsto nos artigos 432º e ss. do C.Civil, maxime a norma do artigo 436º do mesmo código que refere que "a resolução do contrato pode fazer-se mediante comunicação à outra parte";
4- Estando assim, facultada à Recorrente o direito de resolver o contrato de aluguer do veículo referido por simples comunicação por escrito aos recorridos, como efectivamente o fez, ao abrigo do disposto não só na clausula 16a das condições gerais do referido contrato, mas também dos artigos 432º e 436º do C. Civil;

5- Não seria consentâneo com as normas legais, considerar nulas as cláusulas que prevêm a resolução do contrato, quando é a própria lei substantiva, na parte referente aos contratos em geral - Art 432º C. Civil - que concede tal possibilidade desde que resulte de convenção, e o certo é que a clausula de resolução está expressamente prevista no contrato;
6 - Assim, a resolução do contrato de aluguer de veículo sem condutor a que se reportam estes autos deverá considerar-se validamente efectuada e produzindo todos os efeitos a partir de 07 de Março de 2002, como foi peticionado.
7 - Não pode, também a Recorrente concordar com a tese do Mmº Juíz a quo de que, a recorrente apenas tem direito aos alugueres vencidos até à entrega da viatura que ocorreu em 21 de Maio de 2003.
8 - Isto porque, o contrato in casu é um contrato com prazo certo que pressupõe o cumprimento das obrigações decorrentes até ao seu terminus.
9 - Ora, nos termos do disposto no art. 406º do Código Civil, "o contrato deve ser pontualmente cumprido, e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos por lei".
10 - Vale isto dizer que, para que o contrato sub judice se extinguisse antes do seu termo necessário seria que, por acordo das partes, tal extinção fosse declarada o que, manifestamente não é o caso dos autos.
11 - Ou, então, que a extinção se operasse por efeito do caso admitido na lei, maxime, por via da resolução que assiste ao contratante adimplente face á inadimplência da sua contraparte.
12 - Ora, e como se mostra exaustiva e plenamente alegado e provado, no caso dos autos os locatários incumpriram com as suas obrigações contratuais, pelo que, só poderia a recorrente/locadora, no exercício desse seu direito, invocar e exercer o direito à resolução.
13 - O que fez em 07 de Março de 2002.
14 - Do que resulta que as obrigações contratuais dos aqui Recorridos se mantinham, como teriam de manter, em vigor e inalteráveis, e dentro destas o pagamentos dos alugueres vencidos e não pagos até à resolução contratual,
15 - No que respeita ao pedido formulado e relativo aos juros de mora sobre os alugueres vencidos, igualmente se afigura não ter razão o Mmº Juiz a quo, porquanto, tal clausula é válida e perfeitamente legal já que se enquadra no espírito do contrato celebrado, e entretanto resolvido extrajudicialmente;
16- Assim, assiste o direito da Recorrente peticionar os juros de mora à taxa contratualmente sobre cada uma das rendas vencidas e não pagas desde a data do seu vencimento até integral e efectivo pagamento;
17- Esta indemnização pela mora está clausulada no contrato dos autos e enuncia que em caso de não pagamento pontual de quaisquer quantias devidas,.... serão devidos juros de mora à taxa publicitada pela APB acrescida de quatro pontos percentuais, a título de cláusula penal moratória (clausula 6a das condições gerais do contrato de ALD);
18- Sendo assim firme convicção da recorrente que, por força da resolução operada e em consequência do não pagamento dos alugueres vencidos, os recorridos se constituíram na obrigação de pagar à aqui recorrente, o montante dos juros de mora peticionados;
19- Isto tudo na sequência lógica do que vem plasmado no art. 804º do Código Civil, que enuncia que a simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor;
20- Sendo assim, a clausula do contrato que permite a cobrança de juros de mora legal e perfeitamente válida;
21- No que se refere ao pedido indemnizatório peticionado e contratualmente fixado na alínea b) da cláusula 161 das condições gerais também é devido e perfeitamente legal, isto porque
22- Foi através desta clausula, que as partes convencionaram que a recorrente em caso de resolução do contrato, seria indemnizada pelos prejuízos resultantes da resolução do mesmo;
23- Esta clausula é permitida, atento o princípio da liberdade contratual consagrado no art. 405º do Código Civil e penaliza o contraente inadimplente pelo não cumprimento das suas obrigações contratuais;
24- A Recorrente com a resolução do contrato adquiriu contratualmente e dentro dos princípios da liberdade contratual, o direito a ser ressarcida pelos danos sofridos com essa resolução.
25 - A lei consagra o princípio da liberdade contratual podendo as partes fixar por acordo cláusulas penais para o incumprimento.
26 - Esta clausula tem uma dupla função, reparadora e coercitiva, para estimular de modo especial o devedor das rendas a cumprir e reparar os prejuízos causados pelo incumprimento, designadamente os derivados do desgaste, os da desactualização dos bens locados e demais riscos do locador.
27 -Tal indemnização penaliza a ruptura contratual derivada da resolução do contrato.
28 - E, tem como finalidade compensar a recorrente da frustração da expectativa que tinha e das vantagens económicas que poderia obter pelo cumprimento integral do contrato.
29- A entender-se, como efectivamente se deve entender, que a resolução extrajudicial foi efectivamente operada e é permitida nos termos do nº 4 do art. 17º do DL 354186 de 23/10, esta clausula indemnizatória não viola a norma do nº1 do art. 1041º do Código Civil;
30- No que respeita ao pedido formulado e relativo à indemnização pela mora na restituição do veículo locado, igualmente se afigura não ter razão o Mmº Juiz a quo, porquanto,
31 - Pois que, a entender-se, como efectivamente se deve entender, que a resolução de um contrato de Aluguer de Longa Duração poderá sempre operar-se por simples comunicação escrita do contraente não inadimplente, na medida em que tal se encontra contratualmente previsto, apodíctico se mostra que o Recorrido tinha a obrigação de restituir o veiculo locado, pois que, para tal havia já sido interpelado extra-judicialmente, com a comunicação da resolução do contrato.
32 - Estatui a cláusula 17ª das condições gerais do contrato de Aluguer de Longa Duração: "Se, cessando o aluguer, por decurso do prazo, denuncia ou resolução, o LOCATÁRIO não devolver atempadamente o veículo a B........ terá direito, a título de cláusula penal por esta mora na devolução, a receber uma quantia igual ao dobro daquela a que teria direito se o aluguer permanecesse em vigor e por um lapso de tempo igual à mora.
33 - Isto é, os contraentes estipularam contratual e expressamente que, na eventualidade do contrato cessar os seus efeitos (seja por resolução, ou por qualquer causa ou fundamento), o locatário se constitui na obrigação de proceder à restituição imediata do veículo locado, sob pena de, não o fazendo, incorrer em mora cujo ressarcimento se encontra pré-fixado através daquela cláusula penal.
34 - Esta cláusula penal insere-se no plano da liberdade contratual e neste âmbito é uma sanção convencionada entre as partes, essencialmente ligada à ideia de mora, do não cumprimento ou do cumprimento defeituoso da obrigação de entrega do veículo locado.

