Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0815789
Nº Convencional: JTRP00042078
Relator: MARIA LEONOR ESTEVES
Descritores: SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Nº do Documento: RP200901140815789
Data do Acordão: 01/14/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: ANULADA A DECISÃO.
Indicações Eventuais: LIVRO 562 - FLS 190.
Área Temática: .
Sumário: Nos casos em que a pena for fixada em medida que admita a suspensão da sua execução, o tribunal tem de apreciar a questão e fundamentar a decisão, particularmente se concluir pela não suspensão; não o fazendo, verifica-se omissão de pronúncia que constituiu nulidade, insanável e de conhecimento oficioso, nos termos do art. 379º n.º 1, al. c) e n.º 2 do CPP.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso Penal nº 5789/08


Acordam, em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:

1.Relatório
No .º Juízo Criminal da comarca do Porto, em processo comum com intervenção do tribunal singular, foi submetido a julgamento o arguido B………., devidamente identificado nos autos, tendo no final sido proferida sentença, na qual se decidiu absolvê-lo da prática do crime de furto simples p. e p. pelo art. 203º nº 1 do C. Penal, e condená-lo pela prática de um crime de falsificação de documento e de um crime de burla ps. e ps, respectivamente pelo art. 256º nº 1 al. a) e 3 e pelo art. 217º bº 1, ambos do C. Penal, na pena única de 22 meses de prisão, correspondente a uma pena parcelar de 18 meses (pelo crime de falsificação) e outra de 9 meses de prisão (pelo crime de burla).
Inconformado com o acórdão, dele interpôs recurso o arguido, pugnando pela redução das penas parcelares e da pena única em que foi condenado, bem como pela suspensão da sua execução, apresentando as seguintes conclusões:

