Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0636141
Nº Convencional: JTRP00039939
Relator: AMARAL FERREIRA
Descritores: ARBITRAGEM INTERNACIONAL
CONCESSÃO COMERCIAL
Nº do Documento: RP200701110636141
Data do Acordão: 01/11/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA.
Indicações Eventuais: LIVRO 700 - FLS. 128.
Área Temática: .
Sumário: I- Quando referida, a interesses do comércio internacional, a arbitragem designa-se por arbitragem internacional, podendo as partes escolher o direito a aplicar pelos árbitros, sendo que, na falta de escolha, o tribunal aplica o direito mais apropriado ao litígio.
II- Se validamente convencionado o recurso à arbitragem, a determinação do direito aplicável à resolução do litígio “rege-se principalmente por regras e princípios próprios do Direito da Arbitragem Comercial Internacional”, sendo permitido que as partes remetam para um Direito estadual, para o Direito internacional Público, para a lex mercatoria, para “princípios gerais” ou para a equidade.
III- Não havendo designação expressa, “não há, em princípio, razão para as partes suporem que os árbitros decidirão o fundo da causa segundo o direito em vigor no lugar da arbitragem”.
IV- Um contrato de concessão comercial, é um contrato-quadro que faz surgir entre as partes uma relação obrigacional complexa por força da qual uma delas, o concedente, se obriga a vender à outra, o concessionário, e este a comprar-lhe, para revenda, determinada quota de bens, aceitando certas obrigações e sujeitando-se a um certo controle e fiscalização do concedente.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I – RELATÓRIO.

1. “B……………., Ldª”, sediada na Rua ……, …., ….º, Porto, com apoio judiciário na modalidade de dispensa total de taxa de justiça e demais encargos, instaurou, nas Varas Cíveis do Porto, contra “C…………… S.A.”, com sede em …………., …….., ….., ….., ……., Espanha, a presente acção declarativa, com forma de processo ordinário, formulando os seguintes pedidos: a) Ser declarado que a resolução do contrato de concessão comercial celebrado entre autora e ré, operada pela ré em 8 de Abril de 2002, é destituída de fundamento válido, ilegal e sem justa causa; b) Ser a ré, em consequência, condenada a pagar à autora a quantia de 251.693 Euros, a título de indemnização pelos prejuízos causados à autora em virtude do incumprimento do contrato pela ré até final do contrato; c) Ser a ré condenada a pagar à autora uma indemnização a liquidar posteriormente pelos danos que causou ao seu bom-nome e à sua imagem comercial e pelas despesas e encargos por si suportados com a promoção dos milhos da ré; d) Ser a ré condenada a pagar à autora a título de indemnização de clientela a quantia de 94.540 Euros; e) Ser a ré condenada a pagar à autora juros de mora à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.
Alega para tanto, em resumo, que celebrou com a R., em 17 de Novembro de 1993, um contrato de concessão comercial, pelo prazo de cinco anos, e, mais tarde, um novo contrato, por mais 5 anos, com início em 21/02/1999 e termo em 21/02/2004, em virtude do qual a R. se obrigou a vender-lhe, de forma exclusiva, os seus milhos híbridos para o território nacional e a conceder-lhe o direito de ser a única e exclusiva concessionária a testar, avaliar, registar, comercializar e vender no território nacional várias variedades de milhos; desde a celebração do primeiro contrato sempre existiu um excelente relacionamento comercial entre as partes, cumprindo ambas com os seus compromissos; porém, no início de 2002, para efectuar os fornecimentos de milho já previamente encomendado a R. começou a exigir-lhe a prestação de uma garantia bancária a seu favor de valor igual ao do total da encomenda de milhos para esse ano, exigência que nunca tinha feito anteriormente nem estava prevista no contrato; sempre pagou pontualmente os fornecimentos efectuados pela R. e existia um clima de confiança entre ambas; ainda assim, inteirou-se junto de bancos sobre o custo da garantia e verificou que esta absorveria parte significativa do seu lucro, pelo que propôs pagar o milho em duas parcelas, uma de 50% contra a entrega, e outra com os restantes 50%, em 30 de Setembro de 2002, proposta que a R. não aceitou, continuando a exigir, para o fornecimento da mercadoria, garantia bancária ou aval pessoal dos seus sócios gerentes; perante isso, foi obrigada a reduzir a sua encomenda, pagando-a previamente à sua entrega, uma vez que, só assim, a R. lhe fornecia o milho; em 8 de Abril de 2002, a R. resolveu o contrato através do fax em que refere “dada la indisponibilidad de B……………. para garantizar los pagos de la semilla a suministrar, no teremos otra alternativa que la rescison del contrato com efectos inmediatos”; com essa atitude, causou-lhe prejuízos elevadíssimos, porque a sua actividade estava indissociavelmente ligada à ré, porque a sua imagem junto dos seus clientes estava ligada à marca C……………. e porque mais de 80% da sua actividade e do seu volume de negócio resultava da venda dos milhos da R.; no ano de 2002, ao ver-se impedida de vender os milhos da R. no montante de 159.316,83 Euros, sofreu um prejuízo equivalente a 45% desse montante, ou seja, de 71.693 Euros; em relação às campanhas de cada um dos anos de 2003 e 2004, teve um prejuízo de 90.000 Euros; além disso, ficou praticamente inactiva, reduzindo a sua actividade para 20% da sua capacidade, mas manteve os seus custos fixos, passando a acumular prejuízos; tentou introduzir no mercado uma nova marca de milhos, sem sucesso comercial; a R. continuou no mercado nacional, através de dois novos concessionários, aproveitando-se do esforço da autora e dos clientes que esta angariou ao longo dos anos; ao resolver o contrato sem justa causa, a ré afectou o bom-nome e imagem comercial da autora junto dos seus clientes.
2. Contestou a R. e, depois de invocar a excepção dilatória da preterição do tribunal arbitral, impugnando parcialmente a factualidade alegada pela A., aduz, também em síntese, que o contrato inicial foi celebrado com sociedade com a mesma designação que a sua, sediada em França, e que a exigência de prestação de garantia bancária não foi puro capricho, já que é sua política, a fim de assegurar o recebimento dos valores dos fornecimentos que faz aos seus clientes, recorrer a um seguro de crédito; não tinha anteriormente solicitado a emissão de uma garantia bancária ou de aval pessoal dos sócios da A. em virtude de grande parte dos fornecimentos se encontrarem coberto por seguro de crédito; mas, no ano de 2000, a D……………….., S.A., sua seguradora, concedeu um limite de risco relativamente à A. no valor de 90.151,82 Euros e, no ano de 2001, já só concedeu um limite de risco no montante de 30.050 Euros, o que a alarmou, visto que a redução substancial do limite de risco concedido pela D…………… relativamente à A. indiciava que a sua situação económica se tinha alterado significativamente em sentido negativo; por isso, solicitou a prestação de uma garantia bancária ou o aval pessoal dos sócios da A., pois não podia fornecer as sementes sem ter qualquer garantia de que o seu pagamento seria efectuado; no entanto, tendo em vista não prejudicar a A., aceitou que os pagamentos relativos à campanha 2002/2003 fossem realizados em dois momentos: 50% em 30.07.02 e 50% em 30.09.02, devendo a garantia bancária ter vencimento em 30.10.02; acresce que, desde o início do contrato, a A. se atrasou sempre nos pagamentos, à excepção de uma única vez, e que relativamente à factura nº 1122754 permanece ainda por liquidar o montante de 9.271,13 Euros; o relacionamento comercial entre a ambas manteve-se até Outubro de 2002 única e exclusivamente para resolução de assuntos pendentes.
Termina pela procedência da excepção, com a consequente absolvição da instância, ou pela improcedência da acção e sua absolvição do pedido.
3. Respondeu a A. no sentido da improcedência da excepção, invocando para tanto a sua situação de insuficiência económica e o artº 38º do Regime Jurídico do Contrato de Agência, e concluindo como na petição.
4. Em sede de audiência preliminar foi proferido despacho saneador que, desatendendo a excepção invocada pela R., afirmou a validade e regularidade da instância, declarou a matéria assente e elaborou base instrutória, que se fixaram sem reclamações.