35 - Ademais, enquadra-se no espírito do contrato celebrado, e entretanto resolvido, na medida em que, não subsistindo a locação, a nenhum título poderão os locatários (que a partir do momento da cessação dos efeitos do contrato passa a ser um simples terceiro) continuar a utilizar aquilo que não lhes pertence, e assim impedindo que o locador possa dar ao veículo o destino do seu objecto social Aluguer de Longa Duração.
36 - A pari, e em razão de tudo o supra alegado evidente se mostra igualmente que o contrato dos autos não se subsume ao regime jurídico da locação, maxime no que toca ao formalismo da sua resolução e à indemnização pela mora correspondente a 50% dos alugueres vencidos.
37 - Assim e contrariamente ao entendimento do Meritíssimo Juiz a quo, é convicção da Recorrente: se o locador pedir a resolução do contrato com base pagamento das prestações pelos locatários, pode o locador
e) reter as rendas vencidas e já pagas (art. 434 nº 2 do C.C);
f) exigir o pagamento das rendas já vencidas e não pagas com juros pela mora, por a resolução operar ex nunc (art. 434 nº 1 C.C.)
g) exigir o pagamento da indemnização compensatória pelos prejuízos e encargos suportados em razão da resolução;
exigir o pagamento da indemnização convencionada para o incumprimento do locatário, visto que, apesar da resolução operar retroactivamente (ou ex nunc, se tal tiver sido a vontade das partes), tal cláusula é válida por a disposição do art. 801, nº 1 (reportada ao artigo 808) do Código Civil não ser norma imperativa e poderem, por isso, as partes clausular que a indemnização é devida precisamente no caso de incumprimento pelo locatário na falta de
38- Assim e em razão de tudo o supra alegado evidente se mostra igualmente que o contrato dos autos não se subsume ao regime jurídico da locação, maxime no que tange ao formalismo da sua resolução;
39- Pois que, é firme convicção da Recorrente que, face à factualidade assente, os Recorridos se constituíram na obrigação de pagar à Autora e aqui Recorrente, o montante global dos alugueres vencidos, acrescidos dos respectivos juros à taxa contratualmente estabelecida, à indemnização pelos prejuízos e encargos suportados pela Autora em razão directa da resolução contratual e bem assim à indemnização pela mora na restituição da viatura;

