Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
585/11.6TVPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS GIL
Descritores: ANULAÇÃO DE DELIBERAÇÃO SOCIAL
COOPERATIVA DE ENSINO
MEMBROS BENEMÉRITOS
MEMBROS HONORÁRIOS
ASSOCIADOS EFECTIVOS
DELIBERAÇÃO
ADMISSÃO
Nº do Documento: RP20131118585/11.6TVPRT.P1
Data do Acordão: 11/18/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Legislação Nacional: DL 441-A/82, DE 06/11
Sumário: Os membros honorários e beneméritos de uma cooperativa de ensino podem propor a admissão de associados efectivos, pois que os Estatutos não restringem essa faculdade de proposição de associados efectivos apenas a associados efectivos.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: 585/11.6TVPRT.P1

Sumário do acórdão proferido no processo nº 585/11.6TVPRT.P1 elaborado pelo seu relator nos termos do disposto no artigo 663º, nº 3, do Código de Processo Civil:
Os membros honorários e beneméritos de uma cooperativa de ensino podem propor a admissão de associados efectivos, pois que os Estatutos não restringem essa faculdade de proposição de associados efectivos apenas a associados efectivos.
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Acordam, em audiência, os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:

1. Relatório[1]
A 01 de Agosto de 2011, nas Varas Cíveis do Porto, B… e C… instauraram a presente acção declarativa de anulação de deliberações sociais, com forma processual experimental, nos termos do decreto-lei nº 108/2006 de 08 de Junho, contra D…, CRL pedindo que se decrete a anulação da deliberação tomada a 02 de Julho de 2011, no sentido de ratificar a admissão da nova cooperadora E….
Alegam, para tanto, que tal deliberação foi tomada com vício de violação de lei imperativa e dos estatutos da ré em virtude de:
- a proposta de admissão não estar assinada por cinco associados, como o exige o nº 2, do artigo 9º, dos Estatutos da ré;
- a deliberação da Direcção, que é constituída por um presidente, um secretário e um tesoureiro, a quem compete, nos termos do artigo 32º, alínea j), deliberar sobre a admissão de associados (embora sujeita à ratificação da assembleia geral) e que delibera por maioria simples dos votos expressos, salvo quando seja exigível maioria qualificada, ter sido tomada apenas pelo Presidente da Direcção;
- não terem sido postos à disposição dos associados convocados, pelo Presidente da Mesa da Assembleia Geral, o documento comprovativo da transmissão dos títulos de capital, a deliberação da Direcção que autorizou a transmissão dos títulos de capital, ao abrigo do artigo 23º, do Código Cooperativo, a proposta de admissão subscrita por cinco cooperadores e a acta da reunião da Direcção que aprovou a admissão a título condicional, para que a assembleia geral extraordinária pudesse deliberar validamente sobre a ratificação.
Após a sua citação, a ré contestou impugnando os factos alegados pelos autores e pedindo que a acção seja julgada improcedente sustentando que:
- a proposta de admissão está assinada por cinco associados, todos membros da cooperativa de ensino;
- a deliberação da Direcção, tomada apenas pelo Presidente da Direcção, é válida dada a alteração dos estatutos, levada ao registo (artigo 31º que passou a dispor que “a direcção é constituída por um presidente”), cabendo a este deliberar sobre a admissão de associados;
- todos os referidos documentos foram colocados, desde o momento em que a Assembleia foi convocada, à disposição dos associados para que os pudessem consultar.
Fixou-se o valor da causa em € 30.000,01, proferiu-se despacho saneador tabelar, admitiram-se as provas oferecidas pelas partes e designou-se dia para realização da audiência de discussão e julgamento.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, tendo sido produzida a prova pessoal oferecida pelas partes.
Proferiu-se sentença que julgou a acção totalmente improcedente e absolveu a ré do pedido.
Inconformados com a decisão final, os autores interpuseram recurso de apelação, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões:
“A. Vem o presente Recurso de Apelação interposto da sentença que julgou a ação totalmente improcedente, por não provada, absolvendo a Ré do pedido formulado, tendo por objeto matéria de direito, nomeadamente a demonstração da errada interpretação e aplicação do direito substantivo, tendo em conta a primeira das questões que foi elencada na fundamentação da sentença recorrida e que, na ótica do Tribunal “a quo”, conduziu à improcedência da ação
B. A sentença recorrida deve ser revogada pois consubstância uma solução que não consagra a justa e rigorosa interpretação e aplicação ao caso sub judice das normas e princípios jurídicos competentes.
