Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP00038508 | ||
| Relator: | COELHO DA ROCHA | ||
| Descritores: | EXECUÇÃO INTERVENÇÃO PRINCIPAL | ||
| Nº do Documento: | RP200511170536125 | ||
| Data do Acordão: | 11/17/2005 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
| Decisão: | CONFIRMADA A SENTENÇA. | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | Na acção executiva para pagamento de quantia certa há incompatibilidade de ser deduzido o incidente de intervenção principal, por a tal obstar o seu fim e contrariar o seu processado específico, pois não admite uma decisão susceptível de produzir os efeitos próprios do chamamento requerido. Nela, não há uma sentença de condenação. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação do Porto: Em 13.3.2003, no .º Juízo Cível, .ª secção, do Tribunal Judicial do Porto, B.........., SA, instaurou acção executiva, para pagamento de quantia certa, com processo ordinário, contra -B..........; -C..........; e -D.......... pedindo a citação destes, perante si responsáveis solidários, para lhe pagarem, em 20 dias, a quantia de € 6.320,40, acrescida de juros de mora vincendos, desde 7.3.2003, à taxa anual de 7%, ou nomearem bens à penhora ... porquanto, por virtude de operação comercial, a exequente é legítima dona e portadora da livrança exequenda (junta a fls. 6), subscrita pelos dois primeiros executados a seu favor, e avalizada pela 3ª executada, na importância, certa, líquida e exigível, de € 6.197,96, e com vencimento em 5.11.2002; a qual, apresentada a pagamento, não foi paga. Em conjunto, os executados, por apenso, vieram deduzir embargos e requerer a intervenção principal provocada de E.......... . Confessam ter aposto a sua assinatura no título de crédito (livrança) dado à execução; sendo-lhe subjacente um contrato de compra e venda do veículo automóvel Opel .........., ..-..-DB. Porém, julgavam que a livrança tinha sido invalidada: -o embargante comprou este ao tal E..........; para cujo financiamento outorgou, com os restantes embargantes, um contrato de mútuo com a embargada, subscrevendo a livrança; -depois do negócio, e antes de utilizar a viatura DB, trocou esta por uma outra Volkswagen, ..-..-DS, com o mesmo E.......... . E garantiu este aos embargantes que a concretização da troca, com a retoma do veículo Opel, seus documentos e chaves, a subscrição de um novo contrato de crédito e com a anulação do anterior, não lhes importaria qualquer prejuízo. Comprometeu-se este vendedor perante os embargantes, para o efeito, a tratar de todos os documentos e a cancelar o contrato de crédito primeiro, objecto desta execução, como a pagar qualquer montante que fosse devido à exequente. Convenceram-se os embargantes, pois, que o negócio que deu origem à presente execução tinha ficado sem efeito e nada ficavam a dever à embargada; pois nenhum benefício retiraram do crédito que deu origem à execução. A existir o crédito peticionado – dizem os executados (!?) - o que desconhecem, e caso o tenham de pagar, resta-lhes requerer a intervenção principal do tal E.......... nestes autos, a quem pertence solver a dívida correspondente ao crédito financiado pela embargada. Ainda, contudo, que ele aqui não possa directamente ser responsabilizado pelo crédito exequendo, têm sempre os embargantes o direito de regresso sobre ele. Por tal, provocam o incidente de intervenção principal (art. 325º e 466º, CPrC), requerendo o chamamento do E.......... aos presentes embargos e à acção executiva, para contestarem, querendo (art. 327º, ib). Recebidos os embargos, a embargada/exequente apresentou contestação, -aceitando a confissão feita pelos embargantes de que foram quem subscreveu a livrança exequenda; -alegando desconhecer o que se invoca, em relação a terceiro (entidade vendedora – outra - do bem financiado), na petição dos embargos; -e invocam a não alegação pelos embargantes de quaisquer factos susceptíveis de modificar ou fazer extinguir o direito exequendo. Nunca os embargantes ou interposta pessoa lhe fizeram comunicação alguma, no sentido de lhe comunicarem a intenção de “anular” (resolver) o contrato subjacente à livrança exequenda. -Sabem é que em 12.10.2001, celebrou com os embargantes B.......... e C.......... um contrato de mútuo, no montante de € 5.081,76; caucionado por livrança em branco, avalizada pela D.......... e que se mostram subscritos – contrato, acordo de preenchimento e livrança – por todos os embargantes. Nos termos por estes declarados, o mútuo destinava-se à aquisição do automóvel Opel, ..-..