5. Agravou a R. do despacho saneador na parte que julgou improcedente a excepção e, alegando, formulou as seguintes conclusões:
1ª: O Despacho Saneador do qual se recorre considerou improcedente a excepção de preterição de Tribunal Arbitral invocada pela Agravante na sua contestação, por ter violado os arts. 41.º n.º 2 do Código Civil e 38.º do Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de Julho, bem como pelo facto de ter sido concedido benefício de apoio judiciário à aqui Agravada, não possuindo esta condições económicas para suportar os custos inerentes ao Tribunal Arbitral, sob pena de violação do princípio constitucional de acesso ao direito (art. 20.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa).
2ª: A A., ora Agravada intentou acção declarativa de condenação contra a aqui Agravante, nos termos da qual peticiona a condenação da R., aqui Agravante, no pagamento de diversos montantes tendo por base a cessação de um contrato de licença de distribuição regional da semente de milho e correspondente acordo de fornecimento (documento n.º 1 junto à Contestação).
3ª: No referido contrato, livremente acordado e celebrado entre as partes, foi estipulada na cláusula 11. uma convenção arbitral, nos termos da qual:
“11.1. Este acordo deverá ser regulado pelas leis de França.
11.2. Na hipótese de ocorrência de um litígio entre as partes não regulado nos termos deste acordo, ambas as partes acordam em ser reguladas pelas regras do F.I.S. para o comércio internacional de sementes de cereais com regras específicas quanto ao milho. Qualquer arbitragem desenrolar-se-á de acordo com o Procedimento de Arbitragem do F.I.S. para o Tratado Internacional da Semente em França.”
4ª: Ora, o contrato sub judice foi inicialmente celebrado entre uma sociedade francesa – C……………. S.A., e uma sociedade portuguesa, a aqui Agravada.
5ª: Razão pela qual, haviam as partes elegido a lei francesa para a regulação do mesmo.
6ª: Lei essa que, aquando da celebração do contrato, tinha conexão com o mesmo.
7ª: Em momento posterior à celebração do referido contrato, a C1…………. S.A. cedeu a sua posição contratual à aqui Agravante C……………. S.A., com sede em Espanha.
8ª: Após a cessão de posição contratual, a designação pelas partes da lei francesa para a regulação do contrato entra em conflito com o n.º 2 do art. 41.º do Código Civil.
9ª: O Meritíssimo Juiz ad quo considerou que se impunha o afastamento da lei francesa ex vi art. 38.º do Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de Julho, o qual regula o contrato de agência.
10ª: No Douto Despacho ora em crise é referido que “(...) Embora não seja ainda este o momento para proceder à qualificação jurídica do contrato, as partes estão de acordo e com facilidade se pode aceitar que ao contrato de distribuição/concessão comercial celebrado se deverão em regra aplicar por analogia as normas específicas do contrato de agência. (...)”.
11ª: Porém, a qualificação jurídica de um contrato é uma questão de direito e não uma simples questão de facto, a qual não se pode basear no acordo das partes.
12ª: O Meritíssimo Juiz ad quo, muito embora não tenha procedido à qualificação jurídica do contrato celebrado entre as partes, considerou que se impunha a aplicação, por analogia, do art. 38.º do Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de Julho, que regula o contrato de agência.
13ª: A decisão ora em crise é manifestamente contraditória, uma vez que por um lado não relega para momento posterior a qualificação jurídica do contrato sub judice e, ao mesmo tempo, decide pela imperatividade de aplicação de um determinado regime, o qual pressupõe uma prévia qualificação jurídica do contrato celebrado.
14ª: Pelo que, o Despacho é nulo nos termos das alíneas b) e c) do n.º 1 do art. 668.º do Código de Processo Civil, nulidade essa que para todos os efeitos legais desde já se invoca.
Ainda que assim se não entenda, o que por mera cautela de patrocínio se pondera mas se não concede, sempre se dirá que,
15ª: O contrato celebrado entre as partes constitui um contrato atípico, o qual não se encontra expressamente regulado pelo direito português.
16ª: Em face da aplicação analógica do regime do contrato de agência ao contrato sub judice o art. 38.º do Decreto-Lei n.º 178/86 estabelece que aos contratos que se desenvolvam predominantemente em território nacional será aplicável a lei portuguesa, a não ser que a lei estrangeira, relativamente ao regime de cessação, seja mais vantajosa para o agente.
17ª: A Agravante e a Agravada estão de acordo quanto ao facto de a lei francesa não ser mais favorável para o agente, sendo muito idêntica à portuguesa, uma vez que ambas se baseiam na mesma orientação comunitária sobre a matéria, Directiva 86/653/CEE, do Conselho, de 18 de Dezembro de 1986.
18ª: Desenvolvendo-se o contrato celebrado entre as partes essencialmente em território nacional, será aplicável a lei portuguesa nos termos do art. 38.º do Decreto-Lei n.º 178/86.
19ª: O Meritíssimo Juiz ad quo considerou que a aceitação da cláusula compromissória celebrada entre as partes teria como consequência a aplicação de outra ordem jurídica que não a portuguesa (lei francesa) e que os árbitros não poderiam afastar a aplicação do ordenamento jurídico escolhido pelas partes (lei francesa).
20ª: O Meritíssimo Juiz ad quo decidiu afastar a aplicação da totalidade da cláusula compromissória constante do contrato celebrado entre as partes, o que corresponde a declarar a total invalidade da referida cláusula, com base nos fundamentos mencionados num comentário de Pinto Monteiro ao art. 38.º do Decreto-Lei n.º 178/86, de acordo com o qual, se não se fizer prova de que a lei estrangeira é mais vantajosa para o agente, serão competentes os tribunais portugueses, uma vez que “(..) A não se entender assim facilmente seria defraudada a intenção do legislador de tutelar o agente, no termo do contrato, caso este haja sido executado, exclusiva ou preponderantemente, em território português (...).” (Pinto Monteiro, Contrato de Agência – Anotação, Almedina, 3.ª edição actualizada, pág. 125).
21ª: Contudo, o facto de a cláusula compromissória prever a aplicação da lei francesa não poderá, por si só, afectar a validade da cláusula compromissória no seu todo.
22ª: O Código Civil, no art. 292.º, sob a epígrafe “redução”, consagra o princípio da conservação dos negócios jurídicos, de acordo com o qual “A nulidade ou anulação parcial não determina a invalidade de todo o negócio, salvo quando se mostre que este não teria sido concluído sem a parte viciada”.
23ª: Em parte alguma nos presentes autos foi alegada ou sequer provada pela aqui Agravada que a referida cláusula compromissória não teria sido celebrada sem a parte viciada (aplicação da lei francesa), verificando-se a presunção de divisibilidade ou separabilidade da cláusula compromissória, uma vez que não foram alegados factos subsumíveis a uma vontade conjectural contrária à redução.
