Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
344/09.6PBMTS-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ALVES DUARTE
Descritores: CONVERSÃO DA MULTA EM PRISÃO
NOTIFICAÇÃO DO ARGUIDO
NOTIFICAÇÃO PESSOAL
Nº do Documento: RP20111214344/09.6PBMTS-B.P1
Data do Acordão: 12/14/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: A decisão que converte a multa em prisão [art. 49.º, do CP] deve ser notificada ao arguido por contacto pessoal e não por via postal simples.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 344/09.6PBMTS-B.P1
do 4.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Matosinhos

Acordam, em conferência, na 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:

I - Relatório.
1. B… foi julgado e condenado, no processo comum com intervenção do tribunal singular em epígrafe, numa pena de 120 dias de multa, à taxa diária de € 5,50, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, tendo a sentença já transitado em julgado.

2. Não tendo o condenado pago a multa, a Mm.ª Juiz proferiu despacho em que procedeu à conversão da pena de multa em prisão subsidiária.

3. Na sequência disso, o Ministério Público promoveu a notificação do arguido, por via postal simples.

4. Foi então que a Mm.ª Juíza proferiu o despacho ora em dissídio, foi recusada essa forma de notificação.

5. Inconformado com esse despacho, dele recorreu o Ministério Público, pedindo que o mesmo seja revogado em favor de decisão que admita a comunicação do despacho que determinou a conversão da pena de multa em prisão subsidiária, por via postal simples, com prova de depósito, rematando a motivação com as seguintes conclusões:
1. No despacho recorrido, foi recusada a notificação do arguido, por via postal simples, do despacho que determinou a conversão da pena de multa em prisão subsidiária, com fundamento na extinção do TIR, e das obrigações dele recorrentes, após o trânsito em julgado da sentença, conforme prescrito pelo art.? 214, n.º1, Al. e), do Código de Processo Penal".
2. Não obstante o teor literal desta norma, "uma boa interpretação da lei não é aquela que, numa pura perspectiva hermenêutica - exegética, determina correctamente o sentido textual da norma; é antes aquela que, numa perspectiva prático - normativa, utiliza bem a norma como critério de justa decisão do problema concreto" (Castanheira Neves). Não ponderar nas consequências práticas e nos valores constitucionais é tornar a interpretação jurídica um mero jogo teórico, sem utilidade social, e uma "ordem", sem sentido de justiça material.
3. Nesta perspectiva, o art.º 214.º, n.º 1, al. e), do Código de Processo Penal deve ser objecto de interpretação restritiva, excluindo do seu âmbito o TIR. A sua ratio radica no facto de que, com a sentença condenatória, tornar-se desnecessário prevenir os perigos elencados no art.? 204° do Código de Processo Penal. Ora, esta ratio não é extensível ao TIR, uma vez que esta medida, ao contrário de todas as outras, sendo de aplicação automática e inerente à posição de arguido, não visa acautelar os perigos previstos no art.º 204.º do Código de Processo Penal.
4. O critério legal da vigência do TIR deve antes ser encontrado no art.º 57.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, uma vez que: se "a qualidade de arguido conserva-se durante todo o decurso do processo", e se o "processo" não termina enquanto não se verificar o seu fim último, o cumprimento da sentença, logo, o arguido continua a ser arguido depois de ser condenado, e, logo, não deixa de estar submetido àquilo que é inerente a essa qualidade - o TIR.
5. Esta é a solução imposta pela "normatividade jurídica vigente", até porque:
- se antes da sentença, o TIR é, do ponto de vista dos direitos do arguido, admissível, apesar de poder redundar na condenação ou sofrimento de uma pena mais gravosa, por maioria de razão deve-o ser depois do respectivo trânsito em julgado, quando se trata, como é o caso da conversão da pena de multa em prisão subsidiária, da aplicação de uma condição ope legis decorrente de um não cumprimento da pena fixada em sentença que o arguido sabe que cometeu;
- está longe de não salvaguardar os direitos de defesa e do contraditório do arguido, uma vez que o arguido sabe que prestou TIR, que pode ser notificado por via postal simples, que deve comunicar ulteriores alterações, que foi condenado e que não cumpriu a respectiva sentença;
- e opera a ponderação mais razoável (art.º 18.º, n.º 2, da CRP), entre os direitos de defesa do arguido (art.º 32.º, n.º 1, da CRP) e a existência de uma administração de justiça penal eficaz, base da existência de um Estado de Direito (art.º 2.º da CRP).
6. Outra perspectiva:
- tutela apenas a irresponsabilidade dos arguidos, na melhor das hipóteses, ou a fuga consciente à aplicação das penas a que foi condenado, na pior;
- pressupõe uma visão paternalista do arguido, como um sujeito menor, incapaz de perceber o que faz e as consequências do que decide;
- e coloca em causa a eficácia da administração da justiça penal.
7. A doutrina consagrada no AUJ 6/2010 exige, a latere, a sua aplicação à notificação do despacho que converteu a pena de multa em prisão subsidiária, não só porque a maioria dos Conselheiros partilhará a visão do Conselheiro Souto Moura aí transcrita; mas também porque, do ponto de vista do exercício dos direitos de defesa do arguido, são mais importantes as notificações no âmbito de execução da pena de prisão suspensa, do que as notificações no âmbito da execução da pena de multa.
8. Nestes termos, a decisão recorrida, não procedendo a uma interpretação restritiva do art.º 214.º, n.º 1, al. e), do Código de Processo Penal, violou o disposto nos art.os 57.º, n.º 2, 196.º, n.º 1 e 204.º do Código de Processo Penal.

