Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP00030337 | ||
| Relator: | SOUSA PEIXOTO | ||
| Descritores: | ACIDENTE IN ITINERE DESCARACTERIZAÇÃO DE ACIDENTE ACIDENTE DE VIAÇÃO PRESUNÇÃO DE CULPA | ||
| Nº do Documento: | RP200106180140608 | ||
| Data do Acordão: | 06/18/2001 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Tribunal Recorrido: | T TRAB GUIMARÃES 1J | ||
| Processo no Tribunal Recorrido: | 118/95 | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
| Decisão: | REVOGADA. | ||
| Área Temática: | DIR TRAB - ACID TRAB. | ||
| Legislação Nacional: | L 2127 DE 1965/08/03 BV N2 B BVI N1 B. CCIV66 ART342 N2 ART351. | ||
| Sumário: | I - Alegando o trabalhador que o acidente ocorreu quando se dirigia do trabalho para a sua residência e provando-se apenas que o acidente ocorreu depois do fim do dia de trabalho, o acidente não pode ser considerado como acidente de trabalho. II - Não dá direito a reparação, o acidente que consistiu em o trabalhador ter saído da sua faixa de rodagem e ter ido embater numa árvore sita na berma esquerda da estrada, atento o seu sentido de trânsito. III - Quando o acidente é devido a uma conduta objectivamente violadora da lei, há uma presunção judicial de culpa do autor da infracção, no caso de não se conseguirem apurar os reais motivos da sua conduta. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam na secção social do Tribunal da Relação do Porto: 1. Suscitando as questões que adiante serão referidas, a Companhia de Seguros ........., S.A. interpôs recurso da sentença que a condenou a pagar ao João ........ a pensão anual e vitalícia de 134.662$00, com início em 21.6.96 e calculada com base na incapacidade permanente de 20%, bem como a importância de 740.223$00 de indemnização por incapacidade temporária e juros de mora. Patrocinado pelo Mº Pº, o autor contra-alegou, pedindo a confirmação da sentença. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. 2. Os factos Na 1ª instância deram-se como provados os seguintes factos: a) No dia 19.12.94, quando o autor conduzia o veículo automóvel de matrícula ..-..-.., este saiu da estrada e embateu num carvalho que se encontrava na berma da estrada, à esquerda. b) Em consequência do embate, o autor sofreu fractura dos ossos de ambas as pernas e hematoma na cabeça. c) Na data referida o autor, tendo a categoria profissional de motorista de veículos pesados e auferindo a retribuição de 83.000$00 por 14 meses, trabalhava sob as ordens, direcção e fiscalização de U..........., Ldª, cuja responsabilidade infortunistica estava totalmente transferida para a ré P........, Companhia de Seguros, S.A. d) Em consequência das lesões resultantes do acidente, o autor ficou com incapacidade temporária absoluta entre 20 de Dezembro de 1994 e 30 de Novembro de 1995, com incapacidade temporária parcial de 50% entre 1 de Dezembro de 1995 e 31 de Março de 1996, com incapacidade temporária parcial de 30% entre 1 de Abril e 31 de Maio de 1996 e com incapacidade temporária parcial de 20% desde 1 de Junho de 1996, incapacidade esta que se manteve para além dos 18 meses de incapacidade temporária. e) Não foi requerida a prorrogação do prazo de incapacidade temporária para além dos 18 meses. f) A ré não pagou ao autor qualquer quantia a título de indemnização, a título de transportes ou a qualquer outro título. g) A entidade empregadora U........, Ldª dedicava-se, de forma habitual e com intuito lucrativo, à compra de ovos para incubação, criação e venda de pintos. h) A tentativa de conciliação frustrou-se. i) O embate referido em a) ocorreu depois do fim do dia de trabalho. j) O autor utilizava o veículo que conduzia para fazer o trajecto da sua residência para o local de trabalho e vice-versa. k) O acidente ocorreu num dos trajectos que o autor costumava fazer quando se dirigia da sua residência para iniciar o trabalho em cada dia e quando, no fim do trabalho, regressava á sua residência. l) O acidente ocorreu numa estrada que descreve uma recta de cerca de 500 metros, com uma largura de 6 metros e sem trânsito. m) Antes do embate, o autor invadiu a faixa de rodagem oposta ao seu sentido de marcha. n) Tendo entrado no terreno que margina a estrada do lado esquerdo, considerando o sentido de marcha do autor. o) O autor é cobrador do P...... Futebol Clube. p) O autor é membro da direcção do P....... Futebol Clube. q) O sinistro verificou-se entre a sede do P..... Futebol Clube e a residência do autor. r) Para chegar a casa, atento o percurso e a distância que separa .........., onde o autor reside, não gastava ele mais do que 30 minutos para percorrer tal distância. s) Na sede do P....... Futebol Clube funciona um café. t) O autor embateu contra a árvore e destruiu o habitáculo do camião. u) O acidente ocorreu no lugar de ......... v) Quando o autor seguia no sentido .......... x) A sede do clube situa-se no lugar de ............, em estrada camarária. z) O autor apresenta consolidação com bom alinhamento dos ossos das pernas, mas com diminuição da resistência, a que corresponde a incapacidade permanente parcial de 10%, sendo a data da alta reportada a 19 de Dezembro de 1996 e sendo portador de uma incapacidade temporária parcial de 20% aos 18 meses contados sobre a data do acidente. A decisão proferida sobre a matéria de facto não foi impugnada e não há razões para a alterar. Mantém-se, por isso, nos seus precisos termos. 