1.Existe o dever de fundamentação da decisão de suspender ou não a execução da pena de prisão, nos casos em que é formalmente possível, sendo uma fundamentação especifica, que é como quem diz, mais exigente que a decorrente do dever geral de fundamentação das decisões judiciais que não sejam de mero expediente, postulado nomeadamente no artº 205º, nº 1 da CRP.
2.Decorre do exposto, o dever de o juiz assentar o incontornável juízo de prognose favorável ou desfavorável, com base em factos capazes de suportarem com alguma firmeza sem que todavia se exija certeza quanto ao desenrolar futuro dos comportamentos do arguido.
3.Ora relativamente ao arguido tal fundamentação de não suspender a pena de prisão aplicada inexiste, determinando tal vício a nulidade da sentença proferida.
4.No caso vertente, a defesa entende salvo o devido respeito por melhor opinião que é possível formular um juízo de prognose favorável, no sentido de que a ameaça da pena bastará para a prevenção de futuras condutas.
5. É possível formular um juízo optimista nesta matéria, pois que não obstante o crime praticado não ser um acto isolado, todos os crimes pelo arguido praticados se reconduzem a um determinado período da sua vida (anos de 2002 a 2004), o que tudo leva a crer ser uma fase passageira na sua vida, ilícitos esses praticados, porque o arguido tinha o vicio de jogar, tendo após 2004 abandonado a criminalidade.
6. Agiu portanto o arguido neste período da sua vida com intenção de obter vantagem patrimonial não permitida à custa do prejuízo de terceiros que enganou, levando-os a supor que era legitimo titular dos documentos de identificação que usava e cheques, através da realização plúrima de diversos crimes de burla e falsificação, entre os quais, e pelo qual foi condenado nos presentes autos, no quadro de uma mesma solicitação exterior susceptível de diminuir consideravelmente a sua culpa, que se revela nas circunstâncias de lhe terem chegado às mãos os cheques e os documentos de identificação que utilizou, bem como a facilidade como por toda a parte lhos aceitaram, não sendo de duvidar que tais circunstâncias, a que se juntou a pressão do seu vicio do jogo, foram exteriores ao agente e facilitaram a este o repetição dos actos que cometeu e portanto lhe diminuem a culpa.
7.O arguido antes de ser preso encontrava-se integrado familiar e socialmente, vivia em união de facto com a sua companheira e desempenhava funções de segurança com regularidade.
Por todas estas circunstâncias entende a defesa que a pena de prisão que lhe foi aplicada poderia e deveria ser suspensa a execução da pena de prisão.
8. O tribunal a quo não atendeu a todas as circunstâncias impostas pelo artº 71º do CP, essenciais à dosimetria penal, isto é, para a determinação da medida concreta da pena.
9. Dando por assente que as penas a aplicar se mostram balizadas pela medida da culpa e que para o crime de falsificação de documento do artº 256º, nº 1, al. a) e nº 3 do CP, a moldura abstracta é de seis meses de prisão a cinco anos de prisão ou de multa de sessenta a seiscentos dias; e o crime de burla do artº 217º, nº 1 do CP é de pena de prisão até três anos ou multa, entendemos que seriam mais adequadas e proporcionais penas coincidentes com os mínimos legais.
10.Pese embora o arguido já tenha antecedentes criminais, com várias condenações por factos praticados com anterioridade aos presentes, tais factos em causa foram praticados para obter proventos para sustentar o seu vício de jogo, o que de certa forma atenua a culpa do agente.
11.Face ao exposto somos levados a concluir que o arguido é um individuo que não faz do crime modo de vida. Tudo ponderado, a nosso ver, uma pena não superior a oito meses de prisão para o crime de falsificação de documento do artº 256º, nºl, al. a) e nº 3 do CP; e uma pena não superior a sete meses de prisão para o crime de burla do artº 217º, nºl do CP, seriam mais adequadas à culpa e às exigências de prevenção, quer geral, quer especial, sendo ainda suficientes para atingir os fins incertos nas normas incriminadoras, contribuindo para a ressocialização do arguido.
Em cúmulo jurídico, considerando a globalidade dos factos provados e a personalidade do recorrente, considera-se mais justa e adequada uma pena única não superior a doze meses de prisão, suspensa na sua execução, nos termos do disposto no artº 50º, nº 1 do CP, como supra se alegou.
12.A decisão recorrida violou o disposto no artº 50º, nº 1, 71º, 72º, todos do CP.

Na resposta, o Ministério Público pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.
O recurso foi admitido.
O Exmº Sr. Procurador-geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de que a sentença recorrida padece de nulidade, por omissão de pronúncia, já que não se fundamentou a razão pela qual não foi suspensa a execução da pena apesar de esta ter sido aplicada em medida inferior a 5 anos, e dever tal nulidade ser suprida pela 1ª instância.
Cumpriu-se o disposto no art. 417º nº 2 do C.P.P., não tendo sido apresentada resposta.
Colhidos os vistos, foram os autos submetidos à conferência.
Cumpre decidir.

2.Fundamentação
Foram os seguintes os factos considerados como provados na sentença recorrida:

