Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
690/05.8GBMTS-A.P1
Nº Convencional: JTRP00042266
Relator: MELO LIMA
Descritores: PRISÃO SUBSTITUIDA POR MULTA
REVOGAÇÃO DA SUBSTITUIÇÃO
PAGAMENTO DA MULTA
Nº do Documento: RP20090304690/05.8GBMTS-A.P1
Data do Acordão: 03/04/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC. PENAL.
Decisão: PROVIDO.
Indicações Eventuais: LIVRO 570 - FLS. 178.
Área Temática: .
Sumário: É possível o cumprimento da pena de multa aplicada em substituição da pena de prisão, a todo o tempo, isto é, mesmo depois de declarado o retorno à primitiva pena de prisão.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo Nº690/05.8GBMTS-A.P1
Relator: Melo Lima

Acordam em Conferência na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto.

I. Relatório
1. Por sentença de 24.04.2008, proferida no CS 690/05.8GBMTS, transitada em julgado, o Arguido B……………. foi condenado na pena de 10 meses de prisão substituída por multa, multa que não pagou no prazo legal nem para o incumprimento ofereceu justificação no processo.
Na comprovação da inexistência de bens ou rendimentos penhoráveis, foi judicialmente revogada a substituição da pena de prisão pela pena de multa e ordenado o cumprimento da pena substituída, decisão a que, no processo, o arguido não reagiu.
Preso no dia 18.12.2008, com vista ao cumprimento desta pena substituída, veio o arguido oferecer nos autos, no dia imediato, prova do pagamento da multa e requerer que, face ao pagamento, se declarasse extinta a pena ou, em alternativa, que fosse declarada suspensa a execução da pena de prisão alegando que não tinha efectuado o pagamento por falta de meios económicos.
A Exma. Juíza não atendeu nem uma nem outra das pretensões, antes ordenou a restituição da quantia depositada e, aqui, “sem prejuízo de previamente o MºPº querendo, se ressalvar das custas em dívida”.(sic)

2. Inconformado com esta decisão, dela interpôs o Arguido o presente recurso, assim concluindo a respectiva motivação:
I. Existe irregularidade substancial nos termos do artigo 123º/2 do C.P.P. na notificação ao arguido da liquidação da pena de multa e do respectivo prazo de pagamento por via postal simples quando a mesma deveria ter sido feita através de via postal registada. Pelo que,
II. Deve declarar-se in casu, a nulidade da notificação ao arguido da liquidação da pena de multa e do respectivo prazo de pagamento e, por consequência, todo o processado posterior, repetindo-se a devida notificação por carta registada, bem como ordenar-se a imediata libertação do arguido.
III. O Artigo 49º/2 é aplicável ao presente caso, podendo a pena de multa ser liquidada a todo o tempo.
IV. A aplicação da pena de prisão é uma decisão que afecta pessoalmente o arguido pelo que, não obstante a notificação pessoal do despacho que revogou a substituição da pena de prisão pela pena de multa, devia o arguido, em obediência ao princípio do contraditório e em conformidade com o artigo 61º nº1 al. b) do CPP, ter sido ouvido. Por conseguinte,
V. Revogando-se o despacho recorrido, deve ordenar-se que o Tribunal recorrido proceda à tomada de declarações ao arguido sobre a aplicação da pena de prisão em substituição da pena de multa. Sem prescindir,
VI. Na improcedência das alíneas precedentes, deve, de todo o modo, a pena de prisão ser suspensa nos termos do artigo 49º/3 do C. Penal.
3. Respondeu o Exmo. Procurador-Adjunto pugnando no sentido da improcedência do recurso.
4. Neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto entende insubsistentes os argumentos relativos quer à irregularidade da notificação da liquidação da pena de multa, quer à aplicabilidade dos artigos 49º/2 do CP e 61º/1 do CPP. Porém, no entendimento de que a razão está do lado do recorrente no que concerne à aplicabilidade da norma do artigo 49º/3 do CP [i) porque não é concludente o juízo de que se pagou agora poderia ter pago antes; ii) a apresentação das razões que justificaram o não pagamento não tem de ser feita antes de ordenada a prisão, mas sim no seguimento da prisão] pronuncia-se no sentido de que deve ser concedido provimento ao recurso, ordenando-se a produção de prova sobre as razões do não pagamento da multa.

II. Factos processualmente adquiridos

1. Pela prática de um crime de denúncia caluniosa, o arguido B……………… foi condenado, por sentença proferida no CS 690/05.8GBMTS, na pena de 10 meses de prisão substituída por igual tempo de multa, à taxa diária de €5,00, num total de €1500,00.
2. Esta sentença, lida na presença do arguido, transitou em julgado.
3. Por via postal simples, de 29.05.2008, o arguido foi notificado de que tinha o prazo de 10 dias, acrescido da dilação de 5 dias, para efectuar o pagamento das custas da sua responsabilidade, constantes da conta/liquidação de que foi junta cópia, bem como para, querendo, reclamar no mesmo prazo da conta/liquidação.
4. O Ministério Público não instaurou execução por custas e multa e promoveu, com data de 25 de Julho de 2008, a conversão da pena de multa em pena de prisão.
5. Em 8 de Setembro seguinte, a Exma. Juíza proferiu a seguinte decisão:
“Foi o arguido B…………… condenado na pena de 10 (dez) meses de prisão, substituída por igual tempo de multa à taxa diária de €5,00 perfazendo a multa um total de €1.500,00.
Transitada em julgado a sentença, o arguido não pagou a multa e nada requereu, quedando-se inerte até ao momento.
É inviável a sua execução coerciva, conforme resulta da douta promoção que antecede.
Pelo que se determina que o condenado cumpra a pena de prisão que lhe foi aplicada nos termos do disposto no artigo 44º nº2 C. Penal. Notifique. Oportunamente passe os respectivos mandados.
6. Desta decisão foram notificados, respectivamente, por via postal registada. A Defensora Oficiosa do Arguido e pessoalmente, em 27 de Outubro de 2008, o arguido.
7. Dela não foi interposto recurso.
8. O arguido foi detido a 18 de Dezembro de 2008
9. No dia imediato foi feito o pagamento da sobredita quantia de €1.500,00 e
10. Neste mesmo dia o arguido em requerimento dirigido à Exma. Juíza:
I. Solicita, num primeiro momento, se declare extinta, pelo pagamento, a pena de multa e se ordene a sua imediata libertação;
II. Sem prescindir, alega as razões que obstaram ao pagamento em tempo da multa em que tinha sido condenado e que tornaram o seu incumprimento não culposo.
III. Conclui impetrando do tribunal que julgue extinta a pena de multa pelo pagamento e revogue o mandado de detenção ou que a execução da pena de prisão seja suspensa por um período de um ano, subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta nos termos do artigo 49º nº3 CP.
IV. Indicou prova testemunhal e prova documental que protestou juntar se assim o tribunal entendesse necessário.
11. Pronunciou-se o Exmo. Procurador–Adjunto no sentido do indeferimento.
12. A Exma. Juíza conhecendo do requerimento:
I. Teve por desnecessária a produção de prova na consideração ora de que o arguido “invocava no essencial fundamentos de pendor jurídico”, ora que a demais argumentação podia ser apreciada em função do próprio processado.
II. Considerou que o arguido, transitada em julgada a sentença e liquidada a pena de multa, foi “oportuna e devidamente notificado para proceder ao seu pagamento”.
III. Pari passu, também a sua Defensora Oficiosa foi “oportuna e devidamente notificada”.
IV. Porque o arguido não se pronunciou, nada requereu, foi proferido o despacho a determinar o cumprimento da pena de prisão “por ser inviável a sua execução coerciva por outra via”
V. Também este despacho foi “regular e pessoalmente notificado… assim como o seu Defensor”, certo porém que, “até decurso do prazo do trânsito em julgado, o arguido não se pronunciou, nada requereu em conformidade e sequer interpôs qualquer recurso”.
VI. Para o requerimento apresentado após ter sido detido não invoca quaisquer motivos para “só agora o fazer”, sendo certo todavia, que a “inércia e silêncio do arguido” foram “uma clara indicação do seu desinteresse”.
VII. Como quem se confessa diz a Exma. Juíza: «Sempre nos questionamos por que motivo não veio o arguido esclarecer antes da prolação do despacho que determinou o cumprimento da pena de prisão, ou até em última instância, antes do trânsito em julgado da mesma decisão, para obstar ao cumprimento dos mandados, que afinal estava em sérias dificuldades e que pretendia mesmo assim obter dinheiro para pagar a multa – de substituição – para afastar a inevitável conclusão do não cumprimento culposo de tal pena?!”

III. Subsunção fáctico-normativa

São as seguintes as questões a conhecer:

i. A notificação da liquidação da pena de multa feita ao arguido por via postal simples constitui irregularidade substancial que afecta o valor do acto praticado?
ii. Em acto prévio à aplicação da pena de prisão, devia o arguido, em obediência ao princípio do contraditório (artigo 61º nº1 al. b) do CPP), ter sido ouvido?
iii. O pagamento da multa deve fazer cessar a execução da prisão substituída?
iv Não tendo a virtualidade de fazer cessar a excução é, ainda admissível a suspensão desta nos termos do artigo 49º/3 do Código Penal?
*
1. A primeira das enunciadas questões tem a ver com a notificação para o pagamento da multa.
Apertis verbis, dir-se-á que se assiste razão ao recorrente no fundamento da arguição, já a razão não o favorece no que concerne às consequências jurídico-processuais que da irregularidade alegada pretende extrair.
Está a razão do seu lado quando se vê do elenco dos factos acima recolhidos que o arguido foi notificado da liquidação da multa para proceder ao respectivo pagamento por via postal simples. [Supra II. 3 ([1])]
Ora o meio legalmente previsto era, antes, o da notificação por carta registada([2])
A inobservância desta formalidade consubstancia mera irregularidade que “apenas determina a invalidade do acto a que se refere e dos termos subsequentes que possa afectar (princípio da relevância material da irregularidade) quando tiver sido arguida pelos interessados no próprio acto ou, se a este não tiverem assistido, nos três dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum acto nele praticado” Artigo 123º/1 C.P.Penal.
No caso concreto, manifestamente o arguido foi notificado e foi depois notificado pessoalmente de outras decisões no processo sem reclamar da irregularidade em causa.
Uma tal renúncia à reclamação importa a sanação da irregularidade em causa.
Certo que o tribunal “pode ordenar oficiosamente a respectiva reparação no momento em que dela toma conhecimento “quando ela puder afectar o valor do acto praticado” – Artigo 123º/2 CPPenal.
Não se entende porém, que este seja o caso.
Como bem argumenta o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, a forma exigida do registo destina-se tão só a garantir que o facto objecto da notificação chegue ao conhecimento da pessoa a notificar. Sabido que a pessoa tomou conhecimento do facto, ainda que por carta simples, cumprido está o objectivo que se pretendia alcançar.

2. A segunda das questões respeita à reclamada violação do princípio do contraditório e, daí, à violação do dever de garantia do princípio da defesa que ao tribunal incumbe assegurar.
Uma vez mais se está do lado do Recorrente a razão do argumento – como está -, dela todavia, não poderá colher os efeitos sobre a instância processual que, com o presente recurso, pretende alcançar.

Assiste a razão ao Recorrente quando reclama a omissão pelo Tribunal do dever de o “ouvir” consignado no artigo 61º/1 al.b) do C.P.Penal.
Diz-se aqui: “O arguido goza, em especial, em qualquer fase do processo e salvas as excepções da lei, dos direitos de: b) ser ouvido pelo Tribunal ou pelo juiz de instrução sempre que eles devam tomar qualquer decisão que pessoalmente o afecte.”
Estando em causa, como estava, a prolação de uma decisão que tornava inexorável (no entendimento da Exma. Sra. Juíza) a reversão à pena privativa da liberdade, torna-se óbvio que estava em causa uma decisão que pessoalmente afectava o ora recorrente.
No caso concreto, tanto mais justificadamente quanto o próprio Tribunal revelava alguma angústia d’alma ao “questionar-se” a si próprio por que motivo o arguido não tinha vindo “esclarecer”. [Supra II, 12, vii]
Dizer, então, que bem podia o tribunal, de uma só penada, chamar o arguido a declarações, confrontá-lo com a situação processual em que se encontrava por via do incumprimento, “ouvir-lhe” os “esclarecimentos” que o mesmo pudesse ter a prestar, podendo, deste modo, de uma parte, o mesmo Tribunal ficar mais tranquilamente esclarecido relativamente à questão em que se debatia, e, de outra, tornar possível que uma tal intervenção constituísse um solene aviso - a interpelação admonitória, à luz da vertente juscível – quanto à gravidade das consequências do reconhecimento de um inadimplemento definitivo.
À sobreposse, uma outra razão tornava justificada a audição do arguido.
Subjacente à motivação da decisão do retorno à primitiva pena de prisão o facto de “transitada em julgado a sentença, o arguido não ter pago a multa e nada ter requerido, quedando-se inerte” [Supra II, 5]
Deste facto – rectius: do não pagamento e da inércia em nada requerer – extraiu a Exma. Juíza um juízo de culpa, na ideia de que “a inércia e silêncio do arguido” foram “uma clara indicação do seu desinteresse” [Supra II, 12, vi]
Se bem se compreende o pensamento da Exma. Juíza a reversão implicava a comprovação de um juízo de culpa no incumprimento.
Não se pode estar mais de acordo. ([3])
Porém, na respectiva concreção prática “É necessário que o Juiz reúna os elementos necessários para, em consciência, tomar uma decisão que vai afectar a liberdade do condenado, já que a prisão é um mal que deve reduzir-se ao mínimo necessário” ([4])
Ora, no caso sob apreço não sai razoável que um tal juízo de culpa se possa sustentar apenas na inércia do arguido. Até por não se saber a causa desta. ([5])

Bem podia pois o Tribunal – e devia-o, como doutamente o diz o Exmo. Procurador-Geral Adjunto a respeito da insuficiência de dados para a extraída ilação de culpa – ouvir o arguido com vista à formulação de um mais bem fundamentado juízo de culpa.

Porém, como vai referido, não obstante a razão que lhe assiste pelo que se deixa descrito, já não pode ele colher os frutos que pretende na presente instância de recurso.
Pela razão de que integrando uma tal omissão a nulidade prevista no artigo 120º/2 al. d) in fine, do C.P.Penal, visto a ulterior notificação da decisão de conversão da multa na prisão substituída e o respectivo trânsito em julgado, ficou a mesma sanada. [Artigos 120º/1 e 2 al.d), 105º/1 C.P.Penal]

3. A terceira questão diz respeito a saber se o pagamento da multa, levado a efeito após o trânsito da decisão que ordenou o cumprimento da pena de prisão substituída, tem a virtualidade de pôr termo ao cumprimento desta.

Cortando caminho, dir-se-á que sim.
Por razões que se resumem na ideia de coerência interna do sistema.
Vale dizer.

Quando o Juiz condena em pena de prisão que substitui por multa fá-lo tanto no cumprimento do imperativo legal de que “a pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano é substituída por pena de multa ou por outra não privativa da liberdade aplicável”, quanto na comprovação, no caso concreto, de que não se verifica a “necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes”. ([6])
No pensamento do legislador a ideia há muito aceite pela comunidade jurídica internacional de que, na maioria dos casos, a pena curta de prisão causa mais dano do que benefício, em vez de prevenir favorece a prática de novos delitos. Pois que, a ser concretizada: no que será insuficiente para lograr conseguir uma execução ressocializadora do condenado, sobrará, por via do contacto com agentes de crimes graves, para o introduzir definitivamente no caminho do crime ([7]) ([8])

Esta ideia de subtracção às penas de prisão continua a ser defendida cada vez mais acentuadamente pelo legislador quando nomeadamente fala no interesse da “descarcerização” ([9])
Como entender, então, que estando o legislador ciente da total inconveniência da pena curta de prisão mantenha ainda esta quando o condenado ponha finalmente termo ao incumprimento?
Deixam, então, de valer a consideração da prisão como extrema ratio quanto o argumento do risco sério de dessocializar fortemente o condenado ao pô-lo em contacto com o ambiente deletério da prisão?
Com o devido respeito entende-se que uma resposta afirmativa além da ilogicidade intrínseca que traria para o sistema representaria uma violação dos princípios com fundamento constitucional da adequação, da necessidade, da razoabilidade.
As posições que opinam no sentido diverso ao exposto arrimam-se as mais das vezes nos ensinamentos de Figueiredo Dias extraídos de um artigo publicado a propósito da solução constante do artigo 44º/2 do projecto de 1991 de Revisão do Código Penal, revisão que viria a ocorrer com a publicação do DL 48/95 de 15 de Março.
Subscreve-se por inteiro a justeza da argumentação aí expendida, nomeadamente:
«… a regulamentação contida no artigo 43º 3 conduz a resultados inadmissíveis, Se o condenado não pagar a multa e não houver lugar a execução, nem a substituição por dias de trabalho, ele vai então cumprir prisão igual a 2/3 dos dias de multa em que foi condenado (art. 46º/3)! Quer dizer: o tribunal fixou a pena de prisão, v.g em 4 meses, substituiu-a por 120 dias de multa e, como “prémio” do incumprimento culposo da pena de substituição, o condenado acaba por cumprir apenas 3 meses de prisão! Uma tal solução já nada tem a ver com a consideração da prisão como extema ratio, mas constitui um erro legislativo que acaba por pôr em causa a efectividade politico-criminal da própria pena de substituição»
«Pode então perguntar-se em que consistiria, de iure condendo, a solução mais correcta para este problema. É perfeitamente aceitável, v.g. que a multa de substituição possa ser paga em prestações ou com outras facilidades; ou que, uma vez não paga sem culpa, se apliquem medidas de diversão da prisão – valendo aqui a analogia com a multa principal. Mas já se torna inaceitável que, uma vez não paga culposamente a multa de substituição, ([10]) se não faça executar imediatamente a pena de prisão fixada na sentença. Por aparentemente contraditória que se antolhe a afirmação seguinte, é sem dúvida esta a solução mais favorável à luta contra a prisão, por ser a que oferece a consistência e a seriedade que se tornam indispensáveis à efectividade de todo o sistema das penas de substituição»
Com o devido respeito se se interpreta mal, a questão não teve a ver com um inexorável (sem retorno) cumprimento da pena primitiva de prisão mas com o inadequado sistema de pena sucedânea que, então, vigorava e acabava por premiar o inadimplente relapso.
Questão diferente é, saber, se tal como na situação de prisão em alternativa à multa é possível o cumprimento desta a todo o tempo, nomeadamente se, mesmo depois de declarado o retorno à primitiva pena de prisão é igualmente possível o pagamento da multa.
Ora, aqui, é pelas razões expostas da coerência do sistema que não se pode deixar de responder afirmativamente.

4. Visto a posição que fica assumida na questão 3, resulta desprovida de interesse a questão suscitada sob o item 4.

IV. Decisão

São termos em que, na procedência do recurso se revoga a decisão recorrida e no reconhecimento da extinção da pena de multa pelo pagamento, se ordena a imediata restituição do recorrente à liberdade.
Oportunamente, o Tribunal recorrido restituirá o valor pago de acordo com os dias cumpridos em prisão.
Sem custas.

Porto, 04.03.2009
Joaquim Maria Melo Sousa Lima
Francisco Marcolino de Jesus
_______________
[1] «Por via postal simples, de 29.05.2008, o arguido foi notificado de que tinha o prazo de 10 dias, acrescido da dilação de 5 dias, para efectuar o pagamento das custas da sua responsabilidade, constantes da conta/liquidação de que foi junta cópia, bem como para, querendo, reclamar no mesmo prazo da conta/liquidação»
[2] «Artigo 59.º [Notificação da conta aos interessados] 1 - Elaborada a conta, são os interessados e os respectivos mandatários dela notificados, no prazo de cinco dias, para efeito de reclamação, recebimento ou pagamento. 2 - A notificação, com cópia da conta, é efectuada aos mandatários e aos interessados sem mandatário constituído, por carta registada; aos demais interessados, por carta não registada.» C. Custas Judiciais
[3] Neste sentido – de que a consideração da prisão como extrema ratio e a exigência de que o recurso à pena substituída só deva ocorrer comprovada ( e não apenas presumida) a culpa - : Figueiredo Dias, A Pena de Multa de Substituição, in RLJ Ano 125º, 163-165 e 210-206
[4] Figueiredo Dias, ob. Cit.
[5] Ex.g: Se estava em coma, como poderia falar?
[6] “… aqui um critério de estrita necessidade: é necessário – e o tribunal tem de o demonstrar, sob pena de erro de direito inescapável – que só a execução da prisão permita dar resposta às exigências de prevenção”. FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime §557 – Aequitas- Editorial Notícias 1993
[7] Citando Claus Roxin:
“Ya desde los tiempos de von Liszt es algo reconocido que la pena corta de prisión (con cuyo concepto se alude aqui y en lo que sigue a las penas inferiores a seis meses) en la mayoria de los casos causa más daño que beneficio. El breve tiempo de internamiento no es suficiente para llevar a cabo una ejecución penitenciaria (re) socializadora com perspectivas de êxito; pêro es lo suficientemente largo como para que el sujeto que há tenido un primer desliz, que es castigado com suma frecuencia com una pena inferior a seis meses, se ponga definitivamente en el mal camino por el contacto com criminales responsables de delitos graves y com condenas más largas. Además, el efecto que implica el cumplimiento de la pena, de separar al sujeto de su profesión y família, que a menudo suponen el último apoyo para el mismo, tyene consecuencias nocivas en la mayoria de los casos.
……………
Por eso casi no es una exageración que se haya dicho que la pena corta de prisión favorece la comisión de nuevos delitos en vez de prevenirla”
“Por esa razón, el PA propuso por primera vez en la historia del movimiento alemán de reforma suprimir totalmente la pena de prisión inferior a seis meses como pena primaria y sustituirla por la imposición de penas sensibles de multa; para los delincuentes que no puedan o no quieran pagar, el PA preveía la possibilidad de satisfacer la pena mediante trabajo en beneficio de la comunidad (especialmente en hospitales, centros educativos, residências ancianos o instuticiones similares); solo cuando el sujeto se negara tanto al pago de la multa como a la prestación del trabajo en benefício de la comunidad, debería cumplir – pero en tal caso en cierta medida debido a su própria decisión – una “pena privativa de liberdad sustitutoria” de curta duración”.
CLAUS ROXIN, DERECHO PENAL Parte General Tomo I, Fundamentos. La Estructura de la teoria Del Delito Sec.1ª, §4, VIII, Nº30 e 31 – Editorial Civitas, S.A 1997
Com igual sentido, vide: HANS-HEINRICH JESCHECKTratado de Derecho Penal Parte General 4ªEd. Traducción de José Luís Manzanares Samaniego – Editorial Comares – Granada
[8] De igual modo Figueiredo Dias (ob.cit.):
«As penas curtas de prisão, na verdade, (i.)nem possibilitam uma actuação eficaz sobre a pessoa do delinquente no sentido da sua socialização; (ii)nem exercem uma função de segurança relevante face à comunidade. Pelo contrário, (iii)elas transportam consigo o risco sério de dessocializar fortemente o condenado, ao pô-lo em contacto, durante um período curto, com o ambiente deletério da prisão; curto, mas, em todo o caso, suficientemente longo para prejudicar seriamente a integração social do condenado, sobretudo ao nível familiar e profissional. Por sobre tudo isto, (iv) a pena curta de prisão representa para as autoridades encarregadas da execução um enormíssimo peso, que nem ao menos possui a virtualidade de ser compensado por oportunidades razoáveis de socialização»
[9] Neste sentido o Discurso do Ministro da Justiça na Assembleia da República quando da discussão da última proposta de alteração ao Código Penal.
[10] Claus Roxin, acima citado, vai ao ponto de exigir a comprovação de uma recusa expressa e inelutável do condenado inadimplente (sibi imputet): “…solo cuando el sujeto se negara tanto al pago de la multa como a la prestación del trabajo en benefício de la comunidad, debería cumplir – pero en tal caso en cierta medida debido a su própria decisión – una “pena privativa de liberdad sustitutoria” de curta duración”