C. Em causa está a apreciação da validade da deliberação tomada em assembleia-geral da Ré, de 2 de julho de 2011, na qual foi deliberado ratificar a admissão da nova cooperadora E….
D. Validade que, no entendimento dos apelantes, não se verifica.
Senão vejamos,
E. A Assembleia-geral em causa tinha como único ponto da ordem do dia “deliberar a ratificação da admissão como associada efetiva de E…, no lugar de sua mãe, que deixou de ser associada e lhe transmitiu a sua participação no capital da Cooperativa”.
F. Sendo que, in casu, consta dos factos provados na sentença que:
- “a Ré constituiu-se sob a forma de cooperativa de responsabilidade limitada por escritura pública de 26 de Fevereiro de 1991, outorgada no 4.º Cartório Notarial do porto” e que “foram outorgantes na referida escritura os seguintes associados fundadores: os aqui Autores, F…, G…, H…, I…, J…, K…, L… e M…”.
- “por deliberação tomada na Assembleia Geral da Ré de 6/12/1996 foi apreciado e aceite o pedido de escusa de associados de J…, K…, L… e M… e concedido a esses associados o título de membros honorários”.
- “a cooperante I… pretendendo transmitir gratuitamente, por doação, a sua participação social no capital da Ré – títulos de capital – a sua filha E…, submeteu essa pretensão à autorização da Direção da Ré e, simultaneamente, requereu a admissão da sua sobredita filha como cooperante da Ré” e que “a proposta de admissão da mencionada E… como cooperante da Ré foi, também, formulada pelos referidos F…, G…, L… e M… que efetuaram e reduziram a escrito na proposta, subscrita pelo punho de cada um deles e que entregaram ao Presidente da Direção da Ré”.
G. A questão que norteia o presente recurso insere-se no domínio dos artigos 31.º e seguintes do Código Cooperativo, artigo 12.º do decreto-Lei n.º 441-A/82, de 6 de Novembro e artigos 9.º e seguintes dos Estatutos da Ré.
d) A admissão de associados encontra-se regulada no artigo 9.º dos Estatutos da Ré, que no seu n.º 2 prescreve “a admissão de associados efetivos cabe à direção, mediante proposta de cinco associados, com ratificação da assembleia geral”.
H. Sendo que, no seu n.º 1 o artigo 9.º dispõe que Podem ser associados efetivos da cooperativa: a) Os docentes da cooperativa; b) Os investigadores da cooperativa e c) Os trabalhadores da cooperativa”.
I. Por sua vez, o n.º 3 do artigo 9.º acrescenta que “Podem ainda ser admitidos:
c) Membros honorários: os que tenham prestado relevantes serviços à cooperativa ou à defesa e consecução dos seus objetivos;
d) Membros beneméritos: os que tenham contribuído materialmente para o desenvolvimento da cooperativa.”
J. No caso sub judice temos uma cooperativa que, à data da deliberação, tinha apenas seis associados efetivos, incluindo os Autores marido e mulher e o Presidente da Direção, e quatro membros honorários.
K. Sendo que, a proposta de admissão como associada da E… foi subscrita por três associados efetivos (I…, F… e G…) e dois membros honorários (L… e M…).
L. Tal deve-se ao facto de em 6/12/1996 ter sido deliberado em assembleia geral da Ré aceitar o pedido de escusa de associados dos cooperantes J…, K…, L… e M… e conceder-lhes o título de membros honorários.
M. Está assim evidenciado que desde 1996 os sobreditos associados deixaram de ser associados efectivos e passaram a ser membros honorários.
Posto isto,
N. Terão os membros honorários o efetivo direito e capacidade de subscrever a proposta de admissão de associados efetivos?
