Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP00043059 | ||
Relator: | MACHADO DA SILVA | ||
Descritores: | CONTRATO DE TRABALHO FALTAS INJUSTIFICADAS ABUSO DE DIREITO | ||
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Nº do Documento: | RP20091019254/07.1TTVLG.P1 | ||
Data do Acordão: | 10/19/2009 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO. | ||
Indicações Eventuais: | 4ª SECÇÃO - LIVRO 87 - FLS 259. | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | Configura uma situação de “abuso do direito” o despedimento do trabalhador com fundamento em faltas injustificadas, por ter estado preso, quando a entidade patronal permaneceu indiferente durante cerca de três anos e meio (29-9-2003 a 26-2-2007) à situação de ausência do trabalhador e só reagiu disciplinarmente quando o mesmo pretendeu voltar a trabalhar. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | -Reg. nº 1373. Proc. nº 254/07.1TTVLG. Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto: 1. B………. intentou a presente acção, com processo comum, contra a Rede Ferroviária Nacional – REFER, EP, pedindo: - se declare a ilicitude do despedimento efectuado pela Ré no dia 16 de Junho de 2007 e, consequentemente seja a ré condenada a reintegrar o Autor, se ele optar por tal reintegração, ou a pagar-lhe uma indemnização correspondente a 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade, decorrido desde a data do início do contrato até ao trânsito em julgado da decisão judicial. - o pagamento das retribuições que o Autor deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial, incluindo as correspondentes a férias e subsídios de férias e de Natal que se venham a vencer; - o pagamento da quantia de € 16.604,14, acrescida de juros de mora à taxa legal, até integral pagamento, referente às seguintes quantias: - vencimentos não pagos referentes aos meses de Fevereiro, Março e Junho de 2007, no montante de € 1.476,34; - retribuição correspondente a férias, referentes ao ano de 2001, não gozadas, bem como férias e subsídio de férias vencidas em Janeiro de 2002, no montante de € 2.435,88; - retribuição correspondente a férias e subsídio de férias proporcionais ao tempo de serviço prestado no ano de cessação, no montante de € 461,28; - subsídio de Natal proporcional ao tempo de serviço prestado no ano de cessação, no montante de € 230,64; - compensação a título de danos não patrimoniais no montante de € 12.000. Alega para tanto e em síntese que a Ré é uma empresa pública que se dedica a gestão da rede ferroviária dos caminhos-de-ferro portugueses, tendo o Autor sido admitido ao seu serviço no dia 1 de Fevereiro de 1976 para, sob a sua autoridade e direcção, mediante o pagamento da retribuição mensal legal, desempenhar a actividade profissional de ferroviário (categoria - operador de via). Ultimamente o Autor recebia uma retribuição mensal de € 703,91, a que acrescia cinco diuturnidades no montante de € 21,61 (21,61 x 5 =108,05) e subsídio de refeição de € 5,75. A Ré no dia 13 de Abril de 2007, comunicou-lhe a sua intenção de proceder ao seu despedimento com justa causa, com base nos fundamentos indicados na nota de culpa, na qual o Autor é acusado «Da prática pelo arguido dos factos consubstanciadores de infracções disciplinares graves consequência da violação dos seus deveres laborais de assiduidade e pontualidade (faltas ao trabalho resultado da sua condenação em pena de prisão pela prática de tráfico de produtos estupefacientes e de detenção ilegal de arma), previstos na alínea b) do nº 1 do artigo 121º do Código de Trabalho. A violação pelo arguido dos deveres de assiduidade e de pontualidade com as faltas dadas ao trabalho em consequência da sua detenção, prisão preventiva e posterior condenação em pena de prisão efectiva ocorridas entre o período de 12/11/2001 até 26/02/2007, representa faltas injustificadas nos termos do artigo 225º, nº 2, alínea b) e nº 3, e para os efeitos do artigo 396, nº 3, alínea g), ambos do Código do Trabalho, constituindo motivo de justa causa de despedimento do arguido.». O Autor respondeu a essa Nota de Culpa. No culminar desse processo disciplinar a Ré procedeu à decisão de despedimento do Autor no dia 16 de Junho de 2007. Alega o Autor que exerceu as suas funções sob as ordens e direcção da Ré por mais de 31 anos, tendo em virtude do exercício das suas funções sofrido dois acidentes de trabalho que o incapacitaram para o trabalho tendo sido fixadas as correspondentes IPP, facto que não o impediu de continuar a exercer as suas funções com zelo e diligência. As faltas dadas pelo Autor ao seu serviço no período compreendido entre 12/11/2001 até 26/02/2007, não podem ser consideradas injustificadas, uma vez que por motivos estranhos à sua relação laboral, encontrava-se em prisão efectiva, primeiro no estabelecimento prisional de Custóias e posteriormente no estabelecimento prisional de Paços de Ferreira, em cumprimento de prisão efectiva que lhe foi aplicada pelo Tribunal Criminal do Porto. Mais invocou a caducidade do procedimento disciplinar instaurado pela Ré em 13 de Abril de 2007. Alegou, ainda, que, apesar dessa situação de prisão, a Ré foi-lhe enviando, durante o período de detenção, as respectivas comunicações a dar-lhe conta das reestruturações da empresa e dos novos valores salariais a pagar, isto apesar do mesmo se encontrar ausente do serviço, enviando tais informações para a sua residência e para o estabelecimento prisional onde se encontrava detido, tendo ainda processado o seu recibo de vencimento, excepcionando, pois, o abuso do direito pela Ré. +++ A Ré contestou a presente acção, alegando, para tanto e em síntese, o seguinte:O Autor é seu trabalhador apenas desde o dia 1 de Janeiro de 1998, data em transitou para a REFER vindo da C.P., E.P. Considera serem certos os valores indicados a título de retribuição mensal da categoria, pelas cinco diuturnidades vencidas e pelo subsídio de refeição sublinhando, sendo porém, que estes valores correspondem aos vigentes à data do despedimento do Autor e não aos vigentes aquando da suspensão do contrato de trabalho deste por impedimento prolongado resultante da sua prisão. Entende que a violação por parte do Autor dos seus deveres de assiduidade e de pontualidade com as faltas dadas ao trabalho em consequência da sua detenção, prisão preventiva e posterior condenação em pena de prisão efectiva (de oito anos e oito meses), representam faltas injustificadas constituindo motivo de justa causa do seu despedimento. A prisão fundamento de tais faltas resultou de condutas dolosas do mesmo consubstanciadoras dos aludidos crimes, sendo que ele efectivamente as quis praticar e que, enquanto trabalhador, não podia ignorar serem passíveis de resultar na situação de prisão e de faltas ao trabalho, nada tendo feito para agir doutro modo, pelo que as faltas ao trabalho são-lhe imputáveis, pelo menos, a título de negligência grosseira e, por isso, caracterizam faltas injustificadas. Essas faltas reiteraram-se sucessivamente desde 12.11.2001 até 26.02.2007, porquanto pela sua duração é evidente para demonstrar o sério prejuízo a que a relação de prestação de trabalho foi sujeita, estando assim a entidade patronal dispensada de justificar a lesão que caracteriza esse prejuízo. Relativamente à caducidade do processo disciplinar considera que o mesmo não caducou dado entender que as faltas injustificadas dadas por motivo de prisão do trabalhador têm a qualidade de ilícito laboral de natureza continuada e não instantânea, começando o respectivo prazo de caducidade a contar do momento do termo da sua prática, que no caso dos autos foi em 27.02.2007, sendo que o processo disciplinar foi instaurado no dia 22.03.2007, tendo a respectiva nota de culpa sido apresentada em 13.04.2007. Entende que mesmo que se entendesse a infracção em causa como não revestindo natureza continuada também não procederia tal excepção pois que as falta dadas no período compreendido desde o dia 13 ao dia 26 de Fevereiro de 2007, inclusive, num total de 10 dias úteis consecutivos, sempre caberiam dentro do prazo de 60 dias e, logo, pelo menos essas não teriam prescrito. A circunstância de ter processado ao Autor os recibos de vencimento, bem como o teor da correspondência datada do ano de 2002 e 2003, consubstanciam um normal cumprimento do contrato de trabalho vigente entre o Autor e a Ré mas que se encontrava suspenso em virtude do impedimento prolongado daquele trabalhador. +++ Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, após o que foi proferida sentença, julgando parcialmente procedente a acção, condenando a Ré a reintegrar o Autor no seu posto de trabalho, bem como a pagar-lhe a totalidade das remunerações devidas desde o dia 16 de Junho de 2007 e até efectiva reintegração do mesmo ao serviço da Ré, com os acréscimos salariais que entretanto