3. O direito São três as questões suscitadas pela recorrente: - descaracterização do acidente, - natureza laboral do acidente, - grau de incapacidade Por razões de precedência lógica, começamos por apreciar a segunda questão, uma vez que o conhecimento das restantes questões ficará prejudicado, se esta for julgada procedente. 3.1 Da natureza laboral do acidente Como resulta da factualidade provada, o acidente em apreço não ocorreu no local nem no tempo de trabalho, mas sim quando o recorrido se dirigia para a sua residência “depois do fim do dia de trabalho”. O Mmo Juiz considerou o acidente como acidente de trabalho in itinere, com fundamento de que tinha ocorrido quando o recorrido se deslocava do trabalho para a sua residência, utilizando o veículo fornecido pela entidade patronal e num dos percursos que ele costuma fazer quando se dirigia da sua residência para o trabalho e vice-versa. A recorrente discorda, por entender que não se provou que o acidente tivesse ocorrido no regresso do trabalho. Salvo o devido respeito, a recorrente tem razão. Vejamos porquê. Nos termos da al. b) do nº 2 da Base V da Lei nº 2.127, considera-se acidente de trabalho o ocorrido: “Na ida para o local do trabalho e no regresso deste, quando for utilizado meio de transporte fornecido pela entidade patronal...” Para que o acidente em apreço fosse considerado acidente de trabalho, ao abrigo da disposição citada, o recorrido tinha de alegar e provar que o veículo que conduzia tinha sido fornecido pela entidade patronal e que o acidente tinha ocorrido quando regressava do local de trabalho para a sua residência (artº 342º, nº 1 do CC). Em nossa opinião, essa prova não foi feita, ao contrário do que é dito na sentença recorrida. Não se provou que o veículo pertencesse à entidade patronal ou que tivesse sido por ela fornecido e também não se provou que o acidente tivesse ocorrido quando o recorrido regressava do local de trabalho para a sua residência. As respostas dadas aos quesitos 2º, 4º, 5º, 6º e 7º não deixam dúvidas a tal respeito. Se não vejamos. No quesito 2º perguntava-se se o acidente tinha ocorrido “Quando, no fim do dia de trabalho, o A. se dirigia para a sua residência” e a resposta dada foi “Provado apenas que o embate, referido em A) da especificação, ocorreu depois do fim do dia de trabalho.” Por sua vez, nos quesitos 4º, 5º, 6º e 7º perguntava-se, nomeadamente, se o veículo fora distribuído ao recorrido pela sua entidade empregadora, para que ele o conduzisse entre a sua residência e o local onde se situavam os aviários daquela e, no fim do dia de trabalho, para a sua residência, mas tais quesitos foram dados como não provados. Perante as respostas dadas aos quesitos referidos, o Mmo Juiz não podia afirmar que o acidente ocorreu quando o sinistrado se deslocava do trabalho para a sua residência. Estamos em crer que tal afirmação assentou no facto referido na al. k) da matéria de facto e que corresponde à resposta dada ao quesito 9º. Em resposta a este quesito, deu-se como provado que “O acidente ocorreu num dos trajectos que o autor costumava fazer quando se dirigia da sua residência para iniciar o trabalho em cada dia e quando, no fim do trabalho, regressava à sua residência.” Mas se assim foi, o equívoco é evidente, dado que no quesito 9º não se perguntava se o acidente tinha ocorrido quando o sinistrado se dirigia para casa no fim do trabalho. Perguntava-se sim, se “o acidente ocorreu no trajecto que o A. costumava fazer quando se dirigia da sua residência para o trabalho e quando, no fim do trabalho, regressava à sua residência,” o que é coisa totalmente diferente. Da resposta dada quesito 9º, apenas se conclui que o acidente ocorreu no trajecto que o recorrido costumava fazer quando ia ou vinha do trabalho. Não se pode concluir que o recorrido se dirigia do trabalho para casa. Esta questão constava do quesito 2º que, como já dissemos, obteve a resposta de “não provado”. Concluindo, diremos que o acidente não é subsumível ao disposto na primeira parte da al. b) do nº 2 da Base V da Lei nº 2.127, não podendo, por isso, ser considerado como acidente de trabalho, o que implica a absolvição da