24ª: Deste modo, a referida cláusula compromissória será nula apenas nessa parte, ou seja, na parte em que elege a lei francesa como lei reguladora do contrato.
25ª: Em face do exposto, a decisão ora recorrida violou o art. 292.º do Código Civil.
26ª O facto de ao caso sub judice se impor a aplicação da lei portuguesa, não pode implicar necessariamente que o mesmo seja julgado por um tribunal português.
27ª: Tal como os tribunais judiciais portugueses poderão ter que proceder à aplicação de direito estrangeiro, também um tribunal arbitral poderá aplicar direito estrangeiro, pelo que, nada impede que, operando a redução, as partes recorram a uma arbitragem internacional e que seja aplicado o direito português.
28ª: A Agravada requereu apoio judiciário, o qual foi deferido na modalidade de dispensa total ou parcial de taxa de justiça e demais encargos com o processo, conforme documento n.º 2 junto à Petição Inicial.
29ª: Aquando a celebração do contrato sub judice, teria a Agravada de prever que poderia vir a existir um litígio entre as partes, uma vez que a cláusula em questão encontra-se prevista para essas situações.
30ª: Acresce que, a Agravada, quando celebrou o contrato, bem sabia que o alegado incumprimento ou cessação do mesmo poderia implicar a sua asfixia económica e, mesmo assim, optou por convencionar que apenas o tribunal arbitral seria competente para apreciar a existência ou não desse incumprimento,
31ª: Bem sabendo os custos inerentes ao mesmo e renunciando à apreciação do litígio por parte dos tribunais judiciais.
32ª: A situação de dependência económica é uma característica deste tipo de contratos, pelo que, tal situação seria absolutamente previsível à data da celebração da cláusula arbitral, não podendo tal alegada dependência ser invocada para impedir a aplicação de uma convenção de arbitragem que o contrato sub judice consagra.
33ª: É a própria Agravada que alega que 80% da sua actividade e do seu volume de negócio resultava da venda de produtos fornecidos pela Agravante.
34ª: Muito embora não tal não se encontre demonstrado, a verdade é que, a ser assim, teria a Agravada que prever que a cessação do contrato a colocaria numa situação económica difícil.
35ª: A modificação do convencionado entre as partes só pode ocorrer se as circunstâncias que tiveram na origem da decisão das partes em contratar sofrerem alteração anormal e não previsível e desde que a exigência das obrigações assumidas seja gravemente lesiva dos princípios da boa fé e não seja coberta pelo riscos próprios do contrato, de acordo com o n.º 1 do art. 437.º do Código Civil.
36ª: Os proveitos económicos que a Agravada esperaria alcançar com o contrato de distribuição celebrado com a Agravante eram meras expectativas que poderiam ou não vir a concretizar-se.
37ª: O facto de a Agravante não ter interposto recurso da decisão que concedeu o benefício de apoio judiciário à aqui Agravada é irrelevante.
38ª: Na decisão que ora se recorre é mencionado que “(...) O princípio pacta sunt servanda não pode constituir uma violação do princípio constitucional do acesso ao direito. (...)”.
39ª: O princípio pacta sunt servanda é de ordem pública internacional, o qual impõe que se alguém acorda com outrem, no âmbito da sua livre disponibilidade, sujeitar a um tribunal arbitral o julgamento das questões emergentes de um contrato entre ambos celebrado, cumpra esse mesmo acordo.
40ª: De igual forma, é de ordem pública internacional o princípio segundo o qual não se pode negar a nenhum indivíduo a possibilidade de defesa dos seus direitos e interesses legítimos através do recurso aos tribunais, não podendo a justiça ser denegada em face da insuficiência de meios económicos nos termos do n.º 1 do art. 20.º da Constituição da República Portuguesa.
41ª: Não é de ordem pública internacional a aplicação do referido princípio aos casos em que a mencionada insuficiência de meios de alguém que, por natureza, só existe enquanto tal, ontologicamente, enquanto puder assegurar os meios económicos necessários à sua própria existência.
42ª: Este é o caso das sociedades comerciais, as quais só existem, só podem existir enquanto puderem prover à sua própria existência, fazendo parte da natureza das mesmas guardar meios para esse fim, designadamente o necessário para prover à defesa dos seus direitos.
43ª: Por esse motivo, a lei do apoio judiciário não reconhece às sociedades comerciais o direito a integral protecção jurídica – consulta jurídica e apoio judiciário, como acontece para as pessoas singulares, e não reconhece sequer o direito a apoio judiciário por inteiro, permitindo apenas a dispensa de pagamento total ou parcial de custas mediante prova de que o montante de preparos ou custas seja consideravelmente superior às suas possibilidades económicas (arts. 6.º e 7.º n.ºs 4 e 5 da Lei n.º 30-E/2000, de 20 de Dezembro).
44ª: Encontrando-se a Agravante e a Agravada no âmbito do direito privado e da sua livre disponibilidade, tendo as partes acordado em sujeitarem-se a um tribunal arbitral, sabendo que os tribunais arbitrais implicam encargos e despesas, deveria a Agravada ter-se prevenido quanto ao respectivo aprovisionamento.
45ª: Se a Agravada tivesse ficado posteriormente à celebração da cláusula compromissória, sem culpa sua, numa situação de insuficiência económica que a impossibilita de se sujeitar a um tribunal arbitral e aos inerentes custos, a força expansiva do direito de acesso aos tribunais imporia que a Agravada pudesse deixar de cumprir a cláusula compromissória e pudesse recorrer aos tribunais estaduais.
46ª: Sucede que, tal hipótese não se encontra demonstrada nos presentes Autos e não pode ser colocada, uma vez que a Agravada alega que 80% da sua actividade e do seu volume de negócio resultava da venda de produtos fornecidos pela Agravante, muito embora tal não se encontre demonstrado, pelo que, tal como é característica deste tipo de contratos, a Agravada encontrar-se-ia numa situação de dependência económica da aqui Agravante.
47ª: Pelo que, teria a Agravada que prever que a cessação do contrato celebrado com a aqui Agravante a colocaria numa situação económica difícil.
48ª: A interpretação do art. 20º nº 1 da Constituição da República Portuguesa constante da decisão de que ora se recorre é inconstitucional.
49ª: Em face de todo o exposto, não poderia o Meritíssimo Juiz ad quo considerar que a Agravada podia legitimamente violar a convenção de arbitragem livremente acordada e, em consequência, preterir o tribunal arbitral,
50ª: Razão pela qual, se verifica a excepção dilatória de preterição de tribunal arbitral, pelo que, o Tribunal ad quo dever-se-ia ter abstido de conhecer do mérito da causa e absolver a Agravante,
51ª: Não o tendo feito, a decisão ora recorrida violou os artigos 99º, 494º alínea j) e 493º nº 2 do Código de Processo Civil.
Nestes termos, deverá ser julgado procedente o presente recurso com todas as consequências legais, porque SÓ ASSIM SE FARÁ A ACOSTUMADA JUSTIÇA

