Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0537137
Nº Convencional: JTRP00038775
Relator: AMARAL FERREIRA
Descritores: EXECUÇÃO
INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
CUSTAS
Nº do Documento: RP200602020537137
Data do Acordão: 02/02/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Área Temática: .
Sumário: I - Não existindo mais bens para poderem ser executados, para além dos que o foram, a instância deverá ser julgada extinta porque se tornou impossível a obtenção de mais bens para cobrança do crédito.
II - E esta situação ocorre não por causa da exequente mas porque o executado não tem mais bens, donde que a causa de extinção da execução seja deste e não daquela, devendo, consequentemente, as custas da execução ser suportadas pelo executado, ocorrendo aqui um facto que lhe deve ser imputado – artigo 447º do CPC.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I – RELATÓRIO.

1. B.......... instaurou, no .º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca Matosinhos, em 15/01/98, acção executiva para pagamento de quantia certa, sob a forma ordinária, contra C.........., visando obter o pagamento da quantia de Esc. 674.215$00, titulada por dois cheques emitidos pelo executado sobre a agência do D.......... de .........., datados de 13/06/97 e de 27/07/97, nos montantes de 281.610$00 e de 392.605$00, e devolvidos por falta de provisão, acrescida de juros à taxa de 15%, desde as datas de emissão dos cheques até efectivo e integral pagamento, contabilizando os vencidos à data da instauração da execução em Esc. 52.471$00.

2. Citado o executado não só não deduziu oposição como não nomeou bens à penhora.

3. Devolvido que lhe foi o direito de nomeação de bens à penhora, por notificação efectuada por carta registada de 20/03/98, a exequente requereu várias diligências com vista à penhora de bens do executado, todas elas tendo resultado infrutíferas, exceptuando a penhora de bens móveis efectuada em 19/05/98, que foram vendidos por Esc. 115.000$00.
As diligências que requereu, para penhora ou para averiguação da existência de bens do executado, foram as seguintes:
- Nomeação à penhora de saldos bancários do executado (requerimento de fls. 15 e segs., entrado em juízo em 3/04/98);
- Notificação do executado para informar sobre a existência de bens de que fosse proprietário (requerimento de fls. 50 e segs., de 20/10/98);
- Nomeação à penhora de saldos bancários e bens móveis (requerimento de fls. 121 e segs., datado de 15/03/2000);
- Nova notificação do executado para informar sobre bens de que fosse titular (requerimento de fls. 147, datado de 16/05/2000);
- Notificação dos pais do executado para informarem sobre a residência do filho (requerimentos de fls. 155 e 156, datado de 14/06/2000, de fls. 160 e 161, datado de 22/09/2000);
- Ofícios à Segurança Social, Direcção Geral de Contribuições e Impostos e Repartição de Finanças, no período compreendido entre 20/11/2000 e 15 de Julho de 2004 – cfr. fls.168 e segs.;
- Nomeação à penhora de bens móveis numa outra morada do executado (requerimento de fls. 238 e 239, datado de 6/10/03);
- Notificação do pai do executado para informar se o filho dispunha de bens e/ou rendimentos susceptíveis de penhora e bem assim identificar uma oficina que seria do executado (requerimentos de fls. 244 e segs. e de 270 e segs., datados de 22/03 e de 20/10/2004).

4. A exequente, por requerimento de fls. 277 e 278, datado de 23/02/2005, face à frustração das diligências para penhora e afirmando não vislumbrar a existência de outras, requereu a remessa dos autos à conta e que a execução fosse julgada extinta por inutilidade superveniente da lide.

5. Sobre esse requerimento incidiu o despacho de fls. 282, cujo teor é o seguinte:
“Fls. 277 e segs.:
À conta, conforme requerido, mas com custas a cargo da exequente.”.

6. Inconformada, desse despacho agravou a exequente que, oferecendo alegações, nelas formulou as seguintes conclusões:
1ª: Tendo-se constatado no desenvolvimento do processo executivo que o executado não dispunha de bens susceptíveis de penhora, a agravante pediu que se declarasse extinta a lide por inutilidade superveniente da mesma, por causa imputável ao executado.
2ª: Apreciado o requerimento, foi o mesmo deferido mas com custas da exequente/agravante.
3ª: Tendo a exequente efectuado as diligências requeridas no processo para identificar e localizar bens susceptíveis de penhora, confrontada com a impossibilidade, por não existirem bens a penhorar, dentro do princípio do disposto no consignado no artº 264º, nº 1, do Cód. Processo Civil, pode-se pedir que se extinga a instância desde logo, sem ter de se aguardar pelo decurso do prazo previsto no artº 51º, nº 2, al. b) do Cod. Custas Judiciais.
4ª: No caso sob apreciação a questão que se impõe decidir é apenas a responsabilidade pelo pagamento das custas, uma vez que, a execução já não tem interesse para a exequente;
5ª: Neste sentido, entende a agravante que, além da remessa dos autos à conta e a declaração da extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, devem as custas ser suportadas pelo executado, em conformidade com o disposto no artº 447º do Cód. Processo Civil.
6ª: Assim, a decisão recorrida viola o disposto nos artºs 9º, 47º e 51º do Cód. Custas Judiciais e 264º do Cód. Processo Civil e contraria a Jurisprudência dos Acs. do STJ de 10.07.1997, TRP 00037134, de 15.07.2004, e 0121292, de 11.12.2001.
Termina pela revogação do despacho que lhe imputa as custas e pela sua substituição por outro que impute as custas ao executado.

