Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0655115
Nº Convencional: JTRP00039593
Relator: FONSECA RAMOS
Descritores: EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA
MORA
INDEMNIZAÇÃO
SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA
JUROS DE MORA
TRÂNSITO EM JULGADO
Nº do Documento: RP200610160655115
Data do Acordão: 10/16/2006
Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: LIVRO 275 - FLS 85.
Área Temática: .
Sumário: I - O art. 829°-A do Código de Processo Civil – sanção pecuniária compulsória – ao estabelecer os casos em que há lugar à sua aplicação não distingue qual a fonte da obrigação havendo de concluir-se que, quer brote a obrigação de indemnizar de fonte contratual, ou extracontratual, a tanto não obsta a aplicação da sanção.
II - De específico, no regime legal do pagamento da indemnização expropriativa por utilidade pública, está o facto do devedor/expropriante não cair em mora a partir do trânsito em julgado da decisão que fixa a “justa indemnização”, mas apenas a partir do termo do prazo de 10 dias, contados sobre a data da notificação para efectuar o depósito do montante devido em definitivo.
III - Se a expropriante incorrer em mora constitui-se na obrigação de indemnizar o expropriante, pagando-lhe, juros de mora e sanção pecuniária compulsória.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto

No processo de Expropriação por Utilidade Pública, pendente no .º Juízo Cível da Comarca de Matosinhos, em que é expropriante:

E.P. – Estradas de Portugal, E.P.E” e expropriados:

B………. e outros.

A expropriante, inconformada com o despacho certificado a fls. 45 a 48, que a condenou a pagar aos expropriados juros de mora sobre o montante indemnizatório fixado e, ainda, sanção pecuniária compulsória à taxa de 5% sobre a quantia de € 704.681,13 considerada em dívida, em 21.11.2005, interpôs recurso desse despacho de 7.4.2006 e, alegando, formulou as seguintes conclusões:

1. Vem o presente recurso interposto da aliás douta decisão proferida em 07 de Abril de 2006, que decidiu que “...nestes termos (...) decide-se conceder provimento ao requerido e, em consequência, condenar a entidade expropriante no pagamento de juros de mora à taxa legal de 4% e da sanção pecuniária compulsória à taxa de 5% sobre o montante de 6705.681,13 que ainda estava em dívida em 21 de Novembro de 2005, desde essa data até 10 de Fevereiro de 2006”.

2. Salvo o devido respeito por melhor opinião parece-nos que sem razão.

3. No que respeita aos juros de mora, apesar de não estarem reunidos os pressupostos da sua aplicação (nem os mesmo terem sido correctamente peticionados pelos expropriados - cf. artigo 804°, nº2, do Código Civil citado na própria decisão recorrida), optou o Tribunal “a quo” por deferir o pedido formulado pelos expropriados de aplicação dos mesmos, sufragando a tese da automaticidade de tal condenação/depósito volvidos que estejam os 10 dias a que se refere a notificação prevista no n.°1 do artigo 71.° Cód. Exp., e com a qual, salvo o devido respeito, a ora recorrente não pode deixar de discordar.

4. A douta sentença que fixou o montante indemnizatório à parcela objecto dos presente processo de expropriação não condenou a entidade expropriante no pagamento de juros de mora, e sendo assim, estes não são devidos, porque não tendo havido condenação, não haveria título executivo.

5. Assim, a douta decisão recorrida ao deferir a pretensão formulada pelos expropriados de ver aplicado ao caso juros de mora, violou, por erro de interpretação, os artigos 68.° e 69.° Cód. Exp. (1991), e ainda, conjugadamente, o disposto no artigo 71º do Cód. Exp. actualmente em vigor.

6. No que respeita aos juros compulsórios, apesar de, igualmente, não estarem reunidos os pressupostos de aplicação/funcionamento do respectivo instituto da sanção pecuniária compulsória o tribunal a quo, concluiu pela sua aplicação “in casu”.

7. Ora o expropriado, não requereu, antes da condenação da entidade expropriante, ora recorrente na indemnização fixada por sentença já transitada em julgado, a sua aplicação, e como tal é a mesma devida. Nem o requereu. Na verdade, apenas requereu, ainda antes do cumprimento da notificação prevista no nº1 do artigo 71.° Cód. Exp. à entidade expropriante, a obrigação de depósito de juros moratórios e sanção pecuniária compulsória para a hipótese de não ser cumprido o prazo fixado neste preceito legal.