O. O entendimento dos apelantes é claramente em sentido negativo.
P. A sentença recorrida respondeu a esta questão em sentido afirmativo, dizendo que “são membros/associados de pleno direito e com capacidade para efectuar tal proposta, conforme resulta do disposto no art. 9.º n.º 3 alínea a) dos Estatutos da Ré, do artº 31º nº 1 do C.Coop e 12º do DL 441-A/82 de 6/11. Estando os membros honorários integrados nos estatutos da Ré no capítulo dos “Associados” e não distinguindo a lei, entendemos ser de considerar que a proposta em causa efetivamente e mostra assinada por cinco associados da Ré”.
Q. O entendimento vertido na sentença, nos termos supra transcritos, é violador dos princípios de justiça e legalidade, fazendo uma incorreta interpretação da lei aplicável e dos Estatutos da Ré.
R. Desde logo, a primeira observação que cumpre fazer-se é a de que os Estatutos da Ré conterem uma distinção entre “associados efetivos”, “membros honorários” e “membros beneméritos”.
S. Sendo que, quando no n.º 2 se diz que “a admissão de associados efetivos cabe à direção, mediante a proposta de cinco associados (…)”, claramente se compreende que não se pretendeu incluir aqui os membros honorários e os membros beneméritos. (negrito nosso)
T. Tal entendimento é reforçado pela leitura conjugada dos restantes artigos dos Estatutos da Ré.
U. Desde logo o artigo 11º prescreve que “são direitos dos associados:
a) Participar e votar na assembleia geral;
b) Eleger e ser eleito para os órgãos associativos;
c) Requerer, nos termos dos estatutos, a convocação da assembleia geral”. (negrito nosso)
V. Resulta assim claramente evidenciado que a referência a “associados”, nos diversos artigos dos Estatutos da Ré, é feita na assunção de associados efetivos.
W. Atente-se que, interpretação contrária significaria que os membros honorários teriam direito de voto nas assembleias gerais e podiam ser eleitos para os órgãos associativos.
X. Em reforço da tese dos Autores vai o artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 441-A/82, de 6 de Novembro, o qual regulamente as Cooperativas de Ensino, quando diz que estas podem ter membros efetivos e honorários, tendo estes últimos o direito de participar nas assembleias gerais, sem direito de voto.
Y. O único direito conferido por lei aos membros honorários é assim o de participar nas assembleias geral.
Z. Sendo que, os Estatutos da Ré nada dispõem em sentido diverso.
AA. O que pretendeu o legislador com a previsão do direito de participar nas assembleias geral, sem direito de voto, foi permitir que os membros honorários, caso pretendam, continuem a tomar conhecimento dos diversos assuntos de interesse para a Cooperativa.
BB. Na verdade, há luz do espírito da lei, não pretendeu o legislador conferir aos membros honorários qualquer direito efetivo de participar na tomada de decisões no seio da Cooperativa, motivo pelo qual não lhes é concedido direito de voto.
CC. Ora, por maioria de razão, o entendimento plausível no caso em apreço é o de que é vedado aos membros honorários subscrever uma proposta com vista à admissão de novos associados.
DD. Os membros honorários são pessoas que direta ou indiretamente contribuíram ou contribuem para o desenvolvimento da cooperativa.
EE. Com efeito, a partir de 1996, os Srs. M… e L…, perderam a qualidade de cooperadores efetivos e por isso perderam os inerentes direitos dessa qualidade e deixaram de estar vinculados aos correspondentes deveres.
FF. Isto é, perderam o direito de votar nas assembleias, eleger e ser eleitos para os órgãos associativos e de requerer a convocação de assembleia geral (artigo 11.º dos Estatutos da Ré) e de tomar parte na assembleia geral-apresentando propostas, discutindo e votando os pontos contantes da ordem de trabalhos, requerer informações aos órgãos competentes da cooperativa e examinar a escrita e as contas da cooperativa (artigo 33.º do Código Cooperativo).
GG. Os cooperadores honorários só têm direito de participação nas assembleias-gerais e mesmo este é muito limitado pois nem podem votar nem ser votados.
HH. Por estes motivos, deve retirar-se a ilação de que os cooperadores honorários não têm o direito de subscrever proposta de admissão de novos cooperadores.
II. Neste sentido vai o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 18-01-2007, in www.dgsi.pt (processo n.º 1448/06-3) no qual pode ler-se “ora, os cooperadores honorários não têm direitos de fiscalização. Só têm direito de participação nas assembleias-gerais e mesmo este é muito limitado pois nem podem votar nem ser votados”.