6. Não foi apresentada resposta ao recurso.

7. Nesta Relação, o Exm.º Sr. Procurador-Geral Adjunto foi de parecer de que o recurso não merece provimento, abrigado essencialmente no seguinte:
a. O art.º 214.º, n.º 1, alínea e) do Código de Processo Penal implica a extinção «imediata» das medidas de coacção, «et pour cause», das injunções previstas no art.º 196.º do Código de Processo Penal, o que não pode nem deve ser contundido, com o previsto no art.º 57.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, o qual não significa que após o trânsito em julgado de sentença condenatória, a qualidade de «arguido» (e com ela o seu estatuto) se mantenha, uma vez que transitando o processo para a fase de execução do julgado, o arguido perde essa qualidade, passando tão só, á de condenado, enquanto sujeito passivo da execução penal;
b. Não estando hoje prevista a inclusão na sentença condenatória em pena de multa, da pena de prisão subsidiária, que apenas é decretada por despacho, se verificados os pressupostos previstos no art.º 49.º do Código Penal e nos termos aí contemplados, sempre se haverá que entender que o conteúdo de tal despacho se vai integrar na sentença, pelo que haverá o mesmo de ser notificado com as mesmas exigências daquela - ut Código de Processo Penal, art.º 113.º, n.º 9.

8. Foi dado cumprimento ao disposto no art.º 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, sem qualquer sequela por parte do Arguido.

