Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0635459
Nº Convencional: JTRP00039743
Relator: SALEIRO DE ABREU
Descritores: ALUGUER DE LONGA DURAÇÃO
RESOLUÇÃO
Nº do Documento: RP200611160635459
Data do Acordão: 11/16/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: REVOGADA A SENTENÇA.
Indicações Eventuais: LIVRO 692 - FLS 188.
Área Temática: .
Sumário: A resolução de contratos de aluguer de longa duração pode ser feita extrajudicialmente, por simples comunicação ao locatário relapso, nos termos do art. 436º do CCivil.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I.
“B………., SA”, intentou a presente acção declarativa, sob a forma ordinária, contra C………., alegando, em síntese, que:
- Em 14.02.2003, celebrou com o Réu um contrato de aluguer de veículo automóvel sem condutor, vulgarmente designado Aluguer de Longa Duração, veículo aquele de matrícula ..-..-UP;
- O Réu obrigou-se ao pagamento, durante 61 meses, de 61 alugueres, sendo o primeiro de € 3.014,31, os subsequentes 59 de € 398,00 e o último de € 6.028,54; porém,
- Não procedeu ao pagamento dos alugueres que se venceram desde Agosto até Dezembro de 2004;
- Face ao incumprimento do contrato, e após interpelação feita ao R., a A. procedeu à sua resolução, por carta de 17.03.2005
- Ao tempo da resolução encontrava-se em dívida a quantia de € 1.957,85, correspondente aos alugueres de Novembro (parcialmente) e Dezembro de 2004, e Janeiro a Março de 2005;
- O veículo ainda não foi recuperado.
Concluiu pedindo:
a) que seja declarada a resolução do contrato celebrado com o Réu, por culpa exclusiva deste, com efeitos a partir de 17/03/2005; e que o réu seja condenado a
b) restituir o veículo;
c) pagar à A. a quantia de 2.111,200, correspondente aos alugueres vencidos e não pagos e respectivos juros, acrescida de juros de mora vincendos à taxa contratual fixada (APB), acrescida de 4%, sobre o montante de € 1.957,85, desde a data da propositura da acção até efectivo e integral pagamento;
d) pagar à A. a quantia que se vier a calcular em execução de sentença, correspondente à mora na restituição do veículo, nos termos previstos na cláusula 18ª do contrato;
e) pagar à A. a quantia de 4.827,09E, a título de indemnização compensatória pelos prejuízos resultantes da resolução contratual, prevista na alínea c) da cláusula 17ª do contrato.

Regularmente citado, o Réu não contestou.

Cumprido o disposto no artigo 484° do Código de Processo Civil, foi proferida sentença em que se declarou resolvido o contrato de aluguer celebrado entre as partes, com efeitos a partir da data da sentença, e se condenou o Réu a pagar à Autora a quantia de € 4.234,59, acrescida de juros de mora, à taxa legal prevista na Portaria nº 597/2005, de 19/07, desde a citação e até integral pagamento; bem como do montante mensal de € 398, até efectiva entrega do locado.

Inconformada, a Autora interpôs o presente recurso de apelação, tendo na alegação e nas respectivas conclusões defendido a validade da resolução extrajudicial do contrato com efeitos a partir de 17.3.2005, e demais cláusulas nele insertas, maxime quanto a juros de mora, quanto à indemnização compensatória pelos prejuízos decorrentes de uma tal resolução (cláusula 17ª das condições gerais) e à indemnização pela mora na restituição do veículo locado, nos termos previstos na cláusula 18ª.
Pede que se julgue a acção totalmente procedente.
Não foram apresentadas contra-alegações.

Corridos os vistos, cumpre decidir.

II.
Mostra-se provada a seguinte factualidade:
a) A Autora exerce a actividade de aluguer de veículos, com ou sem condutor.
b) No exercício da sua actividade, a Autora celebrou com o Réu, em 14/02/2003, o contrato de aluguer de veículo sem condutor constante do doc. junto a fIs. 10, e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, tendo por objecto um veículo de marca "MERCEDES BENZ", com a matrícula ..-..-UP, pelo prazo de 61 meses, contra o pagamento de 61 alugueres mensais, no valor de 3.014,31 € o primeiro, de 398 € os 59 seguintes e de 6.028,54 € o último.
c) A viatura em causa foi entregue ao Réu no dia 14/02/2003.
d) O R. não pagou a quantia de € 1.957,85, correspondente aos alugueres de Novembro (parcialmente) e Dezembro de 2004, e Janeiro a Março de 2005;
e) A Autora interpelou o Réu, por carta registada com aviso de recepção datada de 21/12/2004, (doc. de fls. 13 dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido), para proceder ao pagamento dos alugueres vencidos e juros de mora, no prazo de 10 dias, sob pena de "(...) considerarmos resolvido o contrato em apreço (...)".
f) A Autora, através de carta registada com aviso de recepção datada de 17/03/2005, (doc. de fls. 14 dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido), comunicou ao Réu que "(...) consideramos resolvido o contrato (...)".
g) O Réu não pagou qualquer quantia à Autora nem procedeu à devolução do veículo locado.

