Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP00043096 | ||
Relator: | VASCO FREITAS | ||
Descritores: | INQUÉRITO SEPARAÇÃO DE PROCESSOS COMPETÊNCIA | ||
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Nº do Documento: | RP200910281324/08.4PPPRT-C.P1 | ||
Data do Acordão: | 10/28/2009 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REC PENAL. | ||
Decisão: | PROVIDO PARCIALMENTE. | ||
Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO - LIVRO 596 - FLS 204. | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | Compete ao juiz de instrução apreciar o pedido de separação de processos a que se refere o art. 30º do CPP. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Recurso Penal nº 1324/08.4PPPRT-C.P1 Acordam, em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto: I RELATÓRIO No âmbito do inquérito nº 1324/08.4PPPRT-C, a correr termos na .ª secção DIAP do Porto, por despacho do Sr. Juiz do .º Juízo de Competência Criminal do mesmo Tribunal, e por considerar que tal seria da competência do MºPº na qualidade de titular do processo, não foi conhecido o requerimento da arguida no qual alegando prejuízos para si decorrentes requeria a cessação da conexão determinada pelo MºPº com a incorporação do inquérito nº ../09.8PCPRT aos presentes autos. Inconformado com tal decisão, dela interpôs a arguida o presente recurso formulando as seguintes conclusões: “1. - Durante a fase de inquérito, é ao juiz de instrução criminal que compete exercer todas as funções jurisdicionais, de entre elas ordenar a separação de processos prevista no artigo 0.°, n.º 1 do Código de Processo Penal; 2. - pelo que ao não se pronunciar sobre o pedido de separação do processo de inquérito n.º ../09.8PCPRT do processo de inquérito n.º 1324/08.4PPPRT formulado pela arguida B.........., ora recorrente, o Tribunal de Instrução Criminal do Porto violou os artigos 17.° e 30.°, n.º 1, do C.P.P., prolatando uma decisão (de tis. 6466 e ss) nula, nos termos da alínea c) do nº 1 do artigo 379.° do C.P.P., 3. impondo-se a prolacção de nova decisão que aprecie e conheça do mérito do requerimento formulado pela arguida e que, por legítimo e fundamentado, deverá merecer provimento. 4. Mercê da incorporação do inquérito n.º ../09.0PCPRT no inquérito n.º 1324/08.4PPPRT operada, passou a arguida, ora recorrente, a estar indiciada, sob a forma de suspeita, pela prática de vários crimes de furto qualificado, criminalidade altamente organizada, associação criminosa e falsificação de documentos; sem que, contudo, e até hoje, lhe tenham sido informados os concretos fados que lhe passaram a ser atribuídos, as circunstâncias de tempo, modo e lugar em que ocorreram nem confrontados os elementos que o indiciam; o que consubstancia flagrante violação do disposto nos artigos 28.°, n.º l , 32.°, n.º 1, 17.° e 18.°, n.º 1, da constituição da República Portuguesa, bem como dos artigos 61.°, n.º l, 141.°, n.ºs 1 e 4 e 215.°, n.º 4, do Código de Processo Penal, aniquiladora do direito de defesa que lhe é constitucionalmente garantido pela Lei Fundamental Portuguesa, geradora de nulidade da decisão judicial (de fls. 6469) que reconheceu e declarou a excepcional complexidade do inquérito n.º 1324/08.4PPPRT, o que respeitosamente se requer a V. êx.as. se dignem reconhecer e declarar, em preito à Justiça.” * Na resposta, o Ministério Público junto da 1ª instância, defendeu o não conhecimento do recurso apresentando as seguintes conclusões:“1ª - O juízo sobre a especial complexidade deste processo por parte da Meritíssima «Juíza de Instrução Criminal foi adequado e encontra-se formulado com suficiente concretização e na correcta medida da apreciação da necessidade e das dificuldades da investigação. 2ª - Entende o Mº Pº que as circunstâncias que justificam a conexão processual - alicerçada no disposto na al. d) do art.º 24°, nº 1, do CPP e uma vez que se trata de criminalidade altamente organizada - e o inerente decurso da investigação obstam à separação de inquéritos. 