JJ. Deste modo, tendo por base os factos dado como provados na sentença recorrida, pode afirmar-se que a proposta de admissão da E… estava assinada apenas por três cooperadores efetivos, em manifesta violação da exigência do artigo 9.º n.º 2 do Estatutos da Ré, o qual estabelece que a proposta deverá ser subscrita, no mínimo, por cinco associados.
KK. Uma análise cuidada dos factos permite perceber que sem a assinatura dos Autores, aqui apelantes, nunca seria conseguido o número mínimo de proponentes.
LL. Assim se explica que, na impossibilidade de obter a assinatura dos aqui Autores, o Sr. Presidente da Direção da Ré tenha solicitado aos membros honorários que subscrevessem a proposta de admissão da sua filha E….
MM. A proposta que esteve na base da tomada de decisão de admissão, por parte do Presidente da Direção é assim inválida por violação dos Estatutos da Ré, do Código Cooperativo e do Decreto-Lei n.º 441-A/82, de 6 de Novembro.
NN. Invalidade que subsequentemente inquina a deliberação da Assembleia geral de ratificação de tal admissão da cooperadora.
OO. Deverá assim ser declarada a anulabilidade da deliberação tomada na assembleia geral da Ré, de 2 de julho de 2011.
PP. Mal andou a sentença recorrida ao julgar a ação totalmente improcedente porquanto, na senda do entendimento dos Recorrentes supra vertido, impunha-se declarar a anulabilidade da deliberação de ratificação da admissão de associada da E…, por violação de lei imperativa e dos estatutos da ré, vício gerado pela invalidade da proposta de admissão que foi subscrita por apenas três associados, ao invés de cinco, como era exigido.”
A recorrida contra-alegou pugnando pela total improcedência do recurso e requereu a junção aos autos de um parecer jurídico.
Dada a natureza exclusivamente jurídica da questão decidenda, com o acordo dos Excelentíssimos Juízes-adjuntos, dispensaram-se os vistos.
Nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
2. Questões a decidir tendo em conta o objecto do recurso delimitado pelos recorrentes nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nº 3 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil, na redacção aplicável a estes autos[2]), por ordem lógica e sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil
A única questão a decidir é a de saber se os membros honorários de uma cooperativa de ensino têm ou não o direito de subscrever uma proposta de admissão de um novo cooperador.
3. Fundamentos de facto exarados na censura que não foram impugnados, expurgados das meras referências probatórias, não se divisando qualquer motivo que legalmente permita a sua alteração oficiosa
3.1
A ré constituiu-se sob a forma de cooperativa de responsabilidade limitada por escritura pública de 26 de Fevereiro de 1991, outorgada no 4º Cartório Notarial do Porto.
3.2
Foram outorgantes na referida escritura os seguintes associados fundadores: os aqui autores, F… e G…, H…, I…, J…, K…, L… e M….
3.3
A ré tem como objecto social e actividade a “promoção da cultura e a investigação pedagógica, quando autorizada, e, nos termos da lei, ministrando especificamente, nos termos dos estatutos, os ensinos básico, secundário, técnico-profissional, em cursos diurnos e nocturnos”, dedicando-se fundamentalmente ao ensino.
3.4
Por deliberação tomada na assembleia geral da ré de 6/12/1996 foi apreciado e aceite o pedido de escusa de associados de J…, K…, L… e M… e concedido a esses associados o “título de membros honorários”.
3.5
Determina o artigo 9º nº 2 dos Estatutos da ré que “a admissão de associados efectivos cabe à direcção, mediante proposta de cinco associados, com ratificação da assembleia geral”.
3.6
Em assembleia geral da ré de 1/6/1998, foi tomada a deliberação de alterar a composição da Direcção prevista no artigo 31º, dos Estatutos originais da ré, tendo sido efectuada a escritura pública em 18/6/1998, celebrada no Cartório Notarial de Vila do Conde, na qual a cooperativa ré foi representada pelo Autor.
3.7
Tal alteração do pacto social, em concreto que a estrutura da Direcção é composta apenas por um Presidente - artigo 31º do Estatutos da ré, foi levada ao registo, onde está definitivamente registada.