possam ter ocorrido, quantias essas a serem liquidadas, se necessário, em execução de sentença.Mais foi a Ré ainda condenada a pagar ao Autor a quantia de € 3.472,91, a título de créditos laborais em divida, no demais sendo absolvida. +++ Inconformada com esta decisão, dela recorreu a Ré, formulando as seguintes conclusões:A. Não é verdade que o despedimento do ora Recorrido, promovido pela ora Recorrente, haja sido uma ilegítima consequência deste ter pretendido regressar ao trabalho no termo do cumprimento da pena de prisão a que foi sujeito. B. Não é verdade que o facto da ora Recorrente se ter abstido de instaurar imediatamente o correspondente procedimento disciplinar ao ora Recorrido, por falta de comparência deste ao trabalho, signifique a expressão de uma diminuta gravidade desse comportamento do trabalhador perante o seu empregador. C. Pelo contrário, tais factualidades foram (e são) genuínas expressões da escrupulosa observância pela ora Recorrente do princípio da presunção de inocência do trabalhador preso ora Recorrido, aliás, nos mesmos termos em que este princípio é defendido pela douta sentença do tribunal a quo, os quais, portanto, foram (e são) inteiramente partilhados pela ora Recorrente. D. A pena de prisão de oito anos e dois meses aplicada ao R, ora Recorrido, na sequência da aludida detenção e prisão, resultou da derradeira condenação proferida e confirmada pelo Acórdão transitado em julgado em 5 de Janeiro de 2004 – cf. alínea F), dos factos dados como provados. E. A Direcção Geral dos Serviços Prisionais, a pedido escrito da ora Recorrente, remeteu-lhe o ofício nº ….., com data de 24 de Setembro de 2003 (ambos junto aos autos a fls. 551 e 552), onde, nomeadamente, a informava da aludida condenação do ora Recorrido, bem como dessa decisão ter sido"... interposto recurso encontrando-se os autos no Tribunal da Relação do Porto." - cf. alínea T), dos factos dados como provados, onde o aludido ofício se dá por integralmente reproduzido, naturalmente, também quanto a falta de trânsito em julgado (e o seu reverso da manutenção da presunção da inocência que assistia ao ora Recorrido) — o que se revelará da maior importância para a questão sub iudice conforme se demonstrará. F. É patente nos autos, designadamente, no teor do referido pedido escrito formulado pela ora Recorrente, ao Estabelecimento Prisional, com a referência nº …../……/2003-RTH, de 09.09.2003 (junto aos autos a fls. 552) que esta procurava diligenciar o destino do processo à guarda do qual o ora Recorrido estava preso, de modo a conhecer o seu termo e a eventual culpa do trabalhador para efeitos de procedimento disciplinar se fosse o caso. G. O facto da ora Recorrente se ter abstido de intentar de imediato o procedimento disciplinar (que só posteriormente ao conhecimento do trânsito em julgado veio a encetar), resultava, como já se afirmou, da escrupulosa observância do princípio da presunção de inocência que assistia ao trabalhador e não de um qualquer laxismo emergente da inocuidade da sua conduta, ao contrário do que extrapolou injustamente a sentença do tribunal a quo. H. Em sede de motivação da matéria de facto dada como não provada, em especial quanto às alíneas 8) e 9), da Base Instrutória demonstrou-se que tais alegações do ora Recorrido resultaram não provadas e, ao invés, demonstrou-se que "... o único contacto mantido com a Ré foi a referida correspondência junta a fls. 551 e 552 ..." (conforme presente na penúltima folha da decisão sobre a matéria de facto constante da Base Instrutória). I. Durante todo o tempo de cumprimento da pena de prisão em que foi condenado, nunca deu conta à ora Recorrente da sua situação penal e, muito menos, do inconveniente trânsito em julgado da sentença condenatória que pôs fim à sua presunção de inocência e atestou a sua conduta culposa, o qual só veio ao conhecimento da entidade empregadora, quando o ora Recorrido se apresentou para retornar ao trabalho. J. A ora Recorrente diligentemente aguardou que fosse proferida decisão judicial transitada em julgado sobre a conduta do ora Recorrido, logo, pelas razões acima expostas e face à ausência de outros elementos nos autos, bem se vê que nunca existiu por parte da ora Recorrente qualquer intuito do procedimento disciplinar constituir uma represália à vontade do ora Recorrido regressar ao trabalho (e, muito menos, um qualquer pretenso abuso de direito); K. O momento da sua instauração representa a expressão de diminuta gravidade da conduta do trabalhador perante a sua entidade empregadora, ao contrário do que equivocamente se veio a entender na sentença ora em recurso (apesar de nada nos autos sobre tais considerações estar plasmado nesse sentido mas, curiosamente, no sentido inverso conforme acima identificado). L. A Recorrente adere ao entendimento da jurisprudência citada a fls. 17 e 18 da sentença do tribunal a quo e, em concreto, à proferida recentemente pelos identificados Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, de 24.11.2004; de 06.04.2005 e de 24.10.2007, todos propugnando pela necessidade de trânsito em julgado da sentença penal condenatória, sendo que a conduta da ora Recorrente expressa precisamente os mesmos termos em que este princípio é defendido pela douta sentença do tribunal a quo, os quais, portanto, foram (e são) inteiramente partilhados pela ora Recorrente. M. A sentença do tribunal a quo não pode pretender que, por um lado, se mantenha a observância dos princípios informadores da sua decisão (com os quais, sublinhamos uma vez mais, a ora Recorrente concorda e pratica) e, por outro lado, que o resultado da presente lide evidencie à ora Recorrente que o melhor teria sido, desde logo, ter intentado o procedimento disciplinar para despedimento e comunicado e aplicado a decisão de sanção de despedimento com justa causa, antes mesmo de se ter atestado a culpa do trabalhador mediante o trânsito em julgado da sentença penal condenatória (posição, contudo, aceite por alguma e respeitável jurisprudência superior, inclusive os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 30.10.1987 e de 14.05.1997, este último citado na sentença em recurso). N. Face a tal ambiguidade da sentença apelada é legítimo a ora Recorrente perguntar: E nesse caso o que sucederia se a sentença penal em vez de condenatória (como foi) tivesse sido de natureza absolutória? O. O que a sentença em recurso não pode querer é que se respeitem meticulosamente os princípios que abstractamente propugna e depois que os termos da sua implementação concreta acabem por resultar no prejuízo dos seus próprios intervenientes, i.e., a ora Recorrente (inclusive expor-se à mercê da desabonatória condenação ao abrigo do instituto do abuso de direito que, evidentemente, nunca se verificou e que carece de alegação e prova de todos os respectivos pressupostos). P. Sendo o processo disciplinar válido, conforme foi decidido na presente sentença, bem se compreende que perante os elementos nele presentes e ao momento em que a decisão final do processo disciplinar foi proferida, i.e., após o conhecimento do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, impunha-se conter um juízo de prognose acerca da relação jurídica de trabalho que ditava a impossibilidade imediata e absoluta da sua subsistência, porquanto, tal era a gravidade e consequência das violações do dever de assiduidade cometidas pelo trabalhador e evidente a justa causa para despedimento. Q. Sendo certo que a ora Recorrente estava dispensada do ónus de carrear aos autos a prova dessa gravidade, por força da inversão do ónus da prova que a doutrina e a jurisprudência dominantes entendem resultar da presunção legal (de prejuízo e gravidade) que implica a prova dessa quantidade de faltas injustificadas, em lugar nenhum dos presentes aos autos o ora Recorrido sequer alegou (e muito menos demonstrou), quaisquer factos prova do inverso, ou seja, da inocuidade para o empregador da quantidade de faltas injustificadas sucessivamente dadas pelo trabalhador, porquanto, nessa medida não se vislumbra que o ora Recorrido haja descaracterizado a justa causa alegada com tal fundamento, mantendo-se inteiramente válido o juízo de justa causa invocado no ponto 22 acima e, nessa parte, inconsequente a consideração tecida na sentença em recurso. R. À data em que foi proferida a decisão final de despedimento, momento em referência ao qual deve ser apreciado o fundamento da justa causa, não se vislumbra que fosse exigível que a ora Recorrente concluísse de forma diferente sobre a impossibilidade de manutenção da relação de trabalho (concluindo por aplicar sanção diferente do despedimento com justa causa que foi decidido), sendo certo que também mais não lhe podia ser exigido no que toca ao modo do exercício do poder disciplinar pois se alguma crítica neste aspecto pode (ou deve) ser