9. Efectuado o exame preliminar, onde se declarou que nada obstava a que se conhecesse do recurso e colhidos os vistos, cumpre agora apreciar e decidir.
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II - Fundamentação.
1. Da decisão recorrida.
O despacho recorrido reza assim:
A promoção do Ministério Público visa aplicar às formalidades na notificação do despacho que determina o cumprimento do remanescente da pena de prisão (art.º 44.º Código Penal) a mesma tese que fez vencimento no Ac. de Fixação de Jurisprudência n.º 6/2010.
Ou seja, entendendo-se que as obrigações resultantes do TIR se mantêm para além do trânsito em julgado da sentença, pretende-se que a notificação do condenado se realize por via postal simples nos termos do disposto no art.º 111.º, n.º 1, al. c) e 196.º, n.os 2 e 3, al. c).
É certo que a situação sobre a qual versou o aludido Acórdão - notificação do despacho que procede à revogação da suspensão da pena de prisão - é semelhante à que se discute nos presentes autos - notificação de despacho que procede a conversão de pena de multa em pena de prisão subsidiária.
É também certo, tal como consta da douta promoção, que permitir a notificação por Via postal simples do despacho de revogação da suspensão da pena de prisão será mais "ofensivo" que a notificação do despacho que converte a pena de multa em prisão subsidiária. Pelo que, se quem pode o mais, pode o menos, não se anteveriam entraves à aplicação daquela jurisprudência ao presente caso, analogicamente.
Mas, não obstante as semelhanças, a verdade é que o thema decidendum no presente processo é distinto do daquele Acórdão, pelo que a decisão que resolveu o conflito de jurisprudência não é aqui aplicável com a força de jurisprudência fixada.
E ainda que o fosse, tal precedente não seria vinculativo, como decorre claramente do art.º 445.º, n.º 3, do CPP.
Ora, concedemos que a solução promovida pelo Ministério Público apresenta notórias vantagens a nível prático, promovendo a efectiva aplicação da Justiça e a afirmação do Estado de Direito. Mas reconduz-se também a uma interpretação contra legem que bule com os direitos ao contraditório e à defesa constitucionalmente consagrados no art.º 32.º, da CRP.
Na verdade, a possibilidade de subsistência do TIR para além do trânsito em julgado da sentença condenatória esbarra, inevitavelmente, com a redacção clara do art.º 214.º, n.º 1, al. e), do CPP, nos termos do qual as "medidas de coacção extinguem-se de imediato (...) com o trânsito em julgado da sentença condenatória".
Incluindo-se o TIR entre as medidas de coacção legalmente previstas, e não constando da lei qualquer ressalva à referida extinção, como sucede, com o caso da caução no n.º 4 do citado preceito, impossível se toma aderir à tese promovida.
Assim, inexistindo, porque extinto, o TIR, impossível se toma a notificação por via postal simples por aplicação conjugada dos art.os 113.º, n.º 1, al. c) e art. 196.º, n.º 3, al. c), do Código de Processo Penal.
Podemos concordar que o arguido mantenha tal qualidade depois de ter sido condenado, como bem aponta o Acórdão de Fixação de Jurisprudência e a promoção em apreço. Mas tal circunstância em nada impede a referida extinção do TIR, e das obrigações dele decorrentes, após o trânsito em julgado da sentença, imposta pelo aludido art.º 214.º, n.º 1, al. e), do CPP.
Mais se diga que no presente caso não é defensável a existência - duvidosa e contestada nos votos de vencido lavrados no Acórdão - de uma "condenação mediato" (o segmento que condena na pena de prisão principal) que por estar condicionada não transita em julgado e permite a subsistência do TIR para além do trânsito em julgado da "condenação imediata" (parte da sentença que aplica a pena substitutiva).
Aqui o que existe na sentença é uma única pena, a de prisão convertida em pena de multa, tendo-se entretanto determinado o cumprimento do remanescente de tal pena, face pagamento parcial e, reflexamente, atento o seu não cumprimento voluntário ou coercivo. Não temos, como sucedia no caso do Acórdão n.º 6/2010, uma pena de prisão principal condicionada ao não cumprimento da pena substitutiva (a suspensão). A sentença que condenou em pena de multa/prisão transita então em julgado integralmente, não havendo segmentos condicionados.
Cai assim outro dos fundamentos que foram invocados no Acórdão, e que poderiam ser aqui também e1encados.
Discordando dos fundamentos expostos na promoção e no Acórdão para a subsistência do TIR prestado pelo arguido, impossível se toma defender a sua notificação por via postal simples do despacho de fls. 118.
Pelo que se indefere o promovido.
Devem como talos autos ir com nova vista ao Digno Magistrado M.º P.º a fim de algo requerer ou sugerir em conformidade quanto a eventuais diligências tendentes a obter a notificação pessoal do arguido/condenado que não o resultante da promoção ora indeferida.
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2. Poderes de cognição desta Relação e objecto do recurso.
2.1. A abrir diremos que o âmbito do recurso é definido pelas conclusões formuladas pelo recorrente que culminam as suas motivações e é por elas delimitado.[1] Mas porque as conclusões são um resumo das motivações,[2] não pode conhecer-se de questões constantes daquelas que não tenham sido explanadas nestas. Às quais acrescem as questões que são de conhecimento oficioso desta Relação enquanto Tribunal de recurso, embora, importa desde já dizer, nenhuma dessas questões aqui se vislumbra. Daí que a única questão a apreciar neste recurso seja a seguinte:

