Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
393/2001.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: AUGUSTO DE CARVALHO
Descritores: EXECUÇÃO
PENHORA
SUBSÍDIO DE ALIMENTAÇÃO
ABONO PARA FALHAS
REMUNERAÇÃO
TRABALHO EXTRAORDINÁRIO
BENS IMPENHORÁVEIS
Nº do Documento: RP20130930393/2001.P1
Data do Acordão: 09/30/2013
Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Legislação Nacional: ARTº 601º DO CC
ARTº 824º DO CPC
Sumário: As quantias correspondentes ao subsidio de alimentação, ao abono para falhas e pelo trabalho prestado aos domingos não podem deixar de considerar-se como um rendimento que a executada aufere e, por isso, na medida em que excedam o equivalente ao salário mínimo nacional, são susceptíveis de penhora.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº 393/2001.P1

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

Na execução para pagamento de quantia certa em que é exequente B… e executado C… veio D…, na qualidade cônjuge deste, apresentar requerimento, referindo que «vem juntar fotocópia dos seis últimos recibos de vencimento, sendo que o de Abril ainda respeita à sua anterior entidade patronal, que lhe descontou para os presentes autos a quantia de €668,71, ou seja, o correspondente a cerca de 40%, percentagem muito além dos 1/6 do seu vencimento, conforme ordenado, que representava a quantia de €85,00.
Actualmente, aufere o salário mínimo nacional de €485,00 mensais, a que acresce o subsídio de alimentação, abono para falhas de caixa e de trabalho ao Domingo, que não pode suceder.
Finalmente, vem requerer a V. Ex.ª a suspensão da penhora da parte do seu vencimento junto da sua entidade patronal, atenta a separação de bens do seu marido, pois, não é executada e o seu salário constitui um bem pessoal para si e para sua filha menor de 15 anos».

O exequente pronunciou-se, no sentido da decisão do requerimento como for de direito.

De seguida foi proferido o seguinte despacho:
«No que concerne à impossibilidade de penhora do salário da requerente, remete-se para o que foi escrito e decidido no despacho constante de fls. 297 e seguintes, sendo que tal decisão continua a ter plenos efeitos.
Assim sendo, como resulta de fls. 365, temos que a requerente aufere a quantia de €485,00, a título de remuneração.
As restantes quantias prendem-se com o subsídio de alimentação, abono para falhas de caixa e subsidio por trabalhar ao Domingo.
Ora, no nosso entendimento, não é possível efectuar qualquer penhora no vencimento da requerente, porquanto o mesmo é igual ou inferior ao salário mínimo nacional. As restantes quantias auferidas pela requerente não se podem considerar vencimento.
No mesmo sentido, Acórdão da Relação de Lisboa, datado de 23.5.2006, www.dgsi.pt, e que se exprime da seguinte forma:
“Na verdade, conforme resulta do referido recibo de vencimentos do executado, o vencimento mensal deste é o correspondente ao salário mínimo nacional, no ano de 2005, ou seja, a quantia de €374,70, tendo as demais quantias nele mencionadas sido auferidas apenas a título de subsídio de alimentação e de proporcionais de subsídio de férias e de Natal, no montante de €143,70, e não de vencimento.
Estas quantias, assim auferidas, a título de subsídio, não se integram no vencimento mensal do executado, e, devido ao seu exíguo valor, não são de molde a poderem ser consideradas como outros rendimentos do executado, para afastarem a impenhorabilidade prescrita no nº 1, alínea a), do artigo 824º do C.P.C.”.
Face ao exposto, considero ilegal a penhora decretada ao vencimento da requerente».