feita é a de muito se ter aguardado à sombra da presunção de inocência que assistiu ao ora Recorrido e que apenas se esvaiu aos olhos desta aquando confrontada com o regresso daquele. S. Cumpre também esclarecer nos presentes autos sobre quem incide o ónus da prova dos factos descaracterizadores da justa causa de despedimento? Será que a entidade patronal tem o ónus de provar todos os factos e circunstâncias (i.e., pela positiva e pela negativa) que importem para a apreciação da justa causa? Nomeadamente o momento do conhecimento do trânsito em julgado da sentença penal para efeito de qualificação das faltas dada por motivo de prisão? T. Lembramos a lição de Bernardo Lobo Xavier que, com sua característica lucidez, fixa o lugar das (invertidas) regras sobre o ónus da prova para efeito de justa causa de despedimento, precisando: "À entidade patronal apenas cabe demonstrar um quadro de facto suficientemente ilustrativo para que dele objectivamente resulte uma situação de impossibilidade contratual e, portanto, o seu direito a rescindir com justa causa, pertencendo ao trabalhador fazer apurar as circunstâncias que descaracterizem esses factos na sua aptidão genérica ou empírica para constituir tal impossibilidade ou outras de que resulte que esses factos não têm a gravidade que "prima facie" se lhes atribuía." (Justa causa de despedimento: conceito e ónus da prova, in "Revista de Direito e Estudos Sociais", Janeiro-Março, 1988, Livraria Almedina, Coimbra, p. 53). U. Posteriormente, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 14.05.1997, plasmou a doutrina referida ao consubstanciar as regras do ónus da prova quanto às faltas dadas pelo trabalhador por motivo de prisão decidindo: "II. O empregador tem o ónus de provar a falta (artigo 342°, do C. Civil), cabendo ao trabalhador provar a sua justificação (artigos 25, nºs 2 e 4, do Dec.-Lei nº 874/76, de 28 de Dezembro)." (in Acórdãos Doutrinais do Supremo Tribunal Administrativo, Ano XXVI, nº 432, p. 1523) (Sublinhado nosso). V. É patente nos autos que o trabalhador ora Recorrido nem provou a justificação dessas faltas nem produziu prova quanto ao momento em que o empregador ora Recorrente tomou conhecimento do trânsito em julgado da sentença penal que qualificou de injustificadas as faltas dada por motivo de prisão (imputáveis ao ora Recorrido a título culposo) que foram fundamento e causa justa para o seu despedimento. +++ Contra-alegou o A., pedindo a confirmação do decidido.+++ Nesta Relação, o Ex.mo Sr. Procurador-geral Adjunto emitiu o seu douto parecer no sentido do não provimento do recurso, ao qual respondeu a Ré.+++ Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.+++ 2. Factos provados (na 1ª instância):1. A Ré é uma empresa pública que se dedica à gestão da rede ferroviária dos caminhos-de-ferro portugueses. 2. O Autor no dia 1 de Fevereiro de 1976 foi admitido ao serviço da CP para, sob a sua autoridade e direcção e mediante o pagamento de uma retribuição mensal, desempenhar a actividade de ferroviário, com a categoria profissional de operador de via. 3. No dia 1 de Janeiro de 1998, o Autor por força do disposto no artigo 16° do D.L. 104/97 de 29 de Abril, transitou da "CP" para a "REFER". 4. Em Junho de 2007, o Autor auferia a retribuição mensal de € 703,91, a que acrescia cinco diuturnidades no montante de € 21,61 (21,61 x 5 =108,05) e subsídio diário de refeição de € 5,75. 5. O Autor desde o dia 12/11/2001 e até ao dia 26/02/2007, não compareceu ao serviço, encontrando-se preso durante todo esse período, primeiramente no estabelecimento prisional de Custóias e depois no estabelecimento prisional de Paços de Ferreira, no âmbito do processo crime que correu termos na .ª Vara Criminal do Porto, com o nº …../01.2 6. Por Acórdão transitado em julgado no dia 5 de Janeiro de 2004, o Autor foi condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. no artigo 219 nº 1 do DL 15/93 de 22 de Janeiro na pena de oito anos de prisão e pela prática do crime de detenção ilegal de arma, p. e p. no artigo 6° nº 1 da Lei 22/97 de 27/6, na redacção da Lei 98/2001, na pena de sete meses de prisão e em cúmulo jurídico de penas, foi condenado na pena única de oito anos e dois meses de prisão. 7. A pena de prisão aplicada ao Autor pela prática do crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. no artigo 21° nº 1 do DL 15/93 de 22 de Janeiro, foi reduzida por Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 19 de Novembro de 2003, de oito para sete anos de prisão, tendo em cúmulo jurídico sido condenado na pena única de sete anos e dois meses de prisão. 8. Após ter cumprido aquela pena, apresentou-se ao serviço da Ré no dia 27 de Fevereiro de 2007. 9. No dia 13 de Abril de 2007, a Ré comunicou-lhe a intenção de proceder ao seu despedimento com justa causa, com base nos fundamentos indicados na Nota de Culpa, comunicando-lhe ainda a sua suspensão preventiva da prestação de trabalho reclamada. 10. Nessa Nota de Culpa, o Autor é acusado: «Da prática dos factos consubstanciadores de infracções disciplinares graves consequência da violação dos seus deveres laborais de assiduidade e pontualidade (faltas ao trabalho resultado da sua condenação em pena de prisão pela prática de tráfico de produtos estupefacientes e de detenção ilegal de arma), previstos na alínea b), do nº 1, do artigo 1219, do Código de trabalho. A violação pelo arguido dos deveres de assiduidade e de pontualidade com as faltas dadas ao trabalho em consequência da sua detenção, prisão preventiva e posterior condenação em pena de prisão efectiva ocorridas entre o período de 12/11/2001 até 26/02/2007, representam faltas injustificadas nos termos do artigo 225º, nº 2, alínea b) e nº 3, e para os efeitos do artigo 396, nº 3, alínea g), ambos do Código do Trabalho, constituindo motivo de justa causa de despedimento do arguido.» 11. No culminar desse processo disciplinar movido ao Autor, a Ré enviou ao Autor a carta registada com a/r na qual lhe comunicava a decisão de despedimento, com invocação de justa causa, carta essa recepcionada pelo Autor no dia 15 de Junho de 2007. 12. A Ré não pagou ao Autor as retribuições de férias e subsídio de férias, vencidas no dia 1 de Janeiro de 2002. 13. A Ré enviou ao Autor as comunicações juntas a fls. 45, datada de 31 de Janeiro de 2002, a fls. 46 e 47, datada de 14 de Agosto de 2002 e a fls. 48, datada de 10 de Outubro de 2003, cujo conteúdo dou por integralmente reproduzido a dar-lhe conta das reestruturações da empresa e dos novos valores salariais a pagar, enviando tais informações para a sua residência e para o estabelecimento prisional onde se encontrava detido. 14. Dou aqui por integralmente reproduzido o teor dos documentos junto aos autos a fls. 12 a 44 "Boletim Discriminativo da Retribuição Mensal" reportados de Janeiro de 2002 a Maio de 2007. 15. A Ré não pagou os proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal, relativos ao ano de cessação do contrato. 16. A Ré não pagou o vencimento referente ao mês de Fevereiro (dias 27 e 28), ao mês de Março de 2007, e a retribuição correspondente ao mês de Junho (dias 1 a 15 de Junho) do mesmo ano. 17. O Autor antes de ter sido detido era um trabalhador competente. 18. A Ré desde o dia 13 de Novembro de 2001 tinha pleno conhecimento da detenção do Autor e que tal era impeditiva de comparecer no seu posto de trabalho. 19. A D.G. dos Serviços Prisionais, a pedido da Ré, enviou-lhe com data de 24 de Setembro de 2003, o ofício junto aos autos a fls. 551 e que dou por integralmente reproduzido, no qual nomeadamente lhe informava que o B………. tinha sido condenado na pena de prisão efectiva de oito anos e dois meses. 20. A Ré pagou ao Autor o subsídio de férias vencido no dia 1 de Janeiro de 2001 mas não pagou as férias vencidas nessa mesma data. 21. A instauração do processo disciplinar e o despedimento perturbaram fortemente o Autor. 22. O vencimento do Autor, em 2001, ascendia a € 636,29 euros mensais. +++ A matéria de facto supra transcrita, tal qual foi objecto da decisão de facto da 1ª instância, não foi impugnada pelas partes nem enferma dos vícios previstos no art. 712º do CPC, pelo que se aceita e mantém.