3ª - Na fase de inquérito é o Mº Pº que tem competência para ordenar a separação de processos, conforme foi decidido pelo Tribunal da Relação do Porto, em acórdão de 6/2/2002 (CJ, ano XXVII, tomo I, pág. 235, 236), 4ª - Porquanto (conforme a jurisprudência acabada de referir) «o art. ° 264° [do CPP], que define qual o Mº Pº competente para cada inquérito ou para actos de inquérito, manda no seu n° 5 aplicar, correspondentemente, o disposto nos aritºs 24° a 30° [do mesmo código], o que só pode significar que os poderes atribuídos nessas normas ao tribunal pertencem, durante o inquérito, ao Mº Pº». 5ª - Por outro lado, não tem razão a recorrente quanto ao pedido formulado na 4ª conclusão do seu recurso, na medida em que a investigação está em curso e o inquérito não se encontra encerrado, pelo que a arguida haverá, no decurso do mesmo, que ser confrontada com outros factos que, sendo caso disso, lhe devam ser imputados em interrogatório posterior, 6ª - sendo que a decisão que declarou a especial complexidade do processo (cf. fls. 6466 a 6469) - e como flui de tal douta decisão, devidamente fundamentada - não se alicerçou apenas nos factos imputados à recorrente. 7ª - O douto despacho recorrido não padece de qualquer dos vícios apontados pela recorrente. v. Exas farão Justiça” * O recurso foi admitido.O Exmº Sr. Procurador-geral Adjunto nesta Relação emitiu parecer acompanhando a posição do MºPº junto da 1ª instância. * Colhidos os vistos, foi o processo submetido à conferência.Cumpre decidir. * II FUNDAMENTAÇÃO Têm interesse para a decisão do recurso as seguintes ocorrências processuais: - a recorrente foi detida à ordem no inquérito nº ../09.8PCPRT tendo sido constituída arguida e após interrogatório judicial no qual se identificou como sendo C……… e declarou ter uma idade inferior à real, ficou detida preventivamente por suspeita da prática de um crime de furto qualificado. - posteriormente por decisão de 03/06/09 da magistrada do Ministério Público foi determinada a incorporação daquele inquérito no inquérito nº 1.324/08.4PPPRT (fls 55 dos presentes autos) - na mesma data e no inquérito nº 1.324/08.4PPPRT e após determinar-se a incorporação supra referida, foi proferida pela magistrada do MºPº promoção no sentido de se considerar a especial complexidade dos factos em investigação e subsequente alargamento dos prazos de prisão preventiva. (fls. 37 dos presentes autos). - notificada a arguida veio então requerer à Mª JIC que se indeferisse a declaração de especial complexidade do inquérito, bem como a conexão e incorporação determinada, fundamentando a sua pretensão nos seguintes termos: “- Da conexão (incorporação) de processos Desconhece a arguida os considerações aduzidas pelo Digno Magistrado titular do processo de inquérito à ordem do qual se encontra preventivamente detida, e que terão determinado a respectivo incorporação nos presentes autos de inquérito, «(...) nos termos do art. 24.° n.º 1 aI. d) e art. 28.º al. b) do Código de Processo Penal». Contudo, considerando que a exponente foi, em 12 de Fevereiro de 2009, conjuntamente com outras duas pessoas, menores, detida, em flagrante delito, pela prática de um crime de furto qualificado; autuado como processo de inquérito n.º ../09.8PCPRT e à ordem do qual, desde então, é a única arguida presa preventivamente; tendo presente o facto de a arguida ter apenas dezasseis anos de idade, ser estrangeira, falando e compreendendo mal a língua portuguesa, e ter uma saúde débil; tendo em consideração que, ao longo dos já decorridos quatro meses de inquérito, a arguida como os seus pais voluntariamente prestaram a melhor colaboração que souberam e puderam para com as autoridades e a investigação em curso; sendo expectável, na actual conformação do nosso sistema jurídico-penal, que, na eventual condenação pelo crime de furto qualificado que indiciariamente lhe é atribuído, em razão da sua idade, primariedade, diminuta culpa, arrependimento e postura colaborante com as autoridades já manifestado ao longo do inquérito, a pena com que a sua conduta vier a ser sancionada não será privativa da sua liberdade; é manifesto que a apensação do inquérito n.º ../09.8PCPRT aos presentes autos (1324/08.4PPPRT) e sequente/reflexa classificação como de excepcional complexidade, dilatando o prazo máximo de duração da prisão preventiva em que se encontra há já quatro meses, inflige um drástico agravamento da situação pessoal da arguida, que os seus dezasseis anos de idade não permitem nem compreender nem suportar. Pela suma importância da dignidade da pessoa humana, prescreve a Lei Fundamental que todo o arguido deve ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa; direito que também à arguida assiste, sem quaisquer limitações art.12.