3.8
A cooperante I…, pretendendo transmitir gratuitamente, por doação, a sua participação social no capital da ré – títulos de capital – a sua filha E…, submeteu essa sua pretensão à autorização da Direcção da ré e, simultaneamente, requereu a admissão da sua sobredita filha como cooperante da ré.
3.9
A proposta de admissão da mencionada E… como cooperante da ré foi, também, formulada pelos referidos F..., G…, L… e M… que efectuaram e reduziram a escrito a proposta, subscrita pelo punho de cada um deles e que entregaram ao Presidente da Direcção da ré.
3.10
Por escrito, conforme documento 19 junto pela ré, por ela subscrito e entregue ao presidente da Direcção, E…, solicitou a sua admissão como cooperante, enquanto trabalhadora da ré, qualidade que expressamente invocou.
3.11
O Presidente da Direcção apreciou, no dia 23/2/2011, os referidos pedidos de autorização de transmissão dos títulos de capital da cooperante I… e de admissão de E…, que lhe haviam já sido entregues, decidindo-se pela autorização da transmissão e admissão da nova cooperante, nos termos que foram reduzidos a escrito em Acta da Direcção da ré[3].
3.12
Por cartas registadas idênticas, ambas datadas de 17 de Junho de 2011, os autores foram convocados para uma assembleia geral extraordinária da ré a realizar no dia 2 de Julho do mesmo ano.
3.13
Integrando estas cartas, como documentos autónomos, foram remetidas aos autores as respectivas convocatórias com indicação da ordem de trabalhos[4].
3.14
A convocatória tinha como único ponto da ordem do dia “deliberar a ratificação da admissão como associada efectiva de E…, no lugar de sua Mãe, que deixou de ser associada e lhe transmitiu a sua participação no capital da Cooperativa”.
3.15
Com a convocatória não foram remetidos aos autores quaisquer outros documentos referentes ao ponto único desta ordem de trabalhos (nem o comprovativo da aludida transacção nem da proposta de admissão da nova cooperadora).
3.16
No dia e hora previstos para a realização da assembleia-geral, dia 2 de Julho de 2011, pelas 20 horas, o autor B… compareceu pessoalmente na sede social da ré, fazendo-se acompanhar de instrumento de mandato de sua mulher aqui autora C…, para intervir na assembleia a título pessoal e em representação desta.
3.17
Os trabalhos da assembleia foram presididos pelo Presidente da Mesa na presença de Notário, que elaborou a acta, por assim ter sido previamente requerido pelos autores, assinada pelo Presidente da Direcção da ré, H…, que “apreciou a proposta que lhe foi apresentada no sentido de autorizar a transmissão a título gratuito, por doação, da participação social, que a cooperante I… pretende efectuar à sua filha E…, funcionária desta cooperativa”.
3.18
O Presidente da Mesa pôs à disposição dos associados a referida deliberação da Direcção.
3.19
Os documentos acima referidos juntos pela ré sob os nºs 18 e 19[5], a referida acta da Direcção, os títulos de capital e o contrato de trabalho da referida E… estiveram à disposição dos cooperantes, para consulta, na sede social da ré e desde a data de expedição das cartas remetidas aos autores com a convocatória para a assembleia geral dos autos e até ao dia da sua realização, inclusive.
3.20
Desde que receberam as cartas e as convocatórias para a assembleia geral dos autos, os autores não se dirigiram à sede social da ré nem formularam qualquer pedido de informação ou esclarecimento sobre os assuntos constantes da ordem do dia, nem qualquer pedido de consulta, ou sequer de envio, de quaisquer documentos referentes à mesma ordem do dia.
3.21
A referida E… num primeiro momento, prestou voluntária e graciosamente contributo à Direcção da ré e à Cooperativa, em actividades de organização e gestão documental.
3.22
Posteriormente, e em momento anterior ao da formulação de qualquer um dos referidos pedidos de autorização e propostas, E… foi contratada como trabalhadora da ré, a tempo parcial, para a execução e prestação de tais tarefas.
3.23
Os autores não pediram para consultar qualquer dos referidos documentos, que estavam ao dispor dos associados, tendo votado contra a proposta e juntado o documento de fls. 34-35[6], que já traziam dactilografado, não tendo solicitado à Direcção da ré ou ao Presidente da Mesa qualquer esclarecimento, informação ou documento, após o que o Presidente da Direcção da ré referiu o que da mencionada acta consta.