8. “A sanção pecuniária compulsória é uma condenação acessória de uma condenação principal, cuja finalidade essencial é o exercício de uma ameaça sobre o réu, preventiva de um possível incumprimento futuro da parte deste, pelo que, pela sua própria natureza, deve ser aplicada concomitantemente com esta última condenação desde que, antes, tenha sido requerida pelo credor”.

9. Por outro lado, resulta que: “A sanção só é devida se o devedor adstringido, embora podendo, não cumpre a obrigação principal e no cumprimento da qual foi condenado”, sendo ao credor exequente que incumbe provar o não respeito pelo devedor da condenação principal recaindo sobre este, o devedor executado, a prova de que as condições da sua exigibilidade não estão preenchidas” (J. Calvão da Silva, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, 438).

10. Ora sucede que na hipótese vertida nos autos, e apesar de ter conhecimento das dificuldades financeiras que atravessa a entidade expropriante, ora recorrente – como muitos outros organismos que prosseguem fins públicos (v.g. Tribunais) – o expropriado não diligenciou no sentido antes exposto, isto é, não requereu a sua aplicação ainda antes da condenação.

11. Por último os presentes autos nunca se revelariam como a sede própria para a reivindicação de tais juros (compulsórios), dado que os mesmos devem ser reclamados em acção executiva, uma vez que apesar de esta sanção não precisar de ser alegada e decretada na acção declarativa, apenas pode ser reclamada na acção executiva, o que não é o caso dos presentes autos – v. por todos Acórdão do S.T.J., in BMJ – 315-323 e sobretudo o recente Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto em 18/10/2005, no âmbito do processo 2017/04-2, 2ª secção.

12. Finalmente há que analisar o Acórdão desse Venerando Tribunal de 03/11/2003, proferido em situação em tudo idêntica à dos presentes autos e disponível em http/:www.dgsi.pt, que considera inaplicável à indemnização arbitrada aos expropriados, em expropriação por utilidade pública da sanção pecuniária compulsória, atenta, designadamente, a existência no Cód. Exp. de mecanismos “terapêuticos alternativos” para a eventual atitude de inércia ou omissão do depósito por parte da entidade expropriante (cf. artigo 71.°, n.°4 do C.Exp./99); e ainda, o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães em 14/12/2005, e o Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, em 04/03/2004, no âmbito do processo 4488/03.2, que concluiu, também, pela inadmissibilidade de aplicação de sanção pecuniária compulsória in casu (o que, inequivocamente, demonstra a falta de “uniformidade” jurisprudencial nesta matéria).

13. Assim, a douta decisão recorrida ao deferir a pretensão formulada pelos expropriados no sentido da aplicação ao caso da sanção pecuniária compulsória, violou, por erro de interpretação, os artigos 68.° e 69.° Cód. Exp./91 (actual artigo 71º Cód. Exp. 99), bem como o artigo 829-1-A Cód. Civil, através da adopção de uma posição que desvirtua o espírito e razão de ser do astreinte, com aplicação retroactiva e dispensa da verificação dos seus pressupostos.

14. Concluindo, a douta decisão recorrida ao condenar, “automaticamente”, a ora recorrente no pagamento dos juros moratórios à taxa de 4% da sanção pecuniária compulsória à taxa 5%, violou, por erro de interpretação, e conjugadamente, o disposto nos artigos 68.° e 69.° Cód. Exp. (1991) - actual artigo 71.° Cód. Exp./99 e 829º.1-A Código Civil.

15. Pelo que deverá a mesma ser revogada na sua totalidade e substituída por outra que decida no sentido antes exposto, ou seja, pela não obrigação de depósito por parte da entidade expropriante dos juros moratórios e sanção pecuniária compulsória, assim se fazendo Justiça.

Não houve contra-alegações.

Colhidos os vistos legais cumpre decidir.
***

Relevam os seguintes factos:

1. Por carta de 08.11.2005 foi a entidade expropriante notificada para “no prazo de 10 dias depositar os montantes em dívida e juntar nota discriminativa, justificativa dos cálculos da liquidação de tais montantes” – cfr. fls. 813.

2. A 29.11.2005 apresentou a entidade expropriante o requerimento de fls. 817 e ss. nos termos do qual requereu a junção aos autos do cálculo de actualização da indemnização fixada por sentença e informou que oficiou ao competente departamento para o pagamento do montante apurado.