Como deve ser notificado ao arguido o despacho que converteu em prisão subsidiária a pena de multa em que fora condenado por sentença transitada em julgado e que a não pagou?
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2.2. Vejamos então a questão atrás enunciada.
Começaremos por dizer, com o Exm.º Sr. Procurador-Geral Adjunto, que esta é uma questão controvertida na nossa jurisprudência. Ou para melhor dizer, foi-o em tempos, pois que uma das teses em presença vem perdendo significativo lastro. Sendo ela, precisamente, a que vem subscrita pelo Ministério Público recorrente.
Diremos, de passo, que seguimos a tese da decisão recorrida e que, como vimos, também é a do Exm.º Sr. Procurador-Geral Adjunto junto desta Relação do Porto, não por ser a maioritária[3] mas, outrossim, por ser aquela que cabe na letra e no espírito da lei.
Olhando às conclusões do recurso, diremos que não poderemos acompanhar o Ministério Público recorrente quando releva para o caso a circunstância do termo de identidade e residência, sendo de aplicação automática, ao contrário das demais,[4] não visa acautelar os perigos previstos no art.º 204.º do Código de Processo Penal. É que se isso é verdade e se não contesta, também é seguro que as medidas de coacção se extinguem de imediato,[5] inter alia, com o trânsito em julgado da sentença condenatória. O que significa que essa extinção, sendo imediata é também automática.[6] E note-se que a lei, não ignorando, naturalmente, que estabelecera medidas de coação de diversa operacionalidade, sendo uma (e a primeira de todas) de aplicação automática[7] ou ope legis e todas as demais ope iudicis, importando uma avaliação pelo juiz de determinada situação de facto, significativamente para todas elas estabeleceu, irrestritamente, a sua inapelável extinção com o trânsito em julgado da sentença condenatória. Ora, como é consabido, ubi lex non distinguit, nec nos distinguere debemus.

Também não nos parece que valha de muito o argumento do Ministério Público recorrente segundo o qual se o estatuto de Arguido se mantém ao longo de todo o processo e, portanto, até mesmo durante a execução da pena, seja ela qual for, o termo de identidade e residência deve acompanhar esse percurso. E assim pensamos, não só porque tal entendimento esbarra nos termos frios da lei,[8] como o mesmo poderia levar a uma leitura absurda das normas. Quer dizer, sendo que só vamos admitir a tese por necessidade de raciocínio, se por um lado a lei determina que o estatuto de arguido se mantém durante o decurso do processo e se daí se colhe que o termo de identidade e residência só terminaria com a extinção daquele estatuto, porque razão então o mesmo não aconteceria com as demais medidas de coação que não aquela. Que assim seria para garantir a compatibilidade com a fase executiva do processo não poderia ser, pelo menos para todos os casos.[9] E então, admitida esta possibilidade, era todo o regime legal de extinção das medidas de coação decorrente do trânsito em julgado de sentença condenatória que ficaria em causa.

Também não se alcança grande utilidade a tese do recurso traduzida na pretensão de que se antes da sentença, o TIR é, do ponto de vista dos direitos do arguido, admissível, apesar de poder redundar na condenação ou sofrimento de uma pena mais gravosa, por maioria de razão deve-o ser depois do respectivo trânsito em julgado, quando se trata, como é o caso da conversão da pena de multa em prisão subsidiária, isto porque a mesma prova demais. É que ela tanto vale para o caso do termo de identidade e residência como para a generalidade das outras medidas de coação, pelo que voltaríamos sem saber onde estava a regra e a excepção. E o que aqui se disse também vale, mutatis, mutandis, para a circunstância alegada pelo Ministério Público recorrente de que tal salvaguardaria os seus direitos de defesa e do contraditório.[10]

Também não poderemos aceitar que, sendo embora verdadeira a tese do Ministério Público recorrente que a ser como pretende, tornaria a administração de justiça penal [mais] eficaz, a mesma não contende com direitos fundamentais do arguido. É que, sem a garantia da sua notificação pessoal, como garantir, por exemplo, que ele poderia evitar a execução da pena de prisão subsidiária pagando a multa em que originariamente fora condenado[11] ou requerer a sua suspensão dentro do quadro legalmente estabelecido,[12] é o que se poderia perguntar, sobretudo num quadro legal em que não só inexiste lei expressa determinando a manutenção do termo de identidade e residência para além do trânsito em julgado da sentença condenatória, como, pelo contrário, existe uma norma explícita em sentido contrário.