6. Contra-alegou a A. pugnando pela improcedência do agravo e foi proferido despacho de sustentação.

7. Instruída a causa, procedeu-se a julgamento com gravação e observância do formalismo legal, no decurso do qual foi ordenada oficiosamente, e realizada, prova pericial e, sem que as respostas dadas à matéria de facto controvertida tivessem sido objecto de censura, após junção de alegações da R. sobre o aspecto jurídico da causa a pugnar pela improcedência da acção, veio a ser proferida sentença que, julgando a acção parcialmente provada e procedente, declarou que a resolução do contrato celebrado entre A. e R., operada pela ré em 8 de Abril de 2002, foi ilegal, e condenou a R. a pagar à A. a indemnização a liquidar em momento ulterior mas correspondente ao lucro que a autora teria obtido se tivesse vendido entre 2002 e 2004 a seguinte quantidade de milho da ré: em 2002 milho no valor de 144.122,80 Euros, em 2003 milho no valor de 67.500 Euros, em 2004 milho no valor de 200.000 Euros.

8. Inconformada, apelou a R. rematando as respectivas alegações com as seguintes conclusões:
1ª: A Apelante resolveu com justa causa o contrato de concessão comercial celebrado com a Apelada através do fax junto a fls. 21.
2ª: Entendendo-se a aplicabilidade por analogia do regime de cessação do contrato de agência ao caso vertente, para verificar da existência de fundamento de resolução com base na alínea a) do art. 30.º do Decreto-Lei n.º 178/86, devem ter-se em consideração as circunstâncias que terão levado a Apelante a exigir uma garantia do pagamento do preço das sementes por si à Apelada.
3ª: Ficou demonstrado que é política da Apelante, para assegurar o recebimento dos valores relativos aos fornecimentos efectuados aos seus clientes, que esta recorre a um seguro de crédito (Cfr. Facto 25 dos Factos Controvertidos Provados).
4ª: Para o ano de 2000, foi concedido um limite de risco pela seguradora D…………….. correspondente a 45,24% do valor total dos fornecimentos efectuados pela Apelante à aqui Apelada em 2001 (199.287,34 Euros - Cfr. Facto 12 dos Factos Controvertidos Provados), e que, para o ano de 2001, o limite de risco concedido foi de apenas 30.050,00 €, respectivamente 15,92% do montante global da encomenda (188.785,00 Euros - Cfr. Facto 13 dos Factos Controvertidos Provados) efectuada pela Apelada à aqui Apelante.
5ª: Para efeitos de análise dos riscos económicos da Apelante, o que releva é a relação entre o valor do fornecimento e o valor do limite de risco concedido, a qual traduz o risco efectivamente suportado ou não pela Apelante em caso de incumprimento da Apelada, sendo que a redução da relação entre o valor dos fornecimentos efectuados pela Apelante à aqui Apelada em 2000 de 45,24% para 15,92% no ano de 2001, constitui uma redução bastante significativa, que implica necessariamente um acréscimo bastante significativo dos riscos da Apelante e justificativo da exigência da garantia dos fornecimentos a efectuar à Apelada.
6ª: Da análise comparativa dos quadros constantes do Facto 34 e do Facto 36 dos Factos Controvertidos Provados, conclui-se que os prazos de vencimento das facturas referentes à campanha de 2000/2001 foram largamente estendidos, em alguns casos em cerca de 90 dias, o que constitui uma concessão de crédito por parte da Apelante à Apelada e que justifica a diminuição dos dias de atraso da Apelada no pagamento à aqui Apelante.
7ª: Ainda assim, a Apelada continuou reiteradamente a incorrer em mora e a proceder aos pagamentos em atraso.
8ª: O alargamento dos prazos de vencimento das facturas da campanha de 2000/2001 implica um agravamento do risco económico por parte da Apelante.
9ª: A manutenção de um contrato nestes termos carece de equilíbrio económico entre as partes, equilíbrio esse que deve estar subjacente às relações comerciais.
10ª: Os atrasos reiterados nos pagamentos dos fornecimentos à Apelante por parte da Apelada revestem uma gravidade significativa, nomeadamente em face do agravamento do risco económico da Apelante.
11ª: Violando, assim, de forma reiterada e grave o que havia sido estipulado entre as partes quanto ao pagamento do preço, o comportamento da Apelada afectou a relação de confiança até aí existente.
12ª: Factos esses que fundamentam o juízo de não exigibilidade da subsistência do vínculo contratual – Ou seja, em termos conceptuais, a evolução da relação comercial entre as partes levou num primeiro momento ao estabelecimento de um prazo de vencimento das facturas mais alargado, compaginado com a contratação de um seguro de crédito que garantia em parte o valor dessas mesmas facturas e, num segundo momento, perante a redução substancial dessa cobertura, à solicitação à apelada da prestação de uma garantia (bancária ou pessoal) por forma a reestabilizar a relação comercial, assegurando o equilíbrio contratual.
13ª: A Apelada, pese embora tenha beneficiado num primeiro momento da benesse da Apelante a que nos referimos e não obstante estar ciente da limitação criada pelo seguro de crédito, recusou-se a proporcionar qualquer tipo de garantia.
14ª: Diga-se ainda que, a redução substancial e abrupta do montante da encomenda referente ao ano de 2003, bem como o facto de a Apelada em 2002 ter apenas disponibilidade económica para proceder ao pagamento antecipado de 14.238,00 Euros, são demonstrativos da existência de problemas ao nível da situação financeira da Apelada, não se podendo exigir à Apelante que continuasse a fornecer sem qualquer garantia de cumprimento por parte daquela.
15ª: Razão pela qual, a resolução da Apelante é fundada em causa justa e, por isso, lícita de acordo com a alínea a) do art. 30.º do Decreto-Lei n.º 178/86, tendo a douta Sentença recorrida errado ao considerar diversamente.
16ª: No que se refere à encomenda relativa ao ano de 2003, as partes não chegaram a acordo quanto à Previsão Anual de Vendas, não tendo havido uma encomenda firme conforme prevista na cláusula 4.2.1 alínea b) do contrato junto aos Autos.
17ª: O contrato junto a fls. 89 a 94 dos Autos, prevê na sua cláusula 9., a possibilidade de extinção do contrato com efeitos imediatos pela “falta de acordo relativamente à Previsão Anual de Vendas e/ou ao Contrato de Fornecimento Anual dentro dos prazos contratuais, incluindo a falta de cumprimento de acordo com as previsões do Plano de Negócios e Organização Trienal (...)”.
18ª: Não tendo havido acordo quanto à Previsão Anual de Vendas, qualquer das partes poderia fazer extinguir o contrato com efeitos imediatos. A falta de acordo quanto à garantia do fornecimento só pode ser entendida como uma falta de acordo quanto à previsão anual de vendas (ou de compras).
19ª: Pelo que, a resolução é ainda lícita nos termos da cláusula 9. do contrato, bem como de acordo com a alínea a) do art. 30.º do Decreto-Lei n.º 178/86.
20ª: Assim, decidindo de modo diverso, a Douta Sentença viola a cláusula 9. do contrato, bem como de acordo com a alínea a) do art. 30.º do Decreto-Lei n.º 178/86.
21ª: Ainda que assim não se entenda, o que não se concede e só por mera cautela de patrocínio se equaciona, sempre se dirá que, é “razoável equiparar a resolução sem fundamento a uma denúncia sem observância do pré-aviso exigível, o que implicará a correspondente obrigação de indemnização” (Pinto Monteiro, in “Contratos de Distribuição Comercial”, 2004, pág. 147).
22ª: A cláusula 8. do contrato, sob a epígrafe duração e termo, a qual estabelece no seu ponto 1. uma duração de cinco anos, com possibilidade de denúncia decorridos três anos, com um pré-aviso de um ano.
23ª: Tendo sido celebrado o contrato em 21 de Janeiro de 1999 (Cfr. Facto E) dos Factos Assentes), em 21 de Janeiro de 2002 qualquer das partes poderia proceder à respectiva denúncia, com um pré-aviso de um ano, acabando por se extinguir em 21 de Janeiro de 2003.
24ª: Nos termos do nº 1 do artº 29.º do Decreto-Lei n.º 178/86, a Apelante teria que indemnizar a Apelada pelos danos causados pela falta de pré-aviso, que abrange os danos emergentes e os lucros cessantes, reportando-se estes últimos aos lucros que a Apelada auferiria caso o contrato fosse cumprido até 21 de Janeiro de 2003 (data a partir da qual o contrato se extinguiria caso a Apelante tivesse procedido à denúncia com o respectivo pré-aviso) e que não obteve por falta de pré-aviso.
25ª: Assim, a Apelada apenas teria direito a uma indemnização correspondente ao lucro líquido que teria obtido se tivesse vendido milho da Apelante no valor de 144.122,80 Euros em 2002 e 67.500,00 Euros em 2003.
26ª: Os lucros que a Apelada auferiria caso o contrato fosse cumprido até 21 de Janeiro de 2003 não poderão englobar a encomenda para a campanha de 2003/2004, uma vez que nessa data não se encontraria ainda definida a respectiva encomenda.
27ª: O prazo de um ano de pré-aviso previsto no contrato celebrado entre as partes é bastante alargado e adequado, minimizando a perturbação que possa advir da cessação da actividade da Apelada.
28ª: Em face do exposto, a Apelada apenas teria direito a uma indemnização correspondente ao lucro líquido que teria obtido se tivesse vendido milho da Apelante no valor de 144.122,80 Euros em 2002 e 67.500,00 Euros em 2003, não se podendo considerar efeitos de indemnização o ano de 2004,
29ª: Razão pela qual, a Douta Sentença ora recorrida violou o n.º 1 do art. 29.º do Decreto-Lei n.º 178/86.
30ª: Mais declara a Apelante, nos termos do n.º 1 do art. 748.º do Código de Processo Civil, que mantém interesse na subida do recurso de agravo interposto do Despacho Saneador que considerou improcedente a excepção de preterição de Tribunal Arbitral invocada.
Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser julgado integralmente procedente e, em consequência, ser a Apelante absolvida do pedido, pois só assim se fará JUSTIÇA!

9. Contra-alegou a A. no sentido da improcedência da apelação e da manutenção da sentença recorrida.

10. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO.

1. Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos:
Constantes da matéria assente:
A) A autora dedica-se ao comércio de sementes e produtos agrícolas, exclusivamente em território nacional (A).
B) A ré dedica-se à produção e venda de milho (B).
C) Em 21 de Janeiro de 1999, entre a autora e a sociedade C1…………… S.A., com sede na França, foi celebrado o contrato cuja cópia está junta a folhas 89 a 94 dos autos e que aqui se dá por reproduzido (C).
D) Anteriormente, em 17 de Novembro de 1993, as referidas sociedades haviam celebrado um contrato idêntico, pelo período de 5 anos (D).
E) O contrato referido em C) foi celebrado também pelo período de 5 anos, com início em 21/01/1999 e termo em 21/01/2004 (E).
F) No decurso do ano de 1999, a posição da C1………….. S.A., com sede na França, nesse contrato foi assumida pela ré com a aceitação da autora (F).
G) Através desse contrato a ré concedeu à autora o direito de testar, avaliar, registar, comercializar e vender no território nacional, com exclusividade, as variedades de milho especificadas no contrato (G).
H) A ré obrigou-se ainda a assegurar o fornecimento à autora de uma gama completa e competitiva de variedades do programa de investigação de milho e a fornecer-lhe informação técnica sobre os seus produtos (H).
I) Por seu turno a autora obrigou-se a efectuar ensaios sobre o rendimento dos milhos e a promovê-los em território nacional (I).
J) No ponto 4 do contrato ficou estabelecido que “ a semente comercial Variedades será fornecida pela C1……….. à B………….. de acordo com o contrato de fornecimento anual celebrado entre as partes, baseado na produção anual norte americana e europeia. Este deverá ser renovado anualmente sobre os mesmos termos, mutatis mutandis, salvo quanto às variedades, quantidade de produção e preço, da duração deste acordo, salvo acordo em contrário “ (J).
K) No ponto 5 do contrato, sob a epígrafe “ preço e termos do contrato “ ficou estabelecido que “ Conforme o referido confirmação da encomenda ou acordo em contrário “ (K).
L) No início de 2002 a ré, para efectuar os fornecimentos de milho já previamente encomendado pela autora, começou a exigir que esta prestasse uma garantia bancária a seu favor de valor igual ao valor total da encomenda de milhos para esse ano (L).
M) Anteriormente a ré nunca tinha exigido à autora que prestasse qualquer garantia bancária ou de outro tipo para garantir o cumprimento das suas obrigações (M).
N) A autora propôs à ré que o pagamento da mercadoria da campanha de 2002 fosse feito da seguinte forma: 50 % contra a entrega do milho, os restantes 50 % em 30 de Setembro de 2002 (N).
O) A ré continuou a exigir, para o fornecimento da mercadoria, garantia bancária ou, agora, aval pessoal dos sócios gerentes da autora (O).
P) Nos anos anteriores o pagamento era feito em duas prestações, em Abril e Junho e, ultimamente, em Julho e Setembro (P).
Q) A ré enviou à autora em 8 de Abril de 2002 o fax junto a folhas 21 e que se dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais, onde afirma “de acuerdo a tu comunicado del passado dia 29/03/02 y dada la indisponibilidad de B…………. para garantizar los pagos de la semilla a suministrar, no teremos otra alternativa que la rescison del contrato com efectos inmediatos (Q).
R) Depois disso a ré continuou no mercado português, através de dois novos concessionários, a “E……………” e a “F…………….” (R).
S) O relacionamento comercial entre autora e ré manteve-se até Outubro de 2002 (S).
T) Apenas em 30.09.03 a autora comunicou à ré a intenção de peticionar contra ela indemnização de clientela em virtude da resolução do contrato (T).
Resultantes das respostas dadas à base instrutória:
U) Desde a celebração do primeiro contrato em 17 de Novembro de 1993 a autora pagou sempre os fornecimentos efectuados pela ré (1º).
V) Perante a exigência da ré da prestação de uma garantia bancária, a autora inteirou-se junto das entidades bancárias sobre o custo da garantia (2º).
W) E verificou que o seu custo absorveria parte significativa do seu lucro (3º).
X) Desse facto deu conhecimento à ré, propondo-lhe em contrapartida que o pagamento da mercadoria fosse feito conforme indicado em N) (4º).
Y) A ré não aceitou esta proposta de pagamento (5º).
Z) A ré recusou-se a fornecer à autora o milho encomendado para a campanha de 2002, na parte que excedesse o valor de 30.000 Euros coberto pelo seu seguro de crédito, se a autora não lhe prestasse a garantia bancária ou o aval dos sócios ou não pagasse antecipadamente a encomenda (6º).
AA) Em face dessa atitude da ré, a autora viu-se obrigada a reduzir a previsão de compra para 2003 (7º).
BB) E a efectuar o pagamento do milho da campanha de 2002, na parte que excedia o valor de 30.000 Euros coberto pelo seguro de crédito da ré, previamente à entrega do milho (8º).
CC) No ano de 1998, a C1……….. S.A., com sede na França, vendeu milhos à autora no montante de 286.103 Euros (9º).
DD) No ano de 1999, primeiro a C1………….. S.A., com sede na França, e depois a ré, venderam milhos à autora no montante global de 349.360,22 Euros (10º).
EE) No ano de 2000 a ré vendeu milhos à autora no montante de 186.233,24 Euros (11º).
FF) No ano de 2001 a ré vendeu milhos à autora no montante de 199.287,34 Euros (12º).
GG) Em 2002 a autora apenas teve disponibilidade económica para pagar à ré antecipadamente milhos no montante de 14.238 Euros, tendo-lhe sido fornecidos milhos nos montantes de 14.619,75 Euros e de 30.042,45 Euros, quando a encomenda de milhos para 2002 era de 188.785 Euros (13º).
HH) No que diz respeito à campanha de 2003 a autora enviou à ré uma previsão de encomenda de milhos no montante global de cerca de 67.500 Euros (14º).
II) A autora e a ré tinham previsto vender-se em Portugal no ano de 2004 não menos de 200.000 de milhos Euros (15º).
JJ) Mais de 80% da actividade da autora e do seu volume de negócio resultava da venda dos milhos da ré (16º).
KK) Na venda dos milhos da ré, a autora praticava um preço 45% acima do valor que pagava à ré (17º).
LL) Ao ver-se privada da comercialização dos milhos da ré, a autora ficou no imediato com a sua actividade muito reduzida (18º).
MM) Algum tempo depois, passou a comercializar uma nova marca de milhos, desconhecida em Portugal, sem obter de imediato o sucesso comercial que tinha com os milhos da ré (19º).
NN) Foi a autora, com o seu esforço de anos, que conseguiu angariar na totalidade a clientela em Portugal das variedades dos milhos da ré que distribuía (21º).
OO) A ré continuou a vender os seus milhos aos clientes angariados pela autora em Portugal (22º).
PP) A autora deixou de receber qualquer quantia pelas compras de produtos da ré por parte desses clientes (23º).
QQ) A resolução do contrato afectou a imagem comercial da autora junto dos seus clientes (24º).
RR) Para assegurar o recebimento dos valores relativos aos fornecimentos efectuados aos seus clientes, a ré tem por politica recorrer a um seguro de crédito (25º).
SS) No ano de 2000, a ré solicitou à D…………….., S.A. a concessão de um limite de risco relativamente à autora no montante de 330.556,66 Euros, tendo esta concedido apenas um limite de risco no valor de 90.151,82 Euros (26º).
TT) No ano de 2001, a ré solicitou à D................... a concessão de um limite de risco no montante de 150.253 Euros (27º).
UU) Porém, em 22.12.01, a D……………. concedeu apenas um limite de risco no montante de 30.050 Euros (28º).
VV) A ré solicitou à autora a prestação da garantia bancária com o argumento do limite de risco concedido pela D…………….. em 22.12.01 (30º).
WW) A ré informou a autora que as datas de pagamento na campanha de 2002 seriam metade em 30.07.02 e o restante em 30.09.02 (31º).
XX) E que a garantia bancária deveria ter vencimento em 30.10.02 (32º).
YY) Para 2002, a ré aceitou fornecer os seus produtos até ao montante do limite do risco referido, acrescido do valor que a autora pôde liquidar no momento da entrega dos produtos (33º).
ZZ) Relativamente à campanha relativa aos anos de 1999/2000, foram emitidas as seguintes facturas:



AAA) Tais facturas foram liquidadas pela autora nas datas seguintes:




BBB) No que se refere à campanha relativa aos anos de 2000/2001, foram emitidas as seguintes facturas:



CCC) As supra referidas facturas foram liquidadas pela autora nas datas seguintes:



DDD) No que concerne à campanha relativa aos anos de 2001/2002, foram emitidas as seguintes facturas:



EEE) As acima mencionadas foram liquidadas pela autora na seguinte forma:




FFF) Em 19.10.04 a autora emitiu uma nota de débito que compensou o montante de 9.271 Euros que estava por pagar relativamente às facturas nº 1122754, nº 1122987 e nº 1123163 (40º).
GGG) Em 22.03.02 realizou-se uma reunião entre a autora e a ré (41º).
HHH) Nessa reunião não se chegou a discutir a previsão de vendas para o ano seguinte (42º).
III) Porque a ré acabou a reunião ao verificar que a autora se recusava a apresentar qualquer garantia de pagamento dos fornecimentos a realizar (43º).
JJJ) Após o dia 8 de Abril de 2002, a autora e a ré relacionaram-se para tratar de assuntos relativos às contas entre elas, a reclamações de clientes e à solução a dar-lhes, e a sementes que a autora tinha em armazém (44º).

2. Tendo presente que o objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (artºs 684º, nº3 e 690º, nºs 1 e 3, do CPCivil), que neles se apreciam questões e não razões e que não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido, as questões a resolver são as seguintes:
No agravo:
A) Nulidade da decisão e
B) Preterição do tribunal arbitral.
Na apelação:
Se houve justa causa de resolução do contrato.
Se deve considerar-se ter havido denúncia do mesmo e
Montante indemnizatório por lucros cessantes.

A) Nulidade da decisão.
A recorrente, fazendo apelo ao disposto no artº 668º, nº 1, als. b) e c), do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artº 666º, nº 3, do mesmo diploma legal, invoca a nulidade do despacho saneador na parte em que conheceu da excepção da preterição do tribunal arbitral.
Dispõe o preceito legal em apreço, que é nula a sentença:
“...
b) Quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão;
...”.

