Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0631059
Nº Convencional: JTRP00039115
Relator: DEOLINDA VARÃO
Descritores: IMPUGNAÇÃO DE PATERNIDADE LEGÍTIMA
INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE
EXAME SANGUÍNEO
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: RP200604270631059
Data do Acordão: 04/27/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: REVOGADA A SENTENÇA.
Indicações Eventuais: LIVRO 668 - FLS. 121.
Área Temática: .
Sumário: I- Para a procedência da acção de impugnação de paternidade, não é imprescindível a prova da filiação biológica.
II- Assim, na acção de impugnação de paternidade, os exames hematológicos e os outros métodos científicos a que se reporta o artº 1801º não assumem a mesma relevância que assumem nas acções de reconhecimento de paternidade referidas no artº 1847º (perfilhação e investigação) em que é essencial a prova do vínculo biológico.
III- a conduta do réu da acção de impugnação de paternidade que falta injustificadamente ao exame hematológico, acarreta a inversão do ónus da prova nos termos do artº 344º, nº 2, caso a prova produzida nos autos se venha a revelar insuficiente para determinar a procedência da acção.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I.
B……. instaurou acção declarativa com forma de processo ordinário contra C….. e D……. .

Pediu que o réu não seja reconhecido como filho do autor para todos os efeitos legais, ordenando-se a respectiva rectificação ou cancelamento no que diz respeito à paternidade no registo de nascimento do réu.
Como fundamento, alegou, em síntese, que casou com a ré em 15.01.72, tendo vivido ambos como marido e mulher entre 1972 e 1974 e que nesta data a ré se separou do autor, indo viver para Espanha, onde passou a manter uma relação afectiva com o seu actual companheiro E….., nunca mais tendo tido contacto com o autor.
O autor teve conhecimento que na Conservatória do Registo Civil tinha sido averbado o assento de nascimento do réu, com data de 26.07.77, no qual lhe era imputada a paternidade.
Posteriormente, requereu a intervenção principal de E….., que foi admitida.
Devidamente citados, os réus e o interveniente não contestaram.
Percorrida a tramitação normal, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu os réus do pedido.

Inconformado, o autor interpôs recurso, formulando as seguintes

Conclusões:
1ª – A lei estabelece a presunção de paternidade, na qual se “presume que o filho nascido ou concebido na constância do matrimónio da mãe tem como pai o marido da mãe2, conforme o artº 1826º, nº 1 do CC.
2ª – A referida presunção é ilidida, nos termos do disposto no artº 1871º, nº 2 do CC, quando existam sérias dúvidas sobre a paternidade do marido da mãe.
3ª – Como determina o artº 1801º do CC, nas acções relativas à filiação, a lei admite como meio de prova os exames hematológicos.
4ª – Os réus impossibilitaram a realização dos exames hematológicos devido às suas constantes ausências, violando, assim, o dever de cooperação com vista à descoberta da verdade, conforma estipula o artº 519º do CPC.
5ª – Assim sendo, o tribunal apreciará livremente o valor dessa ausência para efeitos probatórios, conforme o preceituado no artº 519º, nº 2 do CPC.
6ª – Bem como, nos termos do mesmo artigo em conjugação com o artiº 344º, nº 2 do CC, que dispõe que também há inversão do ónus da prova quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado.
7ª – Todavia, o tribunal a quo não retirou disso as necessárias consequências, na medida em que continuou a fazer impender sobre o autor o ónus da prova da filiação biológica, quando por aplicação do artº 344º, nº 2 do CC, incumbia aos réus essa mesma prova.

Não foram apresentadas contra-alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II.
A matéria de facto dada como provada pelo tribunal a quo não foi impugnada, pelo que se tem como assente.
E é a seguinte:

Em 15.01.72, o autor casou-se com a ré D….. .
Viveram como marido e mulher desde a data do seu casamento até que a D….. se separou do autor em data não concretamente apurada.
Após a separação, a ré D….. foi viver para a Espanha, acompanhando o seu actual companheiro, E……, com quem mantinha uma relação afectiva.
Desde então e até ao presente momento nunca mais tiveram qualquer tido de contacto.

