Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0752291
Nº Convencional: JTRP00040396
Relator: PINTO FERREIRA
Descritores: ALEGAÇÕES
NOTIFICAÇÕES PELA PARTE
Nº do Documento: RP200706110752291
Data do Acordão: 06/11/2007
Votação: UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: IMPROCEDENTE.
Indicações Eventuais: LIVRO 303 - FLS 100.
Área Temática: .
Sumário: Ao referir-se a lei, no n.º1 do art. 229.º-A do CPC, a “articulados e requerimentos autónomos”, quis também referir-se às alegações de recurso, pelo que também estas têm de ser pelo Mandatário judicial notificadas ao colega da contraparte.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I - Relatório

B………., Ldª, com sede em ………., ………., Paços de Ferreira, intentou a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo ordinário contra “Companhia de Seguros X………., SA”, com sede na ………., nº …, Lisboa, com fundamento no facto de um veículo automóvel, sua pertença, ter sido interveniente em acidente de viação ocorrido por culpa exclusiva do condutor de veículo automóvel segurado pela ré, do qual resultaram para a autora danos patrimoniais no valor global de € 53.565,00, pelo que termina pedindo a condenação da ré no pagamento de tal quantia, acrescida de juros de mora contados, à taxa legal, desde a citação e até integral reembolso.
A ré contesta, começando por afirmar que reconhecer a verificação do acidente invocado pela autora, bem como a celebração de contrato de seguro com o outro veículo naquele interveniente, mas afirma, no entanto, que tal acidente ocorreu por culpa exclusiva do condutor do veículo automóvel pertença da autora, impugnando, por desconhecimento, a verificação e extensão dos danos invocados pela autora.

Foi elaborado despacho saneador, tabelar e procedeu-se à elaboração do elenco dos factos assentes e da base instrutória, não tendo as partes apresentado qualquer reclamação.
Realizou-se a audiência de julgamento, após o que foram dadas respostas às questões de facto enunciadas na base instrutória, não tendo sido apresentada qualquer reparo.
Não foram apresentadas alegações escritas.
Profere-se sentença em que se julga a acção parcialmente procedente e se condena a ré.
Inconformada, recorre.
Apresenta alegações e são juntas contra alegações.

Considerando que a apelante não cumpriu o n.º 1 do art. 229-A do CPC relativamente às alegações de recurso, profere o tribunal despacho ordenando o seu cumprimento pela secretaria, com tiragem de cópias dessas alegações e envio à parte contrária, suportando aquele o respectivo custo e, por o considerar um incidente anómalo, em 2Uc.
Inconformado com tal decisão, recorre a apelante.
Apresenta alegações apenas a agravante
O tribunal sustenta o despacho agravado.

Colhidos os vistos legais, nada obsta ao conhecimento dos recursos.
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II - Fundamentos do recurso

Delimitam e demarcam o âmbito dos recursos as conclusões neles apresentadas - artigos 684º n.º 3 e 690º n.º 1 do CPC -
Daí a sua transcrição.
Acontece, porém, que nos autos surgem dois recursos, um de agravo e outro de apelação.
Assim:

