Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0120621
Nº Convencional: JTRP00031689
Relator: CÂNDIDO DE LEMOS
Descritores: IRS
DECLARAÇÃO DE RENDIMENTOS
FORÇA PROBATÓRIA
AUTOR
RENDIMENTO
MEIOS DE PROVA
ACIDENTE DE VIAÇÃO
INCAPACIDADE PERMANENTE PARCIAL
DANOS FUTUROS
CÁLCULO
EQUIDADE
DANOS MORAIS
JUROS DE MORA
CITAÇÃO
Nº do Documento: RP200105150120621
Data do Acordão: 05/15/2001
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: 5 J CIV MATOSINHOS
Processo no Tribunal Recorrido: 653/97
Data Dec. Recorrida: 11/30/2000
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE.
Área Temática: DIR CIV - TEORIA GERAL / DIR RESP CIV / DIR OBG.
Legislação Nacional: CCIV66 ART376 ART494 ART496 N3 ART804 N1 ART805 N3 ART806 N1 N2 N3.
Sumário: I - Sendo a declaração de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares um documento particular e a sua autoria aceite pelo declarante, a força probatória que lhe é atribuída pelo artigo 376 do Código Civil, só pode ser invocada pelo Fisco.
II - Ao autor é lícito utilizar qualquer meio de prova em direito permitido para demonstrar o quantitativo dos seus rendimentos.
III - O cálculo do dano futuro em virtude da perda de capacidade aquisitiva do autor, derivada da incapacidade parcial permanente de 10%, é sempre difícil de fazer por depender de dados problemáticos.
IV - Tendo o autor nascido em 9 de Fevereiro de 1963, auferindo como comerciante de peixe 350.000$00 em cada um dos doze meses do anos, e tendo ficado com uma incapacidade parcial permanente de 10%, dando-se preferência à equidade, considera-se como adequada a quantia de 8000 contos para valorar a perda de capacidade aquisitiva do lesado.
V - Sofrendo o lesado ferimentos no pé e articulação esquerdas, com duas intervenções cirúrgicas de correcção, resultando duas cicatrizes e atenuação do arco interno, acompanhados da normal dor e desgosto da situação em que se encontra, entende-se como adequada para compensar o dano não patrimonial, com base na equidade, a quantia de 1.500.000$00.
VI - São devidos juros de mora desde a citação, quer se trate de dano patrimonial ou não patrimonial.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

No -º. Juízo Cível do Tribunal de....., Fernando....., casado, comerciante, residente na Rua....., nº. --, em....., move a presente acção com processo sumário para efectivação de responsabilidade civil emergente de acidente de viação contra Companhia de Seguros....., com sede na Rua....., nº--, no ....., pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de 12 827 000$00, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até integral pagamento, como indemnização pelos danos materiais e não patrimoniais sofridos em acidente de viação ocorrido em 8 de Agosto de 1995, cuja responsabilidade imputa por inteiro ao segurado da ré, o qual circulava no IC 24 por uma das faixas destinadas ao trânsito em sentido oposto, provocando o choque frontal.
Requer o benefício de apoio judiciário, consistente na total dispensa de taxa de justiça e custas. Por Acórdão desta Relação foi-lhe concedido em 50% do pretendido.
Devidamente citada, a ré deduz contestação em que aceita a culpa exclusiva do seu segurado, mas impugnando os valores apresentados para os danos.
Elaborado o despacho saneador, especificação e questionário, não sofreram qualquer reclamação.
O autor foi submetido a exame médico.
Procedeu-se a julgamento com observância do formalismo legal, merecendo o questionário as respostas constantes de fls. 203 a 205.
Foi então proferida sentença que julgou a acção parcialmente provada e procedente, condenando a ré a pagar à autora a quantia de 11 292 040$00, acrescida de juros à taxa legal desde a citação à integral pagamento.
Inconformada, a ré apresenta este recurso principal e nas suas alegações formula as seguintes conclusões:
1ª.- As declarações constantes de documentos particulares (neste caso, as fotocópias devidamente autenticadas pela Repartição Fiscal respectiva com o respectivo selo, que é a autoridade pública competente, das declarações de IRS respeitantes aos anos de 1993 e 1994 e a nota de liquidação do imposto de IRS respeitante ao ano de 1995) apresentados pelo recorrido, cuja falsidade não foi arguida e cuja autenticidade não foi posta em causa têm força probatória plena, nos termos do disposto nos arts. 371º. e 376º. do CC, pelo que, para responder à matéria de facto constante dos quesitos 9º. e 10º. da Base Instrutória, o Tribunal a quo se tinha de basear unicamente neles.
2ª.- Pois tais documentos só podem ser impugnados por documentos com força probatória igual ou superior, nunca por testemunhas.
3ª.- Houve, assim, erro na apreciação da prova em relação ao valor probatório que os referidos documentos têm pelo que, o julgamento que se impunha com base nos mesmos quanto à matéria de facto constante do quesito 9° da Base Instrutória era necessariamente que, o Autor auferia como comerciante (venda de peixe), pelo menos o rendimento médio mensal de 36 151$50 líquidos (12 vezes por ano). Ou seja, cerca de 10 (dez) vezes menos do que foi dado como provado.
4ª.- Do mesmo modo, o julgamento que se impunha com base nos mesmos documentos quanto à matéria de facto constante do quesito 10° da Base Instrutória era necessariamente que, durante o período de doença o autor deixou de receber, pelo menos 120 000$00 de rendimentos. Ou seja, logicamente também cerca de 10 (dez) vezes menos do que foi dado como provado, montante esse para o que deve ser reduzido.
5ª.- O salário mínimo nacional em 1995 foi de 52 000$00 mensais (Dec. Lei nº. 20/95. de 28/1) pelo que, considerando-se este valor para efeitos de cálculos quanto à indemnização devida pela I.P.P. que foi atribuída ao Recorrido e, aceitando-se os demais critérios que serviram de base de cálculo para determinar a indemnização devida a este título obter-se-ia um valor muito próximo de 1 000 000$00 (um milhão de escudos) pelo que. ao contrário do que vem escrito na sentença em crise, o valor de indemnização pela perda da capacidade de ganho do Recorrido justo e adequado ao caso em apreço é de 1 000 000$00 (um milhão de escudos), montante para o qual deve ser reduzido.
6ª.- Assim, os danos patrimoniais sofridos pelo Recorrido ascendem a 1 212 040$00 (1 000 000$00 + 120 000$00 + 57 000$00 + 35 040$00), montante para o que devem ser reduzidos.
7ª.- A indemnização a título de danos não patrimoniais deverá ser reduzida para 1 500 000$00 (um milhão e quinhentos mil escudos).
8ª.- Não são devidos juros de mora sobre a indemnização a título de danos patrimoniais futuros e de danos não patrimoniais desde a data da citação da ora Recorrente, mas apenas desde o trânsito em julgado da decisão da 18 instância.
9ª.- Pois se assim se não proceder incorrer-se-á em injusto locupletamento pelo Recorrido, dado que tais verbas foram actualizadas e apenas se tornaram líquidas com a sentença de condenação da primeira instância e só a partir daí é que há mora da Recorrente.
Indica como violados o disposto nos arts. 371°, 376°, 393°, n° 2, 496°; 562°, 563°, 564° e 566° do Código Civil e no art. 668°, n° 1, al. c) e d) do Código de Processo Civil.
Pugna pela revogação da decisão, reduzindo-se as importâncias a pagar pela Recorrente para o montante global de 2 712 040$00 (dois milhões setecentos e doze mil e quarenta escudos), acrescido de juros, à taxa legal, desde a citação quanto aos danos patrimoniais e, desde a data da sentença proferida em 1° instância quanto aos danos patrimoniais futuros e quanto aos danos não patrimoniais.
Por sua vez, o autor interpõe recurso subordinado e nas suas alegações formula as seguintes conclusões:
1ª.- O montante de oito mil contos fixado para indemnizar o dano decorrente da incapacidade permanente (10%) para o trabalho, é exíguo.
2ª.- Devendo o mesmo, atendendo à matéria de facto dada como provada e às considerações expendidas, ser alterado para 9 500 000$00.
Pugna pela revogação da decisão, nesta parte, fixando-se o dano futuro de perda de capacidade aquisitiva na quantidade pretendida.
Ambas as partes contra-alegaram, mantendo as posições defendidas no seu recurso.
Da instância vêm dados como provados os seguintes factos:
-a) No dia 8-8-1995, cerca das 06H30m, na Via rápida IC 24, no Freixieiro, ocorreu um acidente de viação entre o veículo do autor e por si conduzido de matrícula KK..-.., marca Toyota Hilux e o veículo ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-YY, propriedade de Daniel..... e conduzido por Serafim...... (Alínea A dos factos assentes).
-b) O veículo do autor circulava no sentido Ermezinde -Freixieiro e o veículo YY circulava no sentido inverso (Alínea B).
-c) A IC 24 é, no local do acidente, uma via rápida, tipo auto-estrada, com duas faixas de rodagem para cada sentido de marcha e divididas a meio por um separador central em rails metálicos( Alínea C).
-d) Na ocasião do acidente o autor circulava pela faixa do lado esquerdo pois ultrapassava vários veículos(Alínea D).
-e) Nessa postura, ao descrever uma curva pronunciada para a sua direita foi súbita e inesperadamente surpreendido pelo EO circulando em sentido inverso pela faixa onde o autor circulava (Alínea E).
-f) Tendo embatido violentissimamente um no outro, de frente(Alínea F).
-g) O condutor do veículo ..-..-YY circulava por ordem, no interesse e ao serviço do proprietário do YY (Alínea G).
-h) Por contrato de seguro titulado pela apólice n° -.--.--- encontra-se transferida para a ré a responsabilidade civil por danos resultantes da circulação do veículo de matrícula ..-..-YY(Alínea H).
-i) O autor nasceu no dia 9 de Fevereiro de 1963(Alínea I).
-j) Em virtude do acidente o autor esteve internado no Hospital de....., foi submetido a intervenções cirúrgicas, foi submetido a múltiplos e dolorosos tratamentos, nomeadamente de fisioterapia (Alínea J).
-l) Em virtude do acidente dos autos, o autor sofreu luxação de Lisfranc à esquerda, contusão craniana e escoriações na face (resposta ao quesito 1º.).
-m) O autor esteve internado no Hospital de..... desde 08/08/95 a 19/08/95 (quesito 2º.).
-n) O autor foi submetido a duas intervenções cirúrgicas (quesito 3º.).
-o) O autor esteve acamado os dias seguintes à alta hospitalar, mas tal não aconteceu durante 60 meses em que foi portador de gesso no pé esquerdo (quesito 4º.).
-p) O autor esteve doente com incapacidade temporária absoluta geral desde a data do acidente até 28 de Janeiro de 1996; incapacidade temporária parcial de 40% de 29 de Janeiro de 1996 a 7 de Julho de 1996; incapacidade temporária parcial de 15% desde 8 de Julho de 1996 até 28 de Julho de 1996 (quesito 5º.).
-q) Apesar de clinicamente curado, apresenta uma incapacidade permanente para o trabalho de 10% (quesito 6º.).
-r) O autor acusa ao nível do membro inferior esquerdo duas cicatrizes lineares paralelas entre si, situadas no dorso do pé com 7 e 5 cm de comprimento, sendo a mais pequena a mais disposta medialmente; mobilidade articular do tornozelo e pé mantidas mas dolorosas; dismorfia do pé por atenuação do arco interno ( «camba o pé» medialmente) - 7º.
-s) O acidente, mormente o susto sofrido e os factos referidos nas respostas aos quesitos 1º. a 7º., causaram ao autor fortes dores e acentuado abalo psíquico (quesito 8º.).
-t) O autor auferia como comerciante (venda de peixe), pelo menos o rendimento médio mensal de 350 000$00 líquidos (12 vezes por ano) – quesito 9º.
-u) Durante o período de doença o autor deixou de receber pelo menos 1 200 000$00 de rendimentos (quesito 10º.).
-v) Em despesas médicas, medicamentos e similares despendeu cerca de 57 000$00 e em viagens durante o tempo de doença (quesito 11º.).
-x) A ré pagou ao autor as quantias de 85 180$00, a título de adiantamento de despesas e roupas que o autor trazia vestidas na altura do acidente e 817 550$00, pelos estragos sofridos pelo veículo do autor e respectivo reboque(quesito 16º.).
Cumprirá, em primeiro lugar , fixar a matéria de facto, dado que no recurso principal é posta em causa a resposta dada pelo Tribunal aos quesitos 9º. e 10º.