Inconformado, o exequente recorreu para esta Relação, formulando as seguintes conclusões:
1. As presentes alegações surgem em consequência do recurso interposto do despacho que considerou ilegal a penhora decretada ao vencimento da recorrida/cônjuge do executado, D…, afigurando-se ao recorrente que o mesmo não poderá manter-se.
2. Na verdade, o despacho recorrido consubstancia uma solução que viola os preceitos legais e os princípios jurídicos aplicáveis, afigurando-se como injusto e não rigoroso.
3. No decurso da à margem identificada acção executiva para pagamento de quantia certa movida pelo ora recorrente contra C…, por os bens próprios do executado aí nomeados serem manifestamente insuficientes para o pagamento da quantia exequenda e demais encargos da execução, veio o tribunal a quo decretar, por douto despacho datado de 29-03-2011 e com a referência n.º 809438, a penhora de 1/3 do salário de D…, cônjuge do executado, até perfazer o montante da dívida exequenda.
4. No entanto, a requerimento da recorrida, veio o douto tribunal a quo, através do douto despacho recorrido, considerar ilegal a referida penhora decretada sobre o vencimento da recorrida/cônjuge do executado.
5. O tribunal a quo fez, assim, operar a presunção de que a recorrida não aufere outros rendimentos que beneficiem o seu agregado familiar, do qual faz parte o executado nos referenciados autos de execução para pagamento de quantia certa, para além dos percebidos a título de remuneração pelo desempenho da actividade de operadora adjunta na empresa “E…, Lda., o que, salvo o devido respeito, ofende grosseiramente as regras de direito substantivo respeitantes ao ónus da prova previstas, designadamente, no n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil.
6. Mais aí é pugnado pelo douto tribunal a quo que, apesar de o vencimento da recorrida rondar os €620,00 líquidos, não é possível efectuar qualquer penhora sobre o mesmo, uma vez que a retribuição base corresponde a 485,00 € e o remanescente até à tal quantia média de 620,00€ é devido por subsídio de alimentação, abono por falhas na caixa e subsídio por trabalho prestado aos Domingos.
7. Portanto, entende o douto tribunal a quo que o vencimento da recorrida é igual ou inferior ao salário mínimo nacional, pois as restantes quantias auferidas a título de subsídio não podem ser consideradas rendimento, tendo-se, assim, como impenhoráveis.
8. O que, salvo o devido respeito, constitui, ao arrepio dos critérios legais enunciados no artigo 824.º do C.P.C. (segundo a redacção do Decreto-Lei n.º 329-A/95) referentes à (im)penhorabilidade parcial de bens, uma lesão injustificada dos interesses do recorrente, na medida em que tanto o subsídio de alimentação, como o subsídio por falhas na caixa, bem como o subsídio por trabalho prestado aos Domingos não podem deixar de considerar-se como “rendimentos” de que o agregado familiar da recorrida beneficia. Uma vez que tais subsídios têm natureza semelhante ao vencimento devem contar para os mesmos efeitos, designadamente, no que à penhora diz respeito.
9. Pelo que, o despacho recorrido violou, nomeadamente, o disposto nos artigos 342.º, n.º1 do Código Civil e 824.º do Código de Processo Civil, na redacção conferida pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95.

A apelada não apresentou contra-alegações.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

São apenas as questões suscitadas pelos recorrentes e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar – artigos 684º, nº 3 e 690º, nº 1, do C.P.C.
A questão a decidir consiste em saber se as quantias referentes ao subsídio de alimentação, ao abono para falhas e ao subsídio por trabalho prestado aos domingos integram o conceito de outro rendimento, nos termos e para os efeitos do disposto no nº 2 do artigo 824º do C.P.C.