+++ 3. Do mérito.Como se retira das conclusões do recurso a única questão suscitada tem a ver com a existência de justa causa para o despedimento do recorrido, sendo que em causa está a repercussão das faltas dadas pelo recorrido por motivo de prisão em que foi condenado. Nesta parte, a sentença recorrida tem a seguinte fundamentação: «Como tem vindo a ser entendido unanimemente quer na Doutrina quer na Jurisprudência a justa causa de despedimento implica necessariamente a verificação cumulativa de três requisitos: Comportamento do trabalhador, culposo – elemento subjectivo; Uma situação de impossibilidade prática de a relação de trabalho subsistir – elemento objectivo, e Uma relação causal – nexo de causalidade entre aquele comportamento e esta impossibilidade. Preceitua o artigo 396º, nº 1, do Código do Trabalhos (diploma a que me referirei se não mencionar outra fonte de origem) que "o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho constitui justa causa de despedimento" esclarecendo o nº 2 do citado artigo que para apreciação da justa causa deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes. O nº 3 elenca de um modo não taxativo, doze situações comportamentais do trabalhador que o legislador considera constituírem ser justa causa de despedimento. Salienta Pedro Romano Martinez, in "A Justa Causa de Despedimento", I Congresso Nacional de Direito do Trabalho, Almedina, "o comportamento culposo pressupõe um acto ilícito e censurável do trabalhador. Esse acto ilícito culposo, que pode assentar em acção ou omissão do prestador de trabalho, será necessariamente derivado da violação de deveres obrigacionais; todavia, o incumprimento baseado no comportamento ilícito e culposo do trabalhador, tanto pode derivar do desrespeito dos deveres principais como de deveres secundários, ou acessórios de conduta". Também assim Jorge Leite, in "Direito do Trabalho", vol. II, ao ensinar que a infracção disciplinar é o "comportamento (acção ou omissão) imputável ao trabalhador a título de culpa que se traduz na violação de deveres, ou na negação dos valores, inscritos no círculo dos deveres ou dos valores da ordem jurídico-laboral estabelecidos no interesse do empregador". A Ré fundou o despedimento no Autor no facto deste ter violado os seus deveres laborais de assiduidade e pontualidade previstos na alínea b), do nº 1, do artigo 121°, em consequência "da sua detenção, prisão preventiva e posterior condenação em pena de prisão efectiva ocorridas entre os dias 12 de Novembro de 2001 a 26 de Fevereiro de 2007, representando faltas injustificadas nos termos do artigo 225º, nº 2, alínea b) e nº 3, e para os efeitos do artigo 396, nº 3, alínea g), ambos do Código do Trabalho, constituindo motivo de justa causa de despedimento". Efectivamente uma das situações exemplificadas nesse nº 3 é a constante da sua alínea g) que traduz a situação do trabalhador incorrer em "faltas não justificadas ao trabalho que determinem directamente prejuízos ou riscos graves para a empresa ou, independentemente de qualquer prejuízo ou risco, quando o número de faltas injustificadas atingir, em cada ano civil, 5 seguidas ou 10 interpoladas. A questão que se levanta nos autos prende-se com a circunstância do Autor ter estado preso preventivamente e depois em cumprimento de pena desde os dias 12 de Novembro de 2001 a 26 de Fevereiro de 2007, não tendo por esse motivo ido trabalhar durante todo esse período. Um dos principais deveres do trabalhador é o de comparecer ao serviço com assiduidade e pontualidade – artigo 121° alínea b). A assiduidade nas palavras de Monteiro Fernandes, in "Direito do Trabalho", 13ª edição, Almedina, pág. 242, reflecte a observância por parte do trabalhador, do "programa" da prestação de trabalho, no tempo e no espaço. Significa, em suma, que ele deve estar disponível nas horas e locais previamente definidos. (...) A assiduidade associa-se, por conseguinte, à pontualidade, isto é ao cumprimento preciso das horas de entrada e de saída em cada jornada de trabalho. Mas tudo isso, naturalmente, apenas na medida em que seja socialmente exigível a comparência do trabalhador. Não pode considerar-se violado o dever de assiduidade pelo facto de o trabalhador ser forçado à ausência, em virtude de circunstâncias suficientemente justificativas de tal conduta (...) A justificabilidade implica o reconhecimento da não exigibilidade da comparência, isto é a neutralização do dever de assiduidade". Tal neutralização desse dever poderá dar-se nomeadamente por consubstanciarem uma situação de faltas justificadas ou se estivermos no campo da figura da suspensão do contrato de trabalho, se exceder o período de 30 dias. Como é sabido as faltas podem ser justificadas ou injustificadas – artigo 225° nº 1. As faltas justificadas são aquelas que se encontram taxativamente previstas no nº 2 desse artigo, o qual na sua alínea j) contempla ainda as faltas justificadas que "por lei forem como tal qualificadas", (entenda-se lei especial), sendo consideradas injustificadas todas as restantes, como se extrai do seu nº 3. Atenta a referida alínea j) bem como o facto das faltas poderem ser autorizadas ou aprovadas pelo empregador, implicando que qualquer falta possa vir a ser considerada justificada pelo empregador, leva a que Pedro Romano Martinez considere tratar-se de uma taxatividade aberta, in "Direito do Trabalho", vol. II. Ficou provado que o Autor faltou ao trabalho durante todo aquele período pelo que há agora apurar se com tal comportamento incorreu no ilícito disciplinar apontado pela sua empregadora e que motivou o seu despedimento. Estamos assim na debatida e interessante questão da relevância das faltas dadas por motivo de prisão. A problemática das faltas por motivo de prisão mantém-se com a entrada do Código do Trabalho, quer quanto à prisão preventiva, quer no que concerne ao cumprimento de pena de prisão, pois que o legislador continuou a não regular directamente esta matéria, ao contrário do que sucede noutros ordenamentos jurídicos. Comecemos assim por tratar a situação das faltas dadas pelo trabalhador que se encontra na situação de prisão preventiva. No Acórdão do S.T.J., de 25 de Fevereiro de 1993, in Col. Jur. Tomo I, págs. 260, foi entendido que as faltas de serviço, por motivo de prisão preventiva do trabalhador, são consideradas como injustificadas, por procederem de comportamento gravemente censurável, constituindo, por isso, justa causa de despedimento. Na mesma esteira o Acórdão da Relação do Porto de 20/11/92, no qual é defendido que as faltas dadas pelo trabalhador durante o período de prisão preventiva deve ser consideradas injustificadas, (a não ser que venha a ser absolvido) e por isso susceptíveis de fundamentarem o seu despedimento com justa causa. No Acórdão do S.T.J., de 14 de Maio de 1997, é mesmo referido que "não adianta chamar à colação as máximas constitucionais da presunção de inocência do arguido e da proibição dos despedimentos sem justa causa, pois que estamos no campo do direito disciplinar laboral e não no domínio do direito penal ou processual penal". Porém nesta matéria da prisão preventiva do trabalhador tem havido ao longo do tempo uma forte mudança de rumo jurisprudencial que leva a que agora cremos ser entendimento jurisprudencial que são justificadas as faltas ao trabalho resultantes do facto do trabalhador estar sujeito à medida de coacção de prisão preventiva. Também o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 24/11/2004, considera que face ao princípio constitucional da presunção de inocência do arguido até ao trânsito em julgado da sentença penal condenatória, são justificadas as faltas ao trabalho resultantes do cumprimento da medida de prisão preventiva, devendo considerar-se motivadas na impossibilidade de prestar trabalho devido a facto não imputável ao trabalhador, decorrente do cumprimento de obrigação legal, ou o Acórdão da mesma Relação, de 6 de Abril de 2005, no qual se defende só com o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, que marca o fim da presunção de inocência, a culpa do condenado está definida, quer em relação ao Estado, quer em relação aos privados, acrescentando-se que "como a prisão preventiva tem sempre a natureza de medida cautelar, sem conteúdo punitivo, resultando de um mero juízo de probabilidade, que não se concretiza com a acusação, já que mesmo verificando-se esta, pode ocorrer a absolvição do arguido, as faltas dadas em consequência daquela não podem deixar de ser consideradas justificadas", ainda no mesmo sentido o recente Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24 de Outubro de 2007. Também na Doutrina é entendido que as faltas dadas pelo trabalhador em consequência de se encontrar em prisão preventiva não são justa causa de despedimento implicando antes a suspensão do contrato de trabalho. Assim, para Monteiro Fernandes, obra citada, há que distinguir se essas ausências resultam de cumprimento de uma pena de prisão ou são determinadas por prisão preventiva. Se se trata do cumprimento de pena de prisão as faltas devem considerar-se imputáveis ao trabalhador: são consequência, embora mediata, de um comportamento cujo carácter culposo foi judicialmente apurado. A opção de conduta do trabalhador resultou, ou devia ter resultado, da ponderação de todas as suas sequelas, incluindo a do impedimento de comparecer ao trabalho. Cessa pois a atendibilidade da causa imediata das faltas como sua justificação. Pelo contrário, e em princípio, as ausências