Com interesse para a decisão do recurso, estão ainda provados os seguintes factos:
Em 26.07.77 nasceu o réu C….., que foi registado como filho do autor e da ré – certidão de fls. 6.
O casamento entre o autor e a ré foi dissolvido por divórcio por sentença transitada em julgado em 24.02.00 – certidão de fls. 5.
O autor requereu a realização de exames hematológicos a ele próprio, aos réus e ao interveniente - fls. 4.
Por despacho de 23.03.04, foi ordenada a realização de exames hematológicos ao autor, aos réus e ao interveniente – fls. 27.
Em 03.05.04 foram expedidas cartas registadas para notificação dos réus e do interveniente para comparecerem no IML do Porto em 31.05.04, a fim de serem submetidos aos referidos exames – fls. 40, 41 e 42.
As cartas dos réus não foram devolvidas.
A carta enviada ao interveniente foi devolvida com a menção de “Não reclamado” – fls. 43.
Foi averiguada a morada do interveniente, tendo a GNR informado que o mesmo se encontrava em parte incerta de Espanha desde há cerca de um mês – fls. 46.
Os réus e o interveniente não compareceram no IML do Porto em 31.05.04 – fls. 50.
Em 01.07.04 foram enviadas carta registadas aos réus e ao interveniente, notificando-os para comparecerem no IML do Porto em 11.08.04 para a realização dos exames – fls. 54, 55 e 56.
Essas cartas não foram devolvidas.
Os réus e os intervenientes não compareceram no IML do Porto em 11.08.04 – fls. 58.
Em 22.09.04, foram novamente enviadas cartas registadas aos réus e aos intervenientes, notificando-os para comparecerem no IML do Porto em 14.10.04 – fls. 61, 62 e 64.
Todas aquelas cartas foram devolvidas com a indicação de “endereço insuficiente” – fls. 65, 65 vº e 66.
Os réus e os intervenientes não compareceram no IML do Porto em 14.10.04.
Em 03.11.04, foi entregue à GNR mandado para notificação dos réus e do interveniente para comparecerem no IML do Porto em 25.11.04, às 09 horas – fls. 72 e 73.
Em 07.11.04, a GNR informou que não havia procedido à notificação daqueles, por os mesmos se encontrarem a trabalhar em Espanha, devendo regressar a Portugal no final de Novembro de 2004 – fls. 74.
Foi entregue à GNR novo mandado para notificação dos réus e do interveniente para comparecerem no IML do Porto em 10.01.05 – fls. 83.
A ré D….. foi notificada – fls. 86.
A GNR informou que não notificou o interveniente por não ser conhecido nem residir na área de jurisdição do respectivo Posto, nem o réu C…… por este residir em Barcelona segundo informações prestadas pela ré – fls. 84 e 87.
Por despacho de 05.01.05, foi dada sem efeito a realização dos exames hematológicos com fundamento em “…ter-se tornado difícil – se não mesmo impossível de concretizar – devido às constantes ausências dos interessados” e foi ordenado o prosseguimento do processo para julgamento – fls. 88.
*
III.
O recurso é balizado pelas conclusões das alegações, estando vedado ao tribunal apreciar e conhecer de matérias que naquelas não se encontrem incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso (artºs 684º, nº 3 e 690º, nºs 1 e 3 do CPC), acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido.

No presente recurso, a questão a resolver é a seguinte:
- Se, face à falta de comparência dos réus e do interveniente no IML do Porto para realizarem os exames hematológicos, deve ser considerado invertido o ónus da prova.