40 - Ao decidir como decidiu, violou, o Mmº. Juiz a quo, as disposições dos artºs 432º, 436º, 804º, 1041º do C. C. e o nº 4 do artº 17º do Dec. Lei 354186 de 23/10.
Termina pedindo que seja dado provimento ao presente recurso e em consequência ser revogada a douta sentença recorrida a qual deverá ser substituída por outra que condene os Recorridos nos pedidos formulados na petição inicial,
Não foram apresentadas contra alegações
Mostram-se colhidos os vistos legais pelo que importa decidir.

THEMA DECIDENDUM
A delimitação objectiva do recurso é feita pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal decidir sobre matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam do conhecimento oficioso, art. 684 nº3 e 690 nº1 e 3
As questões que estão submetidas à apreciação deste Tribunal e perante o elenco das conclusões formuladas traduzem-se no seguinte:
a) Resolução do contrato de aluguer de veículo sem condutor;
b) Na fixação das consequências e regime jurídico dessa resolução.

DOS FACTOS E DO DIREITO
Nos termos dos artigos 484º nº 1 e 784º do Código de Processo Civil, foram considerados assentes, por confissão, os seguintes factos que passamos a enunciar:
“a) A Autora tem por objecto o aluguer de veículos, com ou sem condutor, bem como de qualquer outro tipo de máquinas ou equipamentos.
b) No exercício dessa sua actividade, a Autora celebrou com os Réus, em 06 de Abril de 2002, um contrato de Aluguer de Veículo Sem Condutor, vulgarmente designado de Aluguer de Longa Duração, tendo por objecto um veículo de marca “SUZUKI”, modelo “GSX R 1300”, com a matrícula ..-..-PI.
c) Nos termos desse contrato, os Réus ficaram obrigados ao pagamento, pelo prazo de 60 meses, de 61 alugueres, sendo o 1º no valor de 490,27€; e os restantes no valor de 185,04 € cada um, valor a que acresce IVA à taxa legal, no montante global de 216,50€, a liquidar por transferência bancária.