Acresce ainda que, como refere o Exm.º Sr. Procurador-Geral Adjunto no seu douto parecer, a lei[13] já não contempla a inclusão na sentença condenatória em pena de multa da prisão subsidiária, ao contrário do que acontecia na correspondente norma da versão originária do Código Penal.[14] Pelo que, como também ali lembrou, o despacho que a fixar deve seguir o mesmo regime de notificação da sentença,[15] pois que nada justificaria menor formalismo para uma pena naturalmente mais grave que a inicialmente fixada. Sendo que, como se refere no despacho sindicado e reafirma o Exm.º Sr. Procurador-Geral Adjunto, sendo diverso deste o thema decidendum no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de fixação de jurisprudência n.º 6/2010, de 15-04-2010, publicado no Diário da Republica - 1.ª Série, n.º 99, de 21.05.2010,[16] não tem aqui aplicação, cuja constitucionalidade, de resto, não é totalmente pacífica.[17]

Não deixa também de interessar referir a circunstância de que a efectiva notificação ao arguido do despacho de conversão da multa não paga em prisão subsidiária[18] é a única forma de lhe garantir «o respeito pelo direito ao recurso constitucionalmente garantido no n.º 1 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, e a consequente possibilidade de interposição (…)de recurso de decisões penais desfavoráveis tem de ser uma possibilidade real e efectiva e não meramente fictícia, como sucederia no presente caso se se atribuísse relevância a uma notificação por via postal simples que manifestamente não garante, com o mínimo de certeza, a cognoscibilidade da decisão.»[19]

Por outro lado, é bom não esquecer que, como decidiu a Relação de Coimbra, «o juiz, antes de converter a multa não paga em prisão subsidiária, deve ouvir o arguido,»[20] sendo certo que tal procedimento «reforça o entendimento que se impõe uma notificação pessoal do despacho que converte a pena de multa em prisão subsidiária.»[21]