O estabelecimento da paternidade efectua-se através da presunção de paternidade, da perfilhação e do reconhecimento judicial da paternidade.
“Estas três vias têm dois denominadores comuns: o de satisfazerem o direito de cada ser humano a conhecer o seu pai; e o de fazerem coincidir a paternidade jurídica com a paternidade biológica” [Diogo Leite de Campos, “Lições de Direito da Família e das Sucessões”, 2ª ed., pág. 347].
Presume-se que o filho nascido ou concebido na constância do matrimónio tem como pai o marido da mãe (artºs 1796º, nº 1 e 1826º, nº 1 – Diploma a que pertencem todas as normas adiante citadas sem menção de origem).
A paternidade presumida nos termos daquele normativo pode ser impugnada pelo marido da mãe, por esta, pelo filho ou pelo MºP (por este desde que se verifiquem os requisitos estabelecidos no artº 1841º) – artº 1839º, nº 1.
Na acção de impugnação de paternidade, o autor deve provar que, de acordo com as circunstâncias, a paternidade do marido da mãe é manifestamente improvável (nº 2 do artº 1839º).
Com a fórmula da manifesta improbabilidade de o marido ser o pai, o legislador quis significar que os tribunais devem exigir mais do que uma improbabilidade simples e menos do que a impossibilidade estrita da paternidade marital [Guilherme de Oliveira, “Estabelecimento da Filiação”, pág. 84].
Resulta do que acima se disse que, para a procedência da acção de impugnação de paternidade, não é imprescindível a prova da filiação biológica.
A lei contenta-se com um menos - a prova da manifesta improbabilidade de o filho ser do marido – tendo, por isso, consagrado no nº 2 do artº 1839º o sistema da prova livre da não paternidade do marido da mãe.
Essa prova pode ser feita por qualquer meio, incluindo a prova testemunhal, sendo ainda de admitir os exames hematológicos ou quaisquer outros meios cientificamente idóneos – cfr. artº 1801º [Ac. do STJ de 18.04.02, www.dgsi.pt, nº conv. 129].
Assim, na acção de impugnação de paternidade, os exames hematológicos e os outros métodos científicos a que se reporta o artº 1801º não assumem a mesma relevância que assumem nas acções de reconhecimento de paternidade referidas no artº 1847º (perfilhação e investigação) em que é essencial a prova do vínculo biológico.
Nas acções de reconhecimento de paternidade, a causa de pedir é o facto naturalístico da procriação biológica, perspectivado como facto natural dotado de relevância jurídica [Lopes do Rego, “O Ónus da Prova nas Acções de Investigação de Paternidade: Prova Directa e Indirecta do Vínculo da Filiação” em “Comemorações dos 35 Anos do Código Civil”, vol. I, pág. 781], que, embora possa também ser provado indirectamente, através das presunções legais previstas nas als. a), b), c) e d) do artº 1871º ou através de presunções naturais ou judiciais nos termos consentidos pelo artº 351º, só pode ser provado directamente através dos exames de sangue e quaisquer outros métodos cientificamente comprovados a que se reporta o artº 1801º.
No entanto, também nas acções de impugnação de paternidade, se, pelo exame hematológico se demonstrar que o marido da mãe está excluído da paternidade e/ou se se demonstrar que o pretenso pai tem fortes probabilidades de ser ele o pai, está provada a manifesta improbabilidade referida no citado artº 1839º, nº 2, sem necessidade de recorrer a outros meios de prova [Ac. desta Relação de 21.02.00, base citada, nº conv. 28003].
Os exames hematológicos e outros métodos científicos não deixam assim de ser relevantes nas acções de impugnação de paternidade, porque se através deles se provar a filiação biológica em relação a um terceiro ou a impossibilidade de filiação biológica em relação ao marido da mãe, prova-se mais do que a manifesta improbabilidade e a acção procede com um maior grau de certeza e de segurança, sem necessidade de recorrer a outros meios de prova mais falíveis e incertos como a prova testemunhal.

A recusa do réu nas acções de reconhecimento de paternidade em submeter-se a exame hematológico tem sido discutida na doutrina e na jurisprudência à volta de três questões:
- se a recusa é legítima; se o exame pode ser realizado coercitivamente; se a recusa inverte o ónus da prova.

