Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0620930
Nº Convencional: JTRP00039175
Relator: HENRIQUE ARAÚJO
Descritores: EXPROPRIAÇÃO
ACTUALIZAÇÃO
Nº do Documento: RP200605160620930
Data do Acordão: 05/16/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: LIVRO 217 - FLS. 5.
Área Temática: .
Sumário: I- A actualização prevista no art. 23.º n.º1 do CE visa reparar as consequências da impossibilidade da plena realização do princípio da contemporaneidade do pagamento da indemnização em relação ao momento em que o expropriado se vê privado do bem.
II- Havendo recurso da decisão arbitral e não tendo o juiz atribuído imediatamente aos expropriados o montante sobre o qual havia acordo, a actualização operará desde o início até o trânsito em julgado da decisão final
Reclamações:
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

RELATÓRIO

A fls. 846/847, os expropriados nestes autos de expropriação que correm termos pelo 1º Juízo do Tribunal Judicial de Amarante, vieram requerer que a entidade expropriante Câmara Municipal de Amarante depositasse mais € 4.833,20, por forma a completar-se o valor indemnizatório actualizado.

A expropriante respondeu a fls. 860, afirmando que a quantia que falta depositar para que se perfaça o montante indemnizatório actualizado é de apenas € 2.099,61.

Sobre o assunto ainda se voltaram a pronunciar as partes – v. fls. 876 a 878 e 887 a 889.

O Mmº Juiz a quo decidiu, a fls. 896 e ss., que a actualização da indemnização a pagar aos expropriados incidirá sobre o montante global da indemnização fixada - € 104.018,11 – desde a data da publicação da declaração de utilidade pública até ao trânsito em julgado da decisão final, devendo a mesma fazer-se ano a ano, aplicando-se em cada ano o respectivo índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação.

A expropriante não concordou e recorreu.
O recurso foi admitido como de agravo, com subida imediata nos próprios autos e com efeito suspensivo – v. fls. 904.
Nas alegações de recurso, a recorrente pede que se revogue o dito despacho, formulando, para esse efeito, as conclusões que seguem:
1.- Em 03.11.1997 os expropriados foram notificados da sentença de 31.10.1997 onde era dado conhecimento do depósito, pela expropriante, da quantia de € 19.159,31 (Esc. 3.841.096$00).
2.- Quantia aquela sobre que havia acordo, que ficou na disponibilidade dos expropriados que não requereram o seu levantamento porque não quiseram.
3.- O acórdão uniformizador de jurisprudência 7/01 não interferiu com o problema de saber se é ou não actualizável a parcela de indemnização depositada, na disponibilidade dos expropriados e cujo levantamento não requereram, e que lhes não tenha sido atribuída por despacho.
4.- Só resolveu o problema de saber a data em que se inicia a actualização quando tenha sido atribuída ao expropriado uma parcela do montante da indemnização.
5.- A douta decisão permite o enriquecimento sem causa dos expropriados à custa do expropriante.
6.- Ainda que houvesse conflitos de direitos, o da expropriante, em não ser obrigada a suportar actualização sobre a quantia depositada, é superior ao dos expropriados.
7.- As disposições legais concernentes não excluem, antes o permitem, que sobre a quantia da indemnização depositada e à disposição dos expropriados não incida actualização.
8.- A douta sentença recorrida ofendeu:
a) o disposto nos arts. 9º, n.º 3, 335º, n.º 2 e 473º do CC e 22º, 23º e 51º, n.º 3, do CE de 1991;
b) os princípios estruturantes da Justiça, da justa indemnização, da igualdade e da proporcionalidade.

Os agravados responderam, batendo-se pela improcedência do recurso.

A fls. 930, a Mmª Juiz proferiu despacho tabelar de sustentação.

Foram colhidos os vistos legais.
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Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões do recorrente – arts. 684º, n.º 3 e 690º do CPC – a única questão que se discute é a de saber se há ou não lugar à actualização do montante depositado pela entidade expropriante nos termos decididos pela 1ª instância
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FUNDAMENTAÇÃO

OS FACTOS

Os factos que interessam à decisão do recurso são os que constam do antecedente relatório e ainda os seguintes:

1.- A Câmara Municipal de Amarante obteve a declaração de utilidade pública urgente de um terreno pertencente à “B……”, destinado à construção de uma nova ETAR, sita em S. Gonçalo de Amarante, conforme declaração publicada no DR, II Série, de 3 de Março de 1997.
2.- Esse terreno pertencia em compropriedade, e nas proporções que a seguir se enunciam, a:
a) 1/3 a C……;
b) 1/3 a C….., D……., E….. e F……;
c) 1/3 a G…… .
3.- A expropriante chegou a acordo com o expropriado G….., tendo este recebido daquela o respectivo preço.
4.- Na arbitragem foi fixado o valor do terreno expropriado em função da classificação que lhe viesse a ser dada: Esc. 30.451.050$00, no caso de solo apto para construção, e Esc. 5.761.646$00, na hipótese de solo apto para outros fins – v. fls. 299 a 304.
5.- A entidade expropriante procedeu ao depósito da quantia fixada no acórdão de arbitragem a título de indemnização do solo expropriado, na classificação de solo apto para outros fins (Esc. 5.761.646$00), tendo-lhe posteriormente sido restituída a importância correspondente ao 1/3 pertencente ao expropriado G….. – v. fls. 330, 368, verso, e 369.
6.- O montante do depósito provisório realizado pela expropriante cifrou-se, assim, em Esc. 3.841.097$00 – v. fls. 369, verso.
7.- Os expropriados recorreram da decisão arbitral.
8.- No relatório pericial de fls. 477 e ss. os peritos do Tribunal e da expropriante atribuíram à parcela expropriada o valor de Esc. 30.233.640$00, enquanto que o perito dos expropriados apontou o valor de Esc. 43.177.440$00.
9.- A sentença de fls. 646 e ss. classificou o solo como apto para outros fins e fixou a indemnização em Esc. 43.177.440$00 (o equivalente a € 215.368,16), acrescida da actualização decorrente do art. 23º, n.º 1, do CE aprovado pelo DL 438/91, de 9 de Novembro.
10.- Dessa sentença recorreram os expropriados e a expropriante.
11.- Por acórdão de 04.11.2003, transitado em julgado, este Tribunal da Relação fixou o valor da indemnização em € 104.018,11 – v. fls. 773 a 787.
12.- Em 5 de Março de 2004, a expropriante procedeu ao depósito da quantia de € 102.427,64, consignando-se na respectiva guia que tal depósito era efectuado nos termos e para os efeitos do disposto no art. 23º do CE de 1991 – v. fls. 830/831.
13.- O Tribunal procedeu à liquidação que consta de fls. 835, cujos termos se dão aqui por reproduzidos.

O DIREITO

O art. 22º, n.º 1, do CE de 1991 (diploma aplicável ao caso dos autos e ao qual pertencem todas as normas indicadas infra, salvo menção contrária) dispunha do seguinte modo:
“A expropriação por utilidade pública de quaisquer bens ou direitos confere ao expropriado o direito de receber o pagamento contemporâneo de uma justa indemnização”.
Este preceito constitui uma manifestação expressa do princípio da contemporaneidade do pagamento da indemnização em relação ao momento em que o expropriado se vê privado do bem, princípio esse condensado no art. 1º (v. também o art. 1º do Código das Expropriações de 1999).
Outra afloração do citado princípio, esta mais palpável, é a que se encontrava estatuída no art. 51º, n.º 3, desse diploma, ao determinar que, em caso de recurso da decisão arbitral, o juiz atribuiria imediatamente aos interessados o montante sobre o qual se verificasse acordo.
Para reforçar a observância desse princípio da contemporaneidade do pagamento da indemnização, o Código de 1999 consagrou mecanismos que, no caso de recurso da decisão arbitral e da decisão do tribunal da 1ª instância, permitem, não só a imediata atribuição aos interessados do montante da indemnização sobre o qual se verifique acordo, mas também que estes solicitem a atribuição do montante controvertido, mediante a prestação de caução – cfr. arts. 52º, n.º 4 e 66º, n.º 3.
No âmbito do CE de 1991, tendo havido recurso da decisão arbitral, o predito princípio da contemporaneidade do pagamento da indemnização só é tendencialmente respeitado, na medida em que apenas se atribui ao expropriado o montante da indemnização em relação ao qual existe acordo. E isto depois de o juiz do tribunal da 1ª instância ter adjudicado à entidade expropriante a propriedade e a posse, salvo, quanto a esta, se já houver posse administrativa, como sucedeu no caso vertente – cfr. arts. 50º, n.º 4 e 51º, n.º 3, do CE.
O momento de referência da determinação do montante da indemnização, no processo expropriativo, é a data da publicação da declaração de utilidade pública.
Todavia, a tramitação do processo pode conduzir a que o valor do bem expropriado, à data em que for proferida a decisão final, se encontre já desactualizado.
Para evitar tal consequência, o legislador estabeleceu no art. 23º, n.º 1, do CE de 1991, a que corresponde, sem alterações, o art. 24º, n.º 1, do actual código, que:
“O montante da indemnização calcula-se com referência à data da declaração de utilidade pública, sendo actualizado à data da decisão final do processo de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação”.
A razão de ser desta norma é explicada por Alves Correia, RLJ, Ano 132, anotação 44, a págs. 241/242, do seguinte modo:
“A actualização à data da decisão final do processo judicial de apuramento do montante da indemnização, constitui… um meio indispensável à garantia de uma reparação total ou integral do acto ablativo e, por isso, um instrumento de garantia da justa indemnização, constante do n.º 2 do art. 62º da Lei Fundamental”.
A actualização da indemnização faz-se por aplicação ao respectivo montante, ano a ano, do índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação, e, tal como resulta do citado preceito, abrange o período que decorre desde a data da declaração de utilidade pública até à data do trânsito em julgado da decisão final do processo.
A actualização visa, pois, reparar as consequências da impossibilidade da plena realização do princípio da contemporaneidade do pagamento da indemnização em relação ao momento em que o expropriado se vê privado do bem.