O que já não nos parece tão defensável, se nos é permitido dizer assim, é a tese trazida ao recurso pelo Exm.º Sr. Procurador-Geral Adjunto segundo a qual o estatuto do arguido é substituído pela do condenado na fase executiva da pena, pois que se é manifesto que a qualidade de arguido se não mantém inalterada durante todo o processo,[22] tal não significa que necessariamente que assim seja. Aliás, alguns dos direitos que o compõem manifestamente que se mantêm.[23] E de resto a lei tanto designa como condenado,[24] preso,[25] agente[26] ou recluso[27] aquele a quem foi imposta e cumpre pena de prisão, o que contribui para o carácter neutral daquele primeiro conceito face ao de arguido. Pelo que, para nós, condenado é o arguido a quem foi imposta uma pena.
Resta agora decidir em conformidade com o atrás referido.
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III - Decisão.
Termos em que se nega provimento ao recurso e, em consequência, se confirma o douto despacho recorrido.
Sem custas (art.os 522.º, n.º 1 do Código de Processo Penal).
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Porto, 14-12-2011.
António José Alves Duarte
Lígia Ferreira Sarmento Figueiredo
__________________
[1] Art.º 412.º, n.º 1 do Código de Processo Penal.
[2] Idem. Na linha, aliás, do que desde há muito ensinou o Prof. Alberto dos Reis, no Código de Processo Civil, Anotado, volume V, reimpressão, Coimbra, 1984, página 359: «Para serem legítimas e razoáveis, as conclusões devem emergir logicamente do arrazoado feito na alegação. As conclusões são as proposições sintéticas que emanam naturalmente do que se expôs e considerou ao longo da alegação.»
[3] Só para referir os mais recentes, vd. os Acórdãos da Relação de Lisboa, de 15-09-2011, no processo n.º 518/09.0PGLRS.L1-9; da Relação de Coimbra, de 29-06-2011, processo n.º 87/06.2SBGVA.C1 e 06-07-2011, processo n.º 17/06.1GBTNV.C1; e da Relação do Porto, de 20-04-2009, processo n.º 732/06.0PBVLG-A.P1, de 19-01-2011, processo n.º 662/05.2GNPRT-A.P1, de 23-02-2011, processo n.º 18/08.5PHMTS-B.P1, 09-11-2011, processo n.º 630/06.7PCMTS-A.P1, de 30-03-2011, processo n.º 140/06.2GNPRT-B.P1, de 20-04-2009 e o processo n.º 732/06.0PBVLG-A.P1, de 29-06-2011, todos eles publicitados em www.dgsi.pt.
[4] O que até aqui é verdade, como resulta do art.º 196.º, n.º 1 do Código de Processo Penal.
[5] Art.º 214.º, n.º 1, alínea e) do Código de Processo Penal.
[6] Neste sentido, vd. O Prof. Pinto de Albuquerque, no Comentário do Código de Processo Penal, 3.ª edição, página 592.
[7] Precisamente o termo de identidade e residência.
[8] O art.º 57.º, n.º 2 estabelece efectivamente que «a qualidade de arguido conserva-se durante todo o decurso do processo»; porém, o art.º 214.º, n.º 1, alínea e) também é explícito em afirmar que «as medidas de coacção extinguem-se de imediato (…) com o trânsito em julgado da sentença condenatória.»
[9] Seria o caso da prisão preventiva, por exemplo, se a condenação fosse em prisão efectiva; mas já não na apresentação periódica a uma autoridade nos casos em que fosse condenado em prisão por dias livres ou em trabalho a favor da comunidade.
[10] Curiosamente, o Exm.º Sr. Procurador Adjunto não diz que salvaguarda mas sim que está longe de não salvaguardar, o que será freudianamente significativo.
[11] Em conformidade com o disposto no art.º 49.º, n.º 2 do Código Penal.
[12] Cfr. art.º 49.º, n.º 3 do Código Penal.
[13] Art.º 47.º do Código Penal.
[14] Cfr o seu art.º 46.º, n.º 3, onde se estipulava que, quando o tribunal aplicasse pena de multa, seria sempre fixada a prisão alternativa.
[15] E esse é o da notificação pessoal, como se vê do art.º 113.º, n.º 9 do Código de Processo Penal
[16], Cujo objecto consistia no seguinte: a obrigatoriedade da notificação do despacho de revogação da suspensão da pena de prisão ser efectuada ao defensor do condenado e a este, podendo a mesma, quanto ao condenado, assumir tanto a via de «contacto pessoal» como a «via postal registada, por meio de carta ou aviso registados» ou, mesmo, a «via postal simples, por meio de carta ou aviso», (artigo 113.º, n.º 1, alíneas a), b), c) e d), do Código de Processo Penal).
[17] Cfr. O Acórdão da Relação do Porto, de 23-02-2011, processo n.º 18/08.5PHMTS-B.P1, em www.dgsi.pt.
[18] Isto é, a sua notificação pessoal.
[19] Neste sentido se pronunciou o Acórdão da Relação do Porto, de 19-01-2011, processo n.º 662/05.2GNPRT-A.P1, publicado em www.dgsi.pt e a variada jurisprudência aí citada sobre esta questão.
[20] Acórdão da Relação de Coimbra, de 12-4-2011, processo n.º 548/07.6TAAND-B.C1, publicado em www.dgsi.pt.
[21] Acórdão da Relação de Coimbra, de 06-07-2011, processo n.º 17/06.1GBTNV.C1, em www.dgsi.pt.
[22] Por exemplo, definitivamente condenado, o arguido deixa de se presumir inocente, ao contrário do que até aí acontecia por força do n.º 2 do art.º 32.º da Constituição. Lembrando que assim é, cfr. Código de Processo Penal, Comentários e Notas Práticas, dos Magistrados do Ministério Público do Distrito Judicial do Porto, página 128.
[23] Por exemplo, o direito do arguido / condenado em prisão a ser assistido por advogado e a recorrer da não concessão da liberdade condicional, em consonância com os art.os 61.º, n.º 1, alíneas e) e i) do Código de Processo Penal e 186.º, n.º 1 do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade.
[24] Art.º 478.º do Código de Processo Penal.
[25] Art.º 480.º, n.os 1 e 3 do Código de Processo Penal.
[26] Art.º 2.º, n.º 1 do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade.
[27] Art.º 3.º, n.º 2 do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade.