Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP00039897 | ||
| Relator: | ÂNGELO MORAIS | ||
| Descritores: | SIGILO BANCÁRIO | ||
| Nº do Documento: | RP200612200615336 | ||
| Data do Acordão: | 12/20/2006 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | INCIDENTE. | ||
| Decisão: | ANULADA A DECISÃO. | ||
| Indicações Eventuais: | LIVRO 468 - FLS 229. | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | O tribunal de instrução criminal é incompetente para decidir a quebra do sigilo bancário. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação do Porto. Nos autos de inquérito nº…/05.9GAVCD, foi proferido pela Senhora juiz de instrução o seguinte despacho: “Notificada para fornecer aos autos os dados constantes a fls. 51, a B………. manifestou, a fls. 97, a impossibilidade de satisfazer o solicitado em virtude de os elementos pedidos estarem a coberto do sigilo bancário. O Digno Magistrado do Ministério Publico, nessa sequência, elaborou o despacho de fls. 79, promovendo que se notificasse, uma vez mais, aquela instituição bancária, solicitando a remessa das informações pretendidas. Cumpre decidir: O artigo 78° do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n°298/92, de 31/12, prescreve que os órgãos da administração ou de fiscalização das instituições de crédito, os seus empregados, mandatários, comitidos ou outras pessoas que lhes prestem serviços, a título permanente ou ocasional, não podem revelar ou utilizar informações sobre factos ou elementos respeitantes à vida da instituição ou às relações desta com os seus clientes cujo conhecimento lhes advenha exclusivamente das suas funções ou da prestação dos seus serviços, dispondo o n°2 do mesmo normativo que estão, designadamente, sujeitos a segredo, os nomes dos clientes, as contas de depósito e seus movimentos e outras operações bancárias. Todavia consagra o artigo 79°, n°2, na sua alínea d), do acima referido Diploma Legal, que os factos e elementos cobertos pelo dever de segredo só podem ser revelados nos termos previstos na lei penal e do processo penal. Ora, o segredo bancário cede perante o dever de cooperação com as autoridades judiciárias, quando particulares exigências de investigação criminal o imponham. O segredo bancário pode ser quebrado nos termos previstos na lei penal (artigo 31°, n°1, do Código Penal) não se tornando ilícito o facto em caso de conflito de deveres, uma vez verificados os pressupostos do artigo 36°, n°1, do C. Penal, o qual reza que “não é ilícito o facto de quem, em caso de conflito no cumprimento de deveres jurídicos ou de ordens legítimas da autoridade, satisfizer dever ou ordem de igual ou superior ao dever ou ordem que sacrificar”. No caso em apreço estamos perante valores conflituantes, ou seja, por um lado o segredo profissional manifestado na protecção das relações de confiança entre as instituições bancárias e os seus clientes e, por outro lado, o interesse público do Estado na boa administração da justiça penal, corporizado, nos presentes autos no inquérito conducente à investigação da prática de um crime de furto e de um crime de falsificação de documento. Assim, tendo em conta o supra expendido e compulsados devidamente os autos, verifico que os pedidos revelam-se imprescindíveis para o prosseguimento do inquérito, motivo pelo qual, por ora, determino que se solicite à instituição bancária em questão as informações constantes de fls. 51, sob pena de se ordenar a realização da busca às suas instalações”. Inconformada, interpõe e motiva a «B………., SA» o presente recurso, concluindo: 1º O Tribunal a quo ordena a disponibilização pela B………., SA de elementos bancários, protegidos pelo dever de segredo (todos os elementos de identificação da(s) conta(s) bancária(s) em que é titular a Sra. D.ª C………., nomeadamente, número, titulares, identificação completa dos mesmos, contrato de depósito, condições de movimentação, o(s) extracto(s) bancário(s) da(s) referida(s) conta(s) “o mais pormenorizado possível”, no período compreendido entre 07 de Março e 31 de Julho de 2005, como cópia dos talões de depósitos referentes a esse período), nos termos do disposto nos arts. 78.° e 79º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), aprovado pelo Decreto-Lei nº 298/92, de 31 de Dezembro. 2º A B………., SA, invocando o dever de segredo bancário ao qual está por lei obrigada, tinha recusado a satisfação do anterior pedido. 3º No despacho recorrido, o Tribunal a quo efectua uma ponderação entre o interesse na administração e realização da Justiça e perseguição da verdade material e o interesse protegido pelo dever de segredo bancário, decidindo pela prevalência dos primeiros. 4º Ao fazê-lo, o Tribunal a quo, viola o disposto no nº 3 do art. 135º do CPP, já que, face à legitimidade da anterior recusa da B………., SA, deveria ter suscitado junto do Tribunal da Relação do Porto o incidente de prestação de informação com quebra do dever de segredo, uma vez que considera os elementos solicitados “… imprescindíveis para o prosseguimento do inquérito…”. 5º Na verdade, concordando com a interpretação daquela norma feita pelo STJ no seu Acórdão de 06/02/2003, relativo ao processo n°03P159, in www.dgsi.pt, Sumário ponto III, também a B………., SA defende que: “A decisão sobre o rompimento do segredo é da exclusiva competência de um tribunal superior ou do plenário do Supremo Tribunal de Justiça, se o incidente se tiver suscitado perante este tribunal”. 