º/1, 13.° e 15.°/1 C.R.P._ mas com particular acuidade, atento o facto de se encontrar em prisão preventiva. Não se questionam a legitimidade e interesse punitivos do Estado nem se menosprezam os desideratos da segurança e ordem públicas. Contudo, pelos motivos supra aduzidos, tendo presente que a arguida foi detida em flagrante delito e que o lesado foi imediatamente reintegrado do património locupletado, nenhuma razão tão ou mais valiosa que o direito de uma cidadã com dezasseis anos de idade, presa preventivamente há quatro meses (assim subtraída à sua família) num país que não é o seu, com uma língua que não domina, ser julgada no mais curto espaço de tempo possível, nenhuma razão tão ponderosa como esta se vislumbra nos presentes autos que justifique as graves consequências que da incorporação do processo n.º ../09.8PCPRT no inquérito 1324/08.4PPPRT para si advirão, desde logo: o excessivo retardamento do seu julgamento e o prolongamento da prisão preventiva em que se encontra. O uso de documentos (de identificação ou outros) falsos é totalmente alheio quer à arguida quer a qualquer das pessoas consigo detidas no âmbito do processo de inquérito n.º ../09.8PCPRT. De sponte sua, a arguida confessou a indicação de informações não verdadeiras sobre a sua identidade no momento da sua detenção, retratou-se logo de seguida e diligenciou pela reposição da verdade, instruindo os autos com o seu passaporte demonstrando, com isso, a falibilidade dos exames médico-legais a que, para determinação da sua idade, foi sujeita. Jamais fez uso de documento falso. Dos elementos dos autos do processo de inquérito n.º ../09.8PCPRT e de outros com que foi confrontada, nenhum indicia que o ilícito objecto do primeiro tenha qualquer relação de ocasião, lugar, de agentes ou outra com os ilícitos investigados nos presentes autos ou demais inquérito ora incorporados confrontem-se, desde logo, as datas de autuação de um (2009) e outros (2008); pelo que se não julga demonstrada, in casu, a verificação de qualquer das circunstâncias previstas na alínea d) do n.º 1 do artigo 24.0 do Código de Processo Penal, invocado pelo Ministério Público. Razão pela qual se afigura que a incorporação de processos recém operada pelo Titular do inquérito importa um custo e prejuízo para a erguida muito superiores ao interesse prosseguido pelo titular da presente acção penal, respeitosamente requer a V. Ex.a. se digne fazer cessar a conexão e ordenar a separação do processo de inquérito n.º ../09.8PCPRT dos presentes autos. x - Da excepcional complexidade A ocorrência de um qualquer tipo de ilícito em mais do que um ponto do território de Portugal continental _um dos mais pequenos países da Europa_ não pode, de per se, significar uma acrescida dificuldade de investigação e preencher o conceito de "especial complexidade" pressuposto do regime definido no n.º 3 do artigo 215.° do C.P.P. No caso vertente, o tipo de ilícito em causa é o previsto e punido pelos artigos 203.° e 204.° do Código Penal: furto; e a dispersão é situada «(...) no Porto, Espinho, Vila Nova de Gaia, Matosinhos, Guimarães, Braga, Viana do Castelo, Barcelos e no Algarve, nomeadamente Faro e Loulé.: ou seja, a dispersão circunscreve-se ao distrito do Porto e concelhos limítrofes, e a uma área aproximada de 200km2 no Algarve. O crime de furto, não exigindo especiais qualificações ou qualidades do comitente, nem requerendo especiais circunstâncias de tempo e lugar para a sua comissão, não integra nem é susceptível de integrar o elenco dos ilícitos penais descrito nas várias alíneas do n.º 2 do artigo 215.° do Código de Processo Penal, a que é genericamente reconhecida acrescida dificuldade investigatória. Não obstante se desconhecer o número de arguidos constituídos nos processos de inquérito ora incorporados com excepção. evidentemente, do ../09.8PCPRT, cuja separação se requer, que é, o número de arguidos constituídos no âmbito do presente inquérito nº 1324/08.4PPPRT está longe de merecer a qualificativa de elevado. Neste pressuposto, e atento o facto de, ao longo da sua douta promoção, o Digno Magistrado do Ministério Público não invocar um único facto concreto susceptível de fundadamente justificar o reconhecimento e a atribuição do carácter de excepcional complexidade aos presentes autos, entende o arguida não dever merecer tal promoção deferimento, por infundada e, assim, ilegal; a que, assim, se opõe e por cujo indeferimento pugna.” - foi, então, proferido o despacho recorrido, cujo teor é o seguinte: “Para apreciação do doutamente promovido a fls. 1828 e v., foi dado cumprimento ao disposto no nº 4 do art. 215°, do C. P. P; Em conformidade, apenas a arguida B………. (que, aquando do seu primeiro interrogatório e perante a Ilustre colega que a ouviu - ver fls. 1940 e ss - se identificou de B1………. ) veio por requerimento de fls. 6349 e ss., pronunciar-se, para além do mais, pelo indeferimento do requerido pelo titular do presente inquérito, no que concerne a declarar-se o mesmo de especial complexidade, bem assim, pela conexão e incorporação processual, determinada. Compulsados os autos, constata-se que a arguida foi detida no âmbito do inquérito n° ../09.8, ouvida em primeiro interrogatório, foi-lhe aplicada a medida de prisão preventiva, por despacho de fls.113 e ss., agora de fls. 1945 e ss .. Entretanto, por douto despacho de fls. 1828, datado de 3-6-09, e para além de outros (presentemente, mais de meia centena), a Ilustre titular do Inquérito nº 1324/08.4, com referência ao despacho por si proferido a fls. 2364, na mesma data, por entender se encontrarem reunidos os pressupostos legais para o efeito, nos termos, fundamentos e disposições legais neles contidos, determinou a incorporação no referido inquérito (n? 1324/08.4) do então Inquérito n? ../09.8. Assim, no requerimento em apreço, a arguida começa por pôr em causa aquela incorporação, nomeadamente, com o fundamento de que a mesma acarreta para si em particular, graves consequências, concretamente, "o excessivo retardamento do seu julgamento e o prolongamento da prisão preventiva em que se encontra, requerendo que seja considerada cessada a respectiva conexão e ordenada a separação do presente processo do inquérito nº ../09.8. Mais uma vez, salvo devido respeito, atendendo à fase em que se encontram os autos, não nos cabe apreciar ou decidir, nem mesmo questionar, o entendimento do Ilustre Titular, quanto à determinada conexão e respectivas incorporações. Pelo que, nesta parte, o Mº. Pº dirá o que tiver por conveniente. x Quanto à questão da requerida excepcional complexidade dos presentes autos, relativamente à qual se opõe e por cujo indeferimento pugna, fundamenta a sua oposição, essencialmente no seguinte: Atendendo ao tipo de ilícito em causa, p. e p. pelos arts. 203° e 204°, ambos do C. Penal, que não exige especiais qualificações ou qualidades do comitente, bem assim, à dispersão em que o mesmo se circunscreve, não integra nem é susceptível de integrar o elenco dos crimes descritos nas várias alíneas do nº 2 do art. 215°, do C.P.P .. Por outro lado, para além de desconhecer o número de arguidos constituídos no âmbito do inquérito 1324/8.4, está longe de merecer a qualificativa de elevado. Vejamos então. Salvo o devido respeito e, pese embora o requerido pela arguida, as suas doutas considerações e entendimento, atendendo ao nosso conhecimento directo do presente inquérito n° 1324/8.4 (desde o seu inicio) ao qual, por se verificarem os requisitos legais da conexão, foi incorporado (para além de mais de meia centena de outros - veja-se a numeração da douta promoção - fls 1828 e v,. e a da conclusão - fls. 6323, cujos suspeitos ainda se encontram por identificar) o então inquérito ../09.8, e por isso, neste momento, não tem qualquer autonomia, parece-nos existir fundamento legal para deferir o ali doutamente promovido, pelo Ilustre Titular do presente inquérito. Dispõe o art. 215.° do C. P. Penal, que a prisão preventiva se extingue, decorrido desde o seu início, o prazo de quatro meses, (al. a), do seu n.º 1), se entretanto não tiver sido deduzida acusação. Contudo aquele prazo será desde logo elevado para seis meses, desde que esteja em causa um crime dos enumerados no seu n.º 2. O que se verifica no caso concreto, porquanto, a arguida neste momento, encontra-se, tal como os demais arguidos presos preventivamente, à ordem destes autos, já fortemente indiciada pela pratica de crimes de furto qualificado, criminalidade altamente organizada, associação criminosa e falsificação de documentos. Logo, tais ilícitos, encontram-se contemplados no corpo do referido n° 2, bem assim, nas suas alíneas, a) e d) .. Porém se o processo se revelar cumulativamente de excepcional complexidade, devido, nomeadamente, ao número de arguidos ou de ofendidos ou ao carácter altamente organizado do crime, aquele prazo de seis meses, poderá ser elevado para um ano (n.º 3). Compulsados os autos verifica-se que, para além do que muito bem refere o Ilustre Titular do inquérito a fls. 1828e v, relevando desde logo, o facto de os arguidos, que neste momento já se encontram oito constituídos nessa qualidade, seis dos quais em prisão preventiva, todos de nacionalidade estrangeira, o número incalculável de ofendidos (neste momento, mais de meia centena), de actuarem no meio de uma organização extremamente bem organizada e informada, além fronteiras (vejam-se os elementos agora juntos a fls. 6346 e ss.), que obrigam à efectivação de um número elevadíssimo de diligências, nomeadamente, apurar da identidade de outros eventuais arguidos e constitui-los nessa qualidade, inquirir todos os ofendidos, para além de diligências morosas, como por exemplo, exames e perícias, desde logo, para apurar da identidade e idade (verdadeiras, na medida em que alguns, concretamente, mas não só, a arguida requerente B………./B1……….), apresentam-se com identidades e idades, falsas - vejam-se as já realizadas perícias nesse sentido, no que concerne aos arguidos) dos demais agentes do crime a constituir como arguidos, bem assim, relativamente, aos artigos furtados, em quantidade elevada, entre outras. Frisando-se ainda, ser do nosso conhecimento, a existência de outros tantos inquéritos, que brevemente irão ser incorporados, no presente inquérito, nos mesmos termos e fundamentos dos anteriores. Por tudo isto, parece-nos e assim entendemos revelar-se (mais que) complexa (diremos até, mega) a investigação ainda a desenvolver nos presentes autos. Assim sendo, por tudo o que ficou exposto, defere-se o doutamente promovido a fls. 1828 e v., declara-se o presente processo de especial complexidade e, consequentemente, prorroga-se para um ano o prazo de prisão preventiva de todos os arguidos, que se encontram sujeitos a tal medida, à ordem destes autos, nos termos do disposto no art. 215.°, n.º 1, 2, 3 e 4, do C. P. P ..” Notifique.” O Direito O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar[1], sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente os vícios indicados no art. 410º nº 2 do C.P.P.[2]. Assim sendo e perante as conclusões da recorrente, as questões a ter em conta serão: a) a competência para em inquérito decidir da separação de processo e b) nulidade da decisão judicial que declarou a excepcional complexidade do processo, uma vez que com a incorporação efectuada, a recorrente passou a estar indiciada da prática de vários crimes de furto qualificado, de associação criminosa e de falsificação de documentos sem que lhe tenham sido informados os concretos factos que lhe passaram a ser atribuídos, as circunstâncias de tempo, modo e lugar em que ocorreram, nem confrontados os elementos que o indiciem. Comecemos pois por apreciar a 1ª questão referente à competência para na fase de inquérito ordenar a separação de processos. Relembremos a delimitação de competências para o inquérito e instrução. O inquérito é da competência do Ministério Público (artº 263º do CPP), a quem cabe exclusivamente a sua direcção, praticando como tal os actos e assegurando os meios de prova necessários “que visam investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher as provas, em ordem à decisão sobre a acusação”(artº 262º nº 1 do Cod. Proc. Penal). Não se pode porém inferir desta afirmação que só o MºPº terá poderes decisórios no âmbito do inquérito. Com efeito na legislação processual penal encontram-se enumerados actos a praticar no decurso do inquérito e que têm que ser levados a cabo pelo juiz de instrução, ou por este autorizados, como se afere dos artºs 268º e 269º do CPP Por outro lado ao juiz de instrução e de acordo com o que dispõe o art. 17º do C. de Processo Penal, compete exercer as funções jurisdicionais relativas ao inquérito, nos termos previstos nesse Código. Tais funções conforme se afere do n.º 2 do art.º 205° da CRP., compete aos tribunais, designadamente, assegurando a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados. Já ao MºPº, sendo embora um órgão de administração da justiça (v. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, I, pág 368), não estão deferidas funções definidoras de direitos. Em resumo diremos que em inquérito competirá exclusivamente ao MºPº a prática de actos de investigação competindo e ao juiz de instrução as funções jurisdicionais, nomeadamente a prática de actos necessários à salvaguarda de direitos fundamentais. A união ou anexação de processos, (artº 29º do CPP), por si só, não comporta uma agravante processual ou uma violação dos direitos e interesses legalmente protegidos, pelo que nada impedirá que o MºPº tenha competência para o fazer. No entanto, caso, exista tal violação, o modo de reagir, será requerer ao tribunal a separação dos processos nos termos do artº 30º do CPP. E assim e a nosso ver se compreende que a separação de processos, tenha que ser apreciada pelo juiz de instrução, quando esteja em causa um motivo ponderoso e atendível como seja o não prolongamento da prisão preventiva (al. a), represente grave risco para a pretensão punitiva do Estado e para o interesse do ofendido ou lesado (al. b), retardamento excessivo do julgamento (al. c) ou retardamento processual. Ora, no caso em apreço, a questão suscitada pelo recorrente no requerimento que deu origem ao despacho recorrido – conexão de processos e complexidade do mesmo- prende-se directamente com o não prolongamento da prisão preventiva, e eventual retardamento do seu julgamento, e desconhecimento dos novos factos que aquela passaram a ser imputados, situações estas que se encontram expressamente previstas nas al. a) e c) do artº 30º do CPP. e que se prendem com os direitos, liberdades e garantias consagrados na CRP (v. art.º 27º, n.ºs 1 e 3 b) e 32°, n.° 1), ao que acresce que a aplicação da medida de coacção que a recorrente pretende impugnar é da competência de um juiz. Estamos assim perante uma situação de defesa de direitos e interesses legalmente protegidos. No caso vertente estão em questão justamente as garantias do processo criminal- artº 32º nº 2 da CRP,- para cuja actuação a recorrente entende existirem razões para se proceder à separação de processos, com a subsequente diminuição do prazo de prisão preventiva. Refira-se que a nosso ver não colhe o argumento de que pelo facto de no artº 264º do C.P.P. (referente à competência do MºPº) se referir no seu nº 5 que é correspondentemente aplicável o disposto nos artºs 24º a 30º, preceitos estes relativos à conexão e separação de processos, se poder concluir que é o MºPº o competente para determinar a separação de processos. Com efeito o que do citado preceito se poderá concluir é que a competência do Tribunal, ou seja do juiz, para a separação de processos (isto é a aplicação do artº 30º) também se aplica e se mantém durante o inquérito. Aliás que a competência não pertencerá ao MºPº para proceder à separação de processos retira-se igualmente da própria Lei nº 51/2007 de 31 de Agosto. Com efeito este diploma que estabelece os objectivos e prioridades da política criminal para o biénio de 2007- 2009, refere no seu artº 16º e relativo à unidade e separação de processos que “os magistrados do MºPº requerem nos termos gerais previstos no Código de Processo Penal.......a separação de processos, nomeadamente nas seguintes situações” Ou seja, nos termos deste diploma a separação de processo não é determinada pelo MºPº, mas sim efectuada a requerimento deste e assim sendo o destinatário de tal requerimento obviamente se terá de concluir por ser o juiz que apreciará tal questão. Assim sendo pertencerá ao juiz de instrução apreciar o pedido de separação de processos efectuado, pedido este aliás que o Mº juiz não apreciou sequer, uma vez que a matéria sobre a qual se pronunciou foi o da competência para a conexão de processos, e não da separação dos mesmos conforme que lhe era requerida pela arguida. (vidé no sentido apontado o Ac STJ de 11/01/95 in C.J., III, 1, 173, Acs Rel de Lisboa de 12/04/2005 in C.J. XXX, II, 142, de 01/07/97 in C.J.XXVII, 1, 235, de 20/03/96, proc. nº0008673, in http://www.dgsi.pt/jtrl, de 29/05/91, proc. nº 0268283 in C.J., XVI, 3, 183, e de 23/09/92 in BMJ nº 419, Ano 1992, pag. 796). Procede assim nesta parte o recurso. b) Da nulidade da decisão nulidade da decisão judicial que declarou a excepcional complexidade do processo. Refere a recorrente que a decisão judicial que declarou a excepcional complexidade do processo é nula, uma vez que com aquela, passou a estar indiciada da prática de vários crimes de furto qualificado, de associação criminosa e de falsificação de documentos sem que lhe tenham sido informados os concretos factos que lhe passaram a ser atribuídos, as circunstâncias de tempo, modo e lugar em que ocorreram, nem confrontados os elementos que o indiciem. Antes do mais e conforme se afere da leitura do requerimento da arguida que ocasionou o despacho ora recorrido, a questão referente ao facto de não lhe terem sido indicados os concretos factos e ilícitos criminais que lhe passaram a ser atribuídos, nunca foi colocada ao tribunal de 1ª instância. Com efeito a oposição que a arguida alegou contra à declaração de complexidade do processo baseou-se no tipo de ilícito que lhe foi imputado não ser de molde a justificar tal qualificação, na área em que se o mesmo se situa e no facto de o MºPº não ter indicado um único facto susceptível de fundamentar o carácter excepcional dos autos. Ora assim sendo, serão estas as questões que termos que apreciar sendo as que relativamente às restantes este tribunal ad quem não pode sobre ela pronunciar-se sob pena de suprimir uma primeira instância decisória e de se substituir a esta, não se podendo, pois, pronunciar sobre uma decisão que não chegou a ser sequer proferida, como se depreende do despacho recorrido. A questão relativa à omissão da informação acerca dos factos constantes dos processos apensados, teria de ter sido primeiramente colocada ao tribunal recorrido sendo que o eventual vício não se enquadra em nenhuma das nulidades insanáveis que vêm previstas na lei, e não sendo, por isso, de conhecimento oficioso. Delimitada a questão, passemos a apreciar o despacho recorrido no sentido de verificar se o mesmo se encontra devidamente fundamentado para justificar a declaração de especial complexidade atribuída aos autos. A declaração deve fundar-se em factores objectivos que coloquem uma dificuldade adicional, acrescida, de natureza excepcional, ao juiz, não sendo por isso suficientes factores de natureza subjectiva. Nos termos do artº 215º do CPP, o despacho de declaração da excepcional complexidade deve, como qualquer despacho, ser fundamentado. A necessidade de fundamentação de um despacho já resultava aliás do n.º 5 do artigo 97.º do CPP, e constitui, aliás, concretização de imperativo constitucional (artigo 205.º, n.º 1, da Constituição). Dado o MºPº ser o titular do inquérito, será da sua competência requerer a declaração da excepcional complexidade. A lei estabelece que seja dada a possibilidade ao arguido, e também ao assistente, de se pronunciarem sobre a questão, sendo que a imposição de audição do arguido já decorria do artigo 61.º, n.º 1, alínea b), do CPP. A concretização do direito de audição prévia do arguido sobre a questão da declaração da excepcional complexidade concretiza-se dando conhecimento ao arguido que essa questão vai ser ponderada e objecto de decisão pelo juiz de instrução, permitindo ao arguido que requeira o que entender por adequado no sentido de influenciar essa decisão, de um modo que se mostre para si, mais favorável ou conveniente. Para que o direito de audição seja adequadamente exercido não é suposto que se viole o segredo de justiça, quando, como é o caso, o inquérito esteja submetido a segredo de justiça, nem é requerido que o arguido tenha conhecimento dos termos exactos do requerimento dirigido pelo Ministério Público ao juiz de instrução. O que importa é que o arguido saiba que a questão da declaração da excepcional complexidade do procedimento vai ser apreciada, já não as razões por que vai ser apreciada. A não ser assim, sempre que o juiz de instrução oficiosamente entendesse declarar a excepcional complexidade, teria, para cumprir o dever de audição do arguido, de antecipar as razões que, afinal, só cabem no despacho a proferir após tal audição. Dito isto, e quanto ao mérito da declaração da excepcional complexidade do procedimento, não há razões para censurar o despacho recorrido. A excepcional complexidade é um grau superlativo de dificuldade, que não pode ser banalizado. Como se decidiu no Acórdão do STJ de 26.1.2005, in Proc. 3114/05, de que foi relator o Exmº. Senhor Conselheiro Henriques Gaspar, acessível no site do STJ, in Sumários de Acórdãos, a excepcional complexidade constitui, no rigor, uma noção que apenas assume sentido quanto avaliada na perspectiva do processo, considerado não nas incidências estritamente jurídico-processuais, mas na dimensão factual de procedimento enquanto sequência e conjunto de actos e revelação externa e interna de acrescidas dificuldades de investigação, composição e sequência com refracção nos termos e nos tempos do procedimento. Ora da análise dos elementos em que se fundou o despacho recorrido, demonstra-se a existência de mais 3 inquéritos com respectivos apensos, traduzindo-se em 8 arguidos, 6 dos quais em prisão preventiva, todos de nacionalidade estrangeira, sendo a sua actuação criminosa com ramificações internacionais, com um carácter altamente organizado, com necessidade de se socorrer de perícias e exames médicos para apurar a sua real identidade e idade (uma vez que apresentam identidades e idades falsas, alegando serem menores e aonde se inclui a recorrente) o numero de mais de meia centena de ofendidos, a quantidade elevada de artigos roubados, o facto de a actividade ilícita em causa ser praticada por todo o país, o que é a nosso ver e de modo óbvio fundamento para a declaração da excepcional complexidade do processo Assim sendo consideramos justificada e fundamentada a declaração de especial complexidade, sendo que os factos relativos ao crime de furto qualificado de que imputado à recorrente foi dado a conhecer a esta aquando do seu interrogatório (vide fls 26 a 33), aonde aliás já o MºPº referia à utilização frequente desse tipo de crimes, com o mesmo modus operandi, e levantando suspeitas de se estar em face de uma organização criminosa, pelo que de modo algum pode ser estranho a imputação que é feita à recorrente da prática de crimes de furto qualificado, associação criminosa e falsificação de documentos no despacho recorrido. Aliás os factos acabados de referir e justificativos da declaração de especial complexidade encontram-se referidos na promoção efectuada ao juiz de instrução pelo MºPº conforme se pode aferir de fls. 37 dos autos e que o arguido teve conhecimento prévio da mesma. Refira-se que aqui o que estará em causa não é justeza da imputação dos ilícitos à arguida ou a fundamentação dos mesmos, mas sim se os factos alegados justificam a declaração de complexidade do processo. E pelo que se expôs não haverá reparos a fazer quer no despacho recorrido quer inclusivamente na promoção do MºPº e que antecedeu aquele. Em resumo, improcede nesta parte o recurso, pelo que sem prejuízo do que se venha a decidir relativamente à separação de processos, se manterá a especial complexidade dos autos em apreço. III- DECISÃO Pelo exposto, julgam o recurso parcialmente procedente e, em consequência, determinam que o despacho recorrido relativamente à conexão de processos seja substituído por outro que aprecie o requerido pela arguida/recorrente no que a essa matéria concerne No mais, e relativamente à declaração especial de complexidade mantém-se o já decidido. Sem custas. * (Elaborado e revisto pelo 1º signatário)Porto, 28 de Outubro de 2009 Vasco Rui Gonçalves Pinhão Martins de Freitas Luís Augusto Teixeira _____________________________ [1] (cfr. Prof. Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal" III, 2ª ed., pág. 335 e jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada). [2] Ac. STJ para fixação de jurisprudência nº 7/95, de 19/10/95, publicado no DR, série I-A de 28/12/95. |