III - I - Da apelação

1 — Salvo o devido respeito, entende a recorrente que a sentença recorrida, face aos fados dados como provados, falhou não só no apuramento da responsabilidade pela ocorrência do sinistro dos autos, mas também na fixação da indemnização atribuída à autora e dai que, a nosso ver, a presente acção tenha sido mal decidida.
2— Desde logo importa salientar que a resposta dada ao artigo 6. da B.l. é conclusiva, como conclusiva é a formulação do próprio artigo, na medida em que a expressão “se guia sem manter a distância lateral suficiente para evitar a colisão de veículos que circulavam em sentido oposto carece de ser concretizada por factos que a sustentem.
3 — Não está demonstrado, nem sequer alegado nos autos, que o veículo seguro circulasse demasiado próximo, ou junto ao eixo da via, ou que tivesse invadido a hemi-faixa pertencente aos veículos que circulam em sentido contrário.
4— Nem o facto de o tractor do QS se encontrar já no campo agrícola no momento em que é embatido, permite retirar uma tal ilação, já que este, juntamente com a alfaia agrícola que transportava, medem no conjunto cerca de 7 metros, tendo o embate ocorrido na parte traseira do veículo pertencente à autora.
5 — Não há, pois, nos autos factos que permitissem ao Meritíssimo Juiz extrair tal conclusão, pelo que deverá tal resposta ser dada como não escrita (artigo 646º do C.P.C.
6 — Perante os restantes factos dados como demonstrados, não pode sofrer dúvida que não se provou a culpa efectiva de qualquer dos condutores na ocorrência do acidente, já que os veículos embateram em circunstâncias não concretamente apuradas, quando o QS procedia a uma manobra de mudança de direcção à direita para entrar num campo agrícola.
7 — Na verdade, não se sabe em que ponto da faixa de rodagem ocorreu o sinistro, nem qual a largura desta, nem tão pouco se algum dos veículos invadiu a mão contrária.
8 — Não podendo a produção do acidente ser imputada a nenhum dos condutores dos dois veículos intervenientes, o mesmo tem de ser analisado segundo as regras do risco atinentes à condução automóvel.
9 — Ora, enquanto o veículo seguro pela recorrente era conduzido pelo seu proprietário, o veículo da autora, uma sociedade por quotas, era conduzido por D………., sendo evidente que por se tratar de uma viatura pesada, composta por tractor e alfaia, não costuma, como é facto do conhecimento comum, ser conduzida por simples particulares, mas antes por motoristas profissionais habilitados com carta de condução para o efeito.
10 - Do processo não consta a mais ligeira alusão de que este condutor estivesse no exercício da condução fora das suas funções de motorista ou de alguma forma abusiva, pelo que através de uma presunção natural não podemos deixar de concluir que o mesmo veículo estava a circular sob a direcção efectiva e no interesse do seu proprietário, a autora.
11 — O acidente só pode, pois, ser imputado a culpa presumida do condutor do QS por conduzir este no interesse e por conta da autora e não ter provado que não teve culpa.
12 — Quando assim se não entenda — o que apenas se concebe como mera hipótese académica — não estando demonstrada a culpa de qualquer dos intervenientes no acidente dos autos, sempre haveria de se recorrer ao disposto no artigo 506.° do C. Civil, devendo a medida da contribuição do OS (tractor com alfaia) para os danos ser superior à do OA (ligeiro de mercadorias), na proporção de 70% / 30%, desfavorável àquele, visto tratar-se de um veículo de maiores dimensões (7 metros), causando assim um risco de circulação acrescido.
13 — À indemnização atribuída à autora pela perda da alfaia, fixada no valor de € 28.546,56 — referente ao seu valor venal à data do acidente — deverá ser deduzido o montante de € 3.000,00, correspondente ao valor dos salvados, sob pena de enriquecimento sem causa daquela.
14 — A autora não logrou demonstrar que sofreu um prejuízo com a destruição da máquina, pelo facto de a não poder utilizar no enfardamento de rolos de palha; pelo contrário, está demonstrado que a autora alugou uma máquina semelhante à sinistrada para efectuar esses trabalhos.
15 — De resto a autora nem sequer alegou que entre o sinistro e o aluguer de uma máquina semelhante decorreu algum tempo, bem podendo ter-se dado o caso de o aluguer ter sido efectuado no próprio dia ou no imediatamente a seguir.
16 — Assim sendo, não tendo a autora demonstrado esse prejuízo, não podia o Tribunal “a quo” ter relegado a indemnização correspondente para liquidar em execução de sentença.
17 — Aliás, trata-se de um prejuízo ocorrido antes da propositura da acção — note-se que a autora o quantificou — e que a autora não conseguiu demonstrar em Juízo, porque a sua prova fracassou, não sendo legitimo conceder-se à autora uma nova oportunidade de provar factos sobre os quais assenta o seu direito, sob pena de violação frontal do artigo 342.° do C. Civil.
18 — A sentença recorrida violou o disposto nos artigos 342°, 483.°, 503°, 562.° e 566.° do Código Civil e 661.° n.º 2 do C.P.C.
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Nas contra alegações, a recorrida defende a manutenção do decidido.