7. Não foram apresentadas contra-alegações e foi proferido despacho de sustentação.

8. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO.

1. Os factos a considerar, com relevância para o conhecimento do agravo, são os supra referidos no relatório.

2. Sendo pelas conclusões que se determina o objecto do recurso, não podendo o Tribunal apreciar e conhecer de matérias que nelas se não encontrem incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso – artºs 684º, nº 3, e 690º, nºs 1 e 3, do CPCivil –, apreciemos de mérito, constituindo a única questão a resolver a de saber de quem é a responsabilidade pelo pagamento das custas requerendo o exequente a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, por não ter conseguido identificar bens penhoráveis do executado.

Como se refere no Ac. deste Tribunal de 27/06/2005, Proc. 0552766, www.dgsi.pt., a solução passa por averiguar se no âmbito do processo executivo é admissível a extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade da lide, porquanto foi com esse fundamento que a exequente requereu a remessa dos autos à conta, requerimento sobre o qual o Tribunal recorrido se pronunciou ordenando a remessa dos autos à conta, mas com custas a cargo da exequente.
Nesse mesmo aresto (no mesmo sentido se havendo também já pronunciado os acórdãos deste Tribunal de 15/07/2004 e 15/11/2004, Procºs 0433979 e 0455216, respectivamente, em www.dgsi.pt.), com cuja fundamentação se concorda, louvando-se em vária doutrina e jurisprudência, concluiu-se pela admissibilidade de a instância executiva ser declarada extinta por inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide nos termos previstos no artº 287º, al. e) do CPCivil, com fundamento na parte final do nº 1 do artº 919º do CPCivil, que dispõe que “A execução extingue-se… ainda quando ocorra outra causa da extinção da instância executiva”.

Assente a admissibilidade legal de extinção da instância executiva por inutilidade/impossibilidade superveniente da lide, importa então saber a quem devem ser imputadas as custas (se ao exequente, se ao executado).
Estipula o artº 447 do CPCivil que
«Quando a instância se extinguir por impossibilidade ou inutilidade da lide, as custas ficam a cargo do autor, salvo se a impossibilidade ou inutilidade resultar de facto imputável ao réu, que neste caso as pagará».

“No caso dos autos, dúvidas não restam de que foi o executado que deu causa à execução, na medida em que não procedeu ao pagamento da quantia exequenda, sendo-lhe igualmente imputável a inutilidade superveniente da lide por inexistência de bens penhoráveis, já que, no mínimo, não angariou os meios necessários à satisfação do crédito exequendo, honrando a dívida assumida, como lhe era manifestamente exigível” – citado acórdão deste Tribunal de 27/06/2005.
Como nele se argumenta, a entender-se de outro modo, estaríamos caídos numa situação de manifesta desproporcionalidade, já que confrontado com a impossibilidade fáctica de obter a cobrança do crédito exequendo, o credor havia de arcar injustificadamente com os custos processuais resultantes da conduta de devedores relapsos, sendo certo que não é exigível que o credor, portador de título executivo bastante, tenha que desenvolver uma actividade particular no sentido de obter uma informação sobre a existência de património do devedor, quando é certo que só o poder público poderá dispor de meios coercivos bastantes e adequados a obter todas as informações pertinentes à averiguação da existência de tal património.

Ou, como se lê no citado Ac. de 15/11/2004, “A entender-se doutro modo, estaríamos a punir o exequente por uma razão totalmente desculpável e unicamente atribuída ao executado, dado que, quando se instaura uma execução e não se consegue cobrar o seu crédito, quem lhe dá causa é o devedor/executado e não o credor/exequente”.

Ora, no caso, a instância executiva tornou-se inútil, apesar de todos os esforços da exequente para tentar obter bens do executado passíveis de penhora, como resulta do item 5. do presente relatório, uma vez que a sua principal função consistia na cobrança do crédito exequendo.
Não existindo mais bens para poderem ser executados, para além dos que o foram, a instância deverá ser julgada extinta porque se tornou impossível a obtenção de mais bens para cobrança do crédito.
E esta situação ocorre não por causa da exequente mas porque o executado não tem mais bens, donde que a causa de extinção da execução seja deste e não daquela, devendo, consequentemente, as custas da execução ser suportadas pelo executado, ocorrendo aqui um facto que lhe deve ser imputado – artigo 447º do CPC.

Assim, o despacho deverá ser revogado e substituído por outro em que se julgue a instância extinta por inutilidade superveniente da lide, com custas pelo executado – parte final do n.º 1 do art. 919 e al. e) do art. 287º, ambos do CPC - e tendo como valor da execução o valor dos bens penhorados – art. 9º n.º 1 do CCJ.

III. DECISÃO.
Pelo exposto, acordam os juízes que constituem esta Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto, em conceder provimento ao agravo, revogando-se a decisão recorrida que deve ser substituída por outra nos termos referidos.
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Sem custas.
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Porto, 2 de Fevereiro de 2006
António do Amaral Ferreira
Deolinda Maria Fazendas Borges Varão
Ana Paula Fonseca Lobo