A) Em circunstâncias não apuradas, o arguido B………. entrou na posse do impresso de cheque, em branco, com o nº ………., relativo à conta bancária nº ……….. da C………., titulada por D………., bem como do bilhete de identidade com o nº ……., pertencente a E……….;
B) No dia 16.Março.2004, pelas 15h30, o arguido, acompanhado de indivíduo do sexo feminino, fazendo-se transportar no veículo automóvel de marca Toyota, cor azul, de matrícula ..-..-QP, que o arguido havia alugado no dia 2/12/03 à empresa de aluguer de automóveis denominada “F………., S.A”, com uso do bilhete de identidade do referido E………., dirigiu-se ao estabelecimento denominado “G………., Lda.”, sito na Rua ………., nesta cidade, tendo sido atendido por H………. e I………., a quem se apresentaram muito bem vestidos e como amigos de um cliente seu que costumava ir à caça com o primeiro, tendo adquirido um combinado e uma aparelhagem de som, que nele se encontravam à venda;
C) Para pagar a importância devida, no valor global de €850,00, em conjugação de esforços e de acordo com o plano que previamente havia traçado com a sua acompanhante, o arguido entregou o impresso de cheque que já trazia preenchido no local destinado à assinatura do sacador, com o nome “D……….”, como se da assinatura da verdadeira se tratasse, tendo o arguido, nesse momento, preenchido o mesmo nos seus restantes elementos, apondo-lhe o valor de “oitocentos e cinquenta euros”, quer por extenso, quer em algarismos, no local de emissão “Porto”, e a data, “2004-03-16”;
D) Para comprovar a sua identidade, o arguido fez uso do bilhete de identidade pertencente a E………., alterado previamente, encontrando-se colada a sua fotografia, em vez da daquele verdadeiro titular, ficando o seu número (…….), a constar também do verso do cheque emitido;
E) Desta forma, o arguido conseguiu levar consigo os referidos bens, já que fizeram crer ao ofendido que o cheque se encontrava legitimamente na sua posse, pelo que causou um prejuízo patrimonial idêntico ao valor titulado nesse cheque;
F) O cheque foi apresentado a pagamento e foi devolvido por motivo de “extravio”, na sequência de uma comunicação ao banco, nesse sentido, por parte da verdadeira titular de tal impresso de cheque;
G) Ao actuar da forma descrita, o arguido agiu em conluio com a sua acompanhante, sabendo que ao apor no referido cheque o nome “D……….”, como se da assinatura da própria se tratasse, e preenchendo-o da maneira descrita nos seus restantes elementos, o fazia sem a autorização e contra a vontade desta, e que abalava a confiança e credibilidade na autenticidade e genuinidade dos cheques como meio de pagamento, atentava contra a fé pública que merecem os cheques como títulos de crédito e, consequentemente, contra a segurança do tráfico jurídico;
H) Sabia, também, o arguido que, ao utilizar o referido cheque como meio de pagamento para adquirir as mercadorias nos valores indicados, usando o bilhete de identidade de E………., alterado previamente, como se fosse seu, fazendo-se transportar numa viatura que dizia ser sua e dizendo que era amigo de um seu cliente, criavam uma encenação manhosa e, dessa forma, faziam crer ao ofendido que se tratava de cheque que se encontrava legitimamente na sua posse, determinando-o a aceitar tal modo de pagamento como válido e levando-o, dessa forma, a entregar-lhe as mercadorias, como aconteceu, facto que constituiu o enriquecimento do arguido e sua acompanhante à custa do empobrecimento do ofendido;
I) O arguido agiu livre e conscientemente, em comunhão de esforços e intenções com sua acompanhante, sabendo as suas condutas proibidas e punidas por lei;
J) No dia 22/3/04, cerca das 1h19m, na Estação de Serviço “J………., Lda.”, sita em Matosinhos, foi efectuado um abastecimento de combustível no veículo Toyota, cor azul, matrícula ..-..-QP, pelo valor de €33,20, sem que tenha sido efectuado o respectivo pagamento;
M) O arguido já sofreu várias condenações pela prática de crimes de burla, falsificação de documento, emissão de cheque sem provisão, tráfico de estupefacientes de menor gravidade, roubo, furto;
N) O arguido encontra-se detido em cumprimento de pena.

Como não provado, apenas se considerou o seguinte facto:

1) Que tenha sido o arguido a abastecer o veículo supra mencionado em J) no dia aí referido.

3. O Direito
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar[1], sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente os vícios indicados no art. 410º nº 2 do C.P.P.[2].
No caso dos autos, face às conclusões da motivação do recurso, as questões essenciais que foram suscitadas e que iremos apreciar de acordo com a ordem da sua precedência lógica, são as seguintes:
- nulidade da sentença por falta de fundamentação da decisão de não suspender a execução da pena de prisão;
- existência de fundamento para decretar a suspensão da execução da pena;
- medida das penas aplicadas.

3.1. Entende o recorrente que, na determinação da medida das penas (parcelares e única), o tribunal recorrido não atendeu a todas as circunstâncias enunciadas no art. 71º do C. Penal, alegando que, apesar do facto de já ter antecedentes criminais, a sua culpa se mostra de certa forma atenuada na medida em que os factos foram praticados para obter proventos para sustentar o seu vício de jogo e que não faz do crime modo de vida. Razões pelas quais considera que a fixação das penas em medida coincidente com os respectivos limites mínimos seria mais adequada à culpa e às exigências preventivas e, do mesmo passo, suficiente para atingir os fins incertos (sic) nas normas incriminadoras, contribuindo para a sua ressocialização.

São as finalidades relativas de prevenção, geral e especial, que justificam a intervenção do sistema penal e conferem fundamento e sentido às suas reacções específicas. A prevenção geral, enquanto prevenção positiva ou de integração, i. e. “como estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade e vigência da norma infringida”, assume o primeiro lugar como finalidade da pena[3].
Por outro lado, o princípio da culpa, acolhido no nosso ordenamento jurídico-penal e cujo fundamento axiológico radica no princípio da inviolabilidade da dignidade pessoal, implica que a culpa seja condição necessária da aplicação da pena e, simultaneamente, que a medida da pena não possa ultrapassar a medida da culpa[4].
Estes princípios encontram expressão nos nº 1 e 2 do art. 40º do C. Penal, nos termos dos quais as penas têm como finalidade a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, e não podem em caso algum ultrapassar a medida da culpa.
E, bem assim, no nº 1 do art. 71º do C. Penal, de acordo com o qual a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, operação na qual, e de acordo com o nº 2 do mesmo preceito, o tribunal terá de atender àquelas circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente.
O equilíbrio desejável entre as finalidades relativas à prevenção geral e à prevenção especial não obsta a que, perante as especificidades do caso concreto, uma dessas finalidades haja de prevalecer sobre a outra.
Nos casos em que a lei preveja, em alternativa, a aplicação de pena preventiva e não preventiva da liberdade, antes da determinação da medida concreta da pena haverá que proceder à escolha da pena seguindo o critério definido no art. 71º do C. Penal, ou seja, dar preferência à pena não privativa da liberdade sempre que ela realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (indicadas no art. 40º, como já acima referimos).

Sendo estes os parâmetros por que nos havemos de reger nesta matéria, adiantamos desde já que não vislumbramos qualquer incorrecção na fundamentação utilizada na decisão recorrida, quer para efectuar a opção por penas de prisão (que, aliás, não foi questionada), quer para determinar o concreto quantum das penas parcelares e única que foram fixadas.
De facto, considerando, por um lado, a intensidade do dolo, o médio grau de ilicitude, as prementes exigências de prevenção geral e especial (salientando-se, quanto a estas, que, de acordo com o CRC a fls. 370-385[5], entre 12/10/00 e 13/2/05, e sem contar com os crimes por cuja prática foi condenado nestes autos, o recorrente praticou um total de 48 crimes, dos quais dois de burla qualificada, catorze de burla simples, vinte de falsificação de documento, seis de emissão de cheque sem provisão, dois de detenção ou tráfico de armas, dois de furto qualificado, um de roubo e um de tráfico de menor gravidade), e a existência de antecedentes criminais (à data da prática dos factos o recorrente já havia sofrido uma condenação pela prática de crimes da mesma natureza), e, por outro, a ausência de quaisquer circunstâncias que deponham a favor do recorrente, é evidente que as penas encontradas para punir as condutas deste não ultrapassaram a medida da sua culpa e também não extravasaram os limites dentro dos quais a justiça relativa havia de ser encontrada, não merecendo qualquer censura. Por outro lado, a pena única fixada respeita os critérios estabelecidos nos nºs 1 e 2 do art. 77º do C. Penal, situando-se entre os limites fixados na lei e mostrando-se adequada à consideração conjunta dos factos e da personalidade evidenciada pelo recorrente (na qual, aliás, se denota uma acentuada tendência para a prática de crimes contra o património). Muito embora a reintegração do agente na sociedade seja um dos fins da aplicação das penas, e esta possa de algum modo ser posta em causa com o afastamento do meio familiar e social que inevitavelmente decorre de períodos de reclusão de média e longa duração (não obstante as medidas de flexibilização que o visam atenuar), não podem razões de prevenção especial de socialização intervir para que a pena seja fixada abaixo daquele ponto que, perante as circunstâncias relevantes do caso concreto, se apresente como o “mínimo suportável de prevenção geral positiva”, ou seja, o limite mínimo “ainda comunitariamente suportável à luz da necessidade de tutela dos bens jurídicos e da estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada”[6].
Refira-se, por último, que a invocação de pretensas explicações para a prática dos crimes (a necessidade de obter proventos para sustentar o vício do jogo) que supostamente atenuariam a culpa do recorrente (para o que até não teriam virtualidade, antes poderiam conduzir a uma maior reprovação e censura, como apontado no parecer do PGA), mas que não foram apresentadas em julgamento (aí, o recorrente remeteu-se ao silêncio, como é seu direito) e só agora em sede de recurso vêm alegadas, é perfeitamente impertinente e não pode, sequer, ser tida em consideração, desde logo porque se trata de factos que não constam da matéria de facto provada (tão pouco da não provada).
Donde se conclui não haver qualquer fundamento para alterar a medida em que as penas parcelares e única foram fixadas.