6º O despacho ora recorrido está, nos termos do disposto na alínea e), do artº119° do CPP, ferido de nulidade por violação da regra de competência em razão da hierarquia, ínsita no n°3, do artº135° do CPP, quer na parte em que pondera e decide o conflito dos interesses em jogo, quer na parte em que declara lícita a quebra do segredo bancário, quer ainda na parte em que ordena de novo a entrega da informação bancária já antes recusada ao abrigo do segredo bancário. 7º Ao que acresce que, uma invocação da ilegitimidade da escusa da B………., SA pelo Tribunal a quo conduz à nulidade da prova assim recolhida, conforme previsto no n°3 do artº126º do CPP, já que o segredo bancário pertence ao grupo de direitos destinados a preservar a intimidade da vida privada. 8º Sendo nulo o despacho, e inexistindo decisão do Tribunal da Relação que determine no caso concreto a quebra do segredo bancário, não pode a B………., SA considerar-se deste desobrigada. 9º Ao abrigo da segunda parte da alínea d) do n°1, do artº401° CPP, a B………., SA tem legitimidade para interpor o presente recurso, e fá-lo tempestivamente. Termos em que deve o despacho ora recorrido ser declarado nulo e substituído por outro que: Remeta para o Tribunal da Relação do Porto o incidente de escusa, para que este Tribunal superior decida quanto à prestação, pela B………., SA, dos elementos pretendidos, com quebra do dever de segredo, nos termos do disposto no n°3 do art. 135°, do CPP, caso se considere tal quebra do segredo bancário justificada face às normas e princípios aplicáveis da lei penal, nomeadamente face ao princípio da prevalência do interesse preponderante». Na sua resposta o Ministério Público conclui pelo não provimento do recurso. * A Senhora juiz quedou-se pela ordenada subida dos autos. * Subindo os autos, o Senhor Procurador-geral adjunto emitiu parecer de provimento do recurso. * Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir: Dispõe o art. 78° n°s 1 e 2 do Dec. Lei n°298/92 de 31-12 que os membros dos órgãos de administração ou de fiscalização das instituições de crédito, seus empregados, mandatários e outras pessoas que lhes prestem serviços (…) não podem revelar ou utilizar informações sobre factos ou elementos respeitantes (…) aos nomes dos clientes, às contas de depósito e seus movimentos e outras operações bancárias, sendo certo que a situação dos autos se encontra abrangida por esse dever. A violação desse dever pode integrar o crime de violação de segredo p. e p. pelo artº195° do Cód. Penal. Quanto ao dever de segredo profissional, este é geralmente estabelecido tendo em conta o bom nome, a reputação e a reserva da vida privada das pessoas a quem aproveita, conjugados com o interesse, também privado, da protecção das relações de confiança entre as instituições financeiras e respectivos clientes. Por seu turno, o inquérito compreende o conjunto de diligências que visam investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e recolher as provas em ordem à decisão sobre a acusação (art. 262° do Cód. Proc. Penal). Por isso que, quer em sede dos meios de prova, quer em sede dos meios de obtenção de prova, designadamente através de apreensões em estabelecimentos bancários, tais diligências de inquérito só possam efectivar-se após sua fundada legitimação pelo tribunal, se invocado pelos vinculados ao sigilo o respectivo segredo profissional, o que de facto aconteceu, in casu, com a recorrente «B………., SA», dispensando-a então do respectivo segredo. Ora, sempre que tal aconteça e havendo fundadas dúvidas sobre a legitimidade da escusa das informações solicitadas ou da recusa de apresentação dos objectos ou documentos cuja apreensão se busca, deve a autoridade judiciária, competente, mesmo oficiosamente, lançar mão do incidente previsto no artigo 135º do Cód. Proc. Penal, a ser decidido pelo tribunal imediatamente superior àquele onde foi suscitado. No caso em apreço, só esta Relação seria competente para decidir da quebra do segredo profissional da recorrente e consequente obrigação na prestação das informações bancárias que lhe foram solicitadas, nos termos das disposições conjugadas dos artºs 135º, 136º e 182º nº2 do Cód. Proc. Penal. É pois manifestamente incompetente o tribunal de instrução criminal para decidir da dispensa de sigilo bancário para obtenção de informações por este abrangidas e bem assim para ordenar a apreensão da respectiva documentação das mesmas, se atempadamente invocado, como o foi, tal dever de segredo pelos respectivos vinculados. A decisão recorrida padece inequivocamente de nulidade, nulidade esta que é insanável e mesmo de conhecimento oficioso, nos termos do artº119º alínea e) do Cód. Proc. Penal e que fulmina toda a ponderação em que se estriba e correspectiva notificação, nos termos ainda do disposto no artº122º do mesmo diploma legal. Decisão: Acordam os Juízes desta Relação em declarar nulo o despacho recorrido, o qual deverá ser substituído por outro, em conformidade com o disposto no artº135º, nº2 e nº3, in fine, do CPP, dando-se provimento ao recurso. Sem tributação. Porto, 20 de Dezembro de 2006. Ângelo Augusto Brandão Morais José Carlos Borges Martins Élia Costa de Mendonça São Pedro |