Vejamos:
Perguntava-se, no quesito 9º. ”O autor era forte e saudável e auferia como comerciante(venda de peixe) o rendimento mensal de 35 000$00 líquidos(12 vezes por ano)?”. E no quesito 10º.” Durante o período de doença o autor deixou de receber 1 200 000$00 de rendimentos?”.
Foi respondido: “Provado que o autor auferia como comerciante (venda de peixe), pelo menos o rendimento médio mensal de 350 000$00 líquidos (12 vezes por ano)”- quesito 9º.; “Provado que durante o período de doença o autor deixou de receber, pelo menos 1 200 000$00 de rendimentos” - quesito 10º.
São tais respostas fundamentadas na apreciação crítica dos docs. de fls. 5 a 73, 93 a 96, 109 a 112, 154 a 157, 159 a 175, 183 a 190 e no depoimento de testemunhas ouvidas em audiência.
Pretende a apelante a alteração destas respostas, por entender que as declarações de IRS de 1993, 1994 e nota de liquidação de 1995, impõem resposta diversa, insusceptível de ser alterada, não sendo sequer admissível a sua fundamentação baseada em depoimento de testemunhas.
«Não deixa de ser exacto que na declaração de IRS de 1993 o autor declarou como lucro da sua actividade comercial de venda a retalho de peixe, o lucro de 322 821$00(fls. 155 dos autos); no ano de 1994, o lucro de 543 378$00(fls. 157); no ano de 1995, o lucro de 433 817$00 (fls. 153) e no ano de 1996, o lucro de 230 453$00 (fls. 111).
Mas a confissão contida em tais documentos e a sua força probatória, tal como o art. 376º. do CC determina, só produzirá efeitos em relação à entidade a que se dirigem. Aqui, apenas provam que o autor fez essas declarações perante as entidades fiscais competentes. Só produziriam a prova pretendida perante a ré, se o autor os usasse contra esta, deles se fazendo valer para obter um qualquer benefício.
Não pode a ré seguradora pretender que uma declaração de IRS, não apelidada de falsa, faça prova plena dos rendimentos do declarante, não mais podendo este fazer a prova do seu real rendimento, para com isso o indemnizar apenas dos rendimentos declarados. Não será a ré a beneficiária da fuga generalizada ao fisco.
Assim, sendo a declaração de IRS um documento particular e a sua autoria aceite pelo declarante, a força probatória que lhe é atribuída pelo art. 376º. do CC só pode ser invocada pelo Fisco.
Deste modo, ao autor é lícito utilizar qualquer meio de prova em direito permitido para demonstrar o quantitativo dos seus rendimentos.
Sendo que para prova dos quesitos 9º. e 10º. foram ouvidas testemunhas, está este Tribunal inibido de alterar as suas respostas (art.712º. do CPC).
Improcedem as quatro primeiras conclusões do recurso principal.
Temos como assente a matéria de facto, tal como vem da 1ª. instância.
Cumprirá, agora, conhecer do âmbito dos recursos, delimitado como está pelas conclusões das respectivas alegações (arts. 684º. nº.3 e 690º. nº.1 do CPC).
São-nos colocadas as seguintes questões:
RECURSO PRINCIPAL:
1ª.- valor da indemnização pela perda da capacidade aquisitiva(conclusão 5ª.);
2ª.- valor do dano não patrimonial (conclusão 7ª.):
3ª.- juros de mora destas duas verbas desde a sentença e não desde a citação(conclusões 8ª. e 9ª.).
RECURSO SUBORDINADO:
1ª. valor da indemnização pela perda da capacidade aquisitiva, a fixar em 9 500 000$00(conclusões 1ª. e 2ª.).
-- I --
Prende-se esta questão com o cálculo do dano futuro da perda da capacidade aquisitiva do autor, derivada da IPP de 10%.
A sentença, encontrando o valor total do capital perdido durante a vida activa do autor, com o limite dos 65 anos, indicou o capital que agora entregue a esse equivaleria, tendo ainda em conta o risco próprio da profissão, fixou a indemnização em 8 000 000$00.
A apelante-seguradora, usando o valor do salário mínimo nacional e aceitando os demais critérios da sentença, entende como mais ajustado o valor de 1 000 000$00.
Por sua vez, o autor insiste no valor indicado na petição inicial, ou seja, 9 500 000$00.
Vejamos então:
O cálculo será sempre difícil, por depender de dados problemáticos- Ac do STJ de 26/5/93 in CJSTJ, Ano I, T1, 130.
É usual lançar mão de fórmulas matemáticas, designadamente à que vem referida no Ac. da Relação de Coimbra de 4/4/95 in CJ Ano XX, T2, 23, a qual, por sua vez refere a utilizada pelo Ac. do STJ de 5/5/94 in CJSTJ, Ano II, T2, 86, levando ainda em conta a inflação anual, os ganhos de produtividade e a progressão na carreira.
Todas elas pretendem encontrar um valor a entregar agora e de uma só vez aos lesados, que represente o rendimento perdido pela incapacidade durante o tempo provável de vida activa. Encontra-se, assim, um capital que produzirá rendimentos mensais semelhantes ao valor perdido, mas que no final se esgotará.
Como dados seguros , temos apenas a idade do autor, nascido em 9/2/1963 e a sua ocupação como comerciante de peixe, auferindo 350 000$00 em cada um dos doze meses do ano, para além da IPP de 10%.
Durante um ano a incapacidade parcial permanente representará o valor de 420 000$00.
Vamos então usar a fórmula do Ac. da Relação de Coimbra de 4/4/95 in CJ Ano XX, T2, T23.
1+ r
i = ------ - 1
1+ k
Considerámos o factor ”k”, a taxa anual de crescimento da prestação a pagar no primeiro ano, como sendo de 3%. Tal factor diz respeito à inflação anual, aos ganhos de produtividade(1.º) e à evolução comercial(no caso).
Entende-se, então para “i” o valor de 0,019, sendo de 5% a taxa de juro nominal(R) e de 3% a taxa de crescimento(K).
Sendo que a vida activa do autor será considerada, como é usual, até aos 65 anos, em Agosto/95 ainda faltavam 32 anos.
Assim, para encontrar o valor do capital a entregar ao lesado, ter-se-à de calcular:
(1+ 0,019)32 - 1
C= ----------------------------- X 420 000$00
(1+ 0,019)32 X 0,019

Encontrar-se-à, assim, o valor de 10 001 461$00.

1,826307439 - 1
Porque C=------------------------ x 420 000$00
1,826307439x0,019
0,826307439
C= -------------------x420= 23,81300338x420= 10001,46142
0,03469984135
Sendo certo que este é um valor mais próximo do indicado pelo autor do que aquele que a sentença indica ou encontra, com a única justificação da equidade, não deixa de ser verdade que é um valor matemático.
Como já se afirmou, entra-se em linha de conta com vários dados que não passam de meras hipóteses.
Assim, sempre se dará preferência à equidade, sem que esta se possa confundir com “livre arbítrio”.
-- II --
Nesta segunda questão, entende a apelante ser exagerada a quantia de danos não patrimoniais fixada em 2 000 000$00, entendendo como mais ajustado o valor de 1 500 000$00.
Os critérios legais estabelecidos nos art. 496º. nº. 3 e 494º. do CC apontam para um valor fixado segundo a equidade.
Esta também significa que o Tribunal deve tratar por igual o que é igual e de modo diverso o que diverso é. É abundante a jurisprudência sobre o valor de dano moral no caso de ferimentos em membros inferiores e superiores, sendo que o valor se aproxima muito do indicado pela Seguradora (vidé AC. do Processo 540/2001- 2ª. Secção do mesmo relator).
No caso dos autos, são ferimentos no pé e articulação esquerdos, com duas intervenções cirúrgicas de correcção, resultando duas cicatrizes e atenuação do arco interno, acompanhados da normal dor e desgosto pela situação em que se encontra.
A situação não apresenta características de anormalidade em relação a tantas outras situações.
Com base na equidade, entende-se como mais ajustado fixar o valor do dano não patrimonial em 1 500 000$00, para mais atendendo a que se trata de valor referido a Agosto/95.
Procede integralmente esta segunda questão e com ela a conclusão 7ª. do recurso principal.
-- III --
A última questão do recurso principal prende-se com o momento a partir do qual são devidos juros de mora sobre a parte da indemnização relativa quer à perca da capacidade aquisitiva, quer quanto ao dano não patrimonial.