-DB; e que a embargada deveria depositar a quantia mutuada na conta identificada pelos mutuários. O que fez. Estes comprometeram-se a reembolsá-la da quantia mutuada, em 48 prestações mensais, no valor de € 158,24, de capital e juros, cada. O que não fizeram; não cumpriram; e não o contestam. Aquando da sua assinatura, a livrança estava em branco; mas pelo incumprimento foi preenchida de acordo com o pacto de preenchimento (sua cláusula 11ª, das condições gerais do contrato de crédito – data de vencimento, local de pagamento, valor até ao limite da responsabilidade assumida). Os embargantes assumem, claramente, que não pagaram o crédito que contraíram perante a embargada. Nos termos do contrato de crédito que subjaz à livrança exequenda o vendedor do automóvel cuja compra os embargantes declararam pretender lhes fosse financiada é F.........., que não E.......... chamado. Pedem a improcedência dos embargos já no despacho saneador. Previamente a este, o Senhor Juiz julgou e decidiu indeferir o incidente da intervenção principal requerido; proferiu o saneador; e, considerando-se habilitado, desde já, a conhecer do mérito da causa, teve por provado: a). -No processo principal da execução, instaurado pela Banco X.........., SA contra o B.........., o C.......... e a D.........., foi dada à execução a livrança de fls. 6, subscrita pelos dois primeiros executados a favor da exequente e avalizada pela terceira executada aos subscritores, na importância de € 6.197,96, e vencimento em 5.11.2002. b). -Os embargantes não pagaram esta importância, nem nesta referida data nem posteriormente. c). -A embargada celebrou com os embargantes B.......... e C.........., em 12.10.2001, o contrato cuja cópia se junta a fls. 26 e vº, cujo teor aqui se dá na íntegra por reproduzido. d). -Segundo os seus termos, a embargada concedeu aos embargantes crédito no montante de € 5.081,76. e). -O contrato foi caucionado por uma livrança em branco, subscrita pelos embargantes B.........., C.......... e avalizada pela D.......... . f). -O crédito concedido destinava-se à aquisição do automóvel Opel, de matrícula ..-..-DB. g). -Os embargantes B.......... e C.......... comprometeram-se a reembolsar a embargada da quantia referida em d), em 48 prestações mensais, no valor de € 158,24, de capital e juros, cada. h).-De acordo com a cláusula 11ª das condições gerais do contrato «os consumidores e os avalistas autoriz(ar)am expressamente a Banco X.........., SA a preencher qualquer livrança por si subscrita e não integralmente preenchida, designadamente no que se refere à data do vencimento, ao local de pagamento, e aos seus valores, até ao limite das responsabilidades assumidas pelos consumidores perante a Banco X.........., SA, acrescido de todos e quaisquer encargos com a selagem dos títulos. i).-A embargada preencheu a livrança dada à execução. Subsumindo-os ao Direito – artigos 815º-1 e 813º, CPrC – não os considerou susceptíveis de impedir, modificar ou extinguir o direito invocado pela embargada, na medida em que se reportam apenas à relação existente entre os embargantes e a entidade vendedora do bem financiado, e em momento algum alegam os embargantes que tivesse sido comunicada à embargada a sua intenção de “anular” /resolver o contrato subjacente à emissão da livrança dada à execução. Deste modo e porque não alegam os embargantes quaisquer factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado pela embargada, cujo “ónus probandi” lhes competia (art. 342º-2, CC), julgou considerar os embargos necessariamente improcedentes; ordenando o prosseguimento da execução. Dizendo discordar, os embargantes recorreram; e, alegando, concluíram (art.s 684º-3 e 690º-1, CPrC: -os embargos são uma acção declarativa enxertada na executiva; -aqui, tem aplicação subsidiária o art. 325º, ss CPrC; -aqui, é admissível o incidente de intervenção de terceiros. Deve ser revogada a decisão e admitido a intervir o chamado. Contraalegou a embargada, batendo-se laboriosamente pela manutenção do decidido. Conhecendo. Diversamente da contestação duma acção declarativa, a oposição por embargos de executado, constituindo, do ponto de vista estrutural, algo de extrínseco à acção executiva, tem o carácter de uma contra-acção tendente a obstar à produção dos efeitos do título executivo. Pugnam os embargantes/executados e ora recorrentes pela revogação da decisão que indeferiu o incidente do seu requerimento de intervenção principal da pessoa de E.......... (no qual invocaram que «caso venham a ser condenados, sempre terão direito de regresso sobre o chamado, já que foi este quem vendeu os veículos e tratou dos contratos de financiamento») formalizado nos embargos à execução contra eles instaurada pela Banco X.........., SA. É que dizem eles entender -ser