Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP00040986 | ||
| Relator: | FERREIRA DA COSTA | ||
| Descritores: | DESPEDIMENTO SEM JUSTA CAUSA ÓNUS DA PROVA | ||
| Nº do Documento: | RP200801210714797 | ||
| Data do Acordão: | 01/21/2008 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
| Decisão: | NEGADO PROVIMENTO. | ||
| Indicações Eventuais: | LIVRO 98 - FLS 141. | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | Estando provada a existência de um contrato de trabalho, mas não se tendo provado a forma como o mesmo terá cessado, por não se ter provado nenhuma das versões apresentadas pelas partes, deve a questão ser decidida de acordo com as regras de repartição do ónus da prova. Como incumbia ao trabalhador o ónus da prova do despedimento, terá de ser ele a suportar as desvantagens inerentes à falta da prova desse facto. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação do Porto: B………. deduziu contra C………. a presente acção declarativa, emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum, pedindo que se condene o R. a pagar à A. as retribuições vencidas desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão, bem como indemnização por danos patrimoniais e por ilicitude do despedimento, as quais computa em, respectivamente, € 2.484,00, € 1.000,00 e € 900,00, acrescendo à primeira juros de mora desde o vencimento. Alega a A., para tanto e em síntese, que tendo sido admitida ao serviço para exercer as funções de empregada de limpeza, foi despedida verbalmente pelo R. em 2004-05-03. Contestou o R., alegando que o contrato de trabalho cessou por mútuo acordo, tendo até pago à A. a quantia de € 500,00, tendo alegado também que decorreu mais de um ano desde então até à data da propositura da acção. A A. respondeu à contestação. Realizado o julgamento sem gravação da prova pessoal, foi assente a matéria de facto provada, sem reclamações, como se refere na acta de fls. 119. Proferida sentença, foi a acção julgada improcedente. Inconformada com o assim decidido, veio a A. interpôr recurso de apelação, tendo invocado a nulidade da sentença depois[1] do requerimento de interposição, alegação e conclusões e pedido a revogação da decisão, tendo formulado a final as seguintes conclusões: a) Não cabe à A. provar que o despedimento foi ilícito. b) Mas sim ao R. provar que cumpriu todos os formalismos legais exigíveis. c) Quer num despedimento com causas subjectivas ou objectivas. d) O que não acontece ao longo do processo. e) Deve ser revogada a decisão recorrida. f) Deve ser considerado ilícito o despedimento de que a A. foi alvo. g) Devendo o R. ser condenado ao pagamento da indemnização bem como as demais retribuições peticionadas. O R. não apresentou contra-alegação. A Exm.ª Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento. Nenhuma das partes tomou posição acerca do teor de tal parecer. Admitido o recurso, foram colhidos os vistos legais. Cumpre decidir. São os seguintes os factos dados como provados pelo Tribunal a quo: 1 – De Janeiro de 2001 até 30 de Abril de 2004, a autora exerceu a actividade de empregada de limpeza no estabelecimento comercial “D……….”, sito na Rua ………., n.º …, Póvoa de Varzim. 2 – O réu é o actual proprietário de tal estabelecimento, cuja gerência assumiu, pelo menos, a 1 de Janeiro de 2004. 3 – A autora auferia o salário mensal ilíquido de 299,28€ (correspondente a 266,36€ líquidos). 4 – Efectuou descontos para a Segurança Social desde Outubro de 2001 até Dezembro de 2003. 5 – Em Abril de 2004, a pedido do réu, a autora assinou um documento com o seguinte teor: “Eu, B………., declaro que recebi desde o dia 1 de Fevereiro até ao dia 30 de Abril todo o vencimento, desde subsídio de Férias décimo terceiro mês e Férias de C………. . A qual sendo verdade vou passar a assinar.” (cfr. doc. junto aos autos a fls. 50). 6 – Simultaneamente foi-lhe entregue um cheque no valor de 500 € (cfr. cópia junta aos autos a fls. 29, para a qual se remete e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais). 7 – A autora apenas frequentou a escola até ao 2º ano do ensino básico, não tendo aprendido a ler, nem a escrever, apenas conseguindo desenhar o seu nome. 8 – Aquando da assinatura do referido documento, o seu companheiro encontrava-se presente. 9 – O companheiro da autora, presente aquando da assinatura do documento junto aos autos, tem instrução (sabendo ler e escrever). Fundamentação. Sendo pelas conclusões do recurso que se delimita o respectivo objecto[2], como decorre das disposições conjugadas dos Art.ºs 684.º, n.º 3 e 690.º, n.º 1, ambos do Cód. Proc. Civil, ex vi do disposto no Art.º 87.º, n.º 1 do Cód. Proc. do Trabalho, salvo tratando-se de matérias de conhecimento oficioso de que o Tribunal ad quem pode conhecer por sua iniciativa, mas que não ocorrem in casu, são duas as questões a decidir nesta apelação, a saber: I – Nulidade da sentença. II – Despedimento da A. A 1.ª questão. Trata-se de saber se a sentença é nula. Na verdade, segundo alega a A., ora apelante, mas fora do recurso, embora em anexo a ele, o Tribunal a quo não decidiu a forma pela qual o contrato de trabalho cessou, o que integraria nulidade nos termos do disposto no Art.º 668.º, n.º 1, alínea d) do Cód. Proc. Civil. Vejamos. As nulidades podem ser processuais, se derivam de actos ou omissões que foram praticados antes da prolação da sentença; podem também ser da sentença, se derivam de actos ou omissões praticados pelo Juiz na sentença. Aquelas, constituindo anomalia do processado, devem ser conhecidas no Tribunal onde ocorreram e, discordando-se do despacho que as conhecer, pode este ser impugnado através de recurso de agravo. Porém, as nulidades da sentença, tendo sido praticadas pelo Juiz, podem ser invocadas no requerimento de interposição do recurso [dirigido ao Juiz do Tribunal a quo, para que este tenha a possibilidade de sobre elas se pronunciar, indeferindo-as ou suprindo-as] e não na alegação [dirigida aos Juízes do Tribunal ad quem], como dispõe o Art.º 77.º, n.º 1 do Cód. Proc. do Trabalho, sob pena de delas não se poder conhecer, por extemporaneidade[3]. No entanto, recentemente, o Tribunal Constitucional, pelo seu Acórdão n.º 304/2005, de 2005-06-08, proferido no Proc. n.º 413/04 decidiu, nomeadamente, o seguinte: Julgar inconstitucional, por violação do princípio da proporcionalidade (artigo 18.º, n.ºs. 2 e 3), com referência aos n.ºs. 1 e 4 do artigo 20.º da Constituição, a norma do n.º 1 do artigo 77.º do Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de Novembro [que corresponde, com alterações, ao Art.º 72.º, n.º 1 do Cód. Proc. do Trabalho de 1981], na interpretação segundo a qual o tribunal superior não pode conhecer das nulidades da sentença que o recorrente invocou numa peça única, contendo a declaração de interposição do recurso com referência a que se apresenta arguição de nulidades da sentença e alegações e, expressa e separadamente, a concretização das nulidades e as alegações, apenas porque o recorrente inseriu tal concretização após o endereço ao tribunal superior [negrito nosso], in www.tribunalconstitucional.pt. In casu, a A., ora apelante, invocou a nulidade num anexo que juntou ao recurso, mas para além – portanto, fora – do requerimento de interposição de recurso, da alegação e das conclusões. Ora, sendo assim, não se pode tomar conhecimento da invocada nulidade, mesmo sufragando a referida doutrina do Tribunal Constitucional, uma vez que foi deduzida extemporaneamente. Termos em que, sem necessidade de outras considerações, não se toma conhecimento da invocada nulidade da sentença, por extemporaneidade. O Direito. 2ª questão. Trata-se de saber se o Tribunal a quo deveria ter dado como provado o despedimento ilícito da A., com as respectivas consequências legais. Vejamos. Segundo alega a A., ora apelante, desde a petição inicial, o R. despediu-a verbalmente; porém, este alega na contestação que o contrato de trabalho cessou por mútuo acordo; por último, o Tribunal a quo não deu como provada qualquer uma destas versões. Ora, é sabido que nas acções de impugnação do despedimento, em decorrência das regras gerais acerca da distribuição do ónus da prova, constantes do Art.º 342.º do Cód. Civil, ao trabalhador despedido cabe alegar e provar o despedimento, ou também o contrato de trabalho se ele estiver em discussão, por se tratar de factos constitutivos do direito invocado – cfr. n.º 1 do artigo; ao empregador, por seu turno, cabe alegar e provar a licitude do despedimento efectuado, isto é, os factos integradores da justa causa invocada, constantes da nota de culpa e da respectiva decisão disciplinar – cfr. o n.º 2 do artigo. Daí que a lei dos despedimentos[4] e, actualmente, o Cód. do Trabalho[5], desde sempre disciplinaram, de forma clara, que compete ao empregador o ónus da prova da justa causa invocada para o despedimento, rectius, dos factos elencados pelo empregador na nota de culpa e na decisão disciplinar comunicada ao trabalhador. In casu, não está em causa a existência de contrato de trabalho entre as partes, pois tal matéria foi dada como provada, mas já se discute a forma como o contrato de trabalho terá cessado. Na verdade, não se tendo provado nenhuma das versões apresentada pelas partes, ficamos sem saber o que efectivamente aconteceu. Tal não significa no entanto, que o Tribunal a quo estivesse obrigado a descobri-lo, como se sobre ele recaíssem especiais deveres de investigação, de tipo criminal. Ao contrário, atentas as regras acima enunciadas, uniformemente aceites pela doutrina[6] e de igual modo aplicadas pela jurisprudência[7], desde há longos anos, à A. incumbia o ónus da prova do despedimento. Não o tendo cumprido, terá de suportar a desvantagem inerente, que consiste em ver julgada improcedente a sua pretenção, maxime, de não ver condenada a R. a pagar-lhe qualquer das quantias pedidas. É que, para além do mais, não tendo sido impugnada a matéria de facto, como sempre não poderia ser por não teren sido gravados os depoimentos prestados em audiência, apenas podemos considerar os factos dados como provados e, da respectiva lista, não consta nenhum que nos indique a cessação do contrato e, muito menos, a respectiva forma. Daí que improcedam todas as conclusões do presente recurso de apelação, sendo de confirmar a sentença recorrida. Decisão. Termos em que se acorda em indeferir a nulidade invocada e em negar provimento à apelação, assim confirmando a douta sentença. Custas pela A., sem prejuízo do que se encontrar decidido em sede do incidente do apoio judiciário. Porto, 2008-01-21 Manuel Joaquim Ferreira da Costa Domingos José de Morais António José Fernandes Isidoro ____________________________________ [1] Num anexo que designou de ADENDA AO RECURSO INTERPOSTO – sic. [2] Cfr. Abílio Neto, in Código de Processo Civil Anotado, 2003, pág. 972 e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1986-07-25, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 359, págs. 522 a 531 [3] Cfr. Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, 1976, pág. 175 e os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 1990-12-13, 1991-01-31, 1991-04-09, 1994-03-09 e 1995-05-30, in Boletim do Ministério da Justiça, respectivamente, n.º 402, págs. 518-522, n.º 403, págs. 382-392, n.º 416, págs. 558-565, n.º 435, págs. 697-709 e n.º 447, págs. 324-329. [4] Dispunha o n.º 3 do Art.º 9.º do Decreto-Lei n.º 372-A/75, de 16 de Julho, na redacção adveniente da Lei n.º 48/77, de 11 de Julho: Nas acções judiciais de impugnação de despedimento compete à entidade patronal a prova da existência da justa causa invocada. Tal norma foi sucedida pelo n.º 4 do Art.º 12.º do regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho, e da celebração e caducidade do contrato de trabalho a termo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, do seguinte teor: Na acção de impugnação judicial do despedimento, a entidade empregadora apenas pode invocar factos constantes da decisão referida nos n.ºs 8 a 10 do artigo 10.º, competindo-lhe a prova dos mesmos. [5] Cujo Art.º 435.º, n.º 3, dispõe: Na acção de impugnação do despedimento, o empregador apenas pode invocar factos e fundamentos constantes da decisão de despedimento comunicada ao trabalhador. [6] Cfr., a título de exemplo: - Carlos Alberto Lourenço Morais Antunes e Amadeu Francisco Ribeiro Guerra, in Despedimentos e Outras Formas de Cessação do Contrato de Trabalho, Almedina, 1984, págs. 147 a 150, - Abílio Neto, in Despedimentos e Contratação a Termo, Petrony, 1989, págs. 119 a 120 e - Pedro de Sousa Macedo, in Poder Disciplinar Patronal, Almedina, 1990, págs. 167 a 168. [7] Cfr., também a título de exemplo: - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1986-04-11, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 356, págs. 206 a 211, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1995-10-25, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 450, págs. 349 a 354 e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1999-04-14, in Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Ano VII-1999, Tomo II, págs. 254 a 255. |