Foi o Decreto-Lei n°.263/83 de 16 de Junho que fez a ampliação constante da última parte do n°.3 do art. 805°. do CC , face às dúvidas suscitadas com a aplicação da 18 parte do dito nº.3 à responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco.
Os juros são uma consequência da mora do devedor (arts. 804 nº.1 e 806 nº. 1, 2 e 3 do C.C.), não constituindo uma forma de actualização (Ac. Do S.T.J. de - 28/12/95 in B.M.J. 449°-344).
E para efeitos de mora o legislador não estabeleceu qualquer distinção entre danos patrimoniais e não patrimoniais, nem entre danos verificados antes da instauração da acção, ocorridos durante a sua pendência ou daqueles que são futuros e que previsivelmente só venham a verificar-se após a decisão (Correia das Neves in Manual dos Juros, 325)
Assim o legislador afastou expressamente a aplicação da 1 o parte do nº.3 do art. 805 do C. Civil nos casos de responsabilidade civil por facto ilícito ou pelo risco.
Tal como a sentença, também nós repetimos aqui o que já em muitas outras vezes escrevemos: são devidos juros de mora desde a citação, quer se trate de dano patrimonial ou não patrimonial.
A questão não tem tratamento uniforme na jurisprudência.
Contudo, mais recentemente, tem-se inclinado para a posição aqui defendida -Ac. STJ de 17/11/92, BMJ,421°-414; Ac. STJ de 31/3/93, BMJ, 425°-544; Ac. STJ de 24/1/95, BMJ,443°-336; Ac. STJ de 28/9/95, BMJ, 449°-344; Ac. do STJ de 14/1/93 in CJSTJ, ano I, T1, 34; Ac, STJ de 28/9/95 in CJSTJ, Ano 111, T3, 36- para só citar do mais Alto Tribunal.
Para os que entendem como a apelante (juros só desde a data da decisão da 18 instância) o único argumento é o referido nos arts. 566° n.º2 e 805° n.º3 do CC, entendendo que aí se estabelecem duas formas diferentes de actualização da indemnização, que só podem ser usadas alternadamente, pois de outro modo conduziriam a uma duplicação da actualização, que se traduziria num injusto enriquecimento do lesado à custa do lesante.
Não nos parece de acolher tal entendimento.
Como refere o Ac. do STJ de 28/12/95 in BMJ, 449°-344 "os juros de mora não constituem uma forma de actualização das prestações devidas, nem têm essa função, mas antes a de indemnização pela mora, ou seja, pela falta do devedor em cumprir a obrigação em devido tempo- arts. 804° n.º1 e 806° n.º1, 2 e 3 do CC".
Ao fazer a alteração legislativa - DL 263/83- não podia o legislador ignorar o que já dispunham os arts. 566° n.º2 do CC e 663° do CPC, donde resulta que a decisão deve corresponder à data mais recente que puder ser atendida pelo Tribunal - situação existente no momento do encerramento da discussão. De igual modo não ignorava que o normal na indemnização por facto ilícito ou risco é fazer-se em dinheiro.
Apesar de tudo não fez o legislador qualquer ressalva relativamente à actualização que fosse operada de acordo com os mencionados arts. 566° n.º2 do CC e 663° do C PC.
Não vemos razão para alterar a nossa posição, que coincide com a da sentença dos autos.
Improcede a última questão suscitada no recurso principal.
Chega agora a altura de se fazerem as contas finais, da totalidade da indemnização. As verbas de 57 000$00 e 70 000$00 não foram objecto de oposição; o valor do dano moral foi fixado em 1 500 000$00; a perda de rendimento a seguir ao acidente ascende a 1 200 000$00; a perda de capacidade aquisitiva manteve-se nos 8 000 000$00; o valor total será 10792040$00
DECISÃO:
Nestes termos se decide julgar parcialmente procedente o recurso principal (da - ré) e totalmente improcedente o recurso subordinado (do autor), e, em consequência, se condena a ré a pagar ao autor a quantia de 10 792 040$00, acrescida de juros à taxa legal desde a citação até integral pagamento.
Custas conforme o vencimento, tendo-se em atenção o beneficio concedido ao autor (desconto de 50%).
Porto, 15 de Maio de 2001
Cândido Pelágio Castro de Lemos
Armindo Costa
Durval dos Anjos Morais