tal incidente da instância admissível quer em acção declarativa quer em acção executiva (subsidiariamente, art. 466º, 1, CPrC); e -se vierem a ser condenados no pedido, designadamente por se reconhecer que o valor peticionado pela Banco X.........., SA (ora exequente) lhe é devido, então, assistir-lhe-á, eventualmente, o direito de obter uma indemnização do chamado, caso provem também que haviam adquirido a este o referido veículo, tendo este ficado com ele conforme o alegado. Nesta parte, afinal, afirmam existir acção de regresso que o possibilita. Além de que -a admissibilidade da intervenção dentro dos embargos se justifica também por razões de economia processual, evitando acção declarativa autónoma da execução. Consabido é que a livrança – título executivo, art. 46º-c), CPrC – exequenda é um título de crédito que, além de outras características, incorpora a obrigação cambiária no próprio título, cuja posse é condição do exercício do direito nele incorporado. Assim, aqui, a Banco X.........., SA, legítima dona e portadora da livrança, subscrita pelos executados/embargantes, intentou o respectivo procedimento de cobrança judicial. Com a acção executiva pretende a financiadora/exequente, como credora da prestação insatisfeita, obter o cumprimento contra ou independentemente dos obrigados/ executados beneficiários (Anselmo de Castro, Direito de Processo Civil Declaratório, 1981, I, fls. 127). De outro modo, se dirá que a acção executiva visa a reparação material, coactiva e efectiva do direito da exequente, pressupondo a prévia solução da dúvida sobre a existência e a configuração do direito exequendo (solução essa dada pelo próprio título de crédito, no qual a obrigação correspondente está estabelecida). Já o fim da acção declarativa (como processado) é totalmente diverso. É que com ela se pretende a declaração de um direito ou de um facto (Anselmo de Castro, ob. cit. 98); visa-se «obter a declaração judicial da solução concreta resultante da lei, para a satisfação real exposta pela requerente. Pede-se que o Tribunal pronuncie a solução jurídica concreta, no caso submetido a julgamento» (Antunes Varela, Processo Civil, 1984, fls. 69). Enquanto nela se declara e se dirime o litígio; na acção executiva, se impõe coactivamente o direito pré-definido; se dá satisfação ao direito definido por um título munido de força executiva, pelo qual se determina o fim, os limites e a legitimidade passiva (art. s 45º-5 e 55º-1, CPrC ; e ob. cit. 70). Assim, pois, entre a acção declarativa (que visa uma sentença de condenação) e a acção executiva (que conduz à efectivação do direito) há uma cisão nítida entre o processo de cognição do Juiz do respectivo processo. Sendo até que, com caso “sub judice”, a acção executiva tem uma outra espécie de suporte – título de crédito/livrança – possuindo este(a) força legal suficiente, de tal forma que constitui um mínimo de prova sobre a existência, a titularidade e o objecto da obrigação e do não cumprimento do devedor , “ut” art. 46º c), CPrC. Daí, bem se diga na decisão recorrida que se a execução deve ser instaurada apenas contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor, aqui, pela subscrição da livrança e aval dado (os embargantes); e se não pode ser executado quem no título executivo não figure – o terceiro E.........., torna-se inaceitável a intervenção principal provocada deste, por isso, para se associar ao executados. Tem-se, na verdade, o incidente da instância em apreço como exclusivo, em princípio, do processo de declaração. Aqui, destinar-se-ia a chamar tal terceira pessoa para posição de Réu, com o fundamento em o chamado na acção ter «acção de regresso» contra terceiro (art. 330º-1, CPrC). A ter lugar o incidente, ter-se-ia em mira: -ou impedir que o sujeito passivo da futura acção de regresso atribuísse, nesse pleito, negligência na defesa que os RR usaram na demanda em que o não chamou; -ou obter uma sentença que produza quanto ao chamado o efeito de caso julgado; vinculando-o, por conseguinte, quanto ao pressuposto da acção de regresso do demandado contra ele. O incidente não visa, assim, a condenação do chamado a cumprir qualquer obrigação que seja imputada aos demandados. Por isso, na acção executiva em causa para pagamento de quantia certa há incompatibilidade de ser deduzido o incidente da instância ajuizado, por a tal obstar o seu fim e contrariar o seu processado específico, pois não admite uma decisão susceptível de produzir os efeitos próprios do chamamento requerido. Nela, não há uma sentença de condenação. O mesmo vale para o seu apenso de embargos de executado, onde aqui nos inserimos; onde os executados/embargantes tão