As nulidades em apreço, integrando nulidades da sentença, constituem vícios respeitantes à sua estrutura interna.
A nulidade prevista na al. b) pressupõe a absoluta falta de fundamentação ou de motivação, ou seja, a ausência total de fundamentação.
Para se falar em falta de motivação torna-se necessário uma ausência total de fundamentação dos factos colocados na base da decisão, situação que, no caso, não se verifica, não obstante se ter entendido ser de concessão comercial o contrato que foi outorgado pelas partes, embora sem se reportar às alegações das partes nos respectivos articulados.
Por outro lado, na situação concreta, não é razoável assacar à decisão omissão dos fundamentos de direito, pois que está suficientemente (e a nosso ver, bem) fundamentada. Se a subsunção jurídica não é correcta, não conforme à lei aplicável, é questão de erro de julgamento e não de nulidade de sentença.
E só há nulidade se a omissão for absoluta, o que não sucede quando a fundamentação se mostra deficiente, incompleta, errada ou não convincente, apesar da motivação se destinar a explicitar as razões da decisão em determinado sentido ou os motivos do veredicto e, mesmo, possibilitar a sua impugnação pela parte a quem se mostra desfavorável, se dela discorda por entendê-la não ajustada ao direito.
Para motivar suficientemente a sentença, o tribunal não tem que expor todas as razões ou esgotar os argumentos que conduzem à decisão nem que analisar, para os afastar ou com concordar, todos os fundamentos ou argumentos pelas partes aduzidos em apoio das suas posições. Tem apenas que justificar a decisão, explicitar as razões porque solucionou em determinado sentido o caso submetido a sua apreciação.
Ora, é suficiente a fundamentação que levou o Mmo Juiz a concluir pela improcedência da excepção da preterição do tribunal arbitral, quer fazendo apelo ao artº 38º do DL nº 178/86, de 3 de Julho (“Os contratos regulados por este diploma que se desenvolvam exclusiva ou preponderantemente em território nacional só será aplicável legislação diversa da portuguesa, no que respeita ao regime de cessação, se a mesma se revelar mais vantajosa para o agente”), diploma aplicável ao contrato de agência, mas que a doutrina e a jurisprudência vêm entendendo de forma uniforme ser aplicável, por analogia, ao contrato de concessão comercial, quer à situação de insuficiência económica invocada pela A., que goza de apoio judiciário, e cujo respeito pela cláusula compromissória poderia conduzir à sua impossibilidade de exercer os seus direitos.
O que afasta a nulidade em causa.

Resultando da lei que os fundamentos de facto e de direito utilizados na decisão devem ser harmónicos com a pertinente conclusão ou decisão, corolário do princípio de a sentença dever ser fundamentada de facto e de direito, o vício da nulidade da decorrente de contradição entre os fundamentos e a decisão [al. b), do nº 1 do artº 668º do Código de Processo Civil] só ocorre quando os fundamentos de facto e/ou de direito nela invocados conduzirem logicamente ao resultado oposto àquele que integra o respectivo segmento decisório.
Há oposição quando os fundamentos invocados devam conduzir a uma decisão diferente daquela que a sentença expressa. A fundamentação aponta num sentido e a decisão segue caminho oposto ou, ao menos, direcção diferente. As razões aduzidas pelo julgador pedem um resultado contrário ou, ao menos, diferente, do que vem a ser decidido.
Essa oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou com o erro na interpretação desta, verifica-se quando o raciocínio expresso na fundamentação aponta uma determinada consequência jurídica e na conclusão é tirada outra consequência, ainda que seja a juridicamente correcta.
Se a solução está errada por a matéria de facto provada ter sido incorrectamente julgada, porque as provas não foram apreciadas adequada e ponderadamente ou porque não se respeitou o seu valor legal, é questão que se reporta ao julgamento e cuja reparação só pode resultar de uma reapreciação da prova com a consequente modificação (ou não) da decisão sobre a matéria de facto (artigo 712º), mas não da sentença. Haverá erro de julgamento da matéria de facto e não nulidade da sentença (por preterição de alguma formalidade ou conter, em si mesma, alguma contradição).
Ora, a recorrente aponta esta nulidade ao despacho saneador recorrido em virtude de, não obstante afirmar não ser esse o momento para proceder à qualificação do contrato, referir que, face ao acordo das partes, se podia aceitar que o contrato celebrado era de distribuição/concessão comercial e, como tal, entendeu serem-lhe aplicáveis as normas do contrato de agência.
Face ao que se expôs sobre a nulidade por oposição entre os fundamentos e a decisão, é manifesto que a decisão recorrida também não padece da nulidade em causa, já que o que nela se afirma é que, não obstante, em termos normais, a qualificação do contrato só devesse ocorrer noutro momento, havia necessidade de proceder a essa qualificação para apreciar a excepção invocada pela R..

B) Preterição do tribunal arbitral.

Subordinado à epígrafe “Arbitragem e Método”, estipularam A. e R., no contrato entre ambas celebrado e junto a fls. 77 e seguintes, na cláusula 11., o seguinte:
“11.1. Este acordo deverá ser regulado pelas leis de França.
11.2. Na hipótese de ocorrência de um litígio entre as partes não regulado nos termos deste acordo, ambas as partes acordam em ser reguladas pelas regras do F.I.S. para o comércio internacional de sementes de cereais com regras específicas quanto ao milho. Qualquer arbitragem desenrolar-se-à de acordo com o Procedimento de Arbitragem do F.I.S. para o Tratado Internacional da Semente em França”.

Como é referido no despacho saneador agravado, a cláusula em apreço, na medida em que estabelece a lei aplicável à relação contratual (11.1.), estando em causa um contrato celebrado entre sociedades com sedes em países distintos (a A. em Portugal e a R. em Espanha) e leis pessoais diversas, é, por um lado, uma norma de conflitos.
Mas, por outro lado, é também uma cláusula compromissória, porquanto as partes se obrigam, na hipótese de ocorrência de um litígio, a recorrer à arbitragem (11.2).

No que respeita à parte da cláusula que constitui norma de conflitos, tendo o despacho agravado entendido ser aplicável ao caso dos autos, designadamente face ao disposto no artº 41º, nº 2, do Código Civil, a legislação portuguesa, com o consequente afastamento da lei francesa, tal não só não é questionado, como é aceite pela agravante, quer na contestação – em que, ao invocar a excepção em apreço (artº 1º a 37º), nem sequer se refere ao nº 1 da cláusula -, quer nas alegações do agravo (conclusões 7ª e 8ª) -, nas quais, depois de sublinhar que contrato foi inicialmente celebrado entre a R. e a sociedade francesa “C1……………, S.A.” e, por isso, foi eleita a lei francesa para a sua regulação, a qual tinha conexão com o contrato, refere que, posteriormente, a referida sociedade francesa cedeu a sua posição contratual à agravante “C………….., S.A.”, sediada em Espanha, pelo que a designação da lei francesa para a regulação do contrato entra em conflito com o artº 41º, nº 2, do Código Civil.
Na verdade, estabelecendo o nº 1 desse preceito legal que “as obrigações provenientes de negócio jurídico, assim como a própria proveniência dele, são reguladas pela lei que os respectivos sujeitos tiverem designado ou houverem tido em vista”, acrescenta o nº 2 que “a designação ou referência das partes só pode, todavia, recair sobre lei cuja aplicabilidade corresponda a um interesse sério dos declarantes ou esteja em conexão com algum dos elementos do negócio jurídico atendíveis no domínio do direito internacional privado”.
Ora, inexiste actualmente qualquer conexão da lei francesa com algum dos elementos do negócio, já que a R. tem a sua sede em Espanha e a A. está sediada em Portugal, aqui desenvolvendo exclusivamente a sua actividade, como resulta do próprio contrato, onde no que se refere ao enquadramento do acordo (cfr. fls. 78), se estipula que “Durante este período, os negócios da B………….. têm sido, exclusivamente, concentrados no Norte de Portugal. Como tal, de forma a permitir a expansão da C…………. em Portugal, ambas as partes acordam a concessão de outra licença (G…………., Ex ACAL) para venda de alguns híbridos da C…………… em Portugal. Um acordo entre a C………… e a G…………… dá a conhecer os termos desta colaboração”.

Insurge-se, todavia, a agravante contra o entendimento sufragado na decisão recorrida de afastar a aplicação da cláusula compromissória constante do contrato (nº 2), acima reproduzida, afastamento que se considerou ser consequência do facto de ser aplicável a lei portuguesa, que os árbitros nunca poderiam aplicar, por não poderem afastar a aplicação das regras jurídicas que as partes elegeram, decorrer da aplicação do artº 38º do DL nº 178/86, e, finalmente, por a A. estar dispensada de a observar por razões atinentes à sua situação de insuficiência económica, impeditivas de suportar o funcionamento do tribunal arbitral, sob pena de violação do princípio constitucional do acesso ao direito.
Adiantando-se desde já que é de manter a decisão recorrida, vejamos porquê.