determinadas por prisão preventiva – uma vez que esta não permite estabelecer um juízo de imputabilidade – deverão ser tratadas segundo o regime das faltas justificadas, acrescentando que se seguir a condenação do trabalhador, e o cumprimento da pena correspondente, a imputabilidade assim apurada alastra a todo o tempo de detenção e, portanto, de não comparência ao trabalho. No sentido de que as faltas originadas pelo facto do trabalhador se encontrar sujeito à medida de prisão preventiva levam à suspensão do contrato de trabalho ver entre outros Júlio Gomes in Direito do Trabalho, volume I, Almedina, pág, 862, Jorge Leite in O desempenho de funções sindicais e o expediente da suspensão do contrato, in R.D.E. n 16 a 19, Motta Veiga in Lições de Direito do Trabalho, Universidade Lusíada. Na situação de prisão preventiva encontramo-nos assim no campo da suspensão do contrato de trabalho e dificilmente na situação das faltas justificadas pois que a experiência diz-nos serem residuais os casos de prisões preventivas com uma duração inferior a 30 dias. Sabemos que a suspensão do contrato de trabalho é uma figura jurídica, pelo qual pode passar o contrato de trabalho e que está ligada à impossibilidade transitória de prestar ou de receber o trabalho. Trata-se de um fenómeno contratual onde se verifica a coexistência entre a manutenção do vínculo laboral e a paralisação dos principais efeitos do contrato de trabalho, não havendo assim uma cessação temporária dos efeitos do contrato e liga-se ao facto do contrato de trabalho ser tendencialmente duradouro. A questão da restrição da suspensão do contrato à situação do trabalhador encontrar-se em prisão preventiva e não em cumprimento de pena, levanta porém algumas questões: se o trabalhador no final do processo crime for absolvido, não há qualquer problema, devendo apresentar-se no seu local de trabalho. Mas e se ele foi condenado numa pena de prisão cuja execução ficou suspensa? Passará então a considerar-se "a posteriori" que afinal não havia lugar à suspensão do contrato e que ele tinha incorrido em faltas injustificadas, apesar de ele a partir do trânsito da sentença ou ainda antes se for alterada aquela medida de coacção, poder de imediato apresentar-se ao trabalho, como acontecia na situação anterior? E a mesma questão se coloca se ele é condenado numa pena de prisão efectiva mas é de imediato libertado, pelo facto de já ter cumprido aquele período de prisão na situação de prisão preventiva, através da figura jurídica do desconto de pena, também aqui ele pode apresentar-se de imediato ao trabalho. Sendo certo que a "Nota de Culpa" fundada nas faltas ao trabalho não pode ser condicional à circunstância do trabalhador vir a ser condenado em processo crime que motivou essas ausências. No que concerne às faltas dadas por cumprimento de pena de prisão, a Doutrina divide-se claramente, colocando a tónica do requisito da imputabilidade ou não ao trabalhador/arguido na situação que se revela impeditiva de comparecer ao trabalho. A este propósito refere Joana Vasconcelos, na anotação II ao artigo 333 in "Código do Trabalho Anotado", Almedina, 2004, que "quanto ao que deva entender-se por imputabilidade, para este efeito, a nossa doutrina tem exigido um certo grau de intencionalidade, dirigido à própria relação laboral, mais exactamente à criação da situação de impedimento. Dizendo de outro modo, será imputável ao trabalhador a impossibilidade de execução do trabalho por este voluntariamente provocada". A doutrina portuguesa tem, assim, uma visão mais exigente da imputabilidade, circunscrevendo-a aos casos de dolo directo, dolo necessário e, com algumas reservas, aos de dolo eventual, mas nunca vai além do dolo eventual, precisamente porque na negligência consciente faltará já a vontade de adesão ao impedimento verificado – cf. Noutel dos Santos in "A suspensão do contrato de trabalho por motivos ligados ao trabalhador: a suspensão por impedimento prolongado e o requisito da não imputabilidade" Prontuário de Direito do Trabalho, nº 68, pág. 137. Jorge Leite, Notas para uma teoria da suspensão do contrato de trabalho, Questões Laborais nº 20, Coimbra Editora, pág. 125 e 126 salienta: "ao empregador é vedado, enquanto credor da prestação de trabalho, censurar ou responsabilizar o trabalhador por se encontrar impedido de trabalhar, salvo quando se puder concluir que este quis ou aderiu ao resultado, não bastando pois, a deficiência da vontade ou omissão da diligência devida, ou a falta de discernimento exigível ou a sua leviana ou precipitada confiança. Trata-se, afinal, se bem analisarmos a questão de um reflexo do princípio da irrelevância da vida extraprofisssional na vida profissional. O trabalhador só responde pelo não cumprimento se, podendo fazê-lo, não quis realizar a prestação ou se, encontrando-se impedido, quis um tal resultado ou a ele aderiu. Não basta, pois, para falar de um facto imputável ao trabalhador, que por ele este possa ser censurado, exige-se à semelhança do que sucede no domínio da segurança social, um mínimo de intencionalidade. Porém Jorge Leite, apesar de partir do princípio de que o critério de imputabilidade ao trabalhador dos factos de que resulta o impedimento de prestar trabalho é muito mais restrito, havendo factos impeditivos que o exoneram do seu dever de prestar trabalho e o não exoneram das demais obrigações sujeitas ao regime comum dos contratos, vem porém a concluir que tratando-se de crime doloso a que corresponda pena incompatível com o cumprimento do contrato é irrelevante que o agente não represente a prisão como consequência do seu acto. Em sentido diverso Maria do Rosário Palma Ramalho, Direito do Trabalho, Parte II, Almedina, pág. 507, ao defender que a ilicitude que releva para a qualificação da falta do trabalhador ao trabalho tem a ver com a imputabilidade da falta a um comportamento do trabalhador enquanto tal e não noutra qualidade. Equipara a situação do trabalhador preso à do trabalhador que falta por ter sofrido lesões subsequentes a um acidente de viação em que tenha sido considerado culpado. Em ambas as situações tratar-se-iam de uma impossibilidade objectiva de prestação de trabalho, concluindo que as faltas do trabalhador preso são de qualificar como faltas justificadas. Também Albino Mendes Baptista considera no seu artigo "Faltas por motivo de prisão", Questões Laborais nº 20, Coimbra Editora, pág. 47 e ss., que, para além das faltas motivadas por prisão preventiva deverem ser consideradas justificadas pois que a impossibilidade de prestar trabalho resulta do cumprimento de uma obrigação legal, também assim nas faltas motivadas por condenação em pena de prisão, o trabalhador beneficia do regime da suspensão (ou, se for caso disso, do regime das faltas justificadas) a não ser que tivesse praticado o acto para se furtar à prestação do trabalho, salientando que "o problema central neste debate é, pois, o problema da imputabilidade, em sede de valoração laboral. Não é o problema da ilicitude do acto ou da culpa no âmbito penal. Ainda neste sentido Menezes Cordeiro, Manual de Direito do Trabalho, 1991, Almedina, pág. 76915 ao defender que "o trabalhador que é preso não incorre, por isso, em faltas injustificadas: ele coloca-se numa posição de impossibilidade de trabalhar, beneficiando da suspensão, salvo se se mostrar que congeminou a prisão para não trabalhar" Tem porém razão Júlio Gomes, Direito do Trabalho, vol. I, Coimbra Editora, pag. 861, nota de rodapé, ao dizer que "para além da óbvia dificuldade de prova de tal intenção, convenhamos que os casos em que alguém cometa um crime para ser preso e, para, por conseguinte, não trabalhar, parecem ser mais fruto da imaginação dos juristas do que hipóteses reais". Efectivamente, se por vezes se desabafa dizendo que "o trabalho é uma prisão", o certo é que estar em liberdade a trabalhar ou estar preso não são situações minimamente comparáveis, pelo que é efectivamente muito difícil que alguém de forma consciente opte por esta segunda situação em detrimento da primeira. Sopesando os diversos argumentos jurídicos, entendo embora por razões algo diversas que a situação de suspensão do contrato de trabalho tanto deverá valer para a situação de prisão preventiva, como para a situação de cumprimento de pena de prisão. Para além de tal dar resposta às questões jurídicas acima referidas relativas à decisão final proferida no processo em que o trabalhador/arguido se encontrou preso preventivamente, considero que são similares as razões que me levam a considerar haver lugar à suspensão do contrato quer no caso da prisão preventiva quer no caso de prisão por cumprimento de pena. Em ambas as situações estão em causa preceitos constitucionais da mesma grandeza, no primeiro é o principio da presunção de inocência, na segunda é a proibição da pena de prisão não poder implicar automaticamente a perda de direitos civis ou profissionais e o da manutenção ao cidadão detido dos seus direitos fundamentais. O artigo 30º da Constituição da República Portuguesa, que tem na sua epígrafe "Limites das penas e das medidas de segurança" preceitua no seu nº 4 que "nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos". O nº 5 deste artigo 30º foi aditado pela Lei Constitucional nº 1/89 e preceitua que "os condenados a quem sejam aplicadas pena ou medida de segurança privativas da liberdade mantém a titularidade dos direitos fundamentais, salvas as limitações inerentes ao sentido da condenação e às exigências próprias da respectiva execução". O Tribunal Constitucional tem-se pronunciado, reiteradamente, pela inconstitucionalidade – por violação do disposto no nº 4 do artigo 30° da Constituição – de normas que impõem a perda de direitos civis, profissionais ou políticos como efeito necessário de uma condenação penal. Como se refere no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 249/92, o nº 4 do artigo 30º da Constituição pretende assegurar a necessidade e a jurisdicionalidade da pena acessória e garantir a proporcionalidade entre esta pena e o crime, para além de excluir os efeitos infamantes da condenação. Este nº 5 contempla para Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa, Anotada, Coimbra Editora, vol. I, pág. 505, "o princípio geral da manutenção de todos os direitos e com um âmbito normativo idêntico ao dos outros cidadãos, salvo naturalmente as limitações inerentes à própria pena de prisão". É verdade que não existe qualquer preceito legal que diga que o trabalhador que se encontre em cumprimento de prisão será automaticamente despedido, o que seria claramente inconstitucional, por implicar uma perda imediata desse direito profissional. Porém, considero que tal não é suficiente. O trabalhador encontra-se (ou encontrava-se) em cumprimento de pena de prisão e assim naturalmente impedido de se deslocar para trabalhar. Violava assim necessariamente o dever de assiduidade e não teria hipóteses de atacar judicialmente a sanção de despedimento que lhe fosse aplicada. Não sendo assim a sanção do despedimento um efeito automático da pena de prisão, andaria lá muito perto e permitir-se tal situação, parece-me violar o direito constitucional da segurança no emprego previsto no artigo 539 da CRP e que tem um âmbito muito mais amplo que o da simples proibição do despedimento "ad nutum". E comungamos da ideia defendida por José Carlos Vieira de Andrade "Os Direitos Fundamentais na Constituição da República Portuguesa de 1976", Almedina, 2ª edição, pág. 191, que do regime constitucional que é conferido aos direitos, liberdades e garantias, decorre "a preocupação de proteger com especial intensidade aqueles direitos, garantindo-lhes um máximo de efectividade". Trata-se no fundo de fazer a chamada interpretação mais conforme à Constituição ou seja como ensina Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo II, pág. 232, "levar em conta, dentro do elemento sistemático da interpretação, aquilo que se reporta à Constituição. Com efeito, cada disposição legal não tem somente de ser captada no conjunto das disposições da mesma lei e cada lei no conjunto da ordem legislativa; têm outrossim de se considerar no contexto da ordem constitucional; e isso tanto mais quanto mais se tem dilatado, no século XX, a esfera de acção desta como centro de energias dinamizadoras das demais normas da ordem jurídica positiva". Sufragando-se o entendimento que o sub-princípio da interpretação conforme com os direitos fundamentais é integrável na figura mais vasta da interpretação em conformidade com a Constituição – cf. Zenha Martins in "Interpretação conforme com à Constituição», Estudos em Homenagem ao Professor Inocêncio Galvão Telles, Almedina, Coimbra, 2003. Ora, não vemos razão para distinguir, mesmo na óptica do empregador a ausência do trabalhador pelo facto de não ir trabalhar durante dois anos por ter estado em prisão preventiva, daquela situação em que um outro seu trabalhador esteve o mesmo período sem ir trabalhar por estar em cumprimento de pena de prisão, quando não está em causa a circunstância da conduta ilícita penal do trabalhador consubstanciar só por si também ela um ilícito disciplinar ou quando não está em causa a ruptura do clima de confiança que deve existir entre as partes na relação laboral. A materialidade das situações parece-me do ponto de vista laboral idêntica e assim deve ser a mesma a resposta do direito, tendo presente as seguintes palavras de José João Abrantes "o desafio ao qual o aplicador do direito deve responder é o da optimização de todos os direitos e de todos os valores constitucionais em conflito, nomeadamente a mais ampla liberdade civil do trabalhador e (igualmente) a mais ampla autonomia contratual, a levar a cabo através da actuação de um princípio de proporcionalidade (Verhaltnismassigkeit) na sua tripla dimensão: necessidade (Erforderlichkeit), adequação (Geeignetheit) e proibição do excesso (Ubermassverbot) – "Contrato de Trabalho e Direitos Fundamentais", Coimbra Editora, pág. 173. Deverá deste modo em ambas as situações considerar-se haver lugar a uma situação de suspensão do contrato de trabalho que tem a sua fonte directa no Texto Constitucional. Perante uma situação de um seu trabalhador encontrar-se em cumprimento de pena, várias reacções parecem-me ser possíveis por parte do empregador: Se a conduta do trabalhador constitui não só um ilícito penal, como também um ilícito disciplinar poderá instaurar-lhe um processo disciplinar com vista ao seu despedimento fundado nesses factos. Doutrina e jurisprudência são unânimes que pode concorrer, à partida o ilícito criminal e o ilícito disciplinar e, consequentemente a repressão penal e a repressão disciplinar, sem que seja violado o principio "ne bis in idem". Pode acontecer que um comportamento de um trabalhador integre um tipo legal de crime e, simultaneamente, constitua uma infracção disciplinar grave, o mesmo facto pode desencadear a repressão disciplinar e a penal, ser considerado infracção disciplinar e crime se lesar interesses específicos da empresa e bens essenciais da comunidade – cf. Teresa Coelho Moreira in O respeito pela esfera privada do trabalhador: natureza jurídica das faltas cometidas por motivo de prisão baseada em crimes praticados fora do trabalho" Questões Laborais nº 18, Coimbra Editora, pág. 165. Se essa conduta é estranha à relação laboral mas ainda assim pela sua gravidade ou natureza e em concreto é de molde a minar fatalmente o contrato de trabalho por quebra de confiança, que é um princípio basilar do contrato de trabalho, tendencialmente duradouro e "inter personae", também poderá o empregador mover um processo disciplinar com vista ao seu despedimento. São os conhecidos casos apontados pela Doutrina do trabalhador bancário que emite cheques sem provisão, ao ponto de ser inibido do uso de cheques, ou do funcionário de uma escola condenado pelo crime de abuso sexual. Entendo, embora com dúvidas que em certas situações poderá haver lugar à caducidade de um contrato de trabalho que se encontra suspenso. É verdade que a suspensão é vista como uma forma de preservar o contrato de trabalho e que na mesma, ao contrário do que sucede no direito civil onde estão em causa os interesses do credor, funcionam aqui os interesses do devedor. Também em situações em que o trabalhador estava no regime de suspensão do contrato de trabalho por estar doente ou por ter tido um acidente (de trabalho ou não) e se o seu estado clínico não lhe permitir retomar, pelo menos em tempo útil, o seu tempo de trabalho ver caducado o seu contrato de trabalho. Considerando as especificidades do cargo que ocupava na empresa e em situações de penas de prisão de média ou longa duração, parece-me que o empregador poderá embora em casos contados, ver declarada a caducidade do contrato de trabalho. Uma outra situação seria a do trabalhador estar contratado por tempo indeterminado ao abrigo do disposto no artigo 143º alínea g), por exemplo no âmbito de uma empreitada de construção civil e a impossibilidade ainda que não definitiva de prestar trabalho, implicar pelo tempo de duração do impedimento o total e justificado desinteresse por parte da sua empregadora na prossecução de tal relação laboral. Refere o Acórdão da Relação do Porto de 17 de Janeiro de 2005 que "o contrato de trabalho caduca nos termos gerais de direito, nomeadamente, verificando-se a impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de o trabalhador prestar o seu trabalho ou de a entidade empregadora o receber Daqui decorre que na aplicação da figura há que atender também ao disposto nos arts. 790º e segs. do Cód. Civil, adiantando-se ainda nesse aresto que no domínio laboral surgem posições no sentido de que o carácter absoluto e definitivo da impossibilidade tem de ser analisado apenas no plano jurídico, abandonando-se o enfoque naturalístico, por forma a considerar verificada a caducidade em situações em que a impossibilidade, apesar de temporária, é tão longa que não se deve exigir ao empregador a manutenção do contrato de trabalho; ou que a impossibilidade, apesar de relativa, deva ser compaginada como absoluta, não sendo de exigir ao empregador que conceda, por exemplo, a um trabalhador que ficou afectado, por doença natural, com incapacidade absoluta para o trabalho habitual, um outro posto de trabalho ou outras funções, que não exercidas anteriormente pelo trabalhador, mesmo que existentes na empresa. Entendendo Bernardo Lobo Xavier, Curso de Direito do Trabalho, pág. 463, "que devem considerar-se como casos de impossibilidade definitiva aqueles em que se comprove que a impossibilidade vai durar tanto tempo que não será exigível à empresa guardar futura e sempre incerta viabilização das relações contratuais. Será o caso, por exemplo, de um trabalhador condenado a longo tempo de prisão ou que se encontra doente há vários anos". Nas situações em que não haja fundamento válido para a caducidade do contrato de um trabalhador que se encontre preso, poderá então o empregador ao abrigo do disposto no artigo 143º nº 1 alínea a) contratar um outro trabalhador por tempo indeterminado enquanto durar aquela situação de prisão. Deste modo, se o crime praticado não teve relação com o vínculo laboral, se essa conduta não feriu de morte a tutela de confiança necessária entre empregador e trabalhador, se o tipo de trabalho que era exercido e o tempo de prisão efectiva aplicada não implica o desinteresse legítimo na prossecução daquele contrato de trabalho, se o empregador pode substituir aquele trabalhador por um outro enquanto aquela situação se mantiver, parece- me que o mais adequado é efectivamente enquadrar a situação no campo da suspensão do contrato de trabalho até porque a lógica subjacente à referida alínea j) é o combate ao absentismo voluntário do trabalhador e não puni-lo duplamente pela prática do crime, pelo qual ele já foi julgado e devidamente condenado. No caso em apreço, é a própria Ré empregadora que considera que o contrato de trabalho estava suspenso, alegando por exemplo que os valores indicados pelo Autor a título de retribuição correspondem aos vigentes "à data do despedimento do Autor e não aos vigentes aquando da suspensão do contrato de trabalho deste por impedimento prolongado resultante da sua prisão" e ainda que "a circunstância de ter processado ao Autor os recibos de vencimento, bem como o teor da correspondência datada do ano de 2002 e 2003, consubstanciam um normal cumprimento do contrato de trabalho vigente entre o Autor e a Ré mas que se encontrava suspenso em virtude do impedimento prolongado daquele trabalhador". É verdade que como já ensinava o Prof. Alberto dos Reis, "Código de Processo Civil Anotado", Vol. V, Coimbra, 1952 pág. 95, o Juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, sendo ainda "que há-de entender-se que o preceito só vale quando se navegue dentro da mesma causa de pedir", mas a verdade é que no caso dos autos comungamos com a ideia defendida pela empregadora de que aquele contrato de trabalho estava suspenso. Ora, estando o contrato de trabalho suspenso tal acarreta face ao disposto no artigo 331º, nº 1, do C. T. que se mantêm os direitos, deveres e garantias das partes na medida em que não pressuponham a efectiva prestação do trabalho. Como salienta João Reis, Suspensão do contrato – dever de comunicação do impedimento, Questões Laborais nº 2, "não há dúvida de que o desaparecimento do dever de assiduidade é da essência da suspensão do contrato de trabalho". Conclui-se assim que não existindo tal dever de assiduidade no caso em apreço, enquanto durasse a situação de prisão do Autor, não é motivo válido o seu despedimento por violação desse dever». +++ A sentença ora transcrita permite-nos perceber a ampla discussão que tem havido no seio da doutrina e jurisprudência sobre a qualificação das faltas dadas pelo trabalhador por motivo de prisão.Ainda exemplificativo dessa discussão, o acórdão do STJ, de 04.06.2008, in www.dgsi.pt, nele se defendendo serem injustificadas as faltas dadas pelo trabalhador em consequência de ter estado preso preventivamente «ao assumir, naquelas condições, um dado comportamento – o qual, por indiciar a prática de um facto qualificado pelo ordenamento jurídico como consubstanciando um crime cuja gravidade, por entre os demais requisitos previstos na lei, ditou uma decisão jurisdicional de privação preventiva da liberdade – não se pode escamotear que o trabalhador «desconsiderou» a circunstância da possibilidade de uma das consequências da sua actuação poder ser a da privação da liberdade, com a inevitável impossibilidade de prestar o seu labor à entidade patronal». Por nós, reconhecendo o peso das diversas posições sobre a questão, sufragamos o entendimento do último aresto citado, na linha, aliás, da posição de Monteiro Fernandes, obra supra citada. Ou seja: O recorrido esteve preso, no período de 12/11/2001 e até ao dia 26/02/2007, na sequência do processo-crime que correu termos na .ª Vara Criminal do Porto, com o nº …../01.2. Nesse processo, por acórdão da Relação do Porto de 19 de Novembro de 2003, transitado em julgado no dia 5 de Janeiro de 2004, o recorrido foi condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. no artigo 21º nº 1 do DL 15/93 de 22 de Janeiro na pena de sete anos de prisão e pela prática do crime de detenção ilegal de arma, p. e p. no artigo 6° nº 1 da Lei 22/97 de 27/6, na redacção da Lei 98/2001, na pena de sete meses de prisão e, em cúmulo jurídico, foi condenado na pena única de sete anos e dois meses de prisão em cúmulo jurídico de penas. Assim as faltas dadas pelo recorrido, no citado período de 12.11.2001 a 26.02.2007, consideram-se injustificadas. Mas esta solução não resolve a questão. Na verdade, como tem sido doutrina e jurisprudência pacífica, os casos elencados no art. 396º, nº 3, do CT, nomeadamente na alínea g) – referentes a faltas injustificadas –, devem ser vistos à luz do nº 1 do mesmo artigo, ou seja, para constituírem justa causa de despedimento, essencial é que a sua ocorrência torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho. Ora, nesta vertente, os factos apurados, nomeadamente no quadro de gestão pela recorrente de todo este processo e do seu relacionamento com o trabalhador, foram, e bem, analisados pela sentença da seguinte forma: «[...] E mesmo que se entendesse que o cumprimento de uma pena efectiva de prisão não acarreta a suspensão do contrato de trabalho, a verdade é que no caso dos autos há que ter em consideração que a empregadora durante anos absteve-se de instaurar um processo disciplinar ao Autor e pelo contrário só o instaurou quase dois meses após ele ter-se apresentado ao trabalho. Sendo certo que como explica Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, 3ª edição, Almedina, pág. 492, a "relação laboral não pode ser encarada separadamente, dia a dia; ou seja, o contrato de trabalho não corresponde a uma prestação de trabalho independente em cada período de laboração. A execução continuada pressupõe uma identidade nos vários dias em que o trabalhador presta a sua actividade", não podendo nesta sede a ré empregadora esquecer todo o período de ausências ao trabalho do Autor para se limitar a um último período de faltas, imediatamente anterior ao seu regresso. No fundo, a Ré não despediu o Autor por ele ter faltado ao trabalho durante aqueles anos mas sim por ele ter pretendido voltar a trabalhar, o que configura uma manifesta situação de abuso de direito. O instituto do abuso do direito representa para Heinrich Ewald Hõerster 26 "A Parte Geral do Direito Civil Português: Teoria Geral do Direito Civil", Almedina, 1992, pág. 281, 26 "o controlo institucional da ordem jurídica quanto ao exercício dos direitos subjectivos privados, garantindo a autenticidade das suas funções. Quer dizer, a lei considera, que a moderação voluntária no exercício de poderes é urna virtude na qual não se pode confiar em demasia. De resto, é uma característica do abuso do direito que este último, na aparência, até existe. Quem age em abuso de direito invoca um poder que formal ou aparentemente, lhe pertence, embora não tenha fundamento material". Por sua vez Paulo Mota Pinto no seu artigo, Sobre a proibição do comportamento contraditório "venire contra factum proprium”, no Direito Civil", Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, Volume Comemorativo do 75° Tomo, dá nota que "a ideia de um limite à contradição do próprio comportamento deve ser recebida pelo Direito, tendo algo que ver com a função e