só alegam factos que se reportam à eventual relação havida entre si e o vendedor do bem financiado; e, em momento algum, alegam que tivessem comunicado à embargada a sua intenção de “anular”/resolver o contrato subjacente à emissão da livrança exequenda. No sentido que perfilhamos, como no da decisão “a quo” cfr. Ac. Rel. Lx, de 13.1.1981, BMJ 308, 274; de 26.3.85, CJ , X, 2º, 114; da Rel. Porto, de 29.7.82, CJ, VII, 4º, 230; da Rel. Coimbra, de 2.5.95, CJ, XX, 3º, 21. Ainda, Salvador da Costa, in Os Incidentes da Instância, Almedina, Coimbra, 1999, pág. 124 vº «Este incidente (de intervenção acessória provocado) é incompatível com a acção executiva para pagamento de quantia certa, mesmo na fase de embargos de executado, porque os fins de uma e de outra são incompatíveis, além do mais porque a acção executiva não comporta decisão condenatória, pressuposto essencial do incidente em análise». Deste modo, bem se concluiu “a quo” que não poderá o chamado intervir igualmente nestes embargos de executado, como auxiliar na defesa, assim se indeferindo o chamamento requerido. É que o chamado não pode intervir nos autos, como associado da parte passiva da execução, por falta de título executivo, quanto a este; nem muito menos, como executado, por não constar como devedor no título executivo e a solução na causa não configura qualquer um dos casos de desvios legais, relativos a formas específicas de intervenção de terceiros na acção executiva relacionadas com a penhora de bens efectivada; a entrega de bens nela requerida; e a responsabilidade patrimonial de terceiro – conforme discrimina Miguel Teixeira de Sousa, in Acção Executiva Singular, 1998, pág. 144 e 145. Embora estruturalmente autónomo, o processo de embargos de executado está ligado funcionalmente ao processo executivo (Anselmo de Castro, A Acção, pág. S 47 e 301) e o acertamento que nele se faz, seja de mérito seja sobre pressupostos processuais da acção executiva, serve as finalidades desta (José Lebre de Freitas, A Acção Executiva, 2ª edição, Coimbra Editora, 1997, pág. 160). Quanto à intervenção principal na acção executiva, cite-se ainda este Autor, quando diz: «a sua admissibilidade só é defensável quanto a pessoas com legitimidade para a acção executiva, pois, de outro modo, o incidente de intervenção iria servir à formação dum título a favor ou contra terceiros, o que não se compadece nem com o fim (art. 4º-3) nem com os limites (art. 45º-1, CPrC) da acção executiva» (ob. cit. pág. 115). Bem se diz que a própria natureza, ritologia e terminologia do processo executivo inculcam e impõem a sua inadequação e incompatibilidade com o incidente da intervenção de terceiros; sendo que este é inadmissível nos embargos de executado, por não se compaginar com a natureza, a estrutura e a finalidade destes – Ac. Rel. Porto, de 9.7.1998, www.terravista.pt.bilene/2 850/00088.html. “Contra legem” não podem fazer prevalecer-se razões (invocadas) de economia processual; pois tal implicaria subverter a vontade do legislador, deduzida do seu comportamento expresso nos normativos “sub judice” equacionados e confrontados, relativos à questão da (in)admissibilidade do incidente da intervenção provocada de terceiros na acção executiva e/ou seus embargos de executado. Excrescência à acção executiva, que irreleva pois, é a matéria articulada pelos executados/embargantes, relativa ao ajuizamento do incidente da instância em causa, pelo que não pode “ex lege” ela, ora e aqui, pelo e em consequência do já exposto, ser considerada e levada em conta, e não podendo obstaculizar o prosseguimento da acção executiva. Isto porque, dentro da causa de pedir e do pedido desta, à matéria relevante nela articulada pela exequente/embargada Banco X.........., SA se confina; e quanto a ela, sequer factos alguns impeditivos, modificativos ou extintivos foram alegados e/ou provados pelos embargantes (art. 342º-2, CC; 813º e 815º-1, CPrC). Subsiste a matéria de facto tida por provada “a quo” na decisão impugnada; e que em precedência se deixou relatada e elencada. Como assente, pois, aqui também ela se tem. Aliás, quanto a ela, os recorrentes não a tiveram sob mira “ad quem”. A subsunção feita dela ao Direito aplicável é a justa e adequada, está bem fundamentada, e é conforme a ele. Nenhuma censura merece a decisão final. Não podem vingar as conclusões da alegação do recurso. Termos em que, se decide, -negar provimento ao recurso; e, em consequência, -se confirma e mantém a decisão impugnada. Custas pelos embargantes/recorrentes. Porto, 17 de Novembro de 2005 António Domingos Ribeiro Coelho da Rocha Estevão Vaz Saleiro de Abreu Fernando Manuel de Oliveira Vasconcelos |