Os tribunais podem ser estaduais ou arbitrais, sendo estaduais os que se integram na organização judiciária do Estado e arbitrais os tribunais não estaduais, composto por juizes não profissionais – artº 209º, nº 2, do Constituição da República Portuguesa.
Os tribunais arbitrais podem ser necessários ou voluntários.
Os tribunais arbitrais necessários são impostos por lei para o julgamento de determinadas questões - arts 1525º a 1528º do Código de Processo Civil.
Os tribunais arbitrais voluntários são instituídos pela vontade das partes, através de uma convenção de arbitragem - art. 1º, nº 1, da Lei nº 31/86, de 29 de Agosto (Lei da Arbitragem Voluntária, que, doravante se passará a designar por LAV).
Esta convenção designa-se compromisso arbitral, quando respeita a um litígio actual, ou cláusula compromissória, quando se reporta a litígios eventuais emergentes de uma determinada relação jurídica contratual ou extracontratual - art. 1, nº 2, da LAV.
Pode ser objecto de uma convenção de arbitragem todo o litígio que não esteja submetido exclusivamente a tribunal judicial ou a arbitragem necessária e que não respeite a direitos indisponíveis – artº 1º, nº1, da LAV.
Quando referida, como é o caso dos autos, a interesses do comércio internacional, a arbitragem designa-se por arbitragem internacional, podendo as partes escolher o direito a aplicar pelos árbitros, sendo que, na falta de escolha, o tribunal aplica o direito mais apropriado ao litígio - arts. 32º e 33º da LAV.
A arbitragem comercial internacional é, frequentemente, a via escolhida pelos operadores do comércio internacional para a resolução dos respectivos conflitos.
Se validamente convencionado o recurso à arbitragem, a determinação do direito aplicável à resolução do litígio “rege-se principalmente por regras e princípios próprios do Direito da Arbitragem Comercial Internacional”, sendo permitido que as partes remetam para um Direito estadual, para o Direito internacional Público, para a lex mercatoria, para “princípios gerais” ou para a equidade. Não havendo designação expressa, “não há, em princípio, razão para as partes suporem que os árbitros decidirão o fundo da causa segundo o direito em vigor no lugar da arbitragem”. [L. LIMA PINHEIRO, DIP - Parte Especial (Direito de Conflitos), 291].

Perante o que acaba de se expor, resulta que a lei atribui relevância à vontade das partes na determinação do tribunal competente para dirimir os seus litígios, respeitando os seus interesses e a autonomia da vontade nessa escolha. Trata-se de admitir a relevância e atribuir efeitos - que, a um tempo, retiram competência, internacional e interna, às jurisdições estaduais para o julgamento de determinada questão, atribuindo-a à arbitragem voluntária, ad hoc ou institucionalizada - a negócios com eficácia num processo pendente ou futuro, que se apresentam como “contratos processuais” (M. TEIXEIRA DE SOUSA, A Competência Declarativa dos Tribunais Comuns, pág. 100).
Com a convenção arbitral, enquanto negócio jurídico bilateral, no sentido de que há vontade concorrente de duas partes para a sua formação, pretende-se submeter à decisão de árbitros a resolução de um litígio (eventual ou actual).
A convenção não afecta directamente a relação jurídica material, sendo acessória dela; não é a solução para o litígio entre as partes, mas apenas o meio de elas o poderem solucionar.
Ora, como, acertadamente, se afirma na decisão recorrida, a cláusula compromissória em apreço não se limita a estipular o recurso a tribunal arbitral, consagrando ainda que o tribunal arbitral deveria aplicar as leis de França e as regras do F.I.S. para o comércio internacional de sementes de cereais com regras específicas quanto ao milho.
Nessa medida, por força do disposto no artº 33º da LAV (“As partes podem escolher o direito a aplicar pelos árbitros, se os não tiverem autorizado a julgar segundo a equidade” – nº 1; “Na falta de escolha, o tribunal aplica o direito mais apropriado ao litígio” – nº 2), o tribunal arbitral nunca poderia afastar a aplicação das regras jurídicas que as partes escolheram, no caso a lei francesa, a qual, como se viu, nenhuma conexão tem o contrato em apreço.
Assim, o recurso ao tribunal arbitral implicaria o afastamento da aplicação da lei portuguesa, com violação do disposto no artº 41º, nº 2, do Código Civil, o que acarreta a invalidade da cláusula em apreço.

Mas a invalidade da cláusula também resulta do disposto no artº 38º do DL nº 178/86, de 3 de Julho, na redacção introduzida pelo DL nº 118/93, de 13 de Abril, diploma relativo ao contrato de agência, mas aplicável, por analogia ao contrato de concessão comercial, que dispondo que “Os contratos regulados por este diploma que se desenvolvam exclusiva ou preponderantemente em território nacional só será aplicável legislação diversa da portuguesa, no que respeita ao regime de cessação, se a mesma se revelar mais vantajosa para o agente”, constitui, claramente, uma norma de conflitos sobre o regime substantivo aplicável ao contrato de agência.
E, no caso dos autos, é indubitável que o contrato celebrado entre recorrente e recorrida é um contrato de concessão comercial, que, como tem sido entendido na doutrina e na jurisprudência, é um contrato-quadro que faz surgir entre as partes uma relação obrigacional complexa por força da qual uma delas, o concedente, se obriga a vender à outra, o concessionário, e este a comprar-lhe, para revenda, determinada quota de bens, aceitando certas obrigações e sujeitando-se a um certo controle e fiscalização do concedente (cfr. A. Pinto Monteiro, Denúncia de um Contrato de Concessão Comercial, pág. 39 e segs., Contrato de Agência, pág. 56 e segs.; M. Helena Brito, O Contrato de Concessão Comercial, 179 e segs. e A. Menezes Cordeiro, Manual de Direito Comercial, I, 509 e segs. e Acs. do STJ de 4/5/93, BMJ 427, pág. 524, de 22/11/95, BMJ 451, pág. 445, de 5/6/97, BMJ 468, pág. 428 e de 10.5.2001, CJ STJ IX, 2, 62, de 12/4/2005, em www.dgsi.pt. e deste Tribunal de 9/12/2004, Proc. 0430673, no mesmo sítio da Net.).
Esse contrato, que não beneficia de um regime jurídico próprio, sendo um contrato legalmente atípico, assente na autonomia privada, resultando o seu regime da disciplina fixada pelos próprios contraentes nas cláusulas estipuladas, desde que lícitas (artº 405º, nº 1, do CC), é caracterizado por três elementos essenciais:
- alguém assume a obrigação de compra para revenda, estabelecendo-se desde logo os termos em que esses futuros negócios serão feitos (os chamados contratos de execução, que se inserem no quadro definido pelo primeiro e o complementam);
- o concessionário age em seu nome e por sua conta própria, assumindo os riscos da comercialização;
- as partes vinculam-se a outro tipo de obrigações, sendo através delas que se efectua a verdadeira integração do concessionário na rede ou cadeia de distribuição do concedente - designadamente, regras sobre a organização e instalações do cessionário, métodos de venda, publicidade, assistência a clientes, etc. - integração de intensidade variável e que permite distinguir o concessionário do comerciante tradicional.
Como afirma M. Helena Brito, obra e locais citados, o contrato de concessão comercial exprime-se por uma relação contratual duradoura entre o produtor e o distribuidor, em que o concessionário actua em nome próprio e por conta própria (transferindo-se os riscos inerentes), obrigando-se a promover a revenda de produtos que constituem o objecto mediato do contrato (bens produzidos ou distribuídos pelo concedente a este adquiridos) na zona a que o mesmo se refere; por seu turno, o concedente obriga-se, no futuro, a celebrar com o concessionário sucessivos contratos de venda e a fornecer-lhe os meios necessários ao exercício da sua actividade.
Ora, todos os elementos deste tipo de contrato se encontram presentes no que foi outorgado entre A. e R., como resulta do seu teor (fls. 76 e seguintes, nomeadamente as cláusulas 1. a 7.) bem como dos factos alegados pela primeira e não impugnados pela segunda – artºs 1º a 9º da petição e 38º a 43º da contestação, respectivamente -, sabido que a exclusividade (impugnada pela recorrente no que se refere a ser a única fornecedora da recorrida, mas apesar de tudo presente no contrato no tocante que à cedência pela primeira à segunda dos direitos de comercializar e vender no território português – cláusula 2.1.) não é elemento indispensável para a caracterização do contrato de concessão comercial.
As formas de cessação do contrato de concessão comercial encontram-se, previstas no artº 24º do DL nº 178/86, e são o acordo das partes, a caducidade, a denúncia e a resolução.
Como se afirma no Ac. do STJ de 5/11/98, CJ/STJ, Tomo III, pág. 101, através desse diploma legal (DL nº 178/86), o legislador quis conceder a atenção e a relevância que as condições económicas nacionais e internacionais vêm impondo. Cada vez mais as empresas, em vez de recorrerem a pessoal próprio, fazendo-o deslocar, por vezes para locais muito distantes das sedes, ou até em vez de criarem filiais ou sucursais, preferem servir-se de pessoas estabelecidas nas zonas em pretendem penetrar, aproveitando a preexistente organização, as suas capacidades e credibilidade junto do público que as conhece. Por isso, o contrato de concessão comercial envolve um complexo leque de tarefas ligadas à sua negociação e preparação, numa actividade desenvolvida in loco, destinando-se a indemnização de clientela mais a compensar o agente dos proventos que, após a cessação do contrato, a outra parte ainda poderá continuar a beneficiar, na sequência daquela actividade.
Tudo isso explica a preocupação legislativa de, em princípio, submeter o regime de cessação à legislação nacional.
A regra do citado artº 38º é inspirada no princípio do “melhor tratamento” (Pinto Monteiro, obra citada, pág. 64), segundo o qual a lei portuguesa há de conceder ao caso ocorrido no âmbito territorial que lhe é inerente, um tratamento que, perante circunstâncias concretas, nenhum outro sistema jurídico lhe dará. Trata-se de uma norma que, pela sua natureza, tem subjacentes valores de ordem pública que lhe atribuem, assim, foros de imperatividade.
O contrato celebrado entre A. e R. desenvolve toda a sua execução prática em Portugal, produzindo aqui todos os seus frutos, nenhuma conexão tendo com França.
Os pactos têm na sua base, ou devem ter, o fim social de permitir a justa composição dos interesses.
Normalmente, as empresas fortes, de âmbito multinacional, carecem de um interesse sério, quando é certo que, para os seus agentes resulta um prejuízo considerável ou mesmo insuportável. Foi, tendo a percepção dessa realidade que o legislador processualista, introduziu expressamente na al. b) do nº 3 do artº 99º do Código de Processo Civil, não só a referência ao interesse sério das partes ou de uma delas, mas a condição de que aquele interesse não envolva inconveniente grave para a outra parte.
Assim, sendo a causa de pedir integrada por factos ocorridos em Portugal - indemnização por perdas e danos, por prejuízos sofridos e de clientela - é inválida a cláusula compromissória em apreço, não só por nenhum interesse sério justificar a aplicação da lei francesa (como se referiu nenhuma conexão tem com ela), mas também porque ela envolveria inconveniente grave para a recorrida, que teria que recorrer aos tribunais arbitrais franceses.