3. A indemnização foi depositada à ordem do Tribunal recorrido em 10.02.2006 – cfr. fls. 888. – quando o devia ter sido até 21.11.2005.

4. Os expropriados, notificados da efectivação do depósito complementar efectuado pela expropriante, requereram que se ordenasse o depósito de juros e sanção pecuniária compulsória pelo período de tempo em atraso.

Fundamentação:

Sendo pelo teor das conclusões das alegações do recorrente que se afere do objecto do recurso, importa saber se, no caso em apreço, a expropriante deve ser sancionada com juros de mora e lhe é aplicável sanção pecuniária compulsória, por ter efectuado o depósito complementar do montante atribuído pela expropriação, excedendo o prazo de que dispunha para o fazer.

As partes não dissentem, pelo que consta do despacho recorrido, que ao caso é aplicável o CE de 1991.

Ora o art. 68º desse diploma estatui:

“l — Fixado por decisão com trânsito em julgado o valor da indemnização a pagar pelo expropriante, será este notificado para depositar o montante devido na Caixa Geral de Depósitos no prazo de 10 dias.
2 — A entidade expropriante, relativamente ao depósito a que se refere o n.° l do artigo 50.°, depositará a importância complementar em que for condenada ou poderá levantar a parte da importância judicialmente depositada que se mostre excessiva.”

A tal normativo corresponde, no CE /99, o art. 71º do seguinte teor:

“l. Transitada em julgado a decisão que fixar o valor da indemnização, o juiz do tribunal da lª instância ordena a notificação da entidade expropriante para, no prazo de 10 dias, depositar os montantes em dívida e juntar ao processo nota discriminada, justificativa dos cálculos da liquidação de tais montantes.
2. A secretaria notifica ao expropriado e aos demais interessados o montante depositado, bem como a nota referida na parte final do número anterior”.

Nenhum dos diplomas alude à condenação em juros de mora e, muito menos, à aplicação de sanção pecuniária compulsória, pelo que importa saber se o regime vigente no CE colide com os princípios gerais de direito, mormente, com as consequências da mora de qualquer devedor, sendo caso de obrigações pecuniárias, como sem dúvida é o montante de indemnização – o “justo valor” que a expropriante está obrigada a pagar aos titulares dos bens ou direitos expropriados.

Tratando-se de obrigação pecuniária o incumprimento moroso, ou seja, a não realização da prestação no tempo devido implica o pagamento de juros a contar do dia da constituição em mora – art. 806º, nº1, do Código Civil.

De específico, no regime legal do pagamento da indemnização expropriativa, está o facto do devedor não cair em mora a partir do trânsito em julgado da decisão, mas apenas do termo do prazo de 10 dias, contados sobre a data da notificação para efectuar o depósito do montante devido em definitivo, como se alcança da parte final dos referidos art. 68º, nº1, e 71º, nº1.

Assim, não existem dívidas que, tendo a recorrente depositado a quantia em dívida em 10.02.2006, quando o devia ter feito até 21.11.2005, incorreu em mora durante tal lapso de tempo, pelo que deve ser sancionada com o pagamento de juros, já que com a completa fixação do “quantum” devido a dívida passou a ser líquida – o facto que obsta ao pagamento de juros moratórios é a situação de iliquidez da obrigação em processo de expropriação (in illiquidis non fit mora).

Tendo havido notificação, nos termos do referido normativo, a expropriante incorre em mora se, decorrido o prazo legal de 10 dias, não procede ao depósito [“Cfr. entre outros, o Acórdão do T. Constitucional nº263/98, de 05.03, Proc. nº373/95; BMJ 475, 140; Ac. de 22.06.89 (Réu 185/89) BMJ 622; Ac. do STJ de 30-05-95 (Proc. nº86.435) BMJ 447, 470; Ac. da Rel. Coimbra de 06-02-96 (Proc. 1612/95) BMJ 454, 810; Ac. do T. Const. N.° 15/2000, DR II Série, n.° 242 de 09-10; Ac. da Rel.. Porto de 10-10-2000 (R. 1097) CJ 2000, IV, 205; Ac. do STJ de 24-01-2002, proferido no Agravo nº4195/01-6.°, e Ac. do T. Relação Lisboa de 12-07-2001, proferido no Recurso n.° 5247/2001 – 7ª Secção)”. – ut. CÓDIGO DAS EXPROPRIAÇÕES (de 1999) de Pedro Cansado-Ana Isabel Pacheco e Luís Alvarez Barbosa, 2ª edição, 2003, pág.302.].