3.24
Após isso, os autores não pediram para consultar ou lhes serem exibidos os documentos a que o Presidente da Direcção da ré se referiu nem solicitaram esclarecimentos ou informações.
4. Fundamentos de direito
4.1 Os cooperadores honorários têm ou não o direito de subscrever uma proposta de admissão de um novo cooperador?
Os recorrentes pugnam pela revogação da decisão sob censura e pela procedência da acção referindo, em síntese, que os Estatutos da ré distinguem os associados efectivos, dos membros honorários e beneméritos, que o nº 2, do artigo 9º e o artigo 11º dos mesmos Estatutos se referem apenas a associados, que do artigo 12º do decreto-lei nº 441-A/82, de 06 de Novembro, resulta que os membros honorários apenas podem estar presentes nas assembleias gerais, a fim de tomarem conhecimento do que aí é decidido e que se assim é relativamente à participação em assembleias gerais, por maioria de razão será relativamente à proposta de admissão de novos associados que apenas poderá ser subscrita por associados efectivos.
Na decisão sob censura, sobre a questão decidenda escreveu-se o seguinte:
“O capítulo III dos Estatutos tem a epigrafe “Dos associados”, dispondo, logo de seguida, o artigo 9º, quanto à admissão que
“1- Podem ser associados efetivos da cooperativa:

c) trabalhadores da cooperativa.
2- A admissão dos associados efectivos cabe à direcção, mediante proposta de cinco associados, com ratificação da assembleia geral.
3- Podem ser admitidos:
a) Membros honorários: os que tenham prestado relevantes serviços à cooperativa ou à defesa e consecução dos seus objectivos;
b) Membros beneméritos: os que tenham contribuído materialmente para o desenvolvimento da cooperativa”;
Verifica-se que, efetivamente, a proposta em causa, apreciada pela Direção, se mostra assinada por quem, à data da sua assinatura, era associado da Ré, sendo os “associados” da cooperativa Ré que a assinaram em número de cinco – I…, F…, G…, L… e M….
Com efeito, resulta que, por deliberação tomada na Assembleia Geral da Ré de 6/12/1996, foi deliberado aceitar o pedido de escusa de associados dos cooperantes J…, K…, L… e M… mas que, também foi deliberado conceder a esses mesmos associados o “título de membros honorários”, continuando, por isso, mesmo assim, a ser, embora de um outro modo e com menos direitos (cfr art. 12º do DL 441-A/82 de 6/11), associados da Ré – deixaram de ser associados efetivos e passaram a membros honorários.
Estes são membros/associados de pleno direito e com capacidade para efetuar tal proposta, conforme resulta do disposto no artº 9º nº 3 alínea a) dos Estatutos da Ré, do artº 31º nº 1 do C.Coop e 12º do DL 441-A/82 de 6/11.
Estando os membros honorários integrados nos estatutos da Ré no capítulo dos “Associados” e não distinguindo a lei, entendemos ser de considerar que a proposta em causa efetivamente se mostra assinada por cinco associados da Ré.”
Cumpre apreciar e decidir.
No caso em apreço, está fora de dúvida que a proposta de admissão como associada efectiva de E… foi subscrita por três associados efectivos da ré e por dois membros honorários (vejam-se os pontos 3.2, 3.4, 3.8 e 3.9, dos fundamentos de facto).
O artigo 9º dos Estatutos da ré, subordinado à epígrafe “Dos associados”, regula as condições de admissão destes, distinguindo os associados efectivos, os membros honorários e os membros beneméritos. Desta previsão estatutária, iluminada pela epígrafe, resulta com suficiente clareza que os membros honorários são associados da ré e, como tal estão sujeitos aos deveres e têm os direitos que a lei e os Estatutos lhes conferem.
No caso em apreço, o decreto-lei nº 441-A/82, de 06 de Novembro, veio prever que nas cooperativas de ensino podem existir membros efectivos e membros beneméritos e honorários (artigo 12º, nº 1, do citado decreto-lei), logo esclarecendo que os membros beneméritos ou honorários têm direito a participar nas assembleias gerais, sem direito a voto (artigo 12º, nº 3, do citado decreto-lei).