III - II - Do agravo

1. Salvo o devido respeito por opinião contrária, entende a ora agravante que nada na lei impõe à parte, a notificação, à parte contrária, das alegações, nos termos dos artigos 229º- A e 260.° A do Código de Processo Civil.
2.Na verdade, nos termos do disposto no artigo 229º-A, só os articulados e requerimentos autónomos que sejam apresentados após a notificação ao autor da contestação do réu, serão notificados, pelo mandatário judicial do apresentante, ao mandatário da contraparte, no respectivo domicílio profissional.
3. De um ponto de vista processual, as alegações de recurso não podem ser considerados nem articulados, nem, tão pouco, requerimentos autónomos.
4. Os articulados são as peças processuais em que as partes expõem os fundamentos da acção e da defesa e formulam os pedidos correspondentes, ao passo que no conceito de requerimentos autónomos se enquadram, a título de exemplo, os requerimentos probatórios, as reclamações por nulidades processuais, ou os requerimentos de interposição de recurso.
5. Acresce que o legislador distingue bem estas realidades, tal como acontece no artigo 152° do C.P.C., onde aquele se reporta especificadamente a “articulados”, “requerimentos” e “alegações”.
6. Não vemos, pois, qualquer razão para que o legislador não se referisse, de igual modo, a essas peças processuais quando tratou da notificação entre os mandatários das partes.
7. Acresce que em sede de interpretação da lei, o intérprete, nos termos do art. 9° do Código Civil, deve presumir que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, pelo que nos parece defensável o entendimento segundo o qual, ao se referir a articulados e requerimentos autónomos, o legislador se quis também referir às alegações de recurso.
8. Este entendimento é perfilhado por grande parte da nossa recente Jurisprudência, sendo que salientamos, entre outros, o Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 08/07/04, Proc. 0356454, in www.trp.pt e o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 27/04/05, Proc. 04A4080, in www.stj.pt
9. O despacho recorrido violou o disposto nos artigos 229°-A do C.P.C., impondo-se a sua revogação.
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III - Factos Provados

Provaram-se os seguintes factos:

1º - No dia 05 de Maio de 2003, pelas 13 h 40 m, na rua ………., ………., Paços de Ferreira, ocorreu uma colisão entre o veículo ligeiro de mercadorias da marca “Opel”, modelo “……….”, matrícula ..-..-OA, conduzido pelo seu proprietário, C………., e o tractor propriedade da autora, da marca “Fendt”, modelo “……”, com a matrícula ..-..-QS, conduzido por D………. .
2º - A responsabilidade civil emergente da circulação do veículo de matrícula ..-..-OA estava, à data da colisão, transferida para a ré através do contrato de seguro titulado pela apólice nº ………. .
3º - O tractor referido em 1- circulava na referida rua ………., no sentido de marcha ………. – ………. .
4º - Depois de accionar o sinal luminoso de mudança de direcção à direita, virou à direita para entrar num campo agrícola.
5º - A colisão ocorrida em 1- ocorreu no momento em que o tractor de matrícula ..-..-QS se encontrava no interior do campo agrícola, tendo o a alfaia que transportava sido embatida na parte traseira, lado esquerdo, pelo veículo automóvel de matrícula ..-..-AO.
6º - No local onde o acidente ocorreu, a estrada, após descrever uma curva para a direita, considerando o sentido de marcha ………. – ………., inicia uma recta, sendo a estrada visível em cerca de 30 metros no momento em que se inicia a referida curva, e estando o piso da estrada em bom estado de conservação.
7º - O veículo automóvel de matrícula ..-..-AO, no momento do embate, seguia sem manter a distância lateral suficiente para evitar a colisão com os veículos que circulavam em sentido oposto.
8º - Em consequência do embate, a alfaia/máquina agrícola que, na ocasião, era rebocada pelo tractor, estava no estado de nova, com cerca de uma hora de uso, ficou totalmente destruída.
9º - O valor da alfaia agrícola danificada, à data do acidente, ascendia a € 28.546,56.
10º - A alfaia agrícola referida em 8- possuía capacidade para enfardar, em média, cerca de 200 rolos de erva/palha por dia.
11º - A autora previsivelmente retiraria cerca de € 10,00 de lucro por cada rolo enfardado pela alfaia agrícola referida em 8-.
12º - A autora, por força do facto referido em 8-, alugou uma alfaia agrícola semelhante, no que despendeu uma quantia que em concreto não foi possível apurar.
13º - No dia e hora referidos em 1-, o veículo automóvel de matrícula ..-..-AO seguia no sentido de marcha ………. – ………. .
14º - Minutos antes do embate, o tractor de matrícula ..-..-QS seguia no sentido de marcha oposto ao que tomava o veículo automóvel de matrícula ..-..-AO.
15º - O condutor do veículo automóvel de matrícula ..-..-AO travou, desviando o veículo para a sua esquerda.
16º - O tractor de matrícula ..-..-QS e alfaia que transportava mediam, no seu conjunto, cerca de 7 metros de comprimento.
17º - O valor do salvado da alfaia agrícola referida em 8º ascende a cerca de € 3 000,00.
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IV - O Direito