Ao invés do que afirma a recorrente os agravados formularam tal pedido, assim como formularam o de accionamento da sanção pecuniária compulsória.

E quanto à sanção pecuniária compulsória?

Importa, desde logo, partir da relevante consideração de que se trata de obrigação pecuniária que emerge de responsabilidade extracontratual (de acto do devedor), já que a expropriação é o exercício de um direito lícito contra o qual nada pode o expropriado por se tratar de ablação forçada mediante o pagamento de “justa indemnização”, sob a invocação de interesse público, o que implica severa restrição ao dito absoluto direito real de propriedade.

O art. 829º-A do Código de Processo Civil ao estabelecer os casos em que há lugar à sua aplicação não distingue qual a fonte da obrigação havendo de concluir-se que, quer brote a obrigação de indemnizar (em dinheiro) de fonte contratual, ou extracontratual, a tanto não obsta a aplicação da sanção.

Dispõe o referido art. 829º-A do Código Civil.

“1. Nas obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo, salvo nas que exigem especiais qualidades científicas ou artísticas do obrigado, o tribunal deve, a requerimento do credor, condenar o devedor ao pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento ou por cada infracção, conforme for mais conveniente às circunstâncias do caso.
2. A sanção pecuniária compulsória prevista no número anterior será fixada segundo critérios de razoabilidade, sem prejuízo da indemnização a que houver lugar.
3. O montante da sanção pecuniária compulsória destina-se, em partes iguais, ao credor e ao Estado.
4. Quando for estipulado ou judicialmente determinado qualquer pagamento em dinheiro corrente, são automaticamente devidos juros à taxa de 5% ao ano, desde a data em que a sentença de condenação transitar em julgado, os quais acrescerão aos juros de mora, se estes forem também devidos, ou à indemnização a que houver lugar”.

“A sanção pecuniária compulsória é a condenação pecuniária decretada pelo juiz para constranger e determinar o devedor recalcitrante a cumprir a sua obrigação.
É, pois, um meio de constrangimento judicial que exerce pressão sobre a vontade lassa do devedor, apto para triunfar da sua resistência e para determiná-lo a acatar a decisão do juiz e a cumprir a sua obrigação, sob a ameaça ou compulsão de uma adequada sanção pecuniária, distinta e independente da indemnização, susceptível de acarretar-lhe elevados prejuízos” – Calvão da Silva, in “Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória” – pág.355.

E mais adiante, págs. 438/439, claramente é afirmado o carácter subsidiário da sanção em relação á obrigação principal:

“É óbvio que a sanção pecuniária compulsória só é devida se o devedor adstringido, embora podendo, não cumpre a obrigação principal a que está vinculado e no cumprimento da qual foi condenado.
Em caso de impossibilidade de observância da condenação principal, a sanção pecuniária compulsória não produz efeitos.
É o que resulta da sua própria natureza. E razão de ser: meio de coerção ao cumprimento.
Na verdade, a sanção pecuniária compulsória só faz sentido quando o devedor contra quem é decretada está em condições de realizar o objectivo almejado, pelo que, se este se torna irrealizável, ou seja, se o cumprimento da obrigação principal se torna impossível, a sanção pecuniária compulsória cessa, nesse momento, de produzir efeitos.
E isto qualquer que seja a causa da impossibilidade do cumprimento da obrigação principal, imputável ou não ao devedor, pois deixando de haver “chances de cumprimento” (Erfüllungschancen), desaparece o pressuposto da sanção pecuniária compulsória.
Assim, impõe o simples bom senso que não se continue a pressionar o devedor para a obtenção do impossível.” (sublinhámos).