Ao invés do que afirmam os recorrentes, a participação nas assembleias gerais não se destina apenas a que os membros honorários e beneméritos tomem conhecimento do que aí se decide. Se fosse essa a finalidade da aludida previsão legal, mais expedito seria determinar a notificação a tais membros do que aí fosse deliberado. Ora, segundo cremos, participar nas assembleias gerais significa tomar parte, entrar na discussão tendo em vista influenciar o resultado da votação, embora não tendo o direito de votar.
Nesta medida, o artigo 20º dos Estatutos da ré, quando prevê que a assembleia geral é constituída por todos os seus associados efectivos no pleno gozo dos seus direitos sociais, tem que ser interpretado em conformidade com o nº 3, do artigo 12º do decreto-lei nº 441-A/82, de 06 de Novembro, ou seja, tem que se entender que os membros honorários e beneméritos também constituem a assembleia geral. A não se entender deste modo, há que concluir que por violação de lei é nulo o artigo 20º do Estatutos da ré, na parte em que exclui da assembleia geral os referidos membros.
A lei apenas retira aos membros honorários e beneméritos o direito de voto, pelo que há que entender que gozam dos restantes direitos e deveres compatíveis com o seu estatuto.
Por isso, na qualidade de associados, os membros honorários e beneméritos podem propor a admissão de associados efectivos, pois que os Estatutos, significativamente, em conformidade com a lei (o citado decreto-lei nº 441-A/82, de 06 de Novembro), não restringiram essa faculdade de proposição de associados efectivos apenas a associados efectivos.
Deste modo, face a tudo quanto antecede, resta concluir que não se verifica a ilegalidade apontada pelos recorrentes, pois que a proposta de admissão da associada efectiva E… foi subscrita por três associados efectivos e por dois membros honorários, ou seja por cinco associados da ré. Neste contexto, deve confirmar-se a sentença sob censura, no segmento impugnado.
Os recorrentes, por decaírem nesta apelação, terão que suportar as custas do recurso, ex vi artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
5. Dispositivo
Pelo exposto, em audiência, os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto por B… e C… e, em consequência, em confirmar a sentença recorrida proferida a 16 de Maio de 2013, no segmento impugnado.
Custas do recurso a cargo dos recorrentes, sendo aplicável a secção B, da tabela I, anexa ao Regulamento das Custas Processuais, à taxa de justiça do recurso.
***
O presente acórdão compõe-se de treze páginas e foi elaborado em processador de texto pelo primeiro signatário.

Porto, 18 de Novembro de 2013
Carlos Gil
Carlos Querido
Soares de Oliveira
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[1] Segue-se, no essencial, o relatório da sentença recorrida.
[2] Tratando-se de acção declarativa instaurada após 01 de Janeiro de 2008, visto o conteúdo do artigo 7º, nº 1, da Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, tendo ainda presentes os ensinamentos doutrinais contidos na segunda edição do Manual de Processo Civil, da autoria de Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Coimbra Editora 1985, número 19 C), páginas 55 a 57 e sendo estes autos distribuídos neste tribunal já após 01 de Setembro de 2013, é aplicável ao presente recurso, no que respeita as formalidades de preparação, instrução e julgamento do recurso, o regime emergente do Código de Processo Civil aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, sendo aplicável a lei vigente à data de interposição do recurso no que tange as condições de admissibilidade do recurso. Anote-se que a solução defendida por estes autores relativamente à aferição da admissibilidade de recurso em consequência da alteração das alçadas está proscrita pelo artigo 24º, nº 3, da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, aprovada pela Lei nº 3/99, de 13 de Janeiro, solução também acolhida nos artigos 31º, nº 3, da Lei nº 52/2008, de 28 de Agosto e 44º, nº 3, da Lei nº 62/2013, de 26 de Agosto.
[3] Esta acta tem o seguinte teor: “Aos 23 de Fevereiro de 2011, a Direcção da Cooperativa D…, CRL, apreciou a proposta que lhe foi apresentada no sentido de autorizar a transmissão a título gratuito por doação da participação social – títulos de capital – que a cooperante I… pretende efectuar à sua filha E…, funcionária desta Cooperativa e, nada havendo que obste, decide autorizar a transmissão, admitindo-a como cooperante, o que em devido tempo será levada a ratificação da Assembleia-Geral.”