IV - I - Da apelação

Insurge-se, em primeiro lugar, a recorrente quanto à visão manifestada pelo tribunal a quo sobre a forma como o acidente ocorreu.
Mas, salvo o devido respeito, sem razão.
Embora reconheçamos que os factos assentes e que descrevem o acidente não abundem, vemos que o tribunal explica, perante os factos que foram dados como provados, como o mesmo se verificou e a quem atribuir a culpa na sua verificação.
Diz o tribunal que «não há dúvida que, no momento do embate, o tractor pertença da autora se encontrava já no interior de um campo agrícola (ponto 5- da matéria de facto provada), sendo a alfaia que transportava embatida na sua parte traseira, lado esquerdo, porque o veículo automóvel de matrícula ..-..-AO seguia sem manter a distância lateral suficiente para evitar a colisão com veículos que circulavam em sentido oposto (cfr ponto 7- da matéria de facto provada), tendo o embate ocorrido na hemifaixa de rodagem destinada à circulação de veículos que tomavam o sentido de marcha oposto ao veículo automóvel de matrícula ..-..-AO.
E afirmou ainda que « A alegação da ré quanto ao obstáculo à marcha do veículo automóvel de matrícula ..-..-AO carece de fundamento (cfr resposta negativa aos pontos 16º, 18º, 19º e 22º, e resposta restritiva aos pontos 17º e 20º da base instrutória).
De facto, não podemos deixar de referenciar que a versão trazida pela ré na sua contestação e para justificar o acidente e excluir mesmo a culpa do condutor do AO, afirmando que o QS terá invadido a faixa de rodagem daquele, no momento em que por ali passava, cortando-lhe a respectiva linha de marcha, obrigando-o a travar e a desviar para a sua esquerda logo no momento em que o QS arrancou em direcção à entrada do terreno, não obteve sucesso.
Ora, não nos podemos esquecer que um acidente de viação é constituído por um feixe de factos e ocorrências que, funcionando em conjunto, originam à sua produção. Por isso que a sua visão, num ponto de vista dinâmico e activo, nem sempre é fácil, obrigando a que a sua análise e perspectiva tenha de obedecer a critérios, fixos uns e circunstanciais outros, mas que, todos se devem enquadrar.
Ou seja, na análise de um acidente de viação nunca este deve ser perspectivado numa visão parcelar e individual de cada factor ou causa, mas como um todo, havendo de ser averiguado, com atenção, todas as circunstâncias que o rodearam e que são conhecidas, conhecimento este que pode advir da própria matéria de facto apurada, de todos e outros elementos inseridos no processo, como da experiência comum, do bom senso e sensibilidade individual, etc., etc., sempre na senda, aliás, do fixado nos artigos 264º n.º 2 e 659º n.º 2 do CPC -.
Podemos dizer mesmo que para uma decisão e análise correcta de todo o problema dinâmico de um acidente, haverá que ir para além do peso específico e determinante, ou exclusivamente determinante, que cada uma das causas que contribuíram para o acidente.
O certo é que, perante os factos assentes, temos de considerar que o condutor do AO violou o art. 13º n.º 1 do CE, quando impõe que,
«O trânsito de veículos deve fazer-se pelo lado direito da faixa de rodagem e o mais próximo possível das bermas ou passeios, conservando destes uma distância que permita evitar acidentes».
Acresce ainda que esta regra vem complementada com a fixada actual art. 18º n.º 2 do CE (anterior art. 9º n.º 1), que estabelece o dever para o condutor de um veículo em marcha de manutenção de uma distância lateral suficiente para evitar acidentes entre o seu veículo e os que transitam na mesma faixa de rodagem, no mesmo sentido ou em sentido oposto.
Da conjugação destas normas podemos concluir que a preocupação do legislador foi que se evitassem colisões entre veículos, mais ainda quando se cruzam.
As nossas vias são estreitas, repletas de curvas e contra curvas, sem bermas, a exigirem um redobrado cuidado tanto na velocidade como nesta simples regra estradal de cada um ocupar sempre o seu lado direito da via, deixando deste modo espaço de segurança entre as viaturas que se cruzam. Nestas vias, semelhantes àquela onde o acidente ocorreu, bastando para tanto atentar no croqui junto a fls. 9, é imposto a todos os que nela circulem uma maior cautela e especial precaução
Assim, da conjugação do artigo 13º e 18º n.º 2 do Código da Estrada, que impõe que os veículos devam circular conservando uma distância dos demais adequada a evitar acidentes, norma que o condutor do veículo automóvel de matrícula ..-..-AO desrespeitou.
E perante os factos apurados em 13, 14 e 15 não podemos deixar de concluir que o embate ocorreu na hemifaixa de rodagem destinada à circulação de veículos que circulassem em sentido oposto ao AO, por não manter a distância lateral necessária a evitar o embate com a alfaia agrícola que transportava o tractor pertença da autora, sendo o seu único e exclusivo causador.
É que, para além do mais, não consta dos autos qualquer facto ou conduta donde se possa atribuir qualquer culpa da verificação do acidente ao condutor do QS.
Daí que a visão e perspectiva dos factos dados como assentes não pode ter o suporte que a apelante lhe pretende dar, a qual, embora compreendendo a sua posição, não traduz o que tanto os factos como a lei estradal impõe e exige.
O acidente ocorreu por culpa exclusiva do condutor do AO.
Deste modo, o problema não se coloca a nível de risco, não há que averiguar da proporção de comparticipação de cada um dos intervenientes para o acidente nem a culpa presumida do condutor do QS.