Dispõe o artº 519º, nº 1 do CPC que todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo-se às inspecções necessárias, facultando o que for requisitado e praticando os actos que forem determinados.
Nos termos do nº 2 do mesmo normativo, aqueles que recusem a colaboração devida serão condenados em multa, sem prejuízo dos meios coercitivos que forem possíveis; e se o recusante for parte, o tribunal apreciará livremente o valor da recusa para efeitos probatórios, sem prejuízo da inversão do ónus da prova decorrente do preceituado no nº 2 do artº 344º do CC.
A omissão grave do dever de cooperação pode também dar lugar à condenação da parte como litigante de má fé (artº 456º, nº 2, al. c) do CPC).
O dever de cooperação para a descoberta da verdade tem dois limites: o respeito pelos direitos fundamentais, imposto pela CRP e referido nas als. a) e b) do nº 3 do artº 519º do CPP; e o respeito pelo direito ou dever de sigilo, a que se refere a al. c) do nº 3 do mesmo normativo.
A jurisprudência tem-se pronunciado tendencialmente no sentido de que da ilegitimidade da recusa do réu em se submeter a exames hematológicos nas acções de reconhecimento da paternidade e da impossibilidade da realização coerciva do exame.
De acordo com a maioria dos arestos [Ver, entre outros, os Acs. do STJ de 04.10.94, www.dgsi.pt, nº conv. 35326 e desta Relação de 12.02.87, CJ-I-231, de 16.02.89, CJ-I-193 e de 21.09.99, CJ-IV-203], a recusa é ilegítima porque viola o dever de colaboração das partes, já que a realização do exame hematológico é um acto necessário à descoberta da verdade e não se trata de acto vexatório, humilhante ou causador de grave dano (artº 519º, nº 3 do CPC); mas a coacção da parte a submeter-se ao exame é ilícita porque viola a sua integridade física e é atentatória da sua dignidade.
È esta também a orientação da doutrina.
Segundo Lebre de Freitas [“Código de Processo Civil Anotado”, vol. II, pág. 411. No mesmo sentido, Guilherme de Oliveira, obra citada, pág. 19.], tido em conta o dever de colaboração, não é legítima a recusa à realização dos exames hematológicos em acção relativa à filiação (artº 1801º); mas, tida em conta a tutela dos direitos de personalidade, não é admissível a execução coerciva desses exames.
Também Rui Rangel [“O Ónus da Prova no Processo Civil”, pág. 300] entende que a prática de um acto médico pode constituir violação dos direitos fundamentais do homem e do cidadão, constitucionalmente consagrados.

Sendo ilegítima a recusa da submissão da parte a exame e não podendo o tribunal usar meios coercivos para a realização do exame, deve condenar a parte faltosa em multa, nos termos do artº 519º, nº 2, 1ª parte do CPC.
Resta aferir das consequências da recusa à luz do disposto na 2ª parte do mesmo nº 2: se há lugar à inversão do ónus da prova nos termos do artº 344º, nº 2 ou simplesmente à sua livre valoração em termos de prova.

O citado artº 344º, nº 2 estabelece que há inversão do ónus da prova quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado.
Lebre de Freitas [Obra citada, pág. 409] entende que se verifica o condicionalismo daquele normativo quando a conduta do recusante impossibilita a prova do facto a provar, a cargo da contraparte, por não ser possível consegui-la com outros meios de prova, já por a lei o impedir (exs.: artº 313º, nº 1 e artº 365º do), já por concretamente não bastarem para tanto os outros meios produzidos. Se outra prova dos factos em causa não existir ou, existindo, for insuficiente, a recusa pode dar lugar à inversão do ónus da prova, que ficará a cargo da parte não cooperante.
No mesmo sentido, Rui Rangel [Obra citada, pág. 301] entende que o regime previsto no nº 2 do artº 344º não pressupõe que o único meio de prova idóneo para a demonstração de determinado facto seja o inviabilizado pela conduta culposa da parte. Basta que se trate de meio de prova de especial relevância, isto é, que só por si fosse idóneo para garantir a procedência da acção.
No que respeita à recusa da parte em se submeter a exame hematológico nas acções de reconhecimento de paternidade, entendem aqueles autores que há lugar à inversão do ónus da prova quando o exame for o único meio de provar a filiação biológica e a recusa implique a impossibilidade de o autor fazer essa prova, privando-o da prova directa, por meios científicos [Lebre de Freitas, obra e lugar citados na nota 7 e ainda “A Acção Declarativa Comum”, pág, 185; e Rui Rangel, obra e lugar citados na nota anterior.].
Também Lopes do Rego [“Comentários do Código de Processo Civil”, pág. 361.] refere que se o exame se configurar como absolutamente essencial à determinação da filiação biológica – implicando consequentemente a recusa do pretenso pai verdadeira impossibilidade de o autor fazer prova da invocada filiação biológica – deverá aplicar-se o preceituado no nº 2 do artº 334º, presumindo-se a paternidade.
Já Alberto dos Reis [“Código de Processo Civil Anotado”, III vol., 3ª ed., pág. 326.] defendia que se a parte não se submete a inspecção tendente a verificar certo facto, se deve ter esse facto por provado.
A jurisprudência tem-se mostrado dividida quanto a esta questão, propendendo alguns arestos para a posição doutrinária acima exposta [Cfr. os Acs. do STJ de 28.05.02, base citada, nº conv. 1963 e desta Relação de 21.09.99, citado na nota 6, e de 16.10.00 e 15.01.04, base citada, nºs conv. 30090 e 36772, respectivamente.] e entendendo outros que, para além da multa prevista na 1ª parte do nº 2 do artº 519º do CPC, a sanção de ordem probatória da recusa só pode ser a sua livre apreciação pelo tribunal nos termos da 2ª parte do mesmo normativo [Damos como exemplo o Ac. do STJ de 04.10.94, base citada, nº conv. 25326.].
Por outro lado, o Ac. do TC 616/98 de 21.10.98 [DR-II série de 17.03.99.], DR-II série, de 17.03.99 considerou constitucional a valoração da recusa nos termos do artº 519º do CPC.
Concordamos com a primeira das posições acima expressas:
A recusa ilegítima da parte em se submeter a exame constitui violação do dever de colaboração consagrado no artº 519º, nº 1 do CPC, não podendo aquela conduta deixar de se considerar culposa. E se a prova produzida nos autos for insuficiente para determinar a procedência da acção, existe impossibilidade de prova imputável àquela conduta da parte.
Acresce que a conduta culposa da parte pode ser omissiva, pelo que é de atribuir à falta injustificada ao exame os mesmos efeitos que à recusa expressa em se submeter a exame: a parte que falta injustificada e, por vezes, reiteradamente, aos exames marcados, inviabiliza a prova exactamente da mesma forma que a parte que declara não querer submeter-se ao exame [Neste sentido, ver o Ac. do STJ de 28.05.02, citado na nota 15.]