d) A viatura referida em b) foi entregue aos Réus.
e) Os Réus não pagaram as mensalidades vencidas em 05/04; 05/08; 05/09; 05/10 e 05/12 de 2001, nem as que se venceram de 05/01/2002 a 05/03/2002, inclusive.
f) A Autora, em razão de tal incumprimento, interpelou os Réus para que liquidassem as mensalidades vencidas, por carta de 25 de Janeiro de 2002.
g) A Autora procedeu à resolução do contrato, resolução que foi comunicada aos Réus, por carta datada de 07 de Março de 2002.
h) Por meio dessa mesma carta, a Autora interpelou os Réus para a restituição do veículo objecto do contrato ora ajuizado.
i) Tais cartas foram expedidas com aviso de recepção para a morada indicada pelos Réus, tendo sido devolvidas por não reclamadas
j) Os Réus não procederam à devolução do veículo, nem pagaram as quantias em dívida.
k) O veículo foi entretanto recuperado pela Autora em 21/05/2003.
l) A viatura não foi vendida nem alugada de novo.
m) Por força do mencionado contrato, os Réus ficaram ainda obrigados a custear, relativamente ao prazo de duração do aluguer, um seguro, cujo beneficiário seria a Autora, que abrangesse as eventualidades de perda ou deterioração, casuais ou não, do veículo, bem como um seguro de montante ilimitado que abrangesse a responsabilidade civil emergente dos danos provocados pela sua utilização, tendo sido convencionado que os Réus pagariam o prémio do referido seguro
n) Os Réus prestaram uma caução, para garantia do cumprimento integral de todas as obrigações para eles emergentes do contrato, no valor de 1.720,85€ (345.000$00).”
Vejamos.
Além do mais na sentença impugnada, optou-se por uma posição jurisprudencial de aplicação do regime próprio da locação, designadamente nos arts. 1047.º e 1141.º do CC, entendendo-se não só que a resolução do contrato terá de ser judicial, como também que não é possível ser a mora sancionada com indemnização na hipótese de resolução que todavia não tem o acolhimento maioritário, quer deste tribunal, quer em geral dos demais Tribunais Superiores e, de facto, defendendo o mesmo, só encontrámos o Acórdão de 13/3/2001 no processo 32/2001, da 2.ª secção.

Mas se a posição contrária à da decisão já era então a maioritária, e não citamos os que interviemos, hoje pode dizer-se que é a uniforme, como se pode ver nas decisões mais recentes designadamente:
- Processo 829/05 - 2.ª Secção, com data de 19/04/2005;
- Processo 1194/05 – 5.ª Secção, com data de 23/05/2005;
- Processo 2153/05 - 5.ª Secção, com data de 23/05/2005;
- Processo 2160/05 - 3.ª Secção, com data de 05/05/2005, todos acessíveis em www.dgsi.pt.
Não partilhamos este entendimento, tal como aliás já por diversas vezes temos sustentado em diversas decisões assumidas sobre tal matéria a nível de diversos processos em que temos intervindo, quer como Relator, quer como Adjunto.
O disposto no art. 17º, n.º4 do D.L. n.º 354/86, de 23-10 permite à empresa de aluguer rescindir o contrato “nos termos da lei, com fundamento em incumprimento das cláusulas contratuais”.
Este artigo não refere a forma que deve revestir a resolução, ou seja, se a prevista na lei geral dos contratos – art. 432º do Código Civil, se a consignada no aludido art. 1047º para o contrato de locação.
Todavia, como se bem se salienta no Ac. RL de 22/10/98, in CJ, T. IV, pág. 128, e igualmente no Ac. deste Tribunal de que fomos Relator no Proc. n.º 1485/99 desta Secção não se concebe que o legislador ao possibilitar naquele n.º 4 do art. 17º a resolução do contrato “nos termos da lei” estivesse a pensar na intervenção obrigatória do tribunal para o decretamento da mesma, tal como exige o art. 1047º, o que não se coadunaria com a duração limitada do contrato.
Assim, a melhor interpretação do citado art. 17º, n.º4 será a de que a resolução dos contratos de aluguer de veículo sem condutor se pode fazer por simples comunicação ao locatário relapso, como é permitido pelo art. 436º. [Cfr. Ac. desta Relação de 29.05.2000, proc. 525/2000, cujo sumário está disponível na Internet, com o número do documento RP200005290050525]
A este contrato não temos dúvidas que lhe devem ser aplicadas as normas relativas aos contratos de aluguer – art. 17º, n.º4 do citado Dec-Lei.
Mas não só.