[4] A convocatória tem o seguinte teor: “Convoco os cooperantes da Cooperativa D…, CRL, com sede na Rua …, nº …, cave, no Porto, para reunirem em Assembleia-Geral Extraordinária, no dia 02 de Julho de 2011, pelas 19h 30 horas na sede social, com a seguinte ordem do dia:
- Deliberar a ratificação da admissão como associada de D…, no lugar de sua Mãe que deixou de ser associada e lhe transmitiu a sua participação no capital da Cooperativa.”
[5] O documento nº 18 intitula-se “Proposta” e tem o seguinte teor: “A Cooperante I…, submete à autorização da Direcção a transmissão a título gratuito por doação da sua participação social – título de capital – que pretende efectuar à sua filha E…, funcionária desta Cooperativa e propõe que assim seja admitida como cooperante.
esta proposta é igualmente subscrita pelos Cooperantes F… e G….”
O documento nº 19 intitula-se “Pedido de admissão como associado”, está datado de 20 de Fevereiro de 2011 e subscrito por E… e tem o seguinte teor: “Face à transmissão dos títulos da Cooperativa D…, CRL, que minha mãe, I…, me pretende efectuar, venho solicitar a minha admissão como cooperante, dado ser trabalhadora da Cooperativa, tomando a participação social de minha mãe.”
[6] O documento de folhas 34 e 35 intitula-se “Assembleia Geral Extraordinária da D…, CRL de 2 de Julho de 2011, pelas 19:30, na sede social Declaração de Voto”, está datado de 02 de Julho de 2011 e tem o seguinte conteúdo: “1. Consta da OT que a deliberação de destina a “ratificar” a admissão como associada efectiva de D…; 2. E que tal admissão se destina a substituir sua Mãe, que deixou de ser associada, e por lhe ter por esta sido transmitida a sua participação no capital da Cooperativa. 3. Ficando claro que nenhuma razão pessoal nos move, tanto a mim como à minha representada C… em relação à nossa sobrinha E…, certo é que nos afigura que esta deliberação não pode ser validamente tomada. 4. Em primeiro lugar, não carece esta assembleia de tomar posição em relação à perda da qualidade da antes cooperadora mãe da E…, se esta, por acto voluntário, se retirou da Cooperativa, facto que se desconhece mas se presume, assim se tendo automaticamente operado a extinção da sua participação ao abrigo do artigo 12º dos Estatutos da D…. 5. Questão diversa é a da transmissão do título de capital, que do teor da convocatória se indicia ter já efectivamente ocorrido, embora não se esclareça os cooperadores por que forma e em que momento se terá consumado. 6. Na verdade, determina o artigo 23º do Código Cooperativo que os títulos de capital só são transmissíveis mediante autorização da direcção, sob condição de o adquirente ou sucessor já ser cooperador ou, reunindo as condições exigidas, solicitar a sua admissão. 7. Ora não consta nem vem declarado em local algum da convocatória que tal transmissão tenha sido autorizada por deliberação da direcção, sendo certo que não poderia tal autorização ter sido concedida, pelo menos a título definitivo, na medida em que a transmissária não é, pelo menos por enquanto, associada efectiva. 8. Consequentemente, terá previamente de se deliberar sobre a proposta de admissão e só em caso de deliberação favorável, poderá ser a referida transmissão concretizada. 9. Sucede que as propostas de admissão de novos associados efectivos, como é o caso, a serem aprovadas em direcção mas sujeitas a ratificação desta assembleia, carecem de ser subscritas e como tal apoiadas por, no mínimo, cinco associados, nos termos do artigo 9º nº2 dos Estatutos da E…, 10. Pressuposto que seguramente não sucedeu, o que por si só invalida qualquer deliberação que sobre o tema tenha sido tomada pela direcção, prejudicando consequentemente a sua ratificação. Pelo exposto, por manifesta inviabilidade legal e estatutária, não pode ser concedida ratificação a uma deliberação da direcção que se desconhece mas que, a ter sido tomada, sempre seria inválida, pelo que por mim e em nome da minha representada C…, voto contra a proposta. Para que fique em acta.”