III.
Entendeu-se na sentença recorrida que a resolução do contrato celebrado entre as partes só por via judicial podia ser feita, atenta a natureza imperativa da norma do art. 1047º do CC e a sua aplicação ao caso em apreço.
E daí, concluiu-se que o contrato em apreço só pode considerar-se validamente resolvido a partir da data da prolação da sentença; que é nula a cláusula 7ª do contrato que estabelece o direito a juros em caso de mora no pagamento dos alugueres, pelo que, no caso, os mesmos só são devidos desde a citação; e que são nulas as cláusulas constantes da al. c) 17ª e 18ª das condições gerais do contrato.

Vejamos:

A) Ao contrário do que se entendeu na sentença recorrida, um contrato como o ora em apreço – contrato de aluguer de veículo automóvel sem condutor, vulgarmente designado aluguer de longa duração (ALD) – pode ser resolvido extrajudicialmente.

Estamos perante um contrato de feição especial, a que são aplicáveis, para além das disposições do DL nº 354/86, de 23.10, com a alteração introduzida pelo DL nº 44/92, de 31.3, as normas gerais dos contratos de locação, as disposições gerais dos contratos e as cláusulas estabelecidas pelos contraentes que não estejam em contradição com aquelas, quando de natureza imperativa.
De acordo com o disposto no nº 4 do art. 17º do citado DL nº 354/86, “é lícito à empresa de aluguer sem condutor (...) rescindir o contrato nos termos da lei, com fundamento em incumprimento das cláusulas contratuais”.

A jurisprudência dos tribunais superiores - segundo julgamos uniformemente - vem decidindo que aquela referência aos “termos da lei” não se reporta ao art. 1047º do CC, mas antes aos arts. 432º e segs. do mesmo Código, maxime ao art. 436º.
Como contrato especial que é, não pode ser regulado nos apertados limites da locação vinculística, nomeadamente para efeitos de resolução.

Ou seja, tem vindo a ser entendido que a resolução de contratos desta natureza pode ser feita extrajudicialmente, por simples comunicação ao locatário relapso, nos termos do citado art. 436º (vd. neste sentido, entre outros, Ac. do STJ, de 16-04-2002, www.dgsi.pt, proc. 02A532; Acs. da RP, de 3-11-2005, 20-12-2005, 23-5-2005, 14-06-2004 e 04-05-2004, in www.dgsi.pt, proc. 0534720 (relatado pelo aqui adjunto Des. Gonçalo Silvano), 0521192, 0551194, 0453206 e 0421774; Acs. da RP, 8-07-2004, de 4.12.2001 e de 21.11.2002, CJ, 2004, III, 204, CJ, 2001, V, 204 e 2002, V, 180; Acs. da RL, de 27.09.2001, CJ, 2001, IV, 112, e de 14.01.99 e 29.01.98, www.dgsi.pt, proc. 0064456 e 0051212; e da RP, de 12.5.2005, proc. nº 2521/05-3ª, e de 7-10-2004, in www.dgsi.pt, proc. 0434328 (estes últimos relatados pelo também ora relator).

Pelas razões apontadas nesses arestos, que nos dispensamos de repetir, julgamos ser esse o entendimento conforme à lei e que, por isso, devemos seguir.
Ora, não tendo o Réu pago os alugueres atempadamente, assistia à Autora, ao abrigo das cláusulas do contrato, e atento o principio da liberdade contratual previsto no artº 405º do CC, o direito à resolução extrajudicial do contrato em causa.
Será ainda de notar que a Autora procedeu à interpelação admonitória do Réu para proceder ao pagamento dos alugueres em dívida, pagamento que ele não fez, pelo que a mora se converteu em incumprimento definitivo.
Nada a objectar, portanto, à validade da resolução do contrato, operada em 17/03/2005.

B) Quanto à questão dos juros de mora:

Na sentença, entendeu-se que a mora apenas dava lugar à indemnização estabelecida no artigo 1041º nº 1 do Código Civil (50% dos alugueres em atraso, não havendo resolução do contrato por falta desse pagamento) e não a outra, designadamente ao pagamento de juros de mora, previstos no artigo 806º do Código Civil, pelo que era nula, por violação do estatuído no citado artigo 1041º, nº 1, de natureza imperativa, a cláusula 7ª das condições gerais do contrato aqui em análise, que estabelece o direito a juros, à taxa publicitada pela Associação Portuguesa de Bancos, acrescida de quatro pontos percentuais, em caso de mora no pagamento de quaisquer quantias devidas por força do contrato.
Julgamos que não se decidiu com acerto.
Com efeito, ao caso não é aplicável o art. 1041º do CC.
De todo o modo, sempre se dirá que o nº 1 do art. 1041º não obsta a que sejam devidos juros de mora sobre as rendas ou alugueres em atraso no caso de, com este fundamento, ser resolvido o contrato. Tal preceito apenas obsta a que seja exigível indemnização específica (de 50% do montante em dívida) quando o contrato for resolvido com base na falta de pagamento das rendas ou alugueres (vd. Ac. da RL, de 3.3.1972, BMJ, 215º-280).
Ou seja, quando o contrato de locação é resolvido por falta de pagamento das rendas ou alugueres, o locador não poderá exigir a indemnização específica (indemnização a que tem direito no caso de não optar pela resolução), mas poderá exigir juros de mora. Não admitir esta possibilidade redundaria, aliás, num manifesto, e injustificado, benefício para o locatário relapso. Quanto mais tarde pagasse, maior era o seu proveito: pagaria a renda ou aluguer sempre em singelo, sem juros!
No sentido de que são devidos juros de mora, em caso de resolução, pronunciou-se também o Ac. da RP, de 4.12.2001, CJ, 2001, V, 204, concretamente a pág. 208.
Conclui-se, assim, que, no caso presente, são devidos juros de mora a incidir sobre os alugueres em dívida.