É que seria redutor e incongruente com as normas legais – art. 9º do C. Civil -, como temos visto sustentar e sufragamos inteiramente, considerar nulas as cláusulas que prevêem a resolução desse mesmo contrato, quando é a própria lei substantiva, na parte referente aos contratos em geral, que o prevê e permite e, nomeadamente, no art. 432º n.º1 do Código Civil , quando concede tal possibilidade desde que resulta de “convenção”, como vem a ser o caso, uma vez que a cláusula resolutiva está expressamente configurada no contrato.
Nota-se ainda que o art. 436º, n.º1 daquele Código fixa que a resolução do contrato se pode fazer mediante declaração à outra parte.
O art. 1047º do Cód. Civil, norma de que o Mmº Juiz “a quo” se serviu para justificar a sua decisão, tem de ser entendida como específica para o caso de resolução de um contrato de arrendamento predial e tal só por banda do senhorio, sendo imperativa para essas situações, mas não deve, salvo o devido respeito, ser aplicada aos contratos de aluguer de veículos automóveis sem condutor, sob pena de se olvidar todo o restante ordenamento jurídico que com os contratos têm afinidade.[Pires de Lima e Antunes Varela, in Cód. Civil Anotado, Vol. II, em anotação ao art. 1047º do C. Civil, prevêem a hipótese de haver acordo das partes quanto ao modo de resolução do contrato]
Este tem natureza especial, que se regula no essencial pelas normas do decreto lei que o institui, pelas normas gerais do contrato de locação de coisas móveis, pelas disposições gerais dos contratos, pelas cláusulas estabelecidas pelos contraentes, que não as contradigam quando imperativas.[cfr. Ac. S.T.J., de 5.12.95, CJ, Ano III, Tomo III, pág. 135; Ac. RC, de 30.09.97, CJ, Ano XXII, Tomo IV, pág. 26; Acs. RL, de 6.2.97 e de 22.10.98, CJ, Ano XXII, Tomo I, pág. 120 e Ano XXIII; Tomo IV, pág. 128, respectivamente]
Com efeito, quando o n.º4 do art. 17º do D.L. 354/86 de 23 de Outubro fala em “rescindir o contrato nos termos da lei” deve entender-se que se remete para as normas do Código Civil relativamente aos contratos em geral e, especificadamente, os artigos 432º, n.º1 e 436º, n.º1 do Código Civil.
É, assim, nosso entendimento, como aliás já foi igualmente sustentado no citado Acórdão de que fomos Relator que a resolução do contrato de aluguer de veículos sem condutor não depende do decretamento pelo tribunal.[Neste sentido, tem sido entendimento quase uniforme que a resolução de contratos desta natureza pode ser feita extrajudicialmente, por simples comunicação ao locatário relapso, nos termos do aludido art. 436º - v., entre outros, Ac. do STJ, de 16-04-2002, no proc. 02A532, os Acs. da RP, de 08.07.2004, 14.06.2004 e 04.05.2004, nos processos nºs 0433202, 0453206 e 0421774, respectivamente, todos em www.dgsi.pt, os Acs. Desta Relação de 04.12.2001, 21.11.2002 e 07.10.2004, nas CJ, 2001, V, pág 204, 2002, V, pág. 180, e 2004, IV, pág. 183, e ainda os Acs. da RL, de 27.09.2001, CJ, 2001, IV, pág. 112, e de 14.01.99 e 29.01.98, nos processos nºs 0064456 e 0051212, em www.dgsi.pt. O direito de resolução tanto pode resultar da lei como da convenção das partes – art. 432º, n.º 1, do CC. A maior parte das vezes a resolução assenta num poder vinculado, obrigando-se o seu autor a alegar e provar o fundamento, previsto na convenção das partes ou na lei, que justifique a destruição unilateral do contrato].