mesmo o seu sentido profundos", salientando que uma das funções essenciais do Direito é sem dúvida assegurar expectativas. A tutela das expectativas das pessoas é essencial a uma ordenação que pretenda ter como efeito a estabilidade e a previsibilidade das acções", adiantando também que quer na doutrina, quer na jurisprudência, a proibição do comportamento contraditório configura já hoje um instituto perfeitamente autonomizado, enquadrado na proibição do abuso do direito. Referia-se já no Acórdão do STJ de 3 de Maio de 1990, in Boletim do Ministério da Justiça (BMJ) nº 397, 1990, que "o instituto mais claro do abuso de direito a que alude o artigo 334º do C.Civil é a chamada conduta contraditória ("venire contra factum proprium") em combinação com o princípio da tutela da confiança, mas existem duas figuras próximas: a renúncia e a "neutralização do direito". Para que tal "neutralização do direito" se verifique é necessário que o titular de um direito deixe passar longo tempo sem o exercer e que, com base neste decurso do tempo e com base ainda numa particular conduta do dito titular ou noutras circunstâncias, a contraparte chegue à convicção justificada de que o direito já não será exercido". Em tal situação, a chamada "Verwirkung" ou "supressio", existe uma "neutralização" de um direito que durante muito tempo não se exerceu, tendo-se criado pela própria conduta uma expectativa legítima de que não iria ser exercido. Também assim Menezes Cordeiro, in "Da Alteração das Circunstâncias", AAFDL, 1987, pág. 60, considerando que essa modalidade de abuso de direito, a "surrectio" é a situação na qual uma pessoa vê surgir, na sua esfera, por força da boa fé (objectiva), uma posição jurídica que, de outro modo, não lhe assistiria, distinguindo-se da modalidade do "venire contra factum proprium" por nesta a pessoa assume uma atitude e, em momento posterior, outra atitude incompatível com a primeira. Salienta porém que no fundamental traduzem concretizações do princípio da protecção da confiança, sendo que a discussão entre essas figuras é complexa e "podem aliás coincidir". O abuso do direito é do conhecimento oficioso pelo tribunal – neste sentido, entre outros, o Ac STJ 25/11/1999 Col. Jur. Tomo III. Relativamente às consequências jurídicas de tal comportamento, temos que como se refere no Acórdão do STJ de 28 de Novembro de 1996, Col. Jur., S.T.J., ano IV (1996) tomo III, pág. 118, "tem as consequências do acto ilegítimo, podendo dar lugar a uma obrigação de indemnizar, à nulidade, legitimidade de posição e alongamento do prazo de prescrição e caducidade". No mesmo ver Coutinho de Abreu, "Do abuso de Direito", pág. 76, ao referir que "o abuso de direito é uma forma de antijuricidade ou ilicitude. As consequências, portanto, do comportamento abusivo têm de ser as mesmas de qualquer actuação sem direito, de todo o acto (ou omissão) ilícito" e Paulo Mota Pinto, artigo citado, pág. 305, ao considerar que o principal efeito proibição do venire contra factum proprium é o da inibição do exercício de poderes jurídicos ou direitos, em contradição com o comportamento anterior e que a proibição de comportamento contraditório torna ilegítima a conduta posterior. Por outro lado e mesmo que se entendesse não haver da parte da Ré um comportamento de abuso de direito, não nos podemos esquecer que todas e cada uma das situações previstas no nº 3 do artigo 396 têm de ser forçosamente conjugadas com o disposto nos nºs 1 e 2 do mesmo artigo, pelo que não é a simples prática pelo trabalhador de qualquer um desses comportamentos que levará automaticamente ao seu despedimento. Terá de continuar a aferir-se da gravidade e consequências da conduta, da inexigibilidade de continuação da relação laboral e mesmo na situação prevista na segunda parte dessa alínea g) ou seja a de ultrapassagem do número das faltas injustificadas, quer as seguidas, quer as interpoladas, aí prevista também não dispensa a análise dos pressupostos contidos no restante artigo a que respeita, pelo que não consubstancia uma qualquer situação objectiva de despedimento, apenas eximindo o empregador de ter de alegar e provar que essas faltas causaram prejuízos ou riscos graves para a empresa, o que convenhamos é totalmente diferente. Como se refere no citado Ac. Relação Lisboa de 6 de Abril de 2005, secundando Carlos Alberto L. Morais Antunes e Amadeu Francisco Ribeiro Guerra, Despedimento e Outras Formas de Cessação do Contrato e Trabalho, a mera ocorrência de faltas injustificadas não integra automática verificação de justa causa de despedimento. É que a verificação de mais de cinco faltas seguidas "não determina, só por si e objectivamente o despedimento do trabalhador. Torna-se necessário que a gravidade do comportamento pela sua reiteração, consequências, motivação, torne imediata e praticamente impossível a sua subsistência de relação de trabalho". No mesmo sentido v. o Acórdão da Relação do Porto, de 6 de Março de 2006, ao referir que "como tem sido pacificamente entendido pela jurisprudência e pela doutrina, a simples materialidade das faltas injustificadas ao trabalho durante certo número de dias não basta para que se considere preenchida a justa causa. Importa sempre formular um juízo – apelando para tanto ao critério geral de justa causa do nº 1 do art. 396° – sobre os efeitos reais e concretos, na relação de trabalho em apreço, da infracção praticada pelos recorrentes. Ou seja: é sempre necessário que o trabalhador tenha agido com culpa e que a gravidade e consequências do seu comportamento tornassem imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho. Também nos termos do nº 2, do mesmo normativo, "para apreciação da justa causa deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre os trabalhadores e seus companheiros, e às demais circunstâncias que, no caso se mostrem relevantes". Adiantando-se ainda nesse Aresto que não tendo ficado provada qualquer perturbação causada à recorrida, reportada a tais faltas, e, neste contexto, não podemos concluir pela impossibilidade de manutenção da relação de trabalho, o que torna o despedimento ilícito – cf. art. 429°, alínea c), do CT.". Ora, se a Ré empregadora passou tanto tempo sem exercer o poder disciplinar contra o trabalhador, apesar de ele não comparecer ao trabalho, então é de concluir que a sua ausência não foi de tal modo significativa que venha agora a configurar uma situação de inexigibilidade de continuação do vínculo laboral. Verifico assim e por todas as razões expostas ser ilícito o despedimento do Autor, efectuado pela Ré». Concorda-se com a sentença, nesta parte. Na verdade, como resulta dos factos provados, a Direcção Geral dos Serviços Prisionais, a pedido escrito da ora Recorrente, remeteu-lhe o ofício nº 07183, com data de 24 de Setembro de 2003 (ambos junto aos autos a fls. 551 e 552), onde, nomeadamente, a informava da aludida condenação do ora Recorrido, bem como dessa decisão ter sido"... interposto recurso encontrando-se os autos no Tribunal da Relação do Porto". Se concordamos com a recorrente, quando refere, nas suas conclusões, que diligenciou, então, no sentido de saber a situação do processo, o certo é que tal diligência terminou em 24.09.2003, pois, a partir dessa data, nada mais curou de saber. Mais estranho, ainda, se pensarmos que logo nessa altura, 29.09.2003, a recorrente sabia não só que o recorrido, por sentença, tinha sido condenado em pena de 8 anos de prisão como sabia igualmente que dessa decisão tinha sido interposto recurso, encontrando-se o processo já pendente na Relação do Porto e, consequentemente, eminente uma decisão final definitiva, tal como sucedeu. Ou seja: No quadro de uma boa gestão empresarial como também no relacionamento leal, de boa fé, com os trabalhadores, concretamente o recorrido, é incompreensível que desde 29.09.2003 até 26.02.2007, cerca de 3 anos e meio, tenha a recorrente permanecido indiferente à situação de ausência do recorrido e aos prejuízos que para ela advinham da mesma ausência do trabalhador ao serviço, apenas reagindo, disciplinarmente, quando o trabalhador se apresentou ao serviço, após o cumprimento da pena de prisão. Por isso, no que se concorda com a sentença, «no fundo, a Ré não despediu o Autor por ele ter faltado ao trabalho durante aqueles anos mas sim por ele ter pretendido voltar a trabalhar, o que configura uma manifesta situação de abuso de direito». Concluindo: Não merece censura a sentença recorrida, na parte em que concluiu pela inexistência de justa causa para o despedimento do recorrido. +++ 4. Atento o exposto, e decidindo:Acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida, ainda que por fundamentação não inteiramente coincidente. Custas pela recorrente. +++ Porto, 19.10.09 José Carlos Dinis Machado da Silva Maria Fernanda Pereira Soares Manuel Joaquim Ferreira da Costa |