Volvendo ao caso dos autos:
A expropriante, após a adjudicação da propriedade e posse da parcela expropriada, depositou nos autos o valor de Esc. 3.841.097$00, correspondente ao valor indemnizatório mais baixo da decisão arbitral.
Nem o juiz ordenou a entrega desse capital aos expropriados, descontadas as custas prováveis, nem estes a requereram.
O dito montante permaneceu depositado e, agora, a entidade expropriante defende que a actualização do valor da indemnização não pode incidir sobre o capital que os expropriados sempre tiveram à sua disposição.
Não nos parece que a expropriante tenha razão.
É certo que o Mmº Juiz deveria ter feito cumprir o disposto no art. 51º, n.º 3. A verdade, porém, é que o não fez.
No Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do STJ nº 7/2001, DR, Iª Série A, de 25 de Outubro de 2001, fixou-se a seguinte jurisprudência: - havendo recurso da arbitragem e não tendo esta procedido à actualização do valor inicial, o valor fixado na decisão final é actualizado até à notificação do despacho que autorize o levantamento de uma parcela do depósito. Daí em diante a actualização incidirá sobre a diferença entre o valor fixado na decisão final e o valor cujo levantamento foi autorizado;
- tendo havido actualização na arbitragem, só há lugar à actualização, desde a data da publicação da declaração de utilidade pública até à decisão final, sobre a diferença entre o valor fixado na decisão final e o valor cujo levantamento foi autorizado.
Na fundamentação desse acórdão escreveu-se o seguinte:
“A sentença final, qualquer que ela seja, tem de conseguir uma solução que permita fazer entrar, no património do expropriado, o valor à data da declaração, devidamente actualizado.
Para isso não se pode esquecer o valor já entrado. Por valor já entrado tem de entender-se valor atribuído e não valor efectivamente levantado.
A partir da atribuição o valor ficou na disponibilidade do expropriado e a retenção é feita como garantia das custas e será atendida na conta final”.
A hipótese sobre que versou o dito acórdão é substancialmente diversa da presente, pois naquela existiu despacho do juiz, proferido ao abrigo do art. 51º, n.º 3, a atribuir ao expropriado a quantia indemnizatória sobre a qual se verificava acordo, ao passo que no caso dos autos esse despacho nunca existiu.
Ou seja: como o Mmº Juiz do Tribunal Judicial de Amarante nunca chegou a atribuir aos expropriados o montante depositado sobre o qual existia acordo (depois de descontado o valor cativado para garantia das custas), aquele montante nunca esteve na disponibilidade dos expropriados – v., neste mesmo sentido, o Ac. desta Relação de 18.04.2005, no processo n.º 0550697, em www.dgsi.pt.
Daí que o valor global da indemnização devida pela expropriação esteja sujeita à actualização prevista no art. 23º, n.º 1, desde o início até ao trânsito em julgado da decisão final, de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação, tal como se decidiu na 1ª instância.

Por fim, resta dizer que não existe qualquer colisão de direitos, sendo absolutamente despropositada a invocação do art. 335º do CC – cfr. conclusões 6ª e 8ª, al. a).

Em conclusão:
a)- A actualização prevista no art. 23º, n.º 1, do CE visa reparar as consequências da impossibilidade da plena realização do princípio da contemporaneidade do pagamento da indemnização em relação ao momento em que o expropriado se vê privado do bem.
b)- Havendo recurso da decisão arbitral, e não tendo o juiz atribuído imediatamente aos expropriados o montante sobre o qual havia acordo, a actualização operará desde o início até ao trânsito em julgado da decisão final.
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DECISÃO

Nestes termos, nega-se provimento ao agravo, mantendo-se o despacho recorrido.
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Sem custas, uma vez que a expropriante/agravante delas está isenta.
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Porto, 16 de Maio de 2006
Henrique Luís de Brito Araújo
Alziro Antunes Cardoso
Afonso Henrique Cabral Ferreira