I. Segundo o último recibo de remunerações junto aos autos, a executada recebe o valor líquido total de €620,19, sendo €485,00 de remuneração normal, €95,55 de subsídio de alimentação, €24,25 de abono para falhas e €89,60 de trabalho prestado aos domingos.
A decisão recorrida considerou não ser possível efectuar qualquer penhora no vencimento da executada, uma vez que o mesmo é igual ou inferior ao salário mínimo nacional. As restantes quantias auferidas não podem se consideradas vencimento e, portanto, também são impenhoráveis.
O exequente/apelante, pelo contrário defende que os subsídios de alimentação, de abono para falhas e de subsídio por trabalho prestado aos domingos não podem deixar de ser considerados como rendimentos de que o agregado familiar da executada beneficia.
De acordo com a regra estabelecida pelo artigo 601º do C.C., todos os bens que constituem o património do devedor respondem pelo cumprimento da obrigação. Esta garantia geral torna-se efectiva por meio da execução – artigo 817º do mesmo diploma.
Mas, no citado artigo 601º prevêem-se duas limitações à regra da exequibilidade de todo o património do devedor: a de os bens serem insusceptíveis de penhora e a da autonomia patrimonial da separação de patrimónios.
O artigo 824º do C.P.C. prevê, precisamente, uma dessas limitações à regra da exequibilidade de todo o património do devedor, estabelecendo:
1. São impenhoráveis:
a) Dois terços dos vencimentos, salários ou prestações de natureza semelhantes, auferidos pelo executado;
2. A impenhorabilidade prescrita no número anterior tem como limite máximo o montante equivalente a três salários mínimos nacionais à data da cada apreensão e como limite mínimo, quando o executado não tenha outro rendimento e o crédito exequendo não seja de alimentos, o montante equivalente a um salário mínimo nacional.
Menciona este preceito os bens parcialmente penhoráveis, tendo subjacentes considerações que se prendem com a dignidade da pessoa humana.
O Tribunal Constitucional começou a considerar inconstitucionais as normas que consentiam a penhora de uma parcela do vencimento do executado, que não fosse titular de outros bens penhoráveis suficientes para pagar a quantia exequenda, na medida em que privasse aquele da disponibilidade de um rendimento mensal equivalente ao salário mínimo nacional, começando-se, então, a considerar-se este impenhorável.
Neste sentido, o Acórdão nº 96/2004, de 11 de Fevereiro, entre outros, tivesse julgado inconstitucional, por violação dos artigos 1º, 59º, nº 2, alínea a) e 63º, nº 1 e 3, da Constituição, a norma que resultava da conjugação do disposto na alínea a) do nº 1 e do nº 2 do artigo 824º do C.P.C., na redacção emergente da reforma de 1995/1996, na parte em que permite a penhora de uma parcela do salário do executado, que não é titular de outros bens penhoráveis para satisfazer a dívida exequenda, e na medida em que priva o executado da disponibilidade do rendimento mensal correspondente ao salário mínimo nacional.
Em caso de colisão ou conflito entre o direito do credor a ver realizado o seu direito e o direito dos trabalhadores, pensionistas e outros beneficiários de regalias sociais em receberem um rendimento que lhes garanta uma sobrevivência condigna, o legislador optou pelo sacrifício do direito do credor, na medida do necessário e, se tanto for indispensável, mesmo totalmente, neste caso, para evitar que o devedor se transforme num indigente a cargo da colectividade. Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, pág. 205.
Por tais motivos, como refere Lebre de Freitas, uma vez determinado o montante impenhorável, há que confrontá-lo com valores dependentes do salário mínimo nacional à data de cada apreensão, coincidente com a data do vencimento da prestação. (…) Quando os 2/3 sejam inferiores ao valor de um salário mínimo nacional, a parte impenhorável do rendimento eleva-se, coincidindo com o valor deste, desde que se verifiquem dois requisitos: o executado não ter outro rendimento; o crédito exequendo não ser de alimentos. O primeiro requisito entronca na própria razão de ser da salvaguarda constituída pelo artigo 824º: trata-se de garantir a satisfação das necessidades vitais do executado, que, sendo de outro modo garantidas, não carecem da mesma protecção; por isso mesmo, é preciso que o outro rendimento existente subsista (= não seja penhorado) e que, adicionado ao montante impenhorável, perfaça ou exceda o valor de um salário mínimo nacional. Código de Processo Civil Anotado, Volume 3º, págs. 357 e 358.
Como se disse, segundo o último recibo de remunerações junto aos autos, a executada recebe o valor líquido total de €620,19, sendo €485,00 de remuneração normal, €95,55 de subsídio de alimentação, €24,25 de abono para falhas e €89,60 de trabalho prestado aos domingos.
Não acolhemos o critério da decisão recorrida, seguindo a posição adoptada pelo Acórdão da Relação de Lisboa, de 23.5.2006, de que o subsídio de alimentação, o abono para falhas e a quantia recebida pelo trabalho prestado aos domingos, não integrando o vencimento mensal da executada, não podem ser objecto de penhora.
Pelo contrário, entendemos que as quantias correspondentes ao subsidio de alimentação, ao abono para falhas e pelo trabalho prestado aos domingos não podem deixar de considerar-se como um rendimento que a executada aufere e, por isso, na medida em que excedam o equivalente ao salário mínimo nacional, podem ser penhoradas. Neste sentido, referindo-se a ajudas de custa e subsídio de alimentação, os Acórdãos da Relação do Porto, de 25.3.2010, e da Relação de Lisboa, de 17.11.2011, in www.dgsi.pt.
Procedem, deste modo, as conclusões do recurso do exequente e, por conseguinte, revoga-se a decisão recorrida, a qual se substitui por outra em que se ordena a penhora das remunerações totais líquidas auferidas pela executada, incluindo o subsídio de alimentação, o abono para falhas e o trabalho prestado aos domingos, na parte em que excedam o salário mínimo nacional vigente no momento.

Decisão:
Pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes desta secção cível em julgar procedente a apelação e, consequentemente, revogar a decisão recorrida, a qual se substitui por outra em que se ordena a penhora das remunerações totais líquidas auferidas pela executada, incluindo o subsídio de alimentação, o abono para falhas e o trabalho prestado aos domingos, na parte em que excedam o salário mínimo nacional vigente no momento.

Custas pela apelada.

Sumário:
I. As quantias correspondentes ao subsidio de alimentação, ao abono para falhas e pelo trabalho prestado aos domingos não podem deixar de considerar-se como um rendimento que a executada aufere e, por isso, na medida em que excedam o equivalente ao salário mínimo nacional, são susceptíveis de penhora.

Porto, 30.9.2013
Augusto de Carvalho
Rui Moura
José Eusébio Almeida (com dúvidas quanto à inclusão do subsídio de alimentação no montante penhorável)