Assim, a resolução do contrato dos autos operou-se validamente pela comunicação feita ao réu em 7 de Março de 2002.
Consequências da resolução.
Entendida válida a resolução e com ela as cláusulas 6ª, 16ª e 17ª do contrato escrito inserto a fls. 13, pelas mesmas razões serão válidos as alíneas a) e b) desta ultima.
Assim, o pedido da Autora em relação aos juros e à cláusula penal têm pleno cabimento no disposto no art. 406.º do Código Civil.
Resolvido o contrato entre as partes, desde logo a Autora terá direito às rendas vencidas e não pagas (arts. 433.º, 286.º e 289.º n.º1 do CPC), sendo que a tal respeito se apurou o montante de € 1 732,00 (mil setecentos e trinta e dois euros) e não os indicados € 10 392,00. uma vez que se é o correspondente aos alugueres vencidos e não pagos e peticionados em número de 8 ou seja (216,50 x 8 = 1 732,009) tal valor só pode ser este e não aquele outro.
Acrescerá a quantia de € 310,53 relativa a juros e despesas, conforme o estipulado pelas partes designadamente o montante de € 266,56 relativos aos valores das mensalidades inerentes ao prémio de seguro constituído ex vi clausula 12ª do mesmo contrato e os correspondentes juros de mora por período igual ao da mora com a respectiva sobretaxa o que perfaz o valor de € 47,79.
Igualmente por força do clausulado no nº 16 alínea b) acrescerá a quantia que se vier a calcular em execução de sentença a título de indemnização compensatória pelos prejuízos e encargos sofridos pela Autora em razão directa da resolução do contrato na conformidade do disposto nos artigos 471º e 661º quer se considere a mesma como simples medida coerciva ou antes uma pré-fixação de indemnização, uma liquidação prévia de danos sem necessidade de os especificar (arts. 810.º e 812.º do CC).
Os pedidos de resolução do contrato e da indemnização são legalmente cumuláveis (arts, 798.º e 801.º n.º2 do CC).

Chega-se, pois, à conclusão que a apelante tem direito ao peticionado à excepção da indicada quantia que se crê ser devida a lapso material, face à matéria de facto tida como assente.
Procedem integralmente todas as conclusões das alegações:

DELIBERAÇÃO
Nestes termos se decide julgar procedente a apelação, revogando-se a sentença proferida, considerando nos termos do artigo 715º a acção procedente por provada, e consequentemente declarando-se a resolução do contrato referido nos artigos 2º e seguintes da petição inicial, com efeitos a partir de 07 de Março de 2002 com a condenação solidária dos Réus a pagarem à Autora a quantia de 1 732,00, correspondente aos alugueres vencidos e não pagos e respectivos juros, acrescida de juros vincendos à taxa contratual fixada (APB), acrescida de 4%, sobre a quantia aludida até efectivo e integral pagamento bem como a condenação dos Réus a pagarem à Autora a quantia de 314,35€, correspondente às mensalidades de seguro e respectivos juros, acrescida de juros vincendos à taxa contratual fixada, acrescida de 4%, a calcular sobre 266,56€, desde a presente data até efectivo e integral pagamento e ainda a pagarem à Autora as quantias que se vier a calcular em execução de sentença, correspondente à mora na restituição do veículo, nos termos previstos na cláusula 17ª do contrato e ao abrigo do disposto nos artigos 471º e 661º e a título de indemnização compensatória pelos prejuízos e encargos por esta suportados em razão directa da resolução contratual, prevista na alínea b) da cláusula 16ª do contrato e ao abrigo nos termos dos citados artigos 471º e 661º.
Custas em ambas as instâncias pelo Réus, salvo no que tange ao decaimento correspondente ao valor indicado por lapso da Autora no pedido.
Porto, 20 de Dezembro de 2005 (elaborado em férias judiciais por acumulação de serviço, designadamente por distribuição de processos em número de 112/Ano, superior ao referido pelo CS da Magistratura, como número índice de produtividade por Relator de 90 processos/Ano, ou seja no computo geral 336/Ano)

Augusto José Baptista marques de Castilho
Maria Teresa Montenegro V. C. Teixeira Lopes
Emídio José da Costa