Já concluímos pela relevância do exame hematológico e de outros métodos científicos na acção de impugnação de paternidade, pelo que o entendimento que perfilhámos para as acções de reconhecimento da paternidade é válido para aquele tipo de acções.
Por isso, a conduta do réu da acção de impugnação de paternidade que falta injustificadamente ao exame hematológico, acarreta a inversão do ónus da prova nos termos do artº 344º, nº 2, caso a prova produzida nos autos se venha a revelar insuficiente para determinar a procedência da acção.

No caso em apreço, as cartas enviadas para notificação dos réus C….. e D….. para comparecerem no IML do Porto em 31.05.04 e 01.07.04 para se submeterem ao exame hematológico não foram devolvidas, pelo que se presume que foram notificados (artº 255º, nºs 1 e 2 do CPC), presunção esta que não foi ilidida por qualquer prova em contrário.
Os réus não compareceram no IML naquelas datas e não consta dos autos qualquer justificação das suas faltas.
Também a carta enviada ao interveniente E….. para comparecer no IML do Porto em 01.07.04 não foi devolvida, presumindo-se a sua notificação nos termos acima expostos.
O interveniente não compareceu e não consta dos autos que tenha justificado a falta.
A final, a acção veio a ser julgada improcedente por o autor não ter logrado provar a data em que se separou da ré D….. .
Ora, os exames hematológicos ao autor (marido), à ré D….. (mãe), ao réu C….. (filho) e ao interveniente E….. (pretenso pai) permitiriam determinar com segurança a filiação biológica, bastando a exclusão em relação ao autor ou a forte probabilidade em relação ao interveniente para provar a manifesta improbabilidade da paternidade do autor e acarretar a procedência da acção.
Foi assim apenas a conduta culposa dos réus e do interveniente que inviabilizou a prova da presente acção, pelo que a mesma terá e ser sancionada com a inversão do ónus da prova, nos termos do artº 344º, nº 2, passando a caber aos réus a prova de que é manifestamente improvável que o réu C….. seja filho do autor.
Como resulta da matéria da factualidade acima descrita, os réus não lograram fazer tal prova, pelo que a acção terá de ser julgada procedente, declarando-se que o réu C….. não é filho do autor.
*
III.
Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação procedente, revogando-se a sentença recorrida e, em consequência:
A) Declara-se que o réu C….. não é filho do autor B……;
B) Ordena-se o cancelamento do registo de nascimento daquele réu na parte respeitante à paternidade.

Custas pelos apelados.

Oportunamente, comunique à Conservatória do Registo Civil competente.
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Porto, 27 de Abril de 2006
Deolinda Maria Fazendas Borges Varão
Ana Paula Fonseca Lobo
António Domingos Ribeiro Coelho da Rocha