Finalmente, também a situação de insuficiência económica da recorrida, que goza de apoio judiciário na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos, leva ao afastamento da cláusula a que se tem vindo a fazer referência, como defendido nos Acs. deste Tribunal de 24/4/2001, Proc. 0120301, e do STJ de 18/1/2000, Proc. 99A1015, ambos publicados em www.dgsi.pt., em que se afirma que, se a parte na convenção arbitral ficar, sem culpa sua, colocada numa situação de insuficiência económica que a impossibilite de custear as despesas com a arbitragem, pode recorrer aos tribunais estaduais pedindo a resolução do litígio.
Dispõe o artº 20º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa que a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.
O regime de acesso ao direito e aos tribunais encontrava-se então consagrado na Lei nº 30-E/2000 (pese embora a lei actualmente vigente ser de idêntico teor – artºs 1º, 7º, nº 3, e 17º, nº 1, da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho), em cujo artº 1º, nº 1, se estipula que o sistema de acesso ao direito e aos tribunais destina-se a promover que a ninguém seja dificultado ou impedido, em razão da sua condição social ou cultural, ou por insuficiência de meios económicos, de conhecer, fazer valer ou defender os seus direitos.
Para concretizar os objectivos referidos no número anterior desenvolver-se-ão acções e mecanismos sistematizados de informação jurídica e de protecção jurídica (artº 1º, nº 2).
Acrescenta-se que o regime de apoio judiciário aplica-se em todos os tribunais, qualquer que seja a forma de processo (artº 16º, nº 1).
Pretende-se, assim, que a insuficiência de meios económicos das pessoas não lhes dificulte o acesso à justiça dos tribunais estaduais.
Ou seja, as normas da lei do apoio judiciário, não têm aplicação à jurisdição arbitral (cfr. neste sentido, Salvador da Costa, O Apoio Judiciário, 4ª ed., pág. 71 e segs).
Por sua vez, nos termos do nº 5 do artº 7º da LAJ (Lei do Apoio Judiciário), as sociedades, nas causas relativas ao exercício do seu comércio, têm direito a apoio judiciário na modalidade de dispensa, total ou parcial, de preparos e do pagamento das custas ou ao diferimento do pagamento da taxa de justiça e demais encargos, defendendo Salvador da Costa, obra citada, pág. 42 e 43, que o âmbito do apoio judiciário em causa não foi alterado em consequência da alteração da redacção relativamente à lei anterior, ou seja o DL nº 387-B/87, de 29 de Dezembro, em que o conceito de preparos abrangia os preparos para despesas.
Já o artº 5º da LAV dispõe que a remuneração dos árbitros e dos outros intervenientes no processo, bem como a repartição entre as partes, deve ser fixada na convenção de arbitragem ou em documento posterior subscrito pelas partes, a menos que resultem dos regulamentos de arbitragem escolhidos nos termos do artigo 15º.
Se fosse possível o apoio judiciário na jurisdição arbitral, quem suportaria as despesas com o funcionamento do tribunal se a ambas as partes fosse concedido apoio judiciário?
Assim, entende-se que a imposição à recorrida, que beneficia de apoio judiciário, não impugnado pela recorrente (artº 27º, nº 4, da LAJ), do recurso ao tribunal arbitral, seria violar o disposto no artº 20º da Constituição da República Portuguesa.
Na verdade, se é certo que a existência de tribunais arbitrais voluntários está prevista no artº 209º, nº 2, Constituição (Podem existir tribunais marítimos, tribunais arbitrais e julgados de paz), regulando a Lei 31/86, a arbitragem voluntária, nos termos da qual o recurso à arbitragem se encontra, na dependência da vontade das partes, certo é também que, normalmente, quando as partes formalizam um contrato em que arrastam as questões dele emergentes para um tribunal arbitral, há sempre a tendência para esperar que tudo corra bem, ainda que ponderando as consequências desse acordo.
Mas a experiência demonstra que, muitas vezes, só quando a situação se concretiza é que surge a percepção da vastidão das suas consequências. E, nos contratos de concessão comercial, como o dos autos, desenvolve toda a sua execução em Portugal, pelo que os pactos têm na sua base, ou devem ter, o fim de permitir a justa composição dos interesses.
Ora, a superveniência da situação de insuficiência da recorrida, que a impossibilita de suportar as despesas com a constituição e funcionamento do tribunal arbitral (a funcionar em França, com os inerente agravamento de custos, desde logo por via do respectivo nível de vida, do qual, segundo os economistas, cada vez nos encontramos mais afastados), constitui causa legítima de incumprimento da cláusula que prevê o recurso aos tribunais arbitrais, podendo a parte que se vê impossibilitada de custear as despesas da arbitragem opor à outra parte a submissão do litígio aos tribunais estaduais.
Entendimento contrário levaria a que a parte ficasse impossibilitada de obter justiça para o seu caso, isto é, ver-se-ia impedida de ver satisfeito o seu direito de acesso à justiça para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos; ou seja, nessa situação, a parte veria ser-lhe denegada justiça por insuficiência de meios económicos, resultado que a Constituição não aceita - cfr. citado artº 20º, nº 1.
Improcede, pois, a excepção em apreço.

Apelação.

Na apelação sustenta a R. que tinha fundamento para resolver o contrato, tal como fez, pelo que não assistiria à A. o direito a qualquer indemnização, indemnização que, de qualquer modo não devia incluir o ano de 2004, pois, mesmo que não se considere inexistir existir justa causa de resolução, sempre teria de se considerar que procedeu à denúncia do contrato, embora sem aviso prévio, que acabou por se extinguir em Janeiro de 2003.
Estando-se, como se referiu na apreciação do agravo e é reforçado pelos factos provados de II.1.A) a I), perante um contrato de concessão comercial (o que, aliás, não é posto em causa pela apelante), ao qual são aplicáveis, por analogia, as disposições legais relativas ao contrato de agência (DL nº 178/86, com as alterações introduzidas pelo DL nº 118/93), a sentença recorrida apreciou, pormenorizada e correctamente, todas as questões suscitadas na apelação ao considerar inexistir justa causa para a R. resolver o contrato, ao afastar a cessação do contrato por denúncia, por se estar perante contrato celebrado por tempo determinado, e ao atribuir à apelada uma indemnização lucros cessantes abrangendo o ano de 2004, fazendo uma correcta subsunção dos factos provados às normas legais aplicáveis, sem que mereça qualquer reparo, pelo que, nos termos do disposto no artº 713º, nº 5, do Código de Processo Civil, se remete para os respectivos fundamentos, com a consequente improcedência da apelação.

III. DECISÃO.
Pelo exposto, acordam os juizes que constituem esta Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao agravo, com a consequente improcedência da excepção de preterição do tribunal arbitral, e em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença apelada.
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Custas do agravo e da apelação pela recorrente.
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Porto, 11 de Janeiro de 2007
António do Amaral Ferreira
Manuel José Pires Capelo
Ana Paula Fonseca Lobo