recorrente e torna desnecessário o conhecimento das restantes questões (descaracterização do acidente e grau de incapacidade). De qualquer modo, mesmo que o acidente fosse considerado como acidente de trabalho, a recorrente sempre teria de ser absolvida, pelo facto de o acidente ter ocorrido exclusivamente por falta grave e indesculpável do recorrido, o que leva à descaracterização do acidente, face ao disposto no nº 1, al. b) da Base VI, nos termos da qual: “Não dá direito a reparação o acidente que provier exclusivamente de falta grave e indesculpável da vítima”). Cabia à recorrente provar que os factos que permitissem imputar o acidente exclusivamente a falta grave e indesculpável do recorrido. Aparentemente, essa prova não foi feita, por não terem ficado esclarecidas as causas do acidente e foi com esse fundamento que o Mmo Juiz decidiu improcedente a excepção peremptória da descaracterização. Não nos parece, porém, que tal decisão seja correcta. Segundo a jurisprudência dominante, a culpa presume-se quando na origem do acidente está a violação objectiva de uma norma do Código de Estrada. Provando-se que o acidente foi causado pela prática de uma contravenção, presume-se que foi causado por culpa do autor da infracção (Acs. do STJ de 6.1.87, BMJ, 363º-488 e de 3.3.90, BMJ, 395º-534; ac. RC de 21.9.93, CJ IV, 37; ac. RP de 7.11.91, CJ, V, 182). Não se trata, naturalmente, de uma presunção legal de culpa (artº 350º do CC) com a consequente inversão do ónus da prova, mas de uma mera presunção judicial (artº 351º do CC) assente no simples raciocínio de quem julga (A. Varela, Das Obrigações em Geral, 1ª ed., Vol. I, pag. 417, nota 469). Trata-se de uma presunção simples inspirada nas máximas da experiência, nos juízos correntes de probabilidade, nos princípios da lógica e nos próprios dados da intuição humana. O recurso a tal presunção justifica-se pelas dificuldades que muitas vezes há de provar as verdadeiras causas da infracção e compreende-se por ser da experiência comum que as infracções estradais são normalmente culposas. Como refere Vaz Serra, para provar a culpa, basta “que o prejudicado possa estabelecer factos que, segundo os princípios da experiência geral, tornem muito verosímil a culpa. Mas o autor do prejuízo pode afastar esta chamada prova prima facie demonstrando, por seu lado, outros factos que tornem verosímil ter-se produzido dano sem culpa sua. Com isto destrói a aparência a ele contrária e força o prejudicado a demonstrar completamente a culpa, já que, ao admitir-se a prova prima facie, só se dá uma facilidade para a produção da prova e não uma total inversão do encargo da prova” (Bol., nº 68, pag. 87). No caso em apreço, o acidente deu-se por causa de o recorrido ter saído da sua faixa de rodagem, ter invadido a faixa de rodagem contrária e ter saído da estrada, indo embater contra uma árvore que se encontrava na berma esquerda, atento o seu sentido de marcha. Tal conduta viola objectivamente o disposto no artº 13º do Código da Estrada, nos termos do qual o trânsito de veículos deve fazer-se pelo lado direito da faixa de rodagem. Cabia ao recorrido alegar e provar factos susceptíveis de afastar a prova prima facie que contra ela dimana da objectividade da sua conduta. Não o tendo feito, somos forçados a presumir que o despiste do veículo ocorreu por culpa sua. É certo que a concreta causa do despiste não foi apurada. Podia ter acontecido por distracção ou descuido, por sonolência ou excesso de velocidade ou por outra causa qualquer, mas, independentemente da causa em concreto, temos de concluir, com base nas regras da experiência, que a manobra que deu azo ao despiste só ao recorrido é imputável, tanto mais que não havia trânsito e o traçado da estrada era em linha recta, com 500 metros de comprimento. Relativamente à gravidade da falta, ela é indiscutível, dado que circular em sentido contrário constitui contra-ordenação grave (artº 146º, al. a) do Cod. Estrada) e sobre a indesculpabilidade da mesma também não há lugar a dúvidas. Conduzir de forma a manter sempre o controle do veículo é uma regra elementar da condução de veículos automóveis. Agir de outro modo constitui uma verdadeira temeridade e revela um comportamento altamente censurável, na medida em que pode pôr em perigo a segurança das pessoas ou bens, ou seja, o trânsito em geral. Exercendo o recorrido as funções de motorista, a sua conduta é absolutamente indesculpável. E sendo assim, o acidente, mesmo que fosse acidente de trabalho, não daria direito a reparação. 4. Decisão Nos termos expostos, decide-se revogar a sentença e absolver a recorrente do pedido. Sem custas, por delas estar isento o recorrido. PORTO, 18 de Junho de 2001 Manuel José Sousa Peixoto Carlos Manuel Pereira Travessa José Cipriano Silva |