E menos ainda se poderá dar razão quando pretende afirmar que a expressão usada pelo autor na petição inicial e que foi vertida para a base instrutória com o n.º 6, a qual veio a ser dada como provada e redigida como «………seguia sem manter a distância lateral suficiente para evitar a colisão com os veículos que circulavam em sentido oposto», traduz uma conclusão, donde não permitida por lei
Sabe-se, todos o sabemos, que nem sempre é fácil decantar a matéria puramente de facto entre as alegações das partes.
Mas sabemos também que cada vez mais vai entrando no sentido e terminologia comum certos conceitos e subsunções dos factos a normas jurídicas e a dificuldade de não encontrar o limite entre uma e outra.
E do alegado, que não conclusivo nem normativo mas factual, embora se possa dizer que se encontra no limite de um e outro, vem acompanhado de outros elementos de prova, dos quais se retira e se pode averiguar a forma como o acidente ocorreu e a quem imputar a culpa na sua verificação.
Tal resposta não pode, como pretende a apelante, ser considerada como não escrita - art. 646º do CPC -

Quanto aos danos e indemnização.

Relativamente aos salvados, tem razão a apelante.
Ao valor da máquina há que deduzir o valor do salvado, sob pena de haver aqui uma duplicação de ganho, do valor da máquina e do salvado desta, enriquecendo injustificadamente o autor.
E esta posição do tribunal pode e deve ser tomada por obediência ao princípio de equidade que vigora na fixação de uma indemnização - artigo 566º do CC -, ponderada que está toda a matéria provada e todos os elementos constantes do processo ( fls. 91 e resposta ao quesito 17º) - artigos 659º e 661º do CPC -
A indemnização será então de € 25546,56, por desconto do montante dos salvados.

Quanto aos danos a liquidar em execução de sentença.