Importa ponderar que, no nº 1 do citado normativo:

“…O legislador confinou a sanção pecuniária compulsória às obrigações de carácter pessoal – obrigações de carácter intuitus personae, cuja realização requer a intervenção do próprio devedor, insubstituível por outrem – fazendo dela um processo subsidiário, aplicável onde a execução específica não tenha lugar.
E, assim, graças à sanção pecuniária compulsória, ao constrangimento que ela exerce sobre a vontade do devedor rebelde, o credor pode alimentar a esperança de obter a originária prestação infungível que lhe é devida – seja a contratual, autónoma ou não autónoma patrimonial ou não patrimonial – sem ter de cingir-se e resignar-se à execução por equivalente.
Esta a origem e a razão de ser da sanção pecuniária compulsória, que o legislador verteu no n.°1 do art. 829°-A, ao fazer da infungibilidade da obrigação o correlato da sua aplicabilidade.
Isto é, o legislador preocupou-se com a realização das prestações insusceptíveis de execução específica, consagrando um meio de pressionar o devedor ao cumprimento, apenas, dessas obrigações.
Logo, onde o credor disponha de execução sub-rogatória não há lugar à aplicação da sanção pecuniária compulsória.” – Calvão da Silva, obra citada, pág. 451.

A sanção pecuniária compulsória, baseada nas astreintes do direito francês, visa, proteger o credor, contra os atrasos do devedor no cumprimento da prestação em que foi sentenciado, no que saem, reflexamente prestigiadas a Justiça e os Tribunais, pois se o devedor estiver de boa-fé será lesto a cumprir, por sobre ele impender uma sanção suplementar e constitui, ainda, um meio de pressão para cumprir.

Como, doutamente, se escreveu no Ac. do STJ de 8.6.2004, de que foi Relator o Ex.mo Conselheiro Afonso Correia, in CJSTJ, Ano XII, Tomo II, 2004, pág. 89:

“[…] Não distingue nem discute a lei entre devedores, pessoas (colectivas) de direito público ou de direito privado – qualquer deles, nomeadamente aquelas, constituem-se em mora e devem juros moratórios, como vimos – antes faz incidir a sanção sempre que for estipulado ou judicialmente determinado qualquer pagamento em dinheiro corrente.
A ser de outra forma, como se decidiu e quer o Instituto Expropriante, instituir-se-ia clara situação de privilégio, em razão e favor da personalidade pública do devedor, privilégio injustificado e violador do princípio constitucional (art. 13º da C.R.P.) da igualdade…”.

No mesmo sentido o recente Acórdão do STJ, de 12.9.2006 de que foi Relator o Ex.mo Conselheiro Dr. Azevedo Ramos, acessível na www.dgsi.pt - Proc.06A2302 - assim sumariado:

“I - A sanção pecuniária compulsória, prevista no art. 928-A, nº4, do Código de Processo Civil, é de aplicação automática e genérica, sempre que tenha sido judicialmente ordenado qualquer pagamento em dinheiro corrente.
II - Em processo expropriativo, os juros compulsórios de 5% só se contam a partir da mora do devedor e esta só ocorre depois do trânsito em julgado da sentença que fixar o valor da indemnização aos expropriados e da expropriante ser notificada para proceder ao respectivo depósito, no prazo de 10 dias.
III - Não há que distinguir entre devedores, pessoas singulares de direito privado e pessoas colectivas de direito público.
IV - Os juros compulsórios, sendo impostos pelo legislador e devidos automaticamente, verificada que seja a situação prevista na lei, não necessitam ser pedidos na acção declarativa, para serem considerados, embora devam ser requeridos na acção executiva, se o exequente pretender que lá sejam atendidos”.

Sufragando tal entendimento, nenhuma censura há a fazer ao despacho recorrido, sendo devidos não só quanto à condenação, juros de mora, como os juros previstos de 5%, a título de sanção pecuniária compulsória – nº4 do citado art. 829º-A do Código Civil – concernentes ao período em que a recorrente incorreu em mora.

Decisão:

Nestes termos, acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se o despacho recorrido.

Sem custas, face à isenção de que goza o recorrente.

Porto, 16 de Outubro de 2006
António José Pinto da Fonseca Ramos
José Augusto Fernandes do Vale (Vencido – Nos termos sustentados no Ac. do STJ de 02.10.03 (Cons. Moitinho de Almeida) – in www.dgsi.pt, nº Conv. JSTJ000 – e, bem assim, em coerência com a posição defendida no Ac. de 03.11.03, desta Relação e de que fui relator – in www.dgsi.pt, nº Conv. JTRP00036330 – in www.dgsi.pt – entendo que, no caso debatido nos autos, não há lugar à aplicação da sanção pecuniária compulsória prevista no art. 829º-A, nº4 do CC – “Lex specialis generali derogat”.)
Rui de Sousa Pinto Ferreira (Revendo posição manifestada como Adjunto no Acórdão desta Relação de 3.11.2003 Proc. 20/98)