3.2. O recorrente argúi a nulidade da sentença por nela não se ter fundamentado a decisão de não suspender a execução da pena de prisão que lhe foi aplicada.

De acordo com o disposto no nº 1 do art. 50º do C. Penal, “O tribunal suspende a a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, á sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.”
A possibilidade de suspensão da execução da pena (actualmente) em medida não superior a 5 anos (antes das alterações introduzidas pela Lei nº 59/2007 de 4/9, o limite a considerar eram os 3 anos), constitui “um poder-dever, ou seja de um poder vinculado do julgador, que terá que decretar a suspensão da execução da pena, na modalidade que se afigurar mais conveniente para a realização daquelas finalidades, sempre que se verifiquem os apontados pressupostos”[7]. O tribunal deve, pois, ponderar os vários factores enumerados no preceito acima transcrito (a personalidade do agente, as suas condições de vida, a sua conduta anterior e posterior ao crime e as circunstâncias deste) e, com base neles, fazer um juízo de prognose (“reportando-se ao momento da decisão e não ao da prática do crime”[8]) acerca do comportamento futuro do arguido. Caso conclua que se pode esperar que ele não voltará a adoptar novas condutas desviantes, deve suspender a execução da pena; no caso contrário, “se tem dúvidas sobre a capacidade do réu para compreender a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida”[9], deverá afastá-la. Mas quer num, quer no outro, deverá fundamentar a conclusão alcançada, dever de fundamentação esse que, no segundo caso, “até se pode considerar mais premente”[10].
Assim, nos casos em que seja a pena for fixada em medida que admita a suspensão da sua execução, o tribunal tem de apreciar a questão e fundamentar a decisão, particularmente se concluir pela não suspensão; não o fazendo, verifica-se omissão de pronúncia que constitui nulidade, insanável e de conhecimento oficioso, nos termos do art. 379º nº 1 al. c) e nº 2 do C.P.P., que acarreta a anulação da decisão na parte em que a afecta[11].