Entende a recorrente que, no caso concreto, não devia o tribunal usar o n.º 2 do art. 661º do CPC.
E para tanto afirma que a autora quantificou o montante de prejuízos que teve por deixar de poder usar a máquina, em € 14.400,00, que dispôs de meios para a sua prova e que o não conseguiu por fracasso seu, pelo que se está a dar uma nova oportunidade de virem provar depois aquilo que alegaram, mas que não lograram antes demonstrar.
Ora bem.
O nº 2 do art. 661º do CPCivil, dispõe que:
“Se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal condenará no que se liquidar em execução de sentença, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida”.
Interpretando este normativo - art. 9º do CC -, podemos concluir que se procura com ele abranger as situações em que se reconhece o direito de uma parte, no caso, o autor, a uma indemnização, mas que o tribunal, por não apurar completamente o objecto ou a quantidade, se encontra impossibilitado de proferir decisão, específica e concreta, sobre o seu montante.
É certo que a jurisprudência está dividida sobre esta problemática, havendo quem entenda que tal uso não será lícito se na acção foi feita a especificação dos factos necessários para fixar o objecto ou a quantidade, mas houve fracasso na sua prova por parte de quem lhe competia – Por todos, veja-se Acs. STJ, de 26.06.97, Proc. N.º 96A846, em www.dgsi.pt -.
Mas também é certo que a jurisprudência dominante segue outro entendimento, por sinal com um outro sentido contrário – Por todos, o Ac. STJ, de 29/04/2004, Proc. nº 0431579, em www.dgsi.pt -.
Os argumentos usados pelos vários arestos que defendem esta posição contrária, suportam-se em razões que temos por mais válidas e ponderosas, tais com:
“... a mais elementar razão de sã justiça, de equidade, veda a solução de se absolver o réu apesar de demonstrada a realidade da sua obrigação; mas também se revela inadmissível, intolerável, que o juiz profira decisão à toa”,
“………….que nada na lei permite, ou pelo menos obriga, a fazer a restrição pretendida pela corrente minoritária, por forma a considerar-se que ali se visa a falta de factos a provar e não o fracasso da prova sobre eles. O que aí se diz é que “se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal condenará no que se liquidar em execução de sentença”,
ou que,
“sendo certa a existência de danos e não se tendo apurado, com precisão e certeza, a quantidade de tais danos e correlativa reparação, há que condenar no que se liquidar em execução de sentença.
A condenação ilíquida tanto é possível no caso de se ter formulado pedido genérico como no de se ter formulado pedido específico, mas não se ter conseguido fazer prova da especificação”.
Ora, no caso concreto, o autor conseguiu demonstrar, daí os factos assentes em 10 e 11, que teve perda de rendimento que seria obtido com o trabalho desenvolvido pela máquina, que quantifica, e que teve de alugar uma outra máquina semelhante à destruída, indicando o seu preço, só que o montante dos prejuízos não conseguiu o tribunal apurar.
E daí que possamos considerar, então, que nas situações em que se verifica a existência de danos mas que se não pode dar-se como demonstrada a quantidade da condenação, nem mesmo recorrendo à equidade – art. 566º, nº 3, do CC -, aconselha-se a, mesmo quando deduzido pedido líquido, que seja relegada para execução de sentença a liquidação do montante desses danos.
Deste modo, não consideramos correcto a alteração do decidido.

IV - II - Analisemos agora o agravo.