Nos termos do art. 805º, nº 2, al. a) do CC, existe mora, independentemente de interpelação, quando a obrigação tiver prazo certo. É o que sucede, no caso em apreço, em relação a cada um dos alugueres vencidos desde Novembro de 2004.

De acordo com o disposto no nº 2 do art. 806º do CC, “os juros devidos são os juros legais, salvo se (...) as partes houverem estipulado um juro moratório diferente do legal”.
Ora, no caso sub judice, as partes acordaram (cláusula 7ª do contrato) que, em caso de não pagamento pontual de quaisquer quantias devidas por força do contrato, seriam devidos “juros de mora à taxa publicada pela Associação Portuguesa de Bancos acrescida de quatro pontos percentuais”.
Uma tal cláusula é válida, atento o princípio da liberdade contratual consignado no art. 405º do CC, pelo que é essa a taxa aplicável.

C) Pediu a Autora a condenação do R. no pagamento da quantia que se vier a calcular em execução de sentença, correspondente à mora na restituição do veículo, nos termos previstos na cláusula 18ª do contrato.
De acordo com essa cláusula, “se, cessando o aluguer, por decurso do prazo, denúncia ou resolução, o locatário não devolver atempadamente o veículo, a B……, SA terá direito, a título de cláusula penal por esta mora na devolução, a receber uma quantia igual ao dobro daquela a que teria direito se o aluguer permanecesse em vigor e por um lapso de tempo igual ao da mora (...)”.
É uma cláusula perfeitamente válida, estabelecida dentro do princípio da liberdade contratual, e perfeitamente compreensível, até para prevenir o desgaste do veículo e eventual desleixo do locatário. De resto, não é mais que uma indemnização idêntica à que se mostra estabelecida no art. 1045º, nº 2, do Código Civil.
Neste caso, a cláusula teve em vista sancionar o atraso derivado da mora na devolução do veículo após a resolução, o que no caso também ocorreu.
Também aqui assiste, por isso, razão à apelante (no mesmo sentido, vd. o supra citado Ac. da RP, de 23.5.2005, www.dgsi.pt, proc. 0551194).

D) A Autora peticionou ainda a condenação do R. pagar-lhe a quantia de 4.827,09E, a título de indemnização compensatória pelos prejuízos resultantes da resolução contratual, prevista na alínea c) da cláusula 17ª do contrato.

Nos termos dessa cláusula, “como consequência da resolução do contrato, a B………., SA terá o direito de (...) ser indemnizada pelos prejuízos resultantes da resolução do contrato, indemnização essa que, a título de cláusula penal se fixa em 25% da soma dos alugueres vincendos à data da declaração da resolução, sem prejuízo da B.........., SA fazer seu o montante entregue a título de caução”.

Tal cláusula é, quanto a nós, inteiramente válida, face ao consignado nos arts. 405º e 810º do CC, como também já se decidiu no Ac. desta Relação, de 8.7.2004 (CJ, 2004, III, 204).
Mesmo em caso de resolução, assiste ao credor o direito à indemnização (art 801º, nº 2 do CC).
Existiu incumprimento por parte do R. (que não pagou os alugueres), pelo que, segundo a doutrina e jurisprudência correntes, o credor pode obter a resolução do contrato (cuja eficácia retroactiva lhe permite liberar-se da sua obrigação), acrescida de uma indemnização para o ressarcir do prejuízo que não sofreria se o contrato não tivesse sido celebrado (interesse contratual negativo ou de confiança) e que pode compreender tanto o dano emergente como o lucro cessante (vd. A. Varela, Das Obrigações em geral, 7ª ed., vol. II, pág. 109/110; e, entre outros, Ac. da RP, 3.11.2005, já citado).

IV.
Nestes termos, na procedência da apelação, revoga-se a sentença recorrida e julga-se a acção totalmente procedente; consequentemente, declara-se válida a resolução extrajudicial efectuada pela A. e condena-se o Réu nos pedidos formulados sob as alíneas a) a d) da petição inicial.
Custas, em ambas as instâncias, pelo R.
Porto, 16 de Novembro de 2006
Estevão Vaz Saleiro de Abreu
Fernando Manuel de Oliveira Vasconcelos
Gonçalo Xavier Silvano