É precisamente o que sucede no caso sub judice. Apesar de ter optado pela aplicação de pena de prisão efectiva - em medida não superior a 5 anos – o tribunal recorrido não fundamentou a decisão, implícita, de afastar a suspensão da execução de tal pena. Limitou-se a determinar a medida das penas parcelares e da pena única - e nada mais.
Ora, impunha-se-lhe que se tivesse pronunciado sobre a possibilidade de suspensão da execução da pena, concretizando as razões pelas quais a afastou implicitamente (que até podem existir, mas que não foram minimamente indicadas). Não o tendo feito, a sentença é, nessa parte, nula e terá de ser repetida para expurgação do vício detectado. Refira-se que, se o tribunal entender que se impõe o apuramento de factos complementares relativos à personalidade da recorrente (nomeadamente através da solicitação de relatório social ao IRS), poderá haver lugar à reabertura da audiência.
Assim se decidindo, fica prejudicado o conhecimento da questão relativa à invocada existência de fundamento para decretar a suspensão da execução da pena.

4. Decisão
Em face do exposto, julgam parcialmente procedente o recurso e anulam a decisão recorrida na parte em que se não pronunciou sobre a possibilidade de suspensão da execução da pena, para que seja refundida contemplando o conhecimento dessa questão.
No mais que se conheceu, julga-se improcedente o recurso, devendo manter-se inalterado o decidido, nomeadamente no que respeita à medida das penas parcelares e única que foram fixadas.
Vai o recorrente condenado em 3 UC de taxa de justiça, levando-se em conta o decidido quanto ao apoio judiciário.
Honorários da tabela.

Porto, 14 de Janeiro de 2009
Maria Leonor de Campos Vasconcelos Esteves
Vasco Rui Gonçalves Pinhão Martins de Freitas