A questão aqui colocada cinge-se ao problema de se saber se é de aplicar às alegações e contra alegações o fixado no art. 229-A do CPC.
De facto, impõe este normativo, no seu n.º 1, que:
“Nos processos em que as partes tenham constituído mandatário judicial, todos os articulados e requerimentos autónomos que sejam apresentados após a notificação ao autor da contestação do réu, serão notificados pelo mandatário judicial do apresentante ao mandatário judicial da contraparte, no respectivo domicílio profissional, nos termos do artigo 260º-A”.
Ou seja, ao mandatário judicial constituído incumbe a obrigação de notificar o advogado que representa a parte contrária na acção de todos os “articulados e requerimentos autónomos”.
E surge, com acuidade, então a questão de se saber se as alegações e contra alegações se devem incluir ou não no conceito de “requerimentos autónomos”.
A jurisprudência está aqui dividida em questão e cujo tema, pensamos nós, que talvez não seja merecedor.
Mas, de facto, entendem uns que as alegações e contra alegações não se encontram incluídas neste preceito, por não poderem ser considerados nem articulados nem articulados autónomos, posição esta defendida pela jurisprudência que indica a agravante e que aqui se reproduz, por em concreto ter um significado e interesse próprio - Ac. R. Porto de 8-7-2004, relatado pelo Ex.mo Desembargador Dr. Marques Pereira, aqui 1º Adjunto e com voto de conformidade do Ex.mo Desembargador Dr. Caimoto Jácome, aqui 2º Adjunto e Ac. STJ, de 27-04-05, como ainda o recente Ac. da R. de Lisboa de 17-01-07, todos em www.dgsi.pt.
Mas outra jurisprudência existe, também recente, que consideramos reflectir mais o pensamento e vontade legislativa, que considera que tanto as alegações como as contra alegações se devem incluir neste preceito e daí ser obrigatório que ao mandatário judicial constituído incumba a obrigação de notificar o advogado que representa a parte contrária na acção.
E no enquadramento de ideias, temos forçosamente de lançar mão do Preâmbulo do Dec. Lei n.º 183/2000, de 10 de Agosto, que introduziu este normativo, sendo certo que o mesmo pretendeu arredar, além do mais, a morosidade processual da administração da justiça, consagrando-se aí que tinha e tem em vista “…desonerar os tribunais da prática de actos de expediente que possam ser praticados pelas partes, como acontece, por um lado, com a de recepção e envio de articulados e requerimentos autónomos por estas apresentados após a notificação ao autor da contestação do réu, os quais passarão a ser notificados pelo mandatário judicial do apresentante ao mandatário judicial da contraparte, respectivo domicílio profissional”.
E o Ac. STJ, de 5-05-05, em www.dgsi.pt, interpretando tanto o normativo como a vontade expressa do legislador, afirma claramente que:
- O artigo 229-A, teleologicamente orientado, pois, no sentido de «desonerar os tribunais da prática de actos de expediente que possam ser praticados pelas partes», tem aplicação, além do mais, relativamente a todos os «requerimentos autónomos», ou seja, àqueles cuja admissibilidade não depende de despacho prévio do juiz;
- O aludido artigo vem, por conseguinte, a abranger na sua teleologia as alegações e contra-alegações de recurso;
- E a expressão «requerimentos autónomos», numa acepção do conceito em termos amplos, representa um mínimo de correspondência verbal, quiçá imperfeitamente expresso, no qual pode ancorar-se a interpretação teleológica do artigo 229-A.
E no mesmo sentido vai o Ac. R. Guimarães, de 22-03-2006, em www.dgsi.pt, para quem:
“Pondo em relevo a destacada teleologia compreendida no artigo 229-A do C. P. Civil, predisposta no sentido de “desonerar os tribunais da prática de actos de expediente que possam ser praticados pelas partes”, o regime legal nele consignado alarga-se a todos os “articulados e requerimentos autónomos”, ou seja, àqueles cuja admissibilidade não depende de despacho prévio do juiz, mais precisamente a todos os articulados e todos os requerimentos cuja admissibilidade não dependa da apreciação prévia do julgador;
Por isso, o comando daquele normativo aplica-se também às alegações e contra-alegações que ocorrem no processo e já na fase do recurso.”
E podemos ainda acrescentar a este rol, os Ac. R. Porto de 2-11-2004 e da R. Coimbra de 21-06-2004 e 12-04-2005, todos em www.dgsi.pt., os quais entendem genericamente que faz parte das obrigações dos mandatários a notificação à parte contrária da apresentação das alegações e contra alegações.
Também neste sentido se manifesta Lopes do Rego, em Comentários ao CPC, 2ª ed., pág. 209, considerando que a visão contrária reduziria enormemente o sentido e alcance do normativo, esvaziando-o, sendo que cita ainda jurisprudência constante da C. Jurisprudência que vais neste sentido e que nos inibimos de repor.
E também Amâncio Ferreira, em Manual dos Recursos em Processo Civil, 7ª ed., pág. 201, onde apela a uma interpretação extensiva da norma, baseada em argumento de necessidade de razão, devendo ler-se “peça processual”.
Enfim, consideramos que o aplicador do direito não pode ter uma visão redutora da norma em causa, nem quebrar o seu espírito e pensamento em segmentos não queridos nem previstos no n.º 1 do art. 229º-A do CPC.
E haverá, aqui e agora, e até curiosamente, de citar o que no ponto 7 das conclusões apresentadas, o agravante afirma e reconhece que:
“Acresce que em sede de interpretação da lei, o intérprete, nos termos do art. 9° do Código Civil, deve presumir que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, pelo que nos parece defensável o entendimento segundo o qual, ao se referir a articulados e requerimentos autónomos, o legislador se quis também referir às alegações de recurso.”
Também assim o entendemos.
Deste modo, o despacho não merece a censura que lhe é imputada, devendo antes ser confirmada e podemos concluir que no corpo do art. 229-A n.º 1 do CPC se inclui também as alegações e contra alegações.
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V - Decisão

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acorda-se:
- Julgar improcedente o recurso e confirmar a decisão apelada.
- Negar provimento ao agravo e manter a decisão agravada.
- Custas pelo recorrente.
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Porto, 11 de Junho de 2007
Rui de Sousa Pinto Ferreira
Joaquim Matias de Carvalho Marques Pereira (Vencido, quanto ao agravo, por manter a posição defendida no acórdão supracitado, de que fui Relator).
Manuel José Caimoto Jácome (Revi a minha posição assumida no acórdão referido nesta revista)