________________________
[1] (cfr. Prof. Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal" III, 2ª ed., pág. 335 e jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada).
[2] Ac. STJ para fixação de jurisprudência nº 7/95, de 19/10/95, publicado no DR, série I-A de 28/12/95.
[3] Cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, págs. 72-73.
[4] Idem, Ibidem, pág. 73.
[5] Do qual resulta que o recorrente:
1 - pela prática, em 3/10/02, de um crime de burla qualificada e de um crime falsificação de documento, foi condenado, por acórdão proferido em 1/10/03, na pena única de 400 dias de multa;
2 - pela prática, em 20/7/02, de um crime de emissão de cheque sem provisão, foi condenado, por sentença proferida em 8/10/04, na pena de 170 dias de multa;
3 - pela prática, em 6/5/03 e 7/5/03, de um crime de burla e de um crime de falsificação de documento, respectivamente, foi condenado, por sentença proferida em 2/11/04, na pena única de 350 dias de multa; efectuado o cúmulo com as penas aplicadas pela prática dos crimes referidos em 1., foi condenado na pena única de 600 dias de multa;
4 - pela prática, em 29/3/03, de um crime de burla e de um crime de falsificação de documento, foi condenado, por sentença proferida em 30/11/04, na pena de 270 dias de multa;
5 - pela prática, em 24/7/02, de um crime de emissão de cheque sem provisão, foi condenado, por sentença proferida em 3/12/04, na pena de 250 dias de multa;
6 - pela prática, em 25/10/02, de um crime de burla e de um crime de falsificação de documento, foi condenado, por sentença proferida em 13/12/04, na pena única de 140 dias de multa;
7 - pela prática, em 25/10/02, de um crime de emissão de cheque sem provisão, foi condenado, por sentença proferida em 13/12/04, na pena de 180 dias de multa;
8 - pela prática, em 27/7/02, de um crime de emissão de cheque sem provisão, foi condenado, por sentença proferida em 21/1/05, na pena de 80 dias de multa;
9 - pela prática, em 18/7/02, de um crime de emissão de cheque sem provisão, foi condenado, por sentença proferida em 9/2/05, na pena de 290 dias de multa;
10 - pela prática, em 30/4/03, de um crime de burla e de um crime de falsificação de documento, foi condenado, por sentença proferida em 21/4/05, na pena de 270 dias de multa;
11 - pela prática, em 29/10/02, de um crime de burla, foi condenado, por sentença proferida em 6/5/05, na pena de 75 dias de multa;
12 - pela prática, em 4/5/03, de um crime de burla, foi condenado, por sentença proferida em 13/5/05, na pena de 250 dias de multa;
13 - pela prática, em 27/9/03, de dois crimes de falsificação de documento e de um crime de burla, foi condenado, por sentença proferida em 24/5/05, na pena única de 2 anos e 9 meses de prisão, com execução suspensa por 4 anos;
14 - pela prática, em 21/4/03, de um crime de falsificação de documento e de um crime de burla, foi condenado, por sentença proferida em 27/5/05, na pena única de 220 dias de multa;
15 - pela prática, em 9/6/03 e em 17/5/03, respectivamente de um crime de burla e de dois crimes de falsificação de documento, foi condenado, por acórdão proferido em 13/5/05, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão;
16 - pela prática, em 1/1/02, de um crime de falsificação de documento e de um crime de burla qualificada, foi condenado, por acórdão proferido em 22/6/05, na pena de 190 dias de multa;
17 - pela prática, em 4/11/02 e 4/11/03, respectivamente de um crime de falsificação de documento e de um crime de burla, foi condenado, por sentença proferida em 30/6/05, na pena de 12 meses de prisão, com execução suspensa por 2 anos;
18 - pela prática, em 23/5/03, de um crime de falsificação de documento, foi condenado, por sentença proferida em 1/7/05, na pena de 10 meses de prisão;
19 - pela prática, em 13/2/05, de um crime de tráfico de menor gravidade, foi condenado, por acórdão proferido em 12/10/05, na pena de 1 ano de prisão;
20 - pela prática, em 12/10/00, de um crime de detenção ou tráfico de armas proibidas, foi condenado, por sentença proferida em 7/11/05, na pena de 180 dias de multa;
21 - pela prática, em 20/10/03, de um crime de falsificação de documento, foi condenado, por acórdão proferido em 23/11/05, na pena de 180 dias de multa;
22 - pela prática, em 23/5/03, de dois crimes de falsificação de documento e de dois crimes de burla, foi condenado, por acórdão proferido em 19/12/05, na pena de 4 anos de prisão;
23 - pela prática, em 21/3/03, de um crime de emissão de cheque sem provisão, em 1/4/03, de um crime de falsificação de documento, em 11/5/03, de um crime de falsificação de documento, em 14/6/03, de um crime de burla, e em 1/4/03, de um crime de burla, foi condenado, por acórdão proferido em 9/3/06, na pena de 4 anos de prisão;
24 - pela prática, em 2/7/03, de um crime de falsificação de documento, foi condenado, por acórdão proferido em 29/3/06, na pena de 1 ano de prisão;
25 - pela prática, em 9/5/04, de um crime de roubo, de dois crimes de furto qualificado, de um crime de falsificação de documento e de um crime de detenção ou tráfico de armas proibidas, sob a forma continuada foi condenado, por acórdão proferido em 5/4/06, na pena de 9 anos de prisão.
[6] cfr. Fig. Dias, “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 231.
[7] cfr. Maia Gonçalves, C. Penal Anotado e Comentado, 14º ed. – 2001, pág. 191
[8] cfr. Ac. STJ de 11/5/95, proc. nº 06P1179.
[9] Cfr. Leal-Henriques e Simas Santos, Código Penal anotado, 1995, 1º vol, pág. 444.
[10] Veja-se o Ac. TC nº 61/2006, de 18/1/2006, processo nº 442/05, que julgou inconstitucionais, por violação do artigo 205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, as normas dos artigos 50.º, n.º 1, do Código Penal e 374.º, n.º 2, e 375.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, interpretados no sentido de não imporem a fundamentação da decisão de não suspensão da execução de pena de prisão aplicada em medida não superior a três anos.
[11] V. neste sentido, entre outros, os Acs. STJ de 10/5/06, proc. nº 06P1184, 21/9/06, proc. nº 06P2803; 21/9/06, proc. nº 06P3132; e 12/10/06, proc. nº